Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
336/03.9TBALD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EXTINÇÃO
DESISTÊNCIA
DONO DA OBRA
DIREITOS
EMPREITEIRO
Data do Acordão: 09/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALMEIDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1207º, 1229º DO C. CIV.
Sumário: I – O contrato de empreitada é um negócio jurídico bilateral, sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, de execução continuada, do qual emergem reciprocamente direitos e deveres consubstanciados numa relação jurídica complexa.

II – A extinção do contrato, por desistência do dono da obra (artº 1229º CC), constituindo uma excepção à regra “pacta sunt servanda”, é uma faculdade discricionária que pode ser tácita, sem forma especial, não carece de fundamento, nem de pré-aviso e assume eficácia ex nunc.

III – Por não se enquadrar nas figuras da resolução, revogação ou denúncia, trata-se de uma situação sui generis de extinção do contrato de empreitada, conferindo ao dono da obra a possibilidade de não prosseguir com a empreitada, por variadas razões, interrompendo a sua execução para o futuro, e conferindo ao empreiteiro o direito a uma indemnização pelos “gastos e trabalho” e, ainda, pelo “proveito que poderia tirar da obra (tendo por base a obra completa e não apenas o que foi executado”.

IV – Não havendo elementos factuais disponíveis que possibilitem quantificar a indemnização pelos gastos e trabalhos feitos pelo empreiteiro na obra, impõe-se relegar para posterior incidente de liquidação – artº 661º, nº 2, CPC.

V – Uma vez extinto o contrato, por desistência do dono da obra, já não pode haver lugar à eliminação dos defeitos, à substituição ou à redução do preço, pois estes direitos pressupõem a manutenção do contrato.

VI – A desistência da empreitada pelo dono da obra não lhe confere o direito a ser indemnizado pelos defeitos verificados na parte executada, nem de reclamar o que gastou com a conclusão da obra.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO

1.1. - O Autor – A... – instaurou na Comarca de Almeida acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra o Réu – B... .
Alegou, em resumo:
Em Outubro de 2002, Autor ( empreiteiro ) e Réu ( comitente ) celebraram um contrato de empreitada, nos termos do qual aquele se obrigou a construir uma casa, pelo preço de € 36.128,85, conforme doc. de fls.7.
Em meados de Junho de 2003, o prédio estava quase concluído, mas ainda faltava pagar ao Autor a quantia de € 8.813,59.
O Autor solicitou o pagamento de € 5.000,00 e o Réu não pagou e em 15 de Julho de 2003 impediu o Autor de concluir a obra, vindo posteriormente a rescindir unilateralmente o contrato.
Face à desistência da empreitada, tem o Autor a receber o montante de € 7.813,59.
Pediu a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 7.813,59, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação.
Contestou o Réu, defendendo-se em síntese:
O Autor não cumpriu o contrato de empreitada, visto que não executou no prazo convencionado de 210 dias, para além de apresentar defeitos. Foi o Autor quem abandonou a obra, tendo o Réu resolvido o contrato.
Concluiu pela improcedência da acção e em reconvenção pediu a condenação do Autor/reconvindo:
a) - A reconhecer que assiste ao Reconvinte o direito de ver o contrato resolvido pelo seu incumprimento;
b) - A indemnizar o Reconvinte na quantia de € 2.246,06 (pelos trabalhos a mais que teve que despender para a conclusão da obra);
c) - A corrigir os defeitos de construção verificados na obra e de sua responsabilidade, segundo orientação do técnico responsável pela obra ou, em alternativa indemnizar o Reconvinte numa quantia não inferior a € 5.000;
d )- A indemnizar o Reconvinte na quantia de € 1250, referentes aos restantes danos patrimoniais provocados;
e) - A indemnizar o Reconvinte, a título de danos não patrimoniais, na quantia de € 500.
Respondeu o Autor contraditando a reconvenção.
No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.

1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção e reconvenção improcedentes, absolvendo cada uma das partes dos respectivos pedidos.

1.3. – Inconformados, recorreram de apelação o Autor e subordinadamente o Réu.

1.3.1. – Recurso do Autor – Conclusões:
1º) - Está provado que do valor global da obra o Autor não pagou a quantia de € 8.813,59, que foi o Réu quem impediu o Autor de concluir a obra e que ele rescindiu o contrato sem qualquer explicação, quando faltava apenas uma semana para a conclusão da obra.
2º) – O Réu não alegou nem provou quanto é que um empreiteiro colocado na posição do Autor gastaria para completar a obra, sendo esses os custos que deveriam ser avaliados para efeitos de serem deduzidos à quantia que o Autor deixou de receber e não os gastos que o Réu eventualmente tenha feito.
3º) – Os gastos com a correcção de defeitos não podem ser deduzidos à quantia que o Autor deixou de receber, porquanto o Réu não alegou nem provou tê-los denunciado anteriormente.
4º) – A sentença violou os arts.1229, 1220,1, 1225, 2 e 847, 1 a) do CC.
Não houve contra-alegações.

1.3.2. – Recurso (subordinado ) do Réu - Conclusões:
1º) - O reconvinte desistiu da empreitada ao abrigo do art.1229 do CC.
2º) – Naquela data o Autor tinha recebido do reconvinte quantias superiores ao valor incorporado na obra.
3º) – Os € 8.813,59 que faltava pagar nem sequer seriam suficientes para custear o que faltava para concluir a obra, como veio a provar-se pelas despesas suportadas pelo reconvinte com essa finalidade.
4º) – Por isso, não tem cabimento levar em conta o proveito que o Autor poderia tirar da obra, pois este já estava antecipado nos pagamentos até então recebidos.
5º) – Deveria o Autor ter sido condenado a pagar ao Réu a quantia de € 7.164,92 por danos patrimoniais.
6º) – Deveria ter sido condenado a pagar a quantia de € 500,00 por danos não patrimoniais.
Não foram apresentadas contra-alegações.
III - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:
As questões submetidas a recurso, delimitadas pelas respectivas conclusões ( art.684 nº4 e 690 nº1 do CPC), são as seguintes:
(1ª) - Se assiste ao Autor ( empreiteiro) o direito à reclamada indemnização, com base na desistência da empreitada pelo Réu ( dono da obra );
(2ª) – Se o Réu reconvinte tem direito à indemnização peticionada.





2.2. – Os factos provados:
1) - O Autor exerce a actividade de empreiteiro de construção civil, da qual faz o seu exclusivo modo de vida (A/).
2) - No exercício dessa actividade remunerada, e por acordo, o Réu adjudicou ao Autor a construção de uma casa em S. Pedro do Rio Seco, concelho de Almeida mediante documento escrito assinado por ambos em 3 de Outubro de 2000, o que consta de fls. 7 e 8, e tem o seguinte conteúdo: “(...) fazer a casa conforme a planta. Todos os quartos são feitos com mosaicos e a casa de banho e cozinha são feitos com azulejos nas paredes. Azulejo e mosaico o metro quadrado será até 7,50 euros. As louças da casa de banho são normais e são brancas. As torneiras da casa de banho e cozinha são por conta do proprietário. As portas interiores são portas folhadas normais. Os aros serão em mogno e as portas de alumínio e janelas de alumínio. Janelas até 150,00 Euros, portas até 325,00 Euros cada porta. Se passar destes valores será por conta do proprietário. A casa será pintada toda de branco. E o valor da obra é de 36.128,85 Euros. Com a entrada de 4.987,98 Euros, no primeiro dia de trabalho. O restante dinheiro será dado conforme eu vou precisando” (B/).

3) - Segundo o acordo referido em B), a mão de obra e os materiais aí indicados e necessários à construção da casa seriam por conta do Autor até aos valores também aí referidos, sendo os restantes materiais ou excesso de valor por conta do Réu (C/).

4) - Para além do mencionado em B), o Autor ficou obrigado a executar as obras segundo o projecto aprovado pela Câmara Municipal de Almeida, o qual lhe foi entregue pelo Réu ( D/).

5) - O Autor colocou azulejos na casa de banho pequena (E/).

6) - Em 9 de Julho de 2003, o Réu enviou ao Autor carta registada, com aviso de recepção, datada de 10 de Julho de 2003, que este recebeu, com o seguinte teor: “(...) Pela presente fica V. Exa. notificado do seguinte: 1) Há cerca de 3 semanas que sem qualquer justificação abandonou os trabalhos da construção da minha casa, estando esta em fase de conclusão. 2) Assim, deve V. Exa. retomar os mesmos trabalhos no prazo de 5 (cinco) dias concluí-los no prazo de uma semana, prazo que se considera mais do que suficiente para terminar o contrato de empreitada por nós celebrado. 3) Caso não reinicie os trabalhos no prazo referido e não conclua os mesmo dentro do prazo que se reputou como suficiente, fica desde já notificado que resolvo unilateralmente o contrato, com justa causa, não podendo ali continuar a trabalhar, nem entrar na minha propriedade, sob pena de participar criminalmente tais factos. 4) Em caso de resolução do contrato, nada se deve a V. Exa., ao contrário, intentarei a competente acção judicial de indemnização (...)“ – cf. fls. 9 (F/).

7) - Em resposta à carta mencionada em F), o Autor enviou ao Réu carta registada, com aviso de recepção, datada de 15 de Julho de 2003, que este recebeu, com o seguinte teor “(...) Em resposta à sua carta de 10/07/2003, permito-me os seguintes esclarecimentos: 1° - Não abandonei os trabalhos do prédio que lhe estou a construir, como afirma, apenas os suspendi em virtude de não ter sido liquidada a importância de 5.000,00 Euros, que lhe pedi há cerca de três semanas. 2° - Refere-se a um contrato de empreitada; desconheço esse contrato ou quem o tenha assinado; o único documento referente à obra é o meu orçamento de 23/10/02, assinado por ambos, sem indicar qualquer prazo de acabamento. 3° - Perante estes factos, solicito que, impreterivelmente até ao dia 17/7/2003, me seja paga a importância atrás citada, de 5.000,00 Euros, respeitante aos acabamentos de: Instalação eléctrica, colocação das portas interiores, louças das duas casas de banho, bem como assentamentos de azulejos, mosaicos e pinturas. (...)“ — cf. fls. 10 (G/).

8) - O Réu enviou ao Autor carta registada, com aviso de recepção, datada de 21 de Julho de 2003, que este recebeu com o seguinte teor: “(…) Pela presente fica V. Exa. notificado do seguinte: Desde a recepção desta carta, deve V. Exa retirar imediatamente os seus materiais que se encontram por enquanto dentro do meu pátio. Se não for feito, aviso-o desde já que eu me verei na obrigação de pôr tudo na rua. Também fica notificado que depois já não o quero ver mais na minha propriedade, sob pena de participar criminalmente tais factos (...)“ - cf. fls. 12 (H/).

9) -O Autor trabalhou na obra nos dias 11 e 12 de Julho de 2003 (I/).

10) - O Réu não pagou ao Autor a quantia de € 5.000 solicitada por este na carta mencionada em G) (J/).

11) - Para a conclusão da casa bastaria ao Autor um período de uma semana de trabalho (L/).

12) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, uma banheira, tubo PVC e válvula, no valor de 160,00 Euros, em 11/08/2003 - fls. 38 (M/).

13) - Em 21 de Março de 2003, o Réu requereu a prorrogação da licença de construção por um período de três meses, para a conclusão da obra, com fundamento no facto de não ser possível concluir todos o trabalhos no prazo concedido na licença em virtude de falta de mão de obra, tendo-lhe sido concedida a prorrogação até 21 de Junho de 2003 - doc. fls. 61 a 64 (N/).

14) - Em 23 de Junho de 2003, o Réu requereu uma segunda prorrogação da licença de construção - doc. fls. 66 e 67 (O/).

15) - Dos € 36.128,85 referidos em B) ficaram por pagar € 8.813,59 (P/).

16) - O Autor não pintou a segunda de mão de tinta na cozinha, não colocou os azulejos na casa de banho, não assentou as louças da casa de banho, não colocou as portas interiores e não assentou os mosaicos na casa ( Q/).

17) -As obras tiveram início em finais de Outubro de 2002 ( r.q.2º).

18) -Em meados de Junho de 2003, para finalizar a construção do prédio referido em B) faltava apenas o mencionado em Q), e respostas aos quesitos 16º a 20º (r.q.3º).

19) - O Autor levou para a obra azulejos e mosaicos ( r.q.4º).

20) - O Autor solicitou ao Réu o pagamento de € 5.000,00 (r.q.5º).

21) - O Réu fechou a casa à chave, colocando os utensílios de trabalho do Autor na rua, quando este se apresentou na obra após 21 de Julho de 2003 (r.q.9º).

22) - E impedindo que o Autor prosseguisse com os trabalhos (r.q.10º).

23) - O Réu acompanhou a realização da obra (r.q.13º).

24) - O Autor não comprou as louças da casa de banho (r.q.16º).

25) - Não colocou as portas exteriores (r.q.r.q.17º)

26) - Nem as janelas em alumínio (r.q.18º).

27) - Nem os roupeiros (r.q.19º).

28) - Nem o balcão da cozinha (r.q.20º).

29) - O facto mencionado em J) ocorreu apenas porque o Autor não executou mais trabalhos na obra (r.q.30º).

30) - O Réu recorreu a crédito financiado pela C.G.D., a qual desbloqueava as tranches do pagamento em função da evolução dos trabalhos (r.q.31º)

31) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, material diverso para a casa de banho, no valor de 294,11 Euros (r.q.35º).

32) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, portas e janelas, no valor de € 3.990,00 Euros (r.q.36º).

33) - Tendo o Réu optado por persianas porque se fossem colocados estores, tal como consta do projecto, a obra seria no valor de € 3.440 Euros (r.q.37º).

34) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, roupeiros e assentamento de louças e portas de madeira no valor de 3,900 Euros (r.q.38º).

35) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, portas interiores de madeira, no valor de 540,46 Euros (r.q.39º).

36) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, material eléctrico e mão-de-obra para conclusão da electrificação, no montante de € 119 (cf. doc. de fls. 55) (r.q.40º).

37) - O Réu adquiriu e pagou à sua conta, tinta no valor de 240 Euros (r.q.41º).

38) - Quando o Autor deixou a obra, a mesma apresentava “defeitos” nos remates de azulejo e mosaico (r.q.45º).

39) - Necessidade e correcção da aplicação de algumas soleiras ou aros das janelas, portas, portados em relação a alinhamentos, esquadrias e dimensões (r.q.47º).

40) - Necessidade de executar clarabóias assinaladas em projecto para os WC guarnecida a telha de vidro (r.q.49º).

41) - A correcção dos defeitos e a execução dos trabalhos mencionados nos quesitos anteriores ascende à quantia de 3500 Euros (r.q.50º).

42) - O Réu anda nervoso (r.q.56º e 57º).

43) - O cume do telhado da casa do réu está desnivelado, com um dos lados mais alto do que o outro ( r.q.58º).

44) - A parte do telhado junto à chaminé cedeu ( r.q.59º).

45) - As telhas estão desniveladas (r.q.60ºº).

46) - Na cobertura que serve de telhado e no beirado encontra-se pelo menos uma telha partida (r.q.61º).


2.3.- O Recurso do Autor:
As partes celebraram, entre si, um contrato de empreitada (art.1207 CC ) nos termos do qual o Autor (empreiteiro) se obrigou a realizar certa obra (construção de uma moradia) pelo preço global de € 36.128,85, em relação ao Réu (comitente e dona da obra).
Tratando-se de um negócio jurídico bilateral, rectius, um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, dele emergem reciprocamente direitos e deveres, consubstanciados numa relação juridica complexa.
É sabido que todo o negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido (art.406 nº1 C.C.) e no cumprimento das obrigações, assim como no exercicio do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé (art.762 nº2 C.C.).
A impostação do problema situa-se aqui em sede de responsabilidade contratual, concretamente quanto à extinção do contrato de empreitada e as implicações decorrentes, tendo em conta a pretensão de ambas as partes.
O Autor, com fundamento na desistência por parte do Réu ( art.1229 do CC ), reclama a indemnização de € 7.813,59, correspondente aos trabalhos realizados.
O Réu pediu, em reconvenção, a confirmação da resolução do contrato, com base no abandono da obra pelo Autor, e indemnização.
Abandono do Autor ou desistência do Réu?
Sendo o contrato de empreitada de execução continuada, prolongando-se no tempo, as partes normalmente estipulam um prazo. Não o fazendo, pode qualquer delas recorrer ao tribunal exigindo a respectiva fixação ( arts.400 nº2 e 777 nº2 do CC ).
Não se provou que houvesse sido convencionado qualquer prazo para a conclusão da obra ( cf. respostas restritivas aos quesitos 27º e 28º), sabendo-se, no entanto, que os trabalhos se iniciaram em finais de Outubro de 2002 e o Autor requereu a prorrogação da licença de construção, em 23 de Junho de 2003.
Como não se demonstrou que as partes estipulassem um prazo para a realização da obra ou que o fixassem posteriormente, não pode afirmar-se que o Autor ( empreiteiro ) tivesse incorrido em mora quanto à sua prestação.
Muito embora fosse suficiente o período de uma semana para a conclusão da obra, a imposição do prazo admonitório para a resolução, através da carta de 10 de Julho de 2003, pressuporia a prévia mora, que não se verifica.
Em todo o caso, o Autor efectuou trabalhos nos dias 11 e 12 de Julho de 2003 e quando em 21 de Julho do mesmo ano se apresentou na obra foi impedido de continuar.
Não houve qualquer abandono da obra por parte do Autor de forma a legitimar o direito de resolução do contrato pelo não cumprimento ( art.808 do CC ).
Já o Réu, quer com a carta de 21 de Julho de 2003, quer ao impedir o Autor de prosseguir os trabalhos desistiu tacitamente da empreitada.
A extinção do contrato, por desistência do dono da obra (art.1229 CC ), constituindo uma excepção à regra "pacta sunt servanda", é uma faculdade discricionária que pode ser tácita, sem forma especial, não carece de fundamento, nem de pré-aviso e assume eficácia ex nunc.
Por não se enquadrar nas figuras da resolução, revogação ou denúncia, trata-se de uma situação "sui generis" de extinção do contrato de empreitada, conferindo ao dono da obra a possibilidade de não prosseguir com a empreitada, por variadas razões, interrompendo a sua execução para o futuro ( cf. P.LIMA/A.VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 2ª ed., pag.745, VAZ SERRA, BMJ 146 ).
A desistência da empreitada pelo dono da obra confere ao empreiteiro o direito a uma indemnização pelos "gastos e trabalho" e ainda pelo "proveito que poderia tirar da obra".
Em primeiro lugar, a indemnização incide sobre as despesas que teve, considerando-se todos os danos emergentes, acrescidas do valor do trabalho incorporado na obra, e que não estão relacionados com o preço da empreitada.
Os gastos são todas as despesas feitas com a obra, nomeadamente, as despesas feitas com a aquisição de materiais de construção, ainda que não incorporados ( a menos que o empreiteiro fique com eles ), com salários pagos devidos aos operários durante o período de tempo em curso.
Isto significa que a indemnização pelos “gastos e trabalho” não corresponde necessariamente ao valor da parte da obra executada. Pode ser superior se incluir despesas não incorporadas na obra, ou inferior, se, por exemplo, algum dos materiais tiver sido fornecido pelo dono da obra.
Em segundo lugar, reporta-se ao proveito que poderia tirar da obra, tendo por base a obra completa e não apenas o que foi executado, sendo determinado pela subtracção ao preço total fixado do custo global da obra.
Mas se o empreiteiro já tiver recebido parte do preço terá de ser descontada no valor global da indemnização.
Trata-se, assim, de uma indemnização pelo "quantum meruit" como consequência de uma responsabilidade por factos lícitos danosos, sendo o empreiteiro indemnizado pelo interesse contratual positivo, ou seja, a indemnização visa colocá-lo na situação que teria se o contrato fosse pontualmente cumprido (cf. VAZ SERRA, R.L.J. ano 104, pág.204 a 207, em anotação ao Ac.STJ de 30/6/70, PEDRO MARTINEZ, Direito das Obrigações, 2ª ed., pág.455 ).
Como facto constitutivo do direito ( art.342 nº1 do CC ), compete ao autor alegar e provar o custo dos trabalhos e despesas com a execução parcial da obra, bem assim o seu custo global.
O Autor reclamou o montante de € 7.813,59 pelos gastos e trabalho ( declarou ( art.32º da p.i.) prescindir dos lucros cessantes ), tendo para tanto descontado ao remanescente do preço ( € 8.813,59 ) o valor que calculou para acabar a obra ( € 1.000,00 ).
Desde logo, não se provou que fosse este o valor referente ao custo do acabamento ( cf. resposta negativa ao quesito 12º), mas nem seria essa a forma correcta de alcançar a indemnização, em face do critério legalmente estabelecido, tanto mais que no remanescente do preço já estaria incluído o lucro do Autor, sendo certo que há materiais e trabalhos que na realidade não chegou sequer a efectivar ( cf. al.Q/ e r.q. 16º a 20º).
O Réu, embora reconheça nas alegações do recurso haver desistido da empreitada, entende não assistir ao Autor qualquer indemnização, dizendo que pelos materiais e trabalhos prestados já se encontra integralmente ressarcido, mas tal conclusão não resulta da factualidade apurada. Debalde o apelo ao montante global por si despendido para concluir a obra, pois já se viu não ser este o cálculo correcto, e, por outro lado, os defeitos da obra não funcionam como causa de exclusão da obrigação de indemnização ( cf., por ex., Ac do STJ de 29/3/07, proc. 07B370, em www dsgi.pt ).
Não havendo elementos factuais disponíveis que possibilitem quantificar a indemnização pelos gastos e trabalhos feitos pelo Autor na obra, impõe-se relegar para posterior incidente de liquidação ( art.661 nº2 do CPC ).
Procede parcialmente a apelação do Autor.

2.4. - O Recurso do Réu:
Como já se observou, não assistiu ao Réu o direito potestativo de resolução ( art.436 do CC ), por justa causa, visto não se comprovar o incumprimento definitivo por parte do Autor. De resto, e contrariamente ao alegado, não se provou a perda de interesse por parte do Réu ( cf. resposta negativa ao quesito 34º).
O contrato extinguiu-se, não pela resolução ( operada pelo Réu ), caso em que haveria lugar a uma “ relação de liquidação”, mas pela desistência do dono da obra.
Reclamou o Réu/ reconvinte o pagamento da indemnização referente ao acabamento das obras, no valor de € 2.246,00, bem como a correcção dos defeitos ou em alternativa uma indemnização não inferior a € 5.000,00.
Uma vez extinto o contrato, pela desistência do Réu, já não pode haver lugar à eliminação dos defeitos, à substituição ou à redução do preço, pois estes direitos pressupõem a manutenção do contrato ( cf. PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, pág.344 ).
É que a exigência da denúncia dos defeitos funciona como pressuposto da acção de cumprimento, ou da excepção do não cumprimento relativamente ao pagamento do preço, visto que o direito de exigir a eliminação dos defeitos é um misto de restauração in natura ( art.562 do CC ) e de execução específica ( art.827 e segs. do CC.
Só quando o dono da obra opte pela acção de cumprimento, é que a recusa do empreiteiro em eliminar os defeitos apenas faculta àquele a possibilidade de requerer a execução específica e já não de ele próprio reparar, por si ou terceiro, e depois exigir do empreiteiro o valor correspondente às despesas, ressalvando a situação de estado de necessidade (cf., por ex. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol.II, 3ª ed., pág.820, PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, 1994, pág.388, Ac STJ de 11/5/93, C.J. ano I, tomo II, pág. 97, de 18/10/94, C.J. ano II, tomo III, pág.93, Ac RC 6/1/94, C.J. ano XIX, tomo I, pág.10 ).
Por isso, a desistência da empreitada pelo dono da obra não lhe confere o direito a ser indemnização pelos defeitos verificados na parte executada, nem de reclamar o que gastou com a conclusão da obra.
Também sucumbe a preconizada indemnização de € 500,00 por danos não patrimoniais, pois embora a sua ressarcibilidade tenha lugar em sede de responsabilidade contratual, a verdade é que para além de não se comprovar o incumprimento definitivo do contrato pelo Autor, também nem sequer se demonstrou que a circunstância do Réu andar nervoso fosse por causa dos problemas inerentes à construção da casa ( cf. resposta restritiva aos quesitos 56º e 57º ).
Em resumo, improcede a apelação do Réu, procedendo parcialmente a do Autor, alterando-se, em conformidade, a sentença recorrida, com diversa fundamentação.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a apelação do Réu e confirmar a sentença na parte em que absolveu o Autor dos pedidos reconvencionais.
2)
Condenar o Réu nas custas da sua apelação.
3)
Julgar parcialmente procedente a apelação do Autor e, revogando-se a sentença, condenar o Réu a pagar ao Autor ( empreiteiro) a indemnização que se liquidar em posterior incidente, correspondente aos gastos e trabalhos na obra, por este realizados, em função da desistência da empreitada pelo Réu ( dono da obra )
4)
As custas da apelação do Autor e as da 1ª instância serão suportadas provisoriamente em partes iguais por Autor e Réu, deixando-se o rateio para depois da liquidação.