Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
250/07.9TBPNH-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GREGÓRIO JESUS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL
Data do Acordão: 11/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 66º E 96º, Nº1, CPC; 18º, Nº 1, DA LOFTJ, APROVADA PELA LEI Nº 3/99, DE 13/01.
Sumário: I – A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual.

II - Para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria não releva o conteúdo do instrumento de defesa apresentado pelo réu, mas tão só os termos da causa de pedir e do pedido formulados pelo autor.

III – O que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma de processo), ou seja, é o articulado inicial do demandante que determina a resolução desses pressupostos.

IV – O artº 96º, nº 1, do CPC estabelece que o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa.

V – Daí que sendo o tribunal da comarca o competente, em razão da matéria, para o conhecimento da questão principal ou fundamental suscitada pelo autor, será também ele o competente para o conhecimento das restantes questões conexas ou dependentes deduzidas na petição inicial e, outrossim, das questões deduzidas pelos réus nas respectivas contestações em sua defesa, ainda que para umas e outras, enquanto isoladamente consideradas, fosse competente o foro administrativo.

VI – Actos de gestão pública são os que se compreendem no exercício de um poder público, integrando, eles mesmos, a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coerção e independentemente, ainda, das regras, técnicas ou de outra natureza, que na prática dos actos devam ser observadas.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

 O Município de Pinhel intentou a presente acção ordinária contra A.... e mulher B..., residentes em ...., pedindo a nulidade de um contrato promessa celebrado em 20 de Setembro de 2002, entre o agravante marido e C..., e consequentemente o reconhecimento de ser o legitimo proprietário da área dos arruamentos, com referência ao referido contrato promessa, e os réus condenados a reconhecer ao autor o direito de propriedade sobre essa área e a restituirem-na livre de pessoas e coisas.

Citados os réus, contestaram deduzindo excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal para conhecer do objecto do litígio, sustentando a competência da Jurisdição Administrativa para o efeito, fundamentando tal excepção no facto de que a acção não se pode reconduzir a uma simples apreciação da propriedade e posse de um imóvel e consequente reivindicação, pois o que subjaz à mesma é a validade e extensão de um acto administrativo - Alvará de Loteamento nº 13 -, antes se tratando de uma questão de ordem pública (extensão de loteamento e prossecução de interesses urbanísticos).

Replicou o autor alegando que o que está em causa, ao contrário do que pretendem os réus, é mesmo uma questão de reivindicação dos terrenos, pleiteando o autor despido de quaisquer vestes públicas visando assumir-se como um qualquer dono de um terreno que considera pertencer-lhe e que, de forma ilegítima, dele foi desapossado.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a invocada excepção de incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal, argumentando-se que “atenta a forma como o Autor configurou a acção e o contrato em causa, não pode ter-se a jurisdição administrativa como a competente para a apreciação dos presentes autos, sendo-o sim a jurisdição comum”.

Inconformados com a decisão dela interpuseram recurso de agravo os réus tirando as seguintes conclusões nas alegações que apresentaram:

A) Dos factos alegados pela A. e a relação jurídica por ela configurada, importa concluir que o litígio em causa nos presentes autos reporta-se a uma questão relativa à validade de um contrato submetido a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.

B) Compete à jurisdição administrativa apreciar litígios que tenham por objecto a interpretação, validade e execução dos contratos, mesmos que, puramente, privados.

C) Apesar de a presente acção vir configurada como acção de reivindicação, o que subjaz à mesma é, nem mais nem menos, do que a validade e extensão de um acto administrativo (Alvará de Loteamento n.º 13, junto com a PI.). Com efeito, como se refere na PI, em 22/07/1997, foi efectuada a reconstituição do loteamento anterior.

D) Como questão prévia a esta acção importa definir o alcance e extensão do acto administrativo que legalizou, se é que legalizou o loteamento em causa.

E) A presente acção não se pode reconduzir a uma simples apreciação da propriedade e posse sobre um imóvel e consequente reivindicação.

F) Manifestamente, no caso em apreço, o que a A. pretende pôr em causa é o próprio acto administrativo (aprovação ou não do loteamento e emissão do respectivo alvará) levado a cabo pela pessoa jurídica a cujo cargo estava o fim de utilidade pública tido em vista, no exercício de um poder público. Portanto provido do poder de supremacia que, em princípio, lhe advém da sua qualidade de Ente Público Administrativo (cf. Marcelo Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, I, 10ª ed, Almedina, pág 430). Por outro lado, essa conduta enquadra-se numa actividade regulada por normas, princípios e critérios de direito público (administrativo) e não por normas comuns de direito privado (civil).

G) Forçoso é concluir que, nos presentes autos, estão em discussão questões de ordem pública – alcance e extensão de um loteamento, por um lado e de prossecução de interesses urbanísticos e de interesse público, por outro. Tais matérias são, inequivocamente, da competência dos Tribunais Administrativos (artigo 13º da LOSTA, 18 do C. Administrativo e artigo 4º n.º 1 alíneas a), f) e l) do ETAF e art. 66º do C. P. Civil).

H) Verifica-se, assim a incompetência em razão da matéria, o que leva à incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de Pinhel.

I) O despacho recorrido viola as normas constantes dos artigos 13º da LOSTA, 18 do C. Administrativo e artigo 4º n.º 1 alíneas a), f) e l) do ETAF e art. 66º do C. P. Civil.

O autor não ofereceu contra-alegações.

Foi proferido despacho de sustentação.

Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.



O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 684º, nºs 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil.

A única questão colocada traduz-se em saber se o Tribunal Judicial da Comarca de Pinhel tem competência em razão da matéria para o julgamento da presente acção, ou se, como sustentam os réus, tal competência deve ser deferida ao competente tribunal administrativo.



                                             II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Importam para a decisão a proferir os factos acima enunciados no relatório.

DE DIREITO

A única questão a dilucidar consiste em saber qual o tribunal materialmente competente para a acção.

Manuel de Andrade ensinava que a competência em razão da matéria é a competência das diversas espécies de tribunais, diversas ordens de tribunais dispostas horizontalmente, isto é, no mesmo plano, não havendo entre elas uma relação de supra-ordenação e subordinação, baseada a definição desta competência na matéria da causa, ou seja no seu objecto, encarado sob o ponto de vista qualitativo - o da natureza da relação substancial pleiteada.

Trata-se, pois, de uma competência ratione materiae. A instituição de diversas espécies de tribunais e a demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes[1].

A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual. Segundo o critério de atribuição positiva, pertencem à competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial.

Segundo o critério da competência residual, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial (art.º 66º do Código de Processo Civil e 18º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - LOFTJ[2]).

Isto é, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual e, no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais comuns aqueles que possuem essa competência residual.

É entendimento pacífico, e seguido em numerosos Acórdãos do STJ[3], que para determinação da competência em razão da matéria é necessário atender-se ao pedido e especialmente à causa de pedir formulados pelo autor, pois é desta forma que se pode caracterizar o conteúdo da pretensão do demandante, ou nas doutas palavras de Alberto Reis, é assim que se caracteriza o “modo de ser da lide[4] .

A causa de pedir é o facto jurídico concreto integrante das normas de direito substantivo que concedem o direito, e o pedido a pretensão formulada pelo autor ou pelo reconvinte com vista à realização daquele direito ou à sua salvaguarda (art. 498º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

Quer dizer que, para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, deve atentar-se à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante, não relevando o conteúdo do instrumento de defesa apresentado pelo réu, mas tão só os termos da causa de pedir e do pedido formulados pelo autor.

Como se considera no Acórdão do STJ de 13/03/08, Proc.08A391[5], “No fundo, o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma de processo), ou seja, é a instância – no seu primeiro segmento consubstanciado no articulado inicial do demandante – que determina a resolução desses pressupostos.”.

A competência do tribunal não depende da legitimidade das partes nem da procedência da acção. Como acentua Manuel de Andrade[6] – citando Redenti – a competência do tribunal afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor.         

Em consonância com este entendimento, dispõe o art. 22º, nº 1, da LOFTJ, que a competência se fixa no momento da instauração da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.

Sendo assim, comecemos, pois, pela caracterização do pedido e da causa de pedir formulados na acção.

Compulsando a petição inicial logo se revela que o recorrido/autor pretende obter a declaração de nulidade de um contrato promessa de compra e venda celebrado em 20 de Setembro de 2002, entre o agravante marido e C... em representação da herança aberta por óbito de Horácio Alberto dos Santos, de uma área de terreno com 1600 m2, e consequente reconhecimento do seu direito de propriedade da área dos arruamentos naquele abrangida, e sua restituição pelos réus.

A questão a dirimir traduz-se numa reivindicação de propriedade enquadrável nos artigos 280º,294º, 1305º e 1311ºdo Código Civil.

A acção tem clara natureza reivindicatória, configuração cedo reconhecida pelos agravantes na sua contestação e aceite ao longo das suas alegações recursivas e conclusão (C).

Neste tipo de acções o demandante arrogando-se dono da coisa afirma a sua qualidade de proprietário, a provar pelo autor se invoca uma qualquer forma de aquisição originária, cujo reconhecimento pede, pedido esse essencial, e exige que a mesma lhe seja restituída por detenção intitulada. São assim dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio) por um lado e a restituição da coisa (condemnatio) por outro. Isto mesmo resulta com toda a clareza do disposto no art. 1311º do Cód.Civil.

Reconduz-se, pois, a questão dirimenda central a questão do domínio ou da propriedade por banda do autor, a uma relação jurídica de direito privado como tal regulada pelas normas e princípios do direito civil comum, sem embargo de nela intervir como parte uma pessoa colectiva de direito público, já que actua em pleno pé de igualdade com os recorrentes e sem a exercitação do respectivo “jus imperium”.

O que acontece é que os agravantes na sua contestação, para além de formularem um pedido reconvencional pretendendo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio rústico que identificam, pedido esse arredio da questão em análise, defendem-se suscitando como questão prévia da validade do contrato promessa a apreciação do alcance e extensão de um acto administrativo traduzido no Alvará de Loteamento nº 13, alegando que a parcela de terreno em contenda nunca se incluiu em tal loteamento.

 Por isso, entendem que estão em discussão questões de ordem pública, alargando e deslocalizando a liça até à área administrativa.

Seguramente que o loteamento, sua aprovação, emissão de alvará, e reconstituição, são actos administrativos. Como regra, os tribunais administrativos são os materialmente competentes para a sua impugnação contenciosa.

Todavia, o art. 96, nº1, do C.P.C., estabelece que o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa.

Perfila-se, no fundo, uma hipótese em tudo semelhante à da "extensão da competência" ou de "competência por conexão" do tribunal comum, nos termos e para os efeitos do nº 1 do artº 96º do CPC, cuja razão de ser reside precisamente em evitar a suspensão da causa principal até ao julgamento no tribunal próprio das questões prejudiciais ou incidentais.

Tudo isso para que a decisão dessa questão "dependente" possa constituir caso julgado dentro do respectivo processo “inter partes” e, por essa via, conferir plena eficácia executiva à eventual decisão judicial relativa à relação jurídica fundamental.

Daí que sendo o tribunal da comarca o competente, em razão da matéria para o conhecimento da questão principal ou fundamental pelo autor submetida ao escrutínio judicial, será também ele o competente para o conhecimento das restantes questões conexas ou dependentes deduzidas na petição inicial e, outrossim, das questões deduzidas pelos réus nas respectivas contestações em sua defesa, ainda que para umas e outras, enquanto isoladamente consideradas, fosse competente o foro administrativo[7].

Fica, portanto, bem patente que as questões suscitadas no âmbito da defesa não têm virtualidade para determinar a competência em razão da matéria.

E regressando aos pedidos do autor os mesmos evidenciam uma relação jurídico-privada, como tal regulada pelo direito privado. O autor não exercita acção relativa a algum contrato administrativo.

Em causa está a subsistência ou insubsistência do contrato promessa e o alegado comportamento invasivo dos réus, visto da perspectiva do autor enquanto lesado no seu direito de propriedade, cuja avaliação é regulada pelas normas de direito privado dos art.ºs 280º,294º, 1305º e 1311º do Código Civil, que não por normas, princípios e critérios de direito público.

Nesta conformidade, é forçosa a conclusão de que se deve manter o sentido decisório do despacho impugnado, com atribuição da competência em razão da matéria ao Tribunal da Comarca de Pinhel.

Mas a idêntica conclusão chegaremos percorrendo uma outra via.

Considerando que o que está em causa é o confronto entre a competência dos tribunais da ordem judicial e a dos tribunais da ordem administrativa para conhecimento de questão vejamos qual é o âmbito da competência dos tribunais desta última ordem.

O artigo 212°, n.° 1 da Constituição, diz, relativamente à jurisdição comum:

Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas as outras ordens judiciais”.

E o seu n.°3, diz, quanto à ordem administrativa: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais”.

A regra geral é a da jurisdição comum e sempre subsidiária. Em consonância, e segundo o chamado princípio do residual já acima abordado, o artigo 18°, n.° 1, da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ), e o artigo 66° do Código de Processo Civil, confirmam que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Como se sabe, desde 1 de Janeiro de 2004 que vigora o novo ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro.

Começando por definir a competência dos tribunais administrativos através de uma clausula de conteúdo geral no art. 1º, nº 1, segundo a qual “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, depois concretiza, a título exemplificativo, um conjunto de situações que se enquadram nessa clausula nas várias alíneas do seu artº 4º nº 1.

Entre outras, as alíneas a), f), e l) apontadas pelos agravantes, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2004 (artº 4º nº 2), dispõem que:

“ 1. Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:

a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;

f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público;

l) Promover a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas, e desde que não constituam ilícito penal ou contra-ordenacional”.

Ora, como acima anotámos, o autor, com a declaração de nulidade do contrato promessa celebrado entre o réu marido e os herdeiros do loteador, pretende ver declarado o seu direito de propriedade sobre os terrenos onde estão implantados os arruamentos do loteamento requerido e aprovado pela Câmara Municipal de Pinhel em 22.7.1997, e serem os réus condenados a restituírem-lhos, livre de pessoas e coisas.

Analisando a causa de pedir invocada e subjacente aos pedidos não se descortina que a decisão da causa careça de prévia decisão do foro administrativo ou que se integre em qualquer um dos factores de atribuição de competência acima aludidos.

Mas chamando ainda ao debate o que se entenda por litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, questão a que se reconduz actualmente a competência dos tribunais administrativos, vemos que para Freitas do Amaral relação jurídica administrativa é “…aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração[8], e socorrendo-nos do Tribunal de Conflitos que se tem debruçado sobre a matéria visando a resolução de diferendos de jurisdição entre tribunais judiciais e administrativos, consideram-se “Actos de gestão privada, os que se compreendem numa actividade em que a pessoa colectiva, despida do poder público, se encontra e actua numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam, e, portanto, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com submissão às normas de direito privado” e Actos de gestão pública, os que se compreendem no exercício de um poder público, integrando, eles mesmos, a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coerção e independentemente, ainda, das regras, técnicas ou de outra natureza, que na prática dos actos devam ser observadas[9].

Ora, sob este enfoque, no caso vertente não se vislumbra, minimamente, que o Município de Pinhel intervenha com quaisquer poderes de autoridade, com exercitação do respectivo “jus imperium”, ou sofra restrições de interesse público. Pelo contrário encontra-se a actuar numa posição de paridade com os particulares a que o acto respeita, como é bem sublinhado na decisão impugnada.

Face a esta identidade de solução a que se chega ainda que se opte por diversos trilhos, só resta reconhecer que o Tribunal Judicial de Pinhel é competente em razão da matéria para conhecer do objecto da presente acção.



Sintetizando:

I - Para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, não releva o conteúdo do instrumento de defesa apresentado pelo réu, mas tão só os termos da causa de pedir e do pedido formulados pelo autor.

O que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma de processo), ou seja, é o articulado inicial do demandante que determina a resolução desses pressupostos;

II - O art. 96, nº1, do C.P.C., estabelece que o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa.

Daí que sendo o tribunal da comarca o competente, em razão da matéria para o conhecimento da questão principal ou fundamental suscitada pelo autor, será também ele o competente para o conhecimento das restantes questões conexas ou dependentes deduzidas na petição inicial e, outrossim, das questões deduzidas pelos réus nas respectivas contestações em sua defesa, ainda que para umas e outras, enquanto isoladamente consideradas, fosse competente o foro administrativo,

III- Actos de gestão pública são os que se compreendem no exercício de um poder público, integrando, eles mesmos, a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coerção e independentemente, ainda, das regras, técnicas ou de outra natureza, que na prática dos actos devam ser observadas.


III-DECISÃO

Em face de todo o exposto, nega-se provimento ao agravo confirmando-se a decisão impugnada.

Custas pelos agravantes.


[1] Noções Elementares de Processo Civil, ed. 1976, a páginas 94.
[2] Vigente à data da instauração da acção.
[3] Cfr. Acs. do STJ, de 20/02/90, no BMJ n.º 394, pág. 453, de 27/06/89, no BMJ n.º 388, pág. 464, de 06/06/78, no BMJ n.º 278, pág. 122, de 9/05/95, na C.J., 1995, II, págs. 68-70, de 3/5/00, na C.J., 2000, II, pág. 39, e de 27/12/08, na C.J., 2008, III, pág.146.
[4] Comentário, 1º, 110; no mesmo sentido Manuel de Andrade na obra já citada, pág. 91.
[5] Disponível no sítio do ITIJ.
[6] In ob.cit, pág. 91.
[7] Neste sentido os Acs. do  S.T.J. de 9/1/03, C. J., 2003, 1º, 14, e de 9/03/04, C. J., 2004, 1º, 110.
[8] Direito Administrativo, 1989, III, págs 439/440.
[9] Acs. de 05-11-81, no BMJ 311º- 195, e 15/12/92, no BMJ 422.º-75.