Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
824/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE DIAS
Descritores: TRIBUNAL EXECUÇÃO DE PENAS
Data do Acordão: 03/31/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TEP - COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 400°,414° E 420°, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 61º E 62°, DO CÓDIGO PENAL E 127°, DO DL 783/86, DE 29 DE OUTUBRO.
Sumário:

É irrecorrível a decisão proferida pelo Juiz do Tribunal de Execução das Penas que ordena a organização do processo para apreciação de concessão de liber-dade condicional.
Decisão Texto Integral:
Recurso nº 824/04
Processo nº 477/03.2TXCBR-A, do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra.
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado no qual é arguido AA, foi proferido despacho do seguinte teor:
I- AA cumpre sucessivamente, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, penas de quatro anos e oito meses, e de um ano e cinco meses de prisão, aplicadas, respectivamente, no âmbito dos processos 3304/02.4PCCbr (por crimes de sequestro e de roubo), e 233/97.5PECbr (esta uma pena por crime de tráfico de estupefacientes, concretamente um resíduo por revogação de liberdade condicional decidida no processo 758/O1.OTXCbr-A).
São os seguintes os elementos temporais relevantes no decurso do cumprimento desta sucessão de penas:
TERMO: 4 de Dezembro de 2008
1ª APRECIACAO: 19 de Novembro de 2005
2ª APRECIAÇÃO: 24 de Novembro de 2006
CINCO SEXTOS: 29 de Novembro de 2007
II- Atendendo a duração das penas em sucessão e aos tipos de crime em causa, ele poderá, em conformidade com o disposto nos artºs 61 nºs 1 e 4 e 62 nºs 1, 2 e 4 do código penal — neste último caso na mais benévola das interpretações, que não observa literalmente o estatuído no nº 4 deste artº 62 — vir a beneficiar de liberdade condicional cumprido que se mostre metade desta sucessão de penas, juridicamente calculada, ou seja, metade ou um mínimo de seis meses de cada uma das penas. Caso a decisão seja negativa, haverá nova apreciação pelos dois terços de ambas as penas, calculados do mesmo modo.
Se permanecer em prisão, beneficiará da apreciação pelos cinco sextos do somatório das penas, neste caso com as regras inerentes à libertação condicional nesta fase do cumprimento da sanção penal.
III- Organização do processo por forma a permitir a apreciação de liberdade condicional em conformidade com a calendarização atrás estabelecida.
Comunicação ao Instituto de Reinserção Social e ao Estabelecimento Prisional, neste caso com o pedido de que eventual alteração da situação penal do arguido nos seja comunicada.
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Inconformado, o Magistrado do Mº Pº apresenta recurso para esta Relação.
Na motivação apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do mesmo:
1. a apreciação da libertação condicional aos 5/6 da pena só tem lugar quando há uma pena ou um conjunto de penas com duração superior a seis anos.
2. as penas que resultam de revogação de liberdade condicional têm tratamento autónomo.
3. não sendo tal pena superior a 6 anos de cadeia, não há lugar, quanto a ela ao cálculo dos 5/6.
4. igualmente não há que calcular 5/6 de uma pena por sequestro e roubo cuja medida é de 4 anos e 8 meses.
5. Foram violadas as normas do nº 4 do artigo 62º e do nº 5 do artigo 61º, ambos do Código Penal.
Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, declarando-se não haver lugar à apreciação aos 5/6, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA!
Na resposta apresentada pelo arguido, este conclui:
1. A soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente pelo Respondente excede 6 anos de prisão.
2. ln casu, além da pena de 1 ano e 5 meses a cumprir por revogação da liberdade condicional, o Respondente deverá cumprir a pena de 4 anos e 8 meses pela prática dos crimes de sequestro e roubo.
3. A revogação da liberdade condicional e o consequente cumprimento da pena ainda não cumprida não prejudica a possibilidade de concessão de nova liberdade condicional.
4. Na letra da lei, in casu, não é possível a apreciação dos 5/6 para efeito de concessão de liberdade condicional.
5. E, na hipótese académica, de certa pessoa ser condenada na pena de 2 anos e 8 meses, cuja pena residual ou remanescente fosse, por ex., de 10 meses por força da revogação da liberdade condicional e na pena de 7 anos?
6. Ora, nesta hipótese, haveria lugar ao cálculo dos 5/6 da pena e à concessão da liberdade condicional obrigatória assim que estivessem cumpridos aqueles.
7. Sendo, nesta hipótese, beneficiado o condenado que cumpriria apenas 5/6 da pena;
8. Enquanto no caso dos autos, o Respondente poderia ter de cumprir a totalidade da soma das penas em que foi condenado, bastando para isso que não se verificassem os requisitos previstos nos n.ºs 1 a 3 do artigo 61.º do C. Penal.
9. Ora, o sentido de interpretação dado pelo M.0 Juiz do Tribunal a quo é de facto mais benévola e traduz a solução mais acertada que o legislador pretendeu consagrar.
10. Pelo que deve ser essa a mantida e, em consequência, não ser revogada a douta decisão recorrida.
Nestes termos, e nos mais que V. Ex.as doutamente suprirão, não deverá ser dado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida, JUSTIÇA!
Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A. em parecer fundamentado entendendo:
- que o recurso deve ser rejeitado, por não ser “decisão” recorrível, mas despacho de mero expediente.
Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Continuamos a entender que o recurso é inadmissível.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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Conhecendo:
Questão prévia: Admissibilidade do recurso.
O facto de haver despacho, na 1ª Instância, a admitir o recurso, não vincula este Tribunal, conforme estipula o art. 414 nº 3 do CPP.
Questão suscitada e bem pelo Ex.mº PGA nesta Relação.
Nos termos do art. 400 nº 1 al. a) do CPP, não é admissível recurso de despachos de mero expediente.
O art. nº 4 do Cód. Proc. Civil define o que são despachos de mero expediente, no seguimento do entendimento já expresso por A. Reis, de que são aqueles que “não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros”.
E, o despacho em causa não é decisório, não é tomada nenhuma decisão que afecte ou interfira com direitos dos sujeitos processuais.
Em tal despacho apenas se refere à necessidade de organizar o processo por forma a permitir a apreciação de liberdade condicional, que pode ser concedida ou não, conforme também aí se refere.
Mas, até proferir a decisão de conceder a liberdade condicional ou não, o julgador até pode mudar (ou manter) de opinião. Veja-se Ac. da Rel. Porto de 7-5-03, citado pelo Ex.mº PGA.
Ao que fica dito acresce que se entende não haver lugar a recurso das decisões que concedam ou não concedam a liberdade condicional, pois que o carácter administrativo de tais decisões prevalece sobre o jurisdicional- Ac. Rel. Lx de 26-01-1994, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 154, no Seguimento do Ac. do STJ 321/93.
Mas poderá, eventualmente, haver recurso sobre a oportunidade da concessão, ou não, da liberdade condicional, caso se entenda que o despacho não é proferido na altura legalmente oportuna. Este recurso também incidia somente sobre a questão da oportunidade do despacho a conceder, ou não, a liberdade condicional.
Só que este não se pronuncia efectivamente sobre essa questão.
Assim que se entenda que o recurso merece solução de rejeição.
Decisão:
Tendo em conta o exposto, acordam os juizes desta Relação e Secção Criminal, em:
- Rejeitar o recurso por legalmente inadmissível, nos termos dos arts. 400 nº 1, 414 nº 2 e 3, 419 nº 4 al. a) e 420 nº 1 e 2, todos do Código de Processo Penal.
Sem custas.
Coimbra,