Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1116/08.0TBCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
DECLARAÇÃO
EFEITOS
EXECUÇÃO
PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO
Data do Acordão: 04/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - VARAS DE COMPETÊNCIA MISTA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 36º, 39º, 88º E 89º DO CIRE
Sumário: I – Quando na sentença de insolvência não for decretada a apreensão dos bens do insolvente nem for designado prazo para a reclamação de créditos, como se prevê nas als. g) e j) do artº 36º do CIRE, por estas disposições não terem aplicação ao caso, nos termos do artº 39º, nº 1, do CIRE, e não tendo sido também requerido o complemento dessa sentença, previsto no artº 39º, nº 2, do CIRE, o insolvente não fica privado dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, conforme resulta do artº 39º, nº 7, al. a), do CIRE, sendo esse processo declarado findo logo que a sentença de insolvência transite em julgado – al. b) deste nº 7.

II - Do que resulta, necessariamente, que de um processo de insolvência dessa natureza e com apenas os referidos efeitos, não podem resultar quaisquer efeitos para outras acções pendentes ou execuções instauradas ou a instaurar contra esse insolvente, designadamente as previstas nos artºs 85º a 89º do CIRE (como seja a apensação de acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente – uma vez que não existe “massa insolvente” -, a requisição de processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão de bens do insolvente, e bem assim não tem lugar a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens da massa insolvente, nem se obsta ao prosseguimento de qualquer execução contra o insolvente).

III - A declaração de insolvência com carácter limitado e não tendo sido requerido o complemento da sentença, não desencadeia a generalidade dos efeitos que normalmente lhe estão ligados, ao abrigo das normas do CIRE, mantendo-se o devedor também na administração e disposição do património que exista, …não determina a suspensão de quaisquer diligências executivas e não obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência.

Decisão Texto Integral: I


            Nas Varas de Competência Mista do Tribunal Judicial de Coimbra, o Banco A..., com sede na..., instaurou contra B... e C... , residentes na ...., acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo comum, pretendendo assim obter dos Executados o pagamento da quantia de € 138.702,57 (processo este com o nº acima indicado).

            A Executada C..., no prosseguimento dos referidos autos, juntou o seu requerimento de fls. 124 (fls. 55 da execução), pelo qual deu a conhecer que foi declarada “insolvente” no Proc.º de Insolvência com o nº 1183/08.7TBPVZ, que correu termos pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Póvoa do Varzim, por sentença proferida em 20/05/2008, já transitada em julgado em 02/07/2008, e pelo qual requereu que seja julgada extinta a acção executiva contra si, nos termos dos artºs 88º e 89º do CIRE, e 287º, al. e), do CPC (por alegada impossibilidade superveniente da referida lide executiva).

            De fls. 125 a 127 (fls. 56 a 58 da execução) encontra-se certidão relativa a esse Proc.º de Insolvência e da sentença aí proferida, da qual consta, além do mais, que foi decidido “declarar aberto o incidente de qualificação de insolvência, com carácter limitado”.

            Dessa sentença também consta que foi ordenado que “seja solicitado aos Tribunais com processos onde tenha sido efectuado qualquer acto de apreensão de bens compreendidos na massa insolvente, a remessa dos mesmos para apensação aos referidos autos de insolvência e para se informarem os Tribunais onde pendam execuções contra a insolvente, para os efeitos do disposto no artº 88º do CIRE” .


II


            No prosseguimento da acção executiva em causa foi então proferido o despacho de fls. 133 (a fls. 64 da execução), pelo qual foi decidido que “nos termos do disposto no artº 88º do CIRE, a declaração de insolvência obsta ao prosseguimento da acção executiva, prosseguindo, porém, em relação a outros executados, se os houver.

            No caso, verificando-se a declaração de insolvência relativamente à Executada C..., declara-se a extinção da instância (executiva) relativamente a esta, por impossibilidade superveniente da lide”.


III

            Deste despacho interpôs recurso o Exequente, recurso este que já nesta Relação foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

            Nada obstando ao conhecimento do objecto do presente recurso e dada a simplicidade do mesmo, nos termos dos artºs 700º, nº 1, al. c), e 705º, ambos do CPC, procede-se ao imediato conhecimento do mesmo, proferindo-se decisão sumária.

 

            Nas alegações que apresentou o Recorrente concluiu, de forma resumida e útil, da seguinte forma:

            1ª – Sendo proferida a sentença de insolvência com carácter limitado e não sendo requerido o complemento da sentença, o processo de insolvência finda, não chegando a abrir-se a fase de reclamação de créditos.

            2ª – Não tendo sido requerido o complemento da sentença, a declaração de insolvência não desencadeia a generalidade dos efeitos que normalmente lhe estão ligados, ao abrigo das normas do CIRE, mantendo-se o devedor também na administração e disposição do património que exista.

            3ª – A declaração de insolvência com carácter limitado não determina a suspensão de quaisquer diligências executivas e não obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência.

            4ª – A Executada, apesar de ter sido declarada insolvente não ficou privada dos poderes de administração e de disposição sobre o património que eventualmente possua, património esse que não foi apreendido para a insolvência, mas que pode vir a ser penhorado no âmbito da execução que contra a executada corre termos.

            5ª – Caso a execução se extinguisse em relação à executada declarada insolvente nestas circunstâncias, estar-se-ia perante uma manifesta denegação dos direitos de crédito da Exequente.

            6ª – Tendo sido declarada a insolvência da Executada, a qual foi proferida com carácter limitado, não sendo requerido o complemento da sentença não se impõe que seja determinada a suspensão de quaisquer diligências executivas e nada obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência.

            7ª – Deve, portanto, prosseguir a execução instaurada os seus regulares termos, contra a Executada declarada insolvente.

            8ª – Termos em que deverá ser revogado o despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento da execução também em relação à Executada.


IV

            Não foram apresentadas contra-alegações.


V

            Nada obstando, pois, a que se conheça do objecto do presente recurso, esse objecto passa pela reapreciação do referido despacho recorrido.

            Assim, decorre dos termos supra expostos que contra a Executada C... correu termos o Proc.º de Insolvência com o nº 1183/08.7TBPVZ, no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Póvoa do Varzim, no qual a dita Executada foi declarada “insolvente” por sentença proferida em 20/05/2008, já transitada em julgado em 02/07/2008.

            Do que resulta que o referido processo foi processado ao abrigo do CIRE, aprovado pelo D.L. nº 53/2004, de 18/03, na redacção dada pelos D. L. nº 200/2004, de 18/08, e 282/07, de 7/08.

            Nos termos do artº 39º, nº 1, desse Código, “concluindo o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, faz menção desse facto na sentença de declaração da insolvência e dá nela cumprimento apenas ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do artº 36º, declarando aberto o incidente de qualificação com carácter limitado”.

            Foi o que ocorreu no referido processo de insolvência, como decorre da certidão de fls. 125 a 127.

            Sendo assim, na dita sentença de insolvência não foi decretada a apreensão dos bens da insolvente nem foi designado prazo para a reclamação de créditos, como se prevê nas als. g) e j) do citado artº 36º, por estas disposições não terem aplicação ao referido caso de declaração de insolvência, nos termos antes citados.    

            E uma vez que também não foi requerido o complemento dessa sentença, previsto no artº 39º, nº 2, do CIRE, a insolvente não ficou privada dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produziram quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, conforme resulta do artº 39º, nº 7, al. a), do CIRE, sendo esse processo declarado findo logo que a sentença de insolvência transite em julgado – al. b) deste nº 7.

            Do que resulta, necessariamente, que de um processo de insolvência dessa natureza e com apenas os referidos efeitos, possam resultar quaisquer efeitos para outras acções pendentes ou execuções instauradas ou a instaurar contra esse insolvente, designadamente as previstas nos artºs 85º a 89º do CIRE (como seja a apensação de acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente – uma vez que não existe “massa insolvente” -, a requisição de processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão de bens do insolvente, e bem assim não tem lugar a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens da massa insolvente, nem se obsta ao prosseguimento de qualquer execução contra o insolvente).

            No apontado sentido pode ver-se o Ac. Rel. Po. de 13/11/2006, in C. J. ano XXXI, tomo V, pg. 177, onde se escreveu: “a declaração de insolvência com carácter limitado e não tendo sido requerido o complemento da sentença, não desencadeia a generalidade dos efeitos que normalmente lhe estão ligados, ao abrigo das normas do CIRE, mantendo-se o devedor também na administração e disposição do património que exista, …não determina a suspensão de quaisquer diligências executivas e não obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência”.

            Vejam-se, no mesmo sentido, as opiniões citadas no referido aresto. 

            Logo, a declaração de insolvência da aqui Executada C..., dados os termos em que foi decidida e cuja sentença já transitou em julgado, nenhum efeito pode ter em relação à presente execução, impondo-se o seu regular prosseguimento, mesmo contra esta Executada, como bem defende o Recorrente, pelo que se impõe a revogação do despacho recorrido, a fim de poder e dever ser proferido novo despacho a ordenar o regular prosseguimento dos termos inerentes à presente execução, mesmo contra a Executada C..., o que se decide.


VI

            Decisão:

            Face ao exposto, e nos termos supra expostos, decide-se julgar procedente o presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, a fim de poder e dever ser proferido novo despacho a ordenar o regular prosseguimento dos termos inerentes à presente execução, mesmo contra a Executada C....

            Custas pela Executada/Recorrida.