Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA EXTINÇÃO DESISTÊNCIA DONO DA OBRA DIREITOS EMPREITEIRO | ||
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Data do Acordão: | 09/23/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE ALMEIDA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 1207º, 1229º DO C. CIV. | ||
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Sumário: | I – O contrato de empreitada é um negócio jurídico bilateral, sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, de execução continuada, do qual emergem reciprocamente direitos e deveres consubstanciados numa relação jurídica complexa. II – A extinção do contrato, por desistência do dono da obra (artº 1229º CC), constituindo uma excepção à regra “pacta sunt servanda”, é uma faculdade discricionária que pode ser tácita, sem forma especial, não carece de fundamento, nem de pré-aviso e assume eficácia ex nunc. III – Por não se enquadrar nas figuras da resolução, revogação ou denúncia, trata-se de uma situação sui generis de extinção do contrato de empreitada, conferindo ao dono da obra a possibilidade de não prosseguir com a empreitada, por variadas razões, interrompendo a sua execução para o futuro, e conferindo ao empreiteiro o direito a uma indemnização pelos “gastos e trabalho” e, ainda, pelo “proveito que poderia tirar da obra (tendo por base a obra completa e não apenas o que foi executado”. IV – Não havendo elementos factuais disponíveis que possibilitem quantificar a indemnização pelos gastos e trabalhos feitos pelo empreiteiro na obra, impõe-se relegar para posterior incidente de liquidação – artº 661º, nº 2, CPC. V – Uma vez extinto o contrato, por desistência do dono da obra, já não pode haver lugar à eliminação dos defeitos, à substituição ou à redução do preço, pois estes direitos pressupõem a manutenção do contrato. VI – A desistência da empreitada pelo dono da obra não lhe confere o direito a ser indemnizado pelos defeitos verificados na parte executada, nem de reclamar o que gastou com a conclusão da obra. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO 1.1. - O Autor – A... – instaurou na Comarca de Almeida acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra o Réu – B... . Alegou, em resumo: Em Outubro de 2002, Autor ( empreiteiro ) e Réu ( comitente ) celebraram um contrato de empreitada, nos termos do qual aquele se obrigou a construir uma casa, pelo preço de € 36.128,85, conforme doc. de fls.7. Em meados de Junho de 2003, o prédio estava quase concluído, mas ainda faltava pagar ao Autor a quantia de € 8.813,59. O Autor solicitou o pagamento de € 5.000,00 e o Réu não pagou e em 15 de Julho de 2003 impediu o Autor de concluir a obra, vindo posteriormente a rescindir unilateralmente o contrato. Face à desistência da empreitada, tem o Autor a receber o montante de € 7.813,59. Pediu a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 7.813,59, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação. Contestou o Réu, defendendo-se em síntese: O Autor não cumpriu o contrato de empreitada, visto que não executou no prazo convencionado de 210 dias, para além de apresentar defeitos. Foi o Autor quem abandonou a obra, tendo o Réu resolvido o contrato. Concluiu pela improcedência da acção e em reconvenção pediu a condenação do Autor/reconvindo: a) - A reconhecer que assiste ao Reconvinte o direito de ver o contrato resolvido pelo seu incumprimento; b) - A indemnizar o Reconvinte na quantia de € 2.246,06 (pelos trabalhos a mais que teve que despender para a conclusão da obra); c) - A corrigir os defeitos de construção verificados na obra e de sua responsabilidade, segundo orientação do técnico responsável pela obra ou, em alternativa indemnizar o Reconvinte numa quantia não inferior a € 5.000; d )- A indemnizar o Reconvinte na quantia de € 1250, referentes aos restantes danos patrimoniais provocados; e) - A indemnizar o Reconvinte, a título de danos não patrimoniais, na quantia de € 500. Respondeu o Autor contraditando a reconvenção. No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância. 1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção e reconvenção improcedentes, absolvendo cada uma das partes dos respectivos pedidos. 1.3. – Inconformados, recorreram de apelação o Autor e subordinadamente o Réu. 1.3.1. – Recurso do Autor – Conclusões: 1º) - Está provado que do valor global da obra o Autor não pagou a quantia de € 8.813,59, que foi o Réu quem impediu o Autor de concluir a obra e que ele rescindiu o contrato sem qualquer explicação, quando faltava apenas uma semana para a conclusão da obra. 2º) – O Réu não alegou nem provou quanto é que um empreiteiro colocado na posição do Autor gastaria para completar a obra, sendo esses os custos que deveriam ser avaliados para efeitos de serem deduzidos à quantia que o Autor deixou de receber e não os gastos que o Réu eventualmente tenha feito. 3º) – Os gastos com a correcção de defeitos não podem ser deduzidos à quantia que o Autor deixou de receber, porquanto o Réu não alegou nem provou tê-los denunciado anteriormente. 4º) – A sentença violou os arts.1229, 1220,1, 1225, 2 e 847, 1 a) do CC. Não houve contra-alegações. 1.3.2. – Recurso (subordinado ) do Réu - Conclusões: 1º) - O reconvinte desistiu da empreitada ao abrigo do art.1229 do CC. 2º) – Naquela data o Autor tinha recebido do reconvinte quantias superiores ao valor incorporado na obra. 3º) – Os € 8.813,59 que faltava pagar nem sequer seriam suficientes para custear o que faltava para concluir a obra, como veio a provar-se pelas despesas suportadas pelo reconvinte com essa finalidade. 4º) – Por isso, não tem cabimento levar em conta o proveito que o Autor poderia tirar da obra, pois este já estava antecipado nos pagamentos até então recebidos. 5º) – Deveria o Autor ter sido condenado a pagar ao Réu a quantia de € 7.164,92 por danos patrimoniais. 6º) – Deveria ter sido condenado a pagar a quantia de € 500,00 por danos não patrimoniais. Não foram apresentadas contra-alegações. III - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – Delimitação do objecto do recurso: As questões submetidas a recurso, delimitadas pelas respectivas conclusões ( art.684 nº4 e 690 nº1 do CPC), são as seguintes: (1ª) - Se assiste ao Autor ( empreiteiro) o direito à reclamada indemnização, com base na desistência da empreitada pelo Réu ( dono da obra ); (2ª) – Se o Réu reconvinte tem direito à indemnização peticionada. 2.2. – Os factos provados: 1) - O Autor exerce a actividade de empreiteiro de construção civil, da qual faz o seu exclusivo modo de vida (A/). 2) - No exercício dessa actividade remunerada, e por acordo, o Réu adjudicou ao Autor a construção de uma casa em S. Pedro do Rio Seco, concelho de Almeida mediante documento escrito assinado por ambos em 3 de Outubro de 2000, o que consta de fls. 7 e 8, e tem o seguinte conteúdo: “(...) fazer a casa conforme a planta. Todos os quartos são feitos com mosaicos e a casa de banho e cozinha são feitos com azulejos nas paredes. Azulejo e mosaico o metro quadrado será até 7,50 euros. As louças da casa de banho são normais e são brancas. As torneiras da casa de banho e cozinha são por conta do proprietário. As portas interiores são portas folhadas normais. Os aros serão em mogno e as portas de alumínio e janelas de alumínio. Janelas até 150,00 Euros, portas até 325,00 Euros cada porta. Se passar destes valores será por conta do proprietário. A casa será pintada toda de branco. E o valor da obra é de 36.128,85 Euros. Com a entrada de 4.987,98 Euros, no primeiro dia de trabalho. O restante dinheiro será dado conforme eu vou precisando” (B/). 3) - Segundo o acordo referido em B), a mão de obra e os materiais aí indicados e necessários à construção da casa seriam por conta do Autor até aos valores também aí referidos, sendo os restantes materiais ou excesso de valor por conta do Réu (C/). 4) - Para além do mencionado em B), o Autor ficou obrigado a executar as obras segundo o projecto aprovado pela Câmara Municipal de Almeida, o qual lhe foi entregue pelo Réu ( D/). 5) - O Autor colocou azulejos na casa de banho pequena (E/). 6) - Em 9 de Julho de 2003, o Réu enviou ao Autor carta registada, com aviso de recepção, datada de 10 de Julho de 2003, que este recebeu, com o seguinte teor: “(...) Pela presente fica V. Exa. notificado do seguinte: 1) Há cerca de 3 semanas que sem qualquer justificação abandonou os trabalhos da construção da minha casa, estando esta em fase de conclusão. 2) Assim, deve V. Exa. retomar os mesmos trabalhos no prazo de 5 (cinco) dias concluí-los no prazo de uma semana, prazo que se considera mais do que suficiente para terminar o contrato de empreitada por nós celebrado. 3) Caso não reinicie os trabalhos no prazo referido e não conclua os mesmo dentro do prazo que se reputou como suficiente, fica desde já notificado que resolvo unilateralmente o contrato, com justa causa, não podendo ali continuar a trabalhar, nem entrar na minha propriedade, sob pena de participar criminalmente tais factos. 4) Em caso de resolução do contrato, nada se deve a V. Exa., ao contrário, intentarei a competente acção judicial de indemnização (...)“ – cf. fls. 9 (F/). 7) - Em resposta à carta mencionada em F), o Autor enviou ao Réu carta registada, com aviso de recepção, datada de 15 de Julho de 2003, que este recebeu, com o seguinte teor “(...) Em resposta à sua carta de 10/07/2003, permito-me os seguintes esclarecimentos: 1° - Não abandonei os trabalhos do prédio que lhe estou a construir, como afirma, apenas os suspendi em virtude de não ter sido liquidada a importância de 5.000,00 Euros, que lhe pedi há cerca de três semanas. 2° - Refere-se a um contrato de empreitada; desconheço esse contrato ou quem o tenha assinado; o único documento referente à obra é o meu orçamento de 23/10/02, assinado por ambos, sem indicar qualquer prazo de acabamento. 3° - Perante estes factos, solicito que, impreterivelmente até ao dia 17/7/2003, me seja paga a importância atrás citada, de 5.000,00 Euros, respeitante aos acabamentos de: Instalação eléctrica, colocação das portas interiores, louças das duas casas de banho, bem como assentamentos de azulejos, mosaicos e pinturas. (...)“ — cf. fls. 10 (G/). 8) - O Réu enviou ao Autor carta registada, com aviso de recepção, datada de 21 de Julho de 2003, que este recebeu com o seguinte teor: “(…) Pela presente fica V. Exa. notificado do seguinte: Desde a recepção desta carta, deve V. Exa retirar imediatamente os seus materiais que se encontram por enquanto dentro do meu pátio. Se não for feito, aviso-o desde já que eu me verei na obrigação de pôr tudo na rua. Também fica notificado que depois já não o quero ver mais na minha propriedade, sob pena de participar criminalmente tais factos (...)“ - cf. fls. 12 (H/). 9) -O Autor trabalhou na obra nos dias 11 e 12 de Julho de 2003 (I/). 10) - O Réu não pagou ao Autor a quantia de € 5.000 solicitada por este na carta mencionada em G) (J/). 11) - Para a conclusão da casa bastaria ao Autor um período de uma semana de trabalho (L/). 12) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, uma banheira, tubo PVC e válvula, no valor de 160,00 Euros, em 11/08/2003 - fls. 38 (M/). 13) - Em 21 de Março de 2003, o Réu requereu a prorrogação da licença de construção por um período de três meses, para a conclusão da obra, com fundamento no facto de não ser possível concluir todos o trabalhos no prazo concedido na licença em virtude de falta de mão de obra, tendo-lhe sido concedida a prorrogação até 21 de Junho de 2003 - doc. fls. 61 a 64 (N/). 14) - Em 23 de Junho de 2003, o Réu requereu uma segunda prorrogação da licença de construção - doc. fls. 66 e 67 (O/). 15) - Dos € 36.128,85 referidos em B) ficaram por pagar € 8.813,59 (P/). 16) - O Autor não pintou a segunda de mão de tinta na cozinha, não colocou os azulejos na casa de banho, não assentou as louças da casa de banho, não colocou as portas interiores e não assentou os mosaicos na casa ( Q/). 17) -As obras tiveram início em finais de Outubro de 2002 ( r.q.2º). 18) -Em meados de Junho de 2003, para finalizar a construção do prédio referido em B) faltava apenas o mencionado em Q), e respostas aos quesitos 16º a 20º (r.q.3º). 19) - O Autor levou para a obra azulejos e mosaicos ( r.q.4º). 20) - O Autor solicitou ao Réu o pagamento de € 5.000,00 (r.q.5º). 21) - O Réu fechou a casa à chave, colocando os utensílios de trabalho do Autor na rua, quando este se apresentou na obra após 21 de Julho de 2003 (r.q.9º). 22) - E impedindo que o Autor prosseguisse com os trabalhos (r.q.10º). 23) - O Réu acompanhou a realização da obra (r.q.13º). 24) - O Autor não comprou as louças da casa de banho (r.q.16º). 25) - Não colocou as portas exteriores (r.q.r.q.17º) 26) - Nem as janelas em alumínio (r.q.18º). 27) - Nem os roupeiros (r.q.19º). 28) - Nem o balcão da cozinha (r.q.20º). 29) - O facto mencionado em J) ocorreu apenas porque o Autor não executou mais trabalhos na obra (r.q.30º). 30) - O Réu recorreu a crédito financiado pela C.G.D., a qual desbloqueava as tranches do pagamento em função da evolução dos trabalhos (r.q.31º) 31) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, material diverso para a casa de banho, no valor de 294,11 Euros (r.q.35º). 32) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, portas e janelas, no valor de € 3.990,00 Euros (r.q.36º). 33) - Tendo o Réu optado por persianas porque se fossem colocados estores, tal como consta do projecto, a obra seria no valor de € 3.440 Euros (r.q.37º). 34) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, roupeiros e assentamento de louças e portas de madeira no valor de 3,900 Euros (r.q.38º). 35) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, portas interiores de madeira, no valor de 540,46 Euros (r.q.39º). 36) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, material eléctrico e mão-de-obra para conclusão da electrificação, no montante de € 119 (cf. doc. de fls. 55) (r.q.40º). 37) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, tinta no valor de 240 Euros (r.q.41º). 38) - Quando o Autor deixou a obra, a mesma apresentava “defeitos” nos remates de azulejo e mosaico (r.q.45º). 39) - Necessidade e correcção da aplicação de algumas soleiras ou aros das janelas, portas, portados em relação a alinhamentos, esquadrias e dimensões (r.q.47º). 40) - Necessidade de executar clarabóias assinaladas em projecto para os WC guarnecida a telha de vidro (r.q.49º). 41) - A correcção dos defeitos e a execução dos trabalhos mencionados nos quesitos anteriores ascende à quantia de 3500 Euros (r.q.50º). 42) - O Réu anda nervoso (r.q.56º e 57º). 43) - O cume do telhado da casa do réu está desnivelado, com um dos lados mais alto do que o outro ( r.q.58º). 44) - A parte do telhado junto à chaminé cedeu ( r.q.59º). 45) - As telhas estão desniveladas (r.q.60ºº). 46) - Na cobertura que serve de telhado e no beirado encontra-se pelo menos uma telha partida (r.q.61º).
III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar improcedente a apelação do Réu e confirmar a sentença na parte em que absolveu o Autor dos pedidos reconvencionais.2) Condenar o Réu nas custas da sua apelação.3) Julgar parcialmente procedente a apelação do Autor e, revogando-se a sentença, condenar o Réu a pagar ao Autor ( empreiteiro) a indemnização que se liquidar em posterior incidente, correspondente aos gastos e trabalhos na obra, por este realizados, em função da desistência da empreitada pelo Réu ( dono da obra )4) As custas da apelação do Autor e as da 1ª instância serão suportadas provisoriamente em partes iguais por Autor e Réu, deixando-se o rateio para depois da liquidação. |