Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3657/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. SERRA LEITÃO
Descritores: INTERVENÇÃO DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Data do Acordão: 03/23/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ARTºS 26º E 325ºDO CPC ; DL 219/99, DE 15/6 .
Sumário:

I – A legitimidade é uma questão de posição processual quanto à relação jurídica substancial , pelo que são partes legítimas aquelas que tenham interesse jurídico em que sobre a relação material controvertida recaia uma sentença que defina o direito .
II – O FGS nunca poderia intentar uma acção a pedir o pagamento de indemnização por rescisão de um dado contrato de trabalho e salários devidos a um trabalhador , pelo que é evidente a sua falta de interesse em demandar em tal tipo de acção – artº 26º do CPC .
III – Nos termos do artº 2º, nºs 1 e 2, do Dl 219/99, de 15/6, verificados certos requisitos o FGS assegura o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua cessação . Porém, esta responsabilização depende de requerimento do trabalhador nesse sentido .
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
AA, intentou acção emergente de contrato individual de trabalho contra BB, alegando em resumo que dado que a demandada lhe devia já há vários meses 50% do subsídio de natal, relativo ao ano de 2001, rescindiu o contrato de trabalho que o ligava à ré, com base na LSA, tendo efectuado para tanto as legais comunicações.
Pede com tal fundamento pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe o quantitativo em dívida, os proporcionais de férias, de subsídio de férias e de natal, respeitantes ao tempo em que laborou no ano da cessação do vínculo laboral e também a indemnização por antiguidade prevista no art.º 6º a) da L. 17/86 de 14/6.
A Ré citada contestou afirmando que o A age de má – fé e com manifesto abuso de direito, atendendo nomeadamente aos montantes em causa (valor da indemnização pedida em comparação com o diminuto valor da retribuição em causa).
Além disso, a responsabilidade pelo não pagamento da tal parcela do subsídio de natal, não é sua, mas sim do Fundo de garantia Salarial, que assumiu o dever de tal pagamento conforme acordado entre todos os interessados, entre os quais o A
Termina pugnando pela improcedência da acção e requerendo a intervenção do Fundo de Garantia Salarial.
Ouvido o A este não se opôs a tal chamamento.
Todavia o Ex. mo Juiz , indeferiu ao requerido
Inconformada agravou a Ré alegando e concluindo:
I- Os créditos laborais em litígio foram reclamados ao Fundo de Garantia Salarial, como foi admitido por ambas as partes e como se constata pela análise da acta da reunião realizada em 27/2/02, na qual participaram a administração e advogado da Ré, os representantes sindicais e o mandatário do Fundo;
II- O requerimento devidamente instruído, foi apresentado na repartição competente do IGFSS, nos termos do disposto no art.º 4º da Portaria 1177/01 de 9/10;
III- O requerimento do trabalhador devia ter sido apreciado n o prazo máximo de 30 dias, nos termos do disposto no art.º 5º n.º 1 da referida Portaria 1177/01;
IV- Se o requerimento não foi deferido, quando devia ter sido no prazo estipulado e se por isso, o trabalhador se viu forçado a rescindir o contrato de trabalho ao abrigo da LSA, é o Fundo o principal responsável pelo pagamento da indemnização prevista na LSA;
V- Pelo facto de o Fundo ser uma entidade que visa garantir obrigações da entidade, não se pode eximir da responsabilidade directa, quando violou a lei, nomeadamente por não ter despachado o requerimento que lhe foi apresentado e para o que tinha prazos perfeitamente definidos a cumprir
VI- Pelo facto da responsabilidade do FGS ser subsidiária relativamente à da entidade empregadora, não significa que o FGS possa pagar os créditos reclamados se e quando quiser;
VII- O acto de deferimento e de pagamento de créditos laborais reclamado, é um acto vinculativo e não arbitrário;
VIII- Se o trabalhador preencher as condições para poder reclamar o pagamento salarial por parte do Fundo, este tem de o pagar nos termos e prazos definidos nos diplomas que regulam o seu funcionamento;
IX- É precisamente pelo facto de o Fundo de Garantia Salarial não ser uma instituição de beneficência, mas antes uma instituição de garantia que é financiada pelo Estado e pelas empresas cujos trabalhadores, na maioria das vezes não necessitam de a ele recorrer, que se exige que tenha uma postura responsável e de acordo com a lei;
X- Ora, se o Fundo estava obrigado a pagar um crédito que lhe fora reclamado e não o fez, é responsável pelo seu incumprimento
XI- Esse período em que o trabalhador se comprometeu a não rescindir o contrato pelo atraso no pagamento, não releva para efeitos da LSA. Mas já releva, para efeitos do disposto na LSA, o período após o prazo em que o Fundo deveria ter deferido e pago o crédito laboral reclamado;
XII- E se o trabalhador tinha direito a receber a retribuição reclamada ao fundo e não a recebeu, a responsabilidade tem de ser assacada ao Fundo de Garantia, porque foi pelo seu incumprimento que o trabalhador só rescindiu em Maio de 2002;
XIII- Interessa à boa decisão da causa, que o Fundo seja chamado a intervir como Réu, uma vez que a demonstrar-se que o trabalhador acordou com a empresa que reclamaria esse crédito do FGS, tendo- o reclamado e sendo pago com atraso pelo Fundo, será esta instituição responsável pelo pagamento da indemnização;
XIV- O FGS, tendo sido instado pela recorrente a dizer o que pagou e a quem e a juntar ao processo especial de recuperação de empresa os comprovativos dos pagamentos que fez, se recusou a fazê-lo, não pode a recorrente saber o que efectivamente foi pago e o que não foi pago
XV- Ao decidir como decidiu, o Tribunal “ a quo” violou o disposto no art.º 325º do CPC, aplicável por força do art.º 1º do CPT
O A não contra alegou.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, tendo o Ex. mo Sr. PGA emitido douto parecer no sentido do respectivo improvimento, cumpre decidir, estando o respectivo objecto- e conforme as conclusões das doutas alegações da agravante – limitado à questão de poder ser ou não chamado a intervir no processo o FSG, sendo certo que não existe factualidade a elencar, constando os elementos fácticos com interesse para a decisão, já da explanação que acima se fez.
Como nos parece evidente- e aliás a própria Ré refere nas suas doutas conclusões como tendo sido ofendido o preceituado no art.º 325º do CPC- o incidente por ela requerido, não pode deixar de ser o da intervenção principal provocada, prevista no citado art.º 325º.
Ora e de acordo com o disposto no art.º 320 deste diploma a possibilidade alguém intervir principalmente no processo, depende de :
a)- essa pessoa ( individual ou colectiva) ter em relação ao objecto da causa, um interesse igual ao do A ou do R, nos termos dos artºs 27º e 28º do CPC;
b)- essa pessoa poder coligar-se com o A, sem prejuízo do disposto no art.º 31º, ou seja, desde que não existam os obstáculos à coligação que este último normativo prescreve.
Embora o dito art.º 320, se refira à intervenção espontânea, é consabido que os aludidos requisitos são exigíveis também nas situações de intervenção principal provocada- neste sentido cfr. Santos Silveira, in Questões Subsequentes em Processo Civil, entendimento este que se mantém válido, apesar das alterações entretanto introduzidas no domínio adjectivo civil, mas que não tocaram ( neste aspecto) no regime estabelecido para este tipo de incidente.
Resta pois averiguar, se qualquer dos supra mencionados requisitos se verificam no caso concreto.
Cremos ser inquestionável, que a hipótese da coligação com o A esta afastada.
Efectivamente e nos termos do art.º 30º do CPC e em síntese a coligação de AA é permitida quando:
- embora os pedidos sejam diferentes, a causa de pedir seja a mesma e única, ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência
- sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmo factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas
- quando exista relativamente a alguns dos RR pedidos baseados em relação
cartular e na respectiva relação subjacente relativamente a outros RR.
Parece – nos evidente que nenhuma destas hipóteses se poderia verificar, no caso
concreto.
Com que base, poderia o FGS coligar-se com o A, no pedido que este faz contra a
Ré, de pagamento de retribuições em dívida, de retribuições e indemnização
consequentes à por ele( A) operada rescisão do contrato de trabalho?
Nenhuma , em nosso modesto entendimento e como resulta do que determina o
citado art.º 30º
Mas não se estará perante um caso de litisconsórcio (voluntário ou necessário,
activo ou passivo), integrando então o requerido chamamento a previsão da alínea a)
do aludido art.º 320º?
Vejamos: como se sabe existe litisconsórcio voluntário quando a relação material
controvertida respeite a várias pessoas.
Nesses casos a lei permite, que a acção seja proposta por todas( ou várias) delas, ou
contra todas( ou várias ) delas- litisconsórcio voluntário -.
Como a questão da legitimidade é uma questão de posição processual quanto à
relação jurídica substancial, o importante é que para que se possam considerar
legítimas, as partes tenham interesse jurídico em que sobre tal relação recaia um
sentença que defina o direito- cfr. A Reis, in Comentário ao C.P.C. Vol.- 1, 2ª ed.
pág. 41-.
Ora assim sendo e tendo em conta o que está em causa no presente processo,
sinceramente não se vislumbra qual o interesse do FGS relativamente à relação
material controvertida.
Efectivamente e como se disse, o A demandou a Ré, baseando-se na existência de
um contrato de trabalho que os ligava e que aquele rescindiu, com fundamento(
saber-se se correcto ou não, é no momento irrelevante), na falta de pagamento
atempado das retribuições, socorrendo-se para tanto do regime estabelecido na L. 17/86 de 14/6.
E com base nisso pede a condenação da ré no pagamento de determinadas quantias.
Parece- nos por isso evidente que o FGS, nunca poderia intentar a presente acção
contra a Ré, por ser evidente a sua falta de interesse em demandar( cfr.- art.º 26º n.º
1 do CPC), já que nenhum motivo se vislumbra para que se colocasse ao lado do A para que a Ré lhe pagasse( a ele A) tais montantes.
E por outro lado, o A nunca a poderia propor também contra tal entidade.
É certo que nos termos do art.º 2º nºs 1 e 2 do D.L. 219/99 de 15/6- e verificados
certos requisitos- o FGS assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato
de trabalho ou da sua cessação.
Todavia essa sua responsabilização não é automática, já que está dependente de
requerimento do trabalhador nesse sentido( cfr. artºs 7º do citado D.L. 219/99 e 2º
da Portaria 1177/01 de 9/10) devendo observar-se para tanto os termos e trâmites
contidos neste último diploma, estando ainda limitada temporal e quantitativamente(
art.º 4º n.º 1 do D.L. 219/99)
Ora sobre estes pontos nada alegou o A
O que vale dizer, que tal como configurou a acção, não poderia demandar o FGS.
Ou seja da relação material controvertida como ela é configurada pelo A, não resulta
qualquer interesse da citada entidade em contradizer o por aquele peticionado, uma vez que ela não é responsabilizada a qualquer título.
E como a legitimidade se afere exactamente pela tal relação material controvertida,
nos termos em o A a delineia( art.º 26º n.º 3 do CPC), temos então que inexistindo
tal interesse directo em contradizer de que fala a lei( art.º 26º citado seu n.º 1), o FGS
não é parte legítima, não pode ser pois demandada e portanto também por esta via,
se conclui não estarmos perante uma situação de litisconsórcio voluntário, agora do lado passivo.
Finalmente também- e em nosso modesto entendimento- não estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário
Na verdade, nem a lei, nem o contrato exige a intervenção do FGS.
E por outro lado, a sua ausência no processo, não impede que a sentença a proferir venha a produzir o seu efeito útil normal, ou seja que venha a regular de modo definitivo a situação concreta das a situação concreta das partes face ao pedido formulado( cfr. art.º 28º nºs 1 e 2 do CPC).
Em suma: não está preenchido nenhum dos requisitos impostos pelo art.º 320º citado, para que a Ré pudesse fazer intervir a título principal no processo o FGS.
Se houve qualquer acordo no sentido do pagamento da retribuição em falta ser da responsabilidade do pretendido interveniente, se este não cumpriu, se em suma cabia ou não à Ré a obrigação de pagar os aludidos 50% do subsídio de natal, tudo isso poderá ser relevante para se determinar se ao A assistia o direito de pôr termo ao convénio lançando mão do regime prescrito na L. 17/86, se esse direito não fenecer desde logo por outras razões.
Mas trata-se de problemática que se prende com o mérito da causa a ser resolvida exclusivamente entre A e Ré e que de forma alguma- e ressalvando sempre o respeito devido por opinião diversa- confere legitimidade ao FGS, para estar presente na lide, já que nem a lei, nem qualquer negócio jurídico impõe a sua presença, nem por outro lado tem interesse directo em demandar, ou contradizer, como supra se procurou explicitar.
Termos em que e concluindo, na confirmação do despacho recorrido, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, se nega provimento ao agravo.
Custas pela Ré, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.