Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2212/06.4TAAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Data do Acordão: 11/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS ART.25.º, AL.A) DO D.L. 15/93
Sumário: 1. O regime do tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração conjunta dos diversos factores que se apuraram na situação global dada como provada pelo Tribunal.
2. O juízo a emitir sobre a menor gravidade do tráfico deve ser um juízo global e abrangente sobre a conduta delitiva do agente.
3. A actividade que perdura por período de cerca de 2 anos, com largos períodos parcialmente indefinidos em termos de números de pessoas a quem vendiam estupefacientes e quantidades transaccionadas, encontrando-se provadas vendas a 14 consumidores, não se sabendo exactamente que quantidades foram vendidas ou cedidas, sendo que no período em causa viviam os arguidos, na altura consumidores de heroína e de cocaína, essencialmente dos lucros que retiravam da diferença entre o preço de compra da heroína e cocaína e o maior preço que obtinham na sua venda a retalho. lucros esses modestos, integra a prática de um crime de crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.25.º, al.a) do D.L. 15/93.
Decisão Texto Integral: Relatório

Pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, os arguidos
AM..., conhecido pela alcunha de “Tomané”, divorciado, empregado de mesa, (actualmente preso preventivamente à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional de Aveiro. desde o dia 17-01-2008), e
ML..., solteira, cozinheira, (actualmente presa preventivamente à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional de Aveiro, desde o dia 17-01-2008),
imputando-se-lhes a prática de factos pelos quais teriam cometido:
- os arguidos António e Maria, em co-autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art. 21.º n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e 1-B, anexas a esse diploma legal, e
- o arguido António, em autoria material, um crime de detenção de arma proibida , previsto e punido pelo art. 86.º, n.º 1 d), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo, por acórdão proferido a 23 de Julho de 2008, decidiu:
- condenar o arguido AM... pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.21.º n.º 1 do DL 15/93 de 22-01 na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- condenar o arguido AM... como autor material de um crime detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 10 ( dez meses) de prisão;
- condenar o arguido AM..., em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses de prisão;
- condenar a arguida ML... pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.21.º n.º 1do DL 15/93, de 22-01, na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão;
- nos termos do art. 35.º n.º 2 do mencionado DL 15/93, declarar perdidas a favor do Estado todas as substâncias estupefacientes apreendidas e examinadas nos autos (quer a arguidos, quer a terceiros);
- determinar a destruição das amostras cofre nos termos do art. 62.º, n.ºs 5 e 6 desse Diploma;
- dado que os mesmos serviram ou estavam destinados a servir para a prática do crime de tráfico de estupefacientes ou constituem vantagem daí obtida, declarar perdidos a favor do Estado os telemóveis velocipede, medicamentos, recortes de plástico e dinheiro apreendidos aos arguidos António e Maria (mencionados em 2) a 5) supra), nos termos dos arts. 35.º n.º 1 e 36.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo DL 15/93; e
- dado que a mesma constitui em si o objecto do crime, declarar perdida a favor do Estado a navalha apreendida ao arguido António(mencionada em 2) supra), atento o disposto no art. l09.º n.º 1 do C. Penal.

Inconformado com o douto acórdão dele interpuseram recurso os arguidos AM... e ML..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
I - O acórdão recorrido é passível de censura, porquanto existem factos que foram julgados de forma incorrecta e provas que impunham decisão diversa, e, a final, não deveriam os arguidos ter sido condenados pelo crime (matricial) de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, por se encontrar igualmente preenchido o tipo de ilícito (privilegiado) previsto no artigo 25.º, alínea a), do mesmo diploma, bem como, deveria ter decretado a suspensão da execução das penas de prisão;
II - Os factos erradamente dados como provados reportam-se às declarações das testemunhas, LC, por falta de credibilidade, e de FA, NM e CA, por terem deposto em julgamento em sentido contrário do que foi dado como provado;
III - Por outro lado, há diversa matéria relacionada com as condições de vida dos arguidos, sobre a qual depuseram, designadamente, as testemunhas J…, L… e J…, com relevância para a boa decisão da qualificação do tipo legal de crime base ou privilegiado (por reflectirem a pequena dimensão da actividade criminosa), que o douto acórdão recorrido erradamente não considerou;
IV - A factualidade (já considerada ou que devê-lo-á ser) provada, é perfeitamente enquadrável, pelo menos, na previsão do artigo 25.º - tráfico de menor gravidade - do referido diploma legal, sendo que, o douto acórdão recorrido se limita a uma breve e sucinta referência aos tipos incriminadores privilegiados, optando quase automaticamente pelo crime matricial de tráfico de estupefacientes p. p. pelo artigo 21.º do citado diploma, descurando assim um princípio fundamental de proporcionalidade na definição dos crimes e aplicação das penas.
V - A ideia de proporcionalidade reflecte-se no “escalonamento dos crimes de tráfico (…) em grande tráfico (artigos 21.º e 22.º do DL 15/93), pequenos e médios traficantes (artigo 25.º ), e para os traficantes-consumidores (artigo 26.º)” - v. o douto Acórdão do STJ, de 17/04/2008, processo 08P571, disponível em www.dgsi.pt - parecendo evidente, nos presentes autos, que os arguidos não se podem configurar como grandes traficantes, sendo a sua conduta mais consentânea (desde logo em nome do princípio in dubio pro reu) com o conceito de tráfico de pequena ou média gravidade;
VI - O douto acórdão recorrido opta por afastar a aplicação deste tipo legal privilegiado por entender verificar-se uma “disseminação” de estupefaciente por várias pessoas por um longo período de tempo;
VII - Não obstante, apesar de o dito aresto situar a actividade ilícita dos arguidos desde Janeiro de 2006, baseia-se apenas em relatórios de vigilância dos agentes da PSP, que relatam genericamente contactos com outros indivíduos, surgindo os primeiros episódios concretos que podem consubstanciar a factualidade típica apenas a partir do ano de 2007, com a apreensão, ao arguido António, em 26 de Janeiro, de um pacote contendo 1,211 gramas de heroína;
VIII - De todo o modo, como consta do douto acórdão recorrido, no dia seguinte, em 27 de Janeiro de 2007, em busca efectuada à residência dos arguidos, não foi encontrado estupefaciente, e, apesar vigilâncias diárias que lhe foram feitas, apenas em 29 de Janeiro seguinte foi interceptado a adquirir 2,6 gramas da mesma substância, pelo preço de € 75,00, o que permite afirmar que a actividade do(s) arguido(s) não possuía uma matriz organizada, ininterrupta e de grande dimensão;
IX - Em relação à arguida Lurdes, apenas é referido um concreto episódio, datado de 17 de Janeiro de 2008, em que foi encontrado na sua posse estupefaciente, que consistia num pacote de heroína, com o peso de 0,14 gramas, e que teria nessa ocasião cedido outro pacote com 0, 11 gramas desse produto a um indivíduo;
X - No mesmo dia 17/01/2008, foi logo de seguida feita nova busca à residência dos arguidos, na qual estava o arguido António e onde foram encontrados 3 doses individuais de heroína e uma base contendo 0,06 gramas de cocaína;
XI - Os factos dados como provados no douto acórdão a quo, reportam-se sempre a pequenas quantidades, normalmente correspondentes a uma dose individual, o que inculca a ideia que os arguidos eram claramente um elo menor nessa actividade ilícita, transaccionando pequenas quantidades, as quais, se considerarmos que também eram consumidores, pouco representavam em termos líquidos em relação à quantidade que, de acordo com a experiência comum ou até com os critérios legais, eles próprios necessitariam para o seu consumo diário;
XII - Os arguidos viviam de favor numa dependência na casa dos pais do arguido, e, condições degradadas, sem qualquer luxo, e recorriam frequentemente a empréstimos, de pequenas quantias de dinheiro, para adquirir mercearias, pelo que, a actividade ilícita, ainda que fosse praticada como forma de vida, proporcionava apenas uma subsistência no limiar da satisfação de necessidades primárias dos arguidos e do seu agregado familiar, do qual fazem ainda parte dois filhos menores;
XIII - Citando o douto acórdão do STJ, de 30/04/2008, processo 08P1416, disponível em www.dgsi.pt, “a inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do acto ilícito a um único negócio de rua, sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que, por alguma forma, confluí com a gravidade do ilícito. ( ... ) Numa situação em que: - inexiste referência a uma estrutura organízativa com uma dimensão formal, - para além da detenção de 7,644 gramas de cocaína (peso líquido), o arguido, entre o ano de 2005 e os primeiros meses de 2006, forneceu essa substância a cerca de 10 consumidores, - embora esteja em causa um período temporal relativamente longo, encontram-se parcialmente indefinidas as concretas circunstâncias em que os fornecimentos se verificaram é de concluir que [o arguido] praticou o crime de tráfico de estupefacientes a que alude o artigo 25.º do DL 15/93”.
XIV - Nas palavras vertidas no douto acórdão do STJ, de 12/10/2006, processo 06P2683, também disponível em www.dgsi.pt, “ mesmo lidando com a posse de «droga dura», até já em quantidade apreciável, não fica afastada a hípótese de aplicação do artigo 25.º do DL n.º 15/92, reportando-se a «tráfico de menor gravidade», já que não se limita a prever bagatelas condutas «sem gravidade», tendo em conta que a moldura penal, em parte coincidente com a do artigo 21º, pode ir até aos 5 anos de prisão.
XV - Deste modo, deve considerar-se:
a) a simplicidade dos meios utilizados pelos dois arguidos, sempre numa área circunscrita às imediações da sua residência;
b) que os eventuais resultados económicos, que não foram concretamente apurados, eram certamente diminutos, confinados a um modo de vida de mera subsistência, “no limiar da satisfação de necessidades primárias dos arguidos” (v. o Ac. do STJ supra citado);
c) que os próprios arguidos eram toxicodependentes, pelo que, sempre destinariam parte dos eventuais lucros ao consumo de ambos;
d) que eram apenas vendidos pacotes de dose individual, para um único consumo, a € 10 a unidade;
e) que o estupefaciente era adquirido a indivíduos da zona, a pouca distância da residência dos arguidos, sendo que o arguido António os ia comprar de bicicleta, o que, além de, mais uma vez, inculcar a ausência ou a fraca organização de meios, significa que certamente não os poderiam vender com grande mais valia, sob pena de os “compradores” se deslocarem directamente a quem fornecia ao arguido António;
f) a menor intensidade do ilícito por parte da arguida Lurdes, a quem, desde logo, nunca foi imputada a aquisição de produtos estupefacientes;
XVI - Podendo, assim, concluir-se do exposto que existe matéria de facto (já considerada ou a considerar) provada bastante para se poder concluir que os arguidos, com especial ensejo a arguida Lurdes, não perpetraram “grande tráfico” mas sim “Pequeno ou médio tráfico”, que preenche de forma correcta e proporcional o regime privilegiado p. p. pelo artigo 25.º do DL 15/93, de 22/01 (“tráfico de menor gravidade”), mais favorável aos arguidos;
XVII - Crime este (o do artigo 25.º) que prevê uma moldura penal de um a cinco anos de prisão, para o caso em concreto (da alínea a)), o que permite e reforça a possibilidade de suspensão da execução das penas de prisão aos arguidos, que deverá ser decretada;
XVIII - No que respeita à suspensão da execução da pena, no que toca à arguida Lurdes, é bastante forte a possibilidade de a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada as finalidades da punição, atendendo à ausência de antecedentes criminais, a que era toxicodependente e a que se encontra reabilitada desse problema (como, aliás, arguido António), sendo de prever que ambos os arguidos disporão de habitação e apoio familiar e que terão condições sócio-económicas para “uma vida ausente deste típo de delitos” (v. relatório social de fis. 637 e seguintes), o que permite formular um juizo de prognose favorável relativamente ao comportamento dos arguidos - especialmente, repete-se, da arguida Lurdes - em liberdade.
XIX - O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 25.º, alínea a), do DL 15/93, de 22/01, e no artigo 50.º do Código Penal, na redacção actual, aplicável enquanto lei mais favorável aos arguidos, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do mesmo diploma.
Termos em que, se requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, a reparação do douto acórdão de acordo com as premissas modestamente supra expostas, fazendo-se assim a habitual, sã e serena Justiça.

O Ministério Público na Comarca de Aveiro respondeu ao recurso interposto pelos arguidos pugnando pela manutenção do acórdão impugnado nos eus precisos termos, negando-se provimento ao recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva convicção constante do acórdão recorrido é a seguinte:
Factos provados
1) Os arguidos António e Lurdes viviam (dado que agora se encontram presos) em condições análogas às dos cônjuges, partilhando cama, mesa e habitação.
Desde data não concretamente apurada, mas situada, pelo menos, desde Janeiro de 2006, os arguidos passaram a dedicar-se à venda de heroína e cocaína a diversos toxicodependentes, actividade que desenvolviam habitualmente junto à sua residência, nesta cidade de Aveiro.
Para tanto, os arguidos adquiriam previamente a heroína e a cocaína, nomeadamente em acampamentos de indivíduos de etnia cigana, sitos na Gafanha da Nazaré, após o que dividiam a heroína e a cocaína em doses individuais de peso não determinado, as quais vendiam aos consumidores que os procuravam, pelo preço unitário de cerca de € 10,00.
Com tais vendas, os arguidos obtinham um lucro monetário, na medida em que o preço recebido pelos produtos vendidos era superior ao valor dispendido com a respectiva aquisição.
Para além desse contacto directo, e para mais facilmente iludir o controlo policial, no seu contacto com os consumidores, os arguidos usavam também telemóveis, nomeadamente os apreendidos nos autos, cujo números (913329875, 911080131 e 916254599) forneciam aos toxicodependentes nos primeiros contactos, por essa via, combinando as quantidades e os locais onde se procederia à venda, deslocando-se, apôs tais contactos, umas vezes a arguida e outras o arguido, aos locais previamente combinados, aquando do contacto telefónico, nomeadamente aos locais supra referidos.
2) No dia 26 de Janeiro de 2007, cerca 23.14 horas, o arguido António, conduzindo um velocípede, saiu da sua residência supra mencionada e dirigiu-se para a pista para ciclomotores e velocípedes, paralela à A 25, em direcção da Gafanha da Nazaré.
Durante tal trajecto e quando já circulava na referida pista, o arguido encontrou-­se com um indivíduo de etnia cigana, não concretamente identíficado, que lhe entregou um pequeno saco para a mão, tendo o arguido entregue quantia monetária não concretamente apurada.
Após, o arguido inverteu o seu sentido de marcha e regressou a esta cidade de Aveiro, tendo sido interceptado por agentes da PSP, na Rua Sargento Pais, em Aveiro, cerca das 23,50 horas.
Aquando da sua intercepção, e perante os agentes de Policia, o arguido lançou ao chão o saco acima referido, que continha no seu interior 4 (quatro) pequenos sacos, contendo cada um deles um produto castanho com o peso total de 1,656 gramas, que laboratorialmente revelou ser heroína, substância incluída na Tabela 1-A do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com o peso liquido de 1,211 gramas (fls. 225), que lhe foi apreendida.
Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, foi ainda apreendido ao arguido um telemóvel, marca “Sharp”, modelo GX17, uma nota de € 20,00 do BCE, uma faca de abertura automática, vulgarmente denominada de ponta e mola, com 8 cm de comprimento, sendo 5,5 cm de lâmina (melhor examinada a fls. 149), e o velocípede em que se fazia transportar.
O arguido António quis deter aquela navalha, como efectivamente fez, bem sabendo que tal detenção não lhe era legalmente permitida.
Agiu o arguido António de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei.
3) No decurso da busca efectuada na residência dos arguidos António e Lurdes, no dia 27 de Janeiro de 2007, pelas 08.15 horas, foi-lhes apreendido:
- No quarto dos arguidos: três telemóveis, respectivamente marca Samsung, modelo SGH-ZV10; marca Nokia, modelo 1600, e marca Nokia, modelo 3100 (melhor identificados a fls. 70); uma caixa com 17 comprimidos, marca Benu-ron de 1 grama; uma caixa com 15 comprimidos, marca Benu-ron de 500 mg; duas embalagens de Brufen granulado e uma caixa de comprimidos Kompensan, com 10 comprimidos, todos estes medicamentos normalmente usado para "traçar” o estupefaciente, aumentado a quantidade do produto, obtendo assim maiores lucros.
- Nas escadas de acesso ao quarto de casal dos arguidos, no interior de um pote em barro: um recorte de plástico de cor branca, em forma de quadrado, próprio para fraccionar, em doses individuais, o produto estupefaciente;
No corredor de acesso à cozinha: três recortes de plástico de cor branca, em forma de quadrado, próprios para fraccionar, em doses individuais, o produto estupefaciente.
Os arguidos destinavam a heroína apreendida, pelo menos na sua maior parte, à venda a toxicodependentes desta cidade de Aveiro, que para tal os contactassem, após adulterarem a mesma, misturando outras substâncias, nomeadamente os medicamentos apreendidos, obtendo, deste modo, maior quantidade de produto para venda.
4) No dia 29 de Janeiro de 2007, cerca 18.01 horas, na Rua D. Duarte, sita na Gafanha da Nazaré, o arguido António comprou a um indivíduo de etnia cigana, não concretamente identificado, 5 (cinco) pacotes de um produto acastanhado com o peso de 2,6 gramas, que laboratorialmente revelou ser heroína, substância incluída na Tabela 1-A do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com o peso líquido de 2,040 gramas (fls. 517), tendo o arguido entregue a quantia monetária de € 75,00.
O arguido, ao avistar os soldados da GNR., deitou ao solo o saco de plástico que continha os referidos 5 (cinco) pacotes, que lhe foi apreendido.
Os arguidos destinavam a heroína apreendida, pelo menos na sua maior parte, à venda a toxicodependentes desta cidade de Aveiro que para tal os contactassem.
5) No dia 17 de Janeiro de 2008, cerca das 14.45 horas, junto à estátua existente em frente da igreja da Vera Cruz, nesta cidade de Aveiro, após ter entregue um pequeno pacote a António (melhor id. a fls. 319), e recebido em troca duas notas de € 5,00, aquando da sua detenção a arguida Lurdes tinha no interior do bolso do kispo que envergava, no interior de uma carteira, um pequeno pacote com um produto, com o peso de 0,14 gramas, que sujeito a exame laboratorial revelou ser heroína, substância incluída na Tabela 1-A do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e ainda as supra referidas duas notas de € 5,00, que lhe foram apreendidos (cfr. exame pericial de fls. 470).
Tendo sido o referido António interceptado, foi apreendido o pacote que lhe havia sido entregue pela arguida. O mesmo, sujeito a exame laboratorial, revelou conter heroína, com o peso de 0,11 gramas, substância incluída na Tabela 1-A do DL 15/93, de 22 de Janeiro (cfr. exame pericial de fls. 470).
6) No mesmo dia 17 de Janeiro de 2008, cerca das 15.00 horas, no âmbito do cumprimento de mandados de busca à residência dos arguidos, o arguido António encontrava-se deitado no interior,do quarto, que divide com a arguida Lurdes, tendo ali sido encontrados e apreendidos 3 (três) pacotes contendo um produto, que sujeito a exame laboratoríal revelou conter heroína, substância incluída na Tabela 1-A do DI, 15/93, de 22 de Janeiro, e 1 (uma) base de um produto, que sujeito a exame laboratorial revelou conter cocaína, com o peso líquido de 0,060 gramas, substância incluída na Tabela 1-B do DL 15/93, de 22 de Janeiro (cfr. exame pericial de fls. 470).
Os arguidos destinavam a heroína e cocaína apreendida, pelo menos na sua maior parte, à venda a toxicodependentes desta cidade de Aveiro, que para tal os contactassem e a quem previamente haviam fornecido os seus contactos, designadamente telefónico.
7) Assim, no período de Janeiro de 2006 a 17 de Janeiro de 2008, pela forma supra descrita, os arguidos António e Lurdes, na sequência de um plano acordado e aceite por ambos, venderam produtos estupefacientes, concretamente heroína e cocaína, a diversas pessoas, nomeadamente a testemunhas inquiridas nestes autos, em quantidades não determinadas, normalmente pelo preço de € 10,00 a dose, que para tanto os contactavam, normalmente telefonando-lhes para os seus telemóveis.
Por vezes as entregas dos produtos estupefacientes eram feitas pelo arguido António e noutras ocasiões eram feitas pela arguida Lurdes, tendo efectuado, designadamente, as vendas seguintes:
a) - Desde data não concretamente apurada, mas que se situa no início do ano de 2006 e até Setembro de 2006, os arguidos venderam, por várias vezes, cocaína a Lurdes da AS, pelo preço de € 10,00 a dose.
b) - Desde pelo menos Outubro de 2006 até finais de Janeiro de 2007, cerca de duas a três vezes por semana e duas vezes por dia, os arguidos venderam a FA (Alex), doses de heroína pelo preço unitário de € 10, 00.
No dia 12 de Janeiro de 2007, pelas 00.10 horas, junto à Igreja da Vera Cruz, o arguido António vendeu ao referido FA uma porção de heroína, em quantidade e por valores que não se determinaram.
No dia 15 de Janeiro de 2007, pelas 22.48 horas, no Largo da Apresentação, o arguido António vendeu ao referido FA l uma porção de heroína, em quantidade e por valores que não se determinaram.
c) - Desde pelo menos Dezembro de 2006 até meados de Fevereiro de 2007, uma ou duas vezes por semana, o arguido António vendeu a NM, doses de heroína pelo preço unitário de € 10,00.
No dia 10 de Janeiro de 2007, pelas 18.25 horas, junto à Biblioteca Municipal de Aveiro, o arguido António vendeu ao referido NM uma porção de heroína, em quantidade e por valores que não se determinaram.
No dia 12 de Janeiro de 2007, pelas 18.10 horas, junto à Biblioteca Municipal de Aveiro, o arguido António vendeu ao referido NM uma porção de heroína, em quantidade e por valores que não se determinaram.
d) - Desde pelo menos Janeiro de 2007 e até 20 de Junho de 2007, habitualmente com periodicidade diária, os arguidos venderam a CA duas doses diárias de heroína, pelo preço unitário de € 9,00.
No dia 20 de Junho de 2007, cerca das 16.24 horas, junto da Igreja da Vera Cruz, após ter sido contactado para o efeito, via telemóvel, o arguido António vendeu ao referido CA 0,10 gramas de heroína (cfr. exame pericial de fls. 282), pelo preço de € 9,00.
e) - No dia 20 de Junho de 2007, cerca das 17.00 horas, após ter sido contactado para o efeito, junto da sua residência, o arguido António vendeu a CM quantidade não concretamente determinada de heroína (cfr. exame pericial de fls. 282), por preço não apurado;
f) - No dia 20 de Junho de 2007, cerca das 17.00 horas, após ter sido contactado para o efeito, via telemóvel, junto da sua residência, o arguido António vendeu a um indivíduo, quantidade não concretamente determinada de heroína (cfr. exame pericial de fls. 282), pelo preço de € 10,00, destinada também ao consumo de RM.
g) - No dia 7 de Agosto de 2007, cerca das 09.45 horas, na Rua de S. Roque, o arguido António vendeu a V… um pacote de heroína, com o peso líquido de 0,062 gramas (cfr. exame pericial de fls. 397), por preço não apurado.
h) - No dia 3 de Janeiro de 2008, após ter sido contactada para o efeito, junto à sua residência, a arguida Lurdes vendeu a FJ duas doses heroína, com o peso de 0, 16 e 0,14 gramas, por preço não apurado;
i) - Desde data não concretamente apurada, nas que se situa, pelo menos, no início do mês de Julho de 2007 até meados de Janeiro de 2008, os arguidos venderam, por várias vezes, doses de heroína a A…, F… e a D…. ( irmãos, este falecido entretanto - cfr. fls. 642), pelo preço unitário de € 10,00.
No dia 3 de Janeiro de 2008, cerca das 16.00 horas, após ter sido contactada para o efeito, via telemóvel, junto à sua residência, a arguida Lurdes vendeu aos referidos A… e D… 2 (duas) doses de heroína, com o peso de 0,12 e 0,11 gramas, pelo preço de € 20,00.
No dia 4 de Janeiro de 2008, cerca das 11.57 horas e das 17.30 horas, junto da Igreja da Vera Cruz, a arguida Lurdes vendeu ao referido A… quantidade não concretamente apurada de heroína, tendo recebido quantia não determinada.
j) - No dia 4 de Janeiro de 2008, cerca das 17.15 horas, nas imediações do Café Ali…, sito na Rua …, a arguida Lurdes vendeu a T… 1 (uma) dose heroína, pelo preço de € 10,00.
1) - Desde finais do mês de Dezembro de 2007 ao dia 17 de Janeiro de 2008, os arguidos venderam, por várias vezes não concretamente apuradas, mas superior a cinco vezes, doses de heroína a AM, pelo preço unítário de € 10, 00.
Os arguidos não tinham trabalho e fontes de rendimento regulares, vivendo essencialmente dos lucros que retiravam da diferença entre o preço de compra da heroína e cocaína e o maior preço que obtinham na sua venda a retalho.
Agiram os arguidos livre, voluntária e conscientemente, de comum acordo e em comunhão de esforços, detendo e vendendo heroína e cocaína a indivíduos consumidores, com intenção de obterem lucros, não obstante conhecerem a natureza e características daqueles produtos, bem sabendo, também, que a respectiva aquisição, detenção e cedência lhes eram vedadas, sendo punidas por lei.
8) Os arguidos António e Lurdes vivem juntos há cerca de 22 anos e têm dois filhos em comum, tendo o filho 18 anos de idade e a filha 5 anos de idade, que vivem com familiares. A arguida Lurdes tem ainda dois filhos de anterior relação afectiva, ambos já com vida familiar autónoma. O arguido António tem um outro filho, do seu casamento, com 22 anos de idade.
Ao longo desses anos de vida em comum, os arguidos habitaram inicialmente numa casa na Costa Nova, Ílhavo, passando depois a residir, com os filhos comuns, junto dos pais do arguido António, na cidade de Aveiro.
Durante algum tempo, o arguido António trabalhou, à noite, como empregado de mesa, num Bar em V…, fazendo ainda alguns “biscatos” pontuais na construção civil. A arguida Lurdes trabalhou também algum tempo como cozinheira, desde as 17.00 horas às 2.00 horas.
Na altura dos factos, os mesmos eram também consumidores de produtos estupefacientes, concretamente heroína e cocaína.
O arguido António concluiu o 6.º ano de escolaridade e a arguida Lurdes o 7.º ano unificado em Angola.
Os arguidos apresentam um comportamento prisional sem sanções disciplinares e beneficiam de visitas um ao outro e também de famíliares.
9) O arguido António foi condenado pelos crimes e nas penas seguintes:
- em 29-01-2002, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de multa de 120 dias, à taxa diária de € 3,00;
- em 08-03-2004, por um crime de condução sem habilitação legal e outro de desobediência, na pena única de multa de 200 dias, à taxa diária de € 5,00, e
- em 05-07-2004, por um crime de condução sem habilitação legal e outro de desobediência, na pena única de multa de 100 dias, à taxa diária de € 5,00;
À arguida Lurdes não são conhecidas condenações criminais.
Factos não provados
Não se povaram outros factos, nomeadamente os seguintes:
A) Que no dia 26 de Janeiro de 2007. cerca das 22.14 horas, no entroncamento entre a Praça do Peixe e a Rua Tenente Resende, o arguido António vendeu uma quantidade não concretamente apurada de produto estupefaciente a um indivíduo toxicodependente de nome V…;
B) Que no mesmo dia, cerca das 22.34 horas, a arguida Lurdes saiu da sua residência, sita na Rua…, Aveiro, e dirigiu-se para o n.º XX da Rua Tenente Resende, nesta cidade, e ali tocou à campainha, após o que entregou à testemunha JA, também conhecido por “J……”, um pacote com uma quantidade não concretamente apurada de heroína, recebendo em troca quantia monetária indeterminada;
C) Que os arguidos venderam heroína ao FA, referido em 7) supra, até ao mês de Outubro de 2007;
D) Que o arguido António vendeu heroína ao NM, referido em 7) supra, até ao mês de Janeiro de 2008 e que a arguida Lurdes vendeu heroína ao referido NM;
E) Que desde pelo menos Janeiro de 2007 até meados de Janeiro de 2008, por várias vezes, os arguidos venderam a CA doses de heroína pelo preço unitário de € 10,00;
F) Que no dia 8 de Janeiro de 2007, cerca das 23.13 horas, após ter sido contactado para o efeito, via telemóvel, junto à sua residência, o arguido António vendeu à referida CA quantidade não concretamente determinada de heroína, tendo recebido quantia monetária não concretamente determinada;
G) Que desde pelo menos o inicio do ano de 2006 até meados de Janeiro de 2008, por várias vezes, os arguidos venderam a PS doses de heroína pelo preço unitário de € 10,00;
H) Que os arguidos venderam heroína ao CA, referido em 7) supra, até meados do mês de Janeiro de 2008;
1) Que os arguidos venderam a CM (“A…”) doses de heroína, pelo preço unitário de € 9,00, desde Janeiro de 2006 até meados de Janeiro de 2008;
J) Que no dia 16 de Janeiro de 2007, cerca das 18,58 horas, após ter sido contactado para o efeito, via telemóvel, junto aos Armazéns de Aveiro, o arguido António vendeu ao referido CM quantidade não concretamente determinada de heroína, tendo recebido quantia monetária não concretamente determinada.
L) Que no dia 24 de Maio de 2007, cerca das 16.35 horas, após ter sido contactado para o efeito, via telemóvel, na Rua Jorge Lencastre, o arguido António vendeu ao referido CM quantidade não concretamente determinada, de heroína, tendo recebido quantia monetária não concretamente determinada;
M) Que a venda de heroína efectuada pelo arguido António ao CM, referido em 7) supra, foi pelo preço de € 9,00;
N) Que a venda de heroína efectuada pelo arguido António ao V…, referido em 7) supra, foi pelo preço de € 10,00;
O) Que desde pelo menos o início do mês de Dezembro de 2007 até meados de Janeiro de 2008, em várias ocasiões não concretamente determinadas, mas superior à dezena de vezes, os arguidos venderam a FJ, doses de heroína, pelo preço unitário de € 10,00;
P) Que a venda das duas doses de heroína efectuada pela arguida Lurdes ao FJ, referido em 7) supra, foi pelo preço de € 20,00;
Q) Que desde pelo menos o início do, mês de Dezembro de 2007 até meados de Janeiro de 2008, em várias ocasiões não concretamente determinadas, mas superior à dezena, os arguidos venderam a LN, doses de heroína, pelo preço unitário de € l0,00;
R) Que desde data não concretamente apurada, mas que se situa, pelo menos, no início do mês de Julho de 2007 até meados de Janeiro de 2008, os arguidos venderam, por várias vezes, doses de heroína MA, pelo preço unitário de € 10,00;
S) Que no dia 4 de Janeiro de 2008, cerca das 16.30 horas, após ter sido contactada para o efeito, via telemóvel, junto à sua residência, a arguida Lurdes vendeu ao referido MA uma dose de heroína, pelo preço de € 10,00;
T) Que a venda de uma dose de heroína feita pela arguida Lurdes ao T…, referido em 7) supra, foi precedida de um contacto deste àquela, via telemóvel;
U) Que desde data não concretamente apurada, mas que se situa, pelo menos, no início do mês de Julho de 2007 até meados de Janeiro de 2008, os arguidos venderam, com períodicidade diária, doses de heroína a AF, pelo preço unitário de € 10,00;
V) Que no dia 4 de Janeiro de 2008, cerca das 17.30 horas, após ter sido contactada para o efeito, via telemótel, junto à sua residência, a arguida Lurdes vendeu ao referido AF 1 (uma) dose heroína, pelo preço de € 10,00;
X) Que no dia 8 de janeiro de 2007, pelas 16.43 horas, junto à sua residência o arguido António vendeu a consumidor de estupefacientes, cuja identidade não se logrou apurar, uma porção de heroína, em quantidade e por valores que não se determinaram,
Z) Que no dia 9 de Janeiro de 2007, pelas 23.05 horas, junto à sua residência, a arguida Lurdes vendeu a consumidor de estupefacientes, cuja identidade não se logrou apurar, uma porção de heroína, em quantidade e por valores que não se determinaram;
AA) Que no dia 10 de Janeiro de 2007, pelas 18.49 horas, junto à sua residência, o arguido António vendeu a consumidor de estupefacientes, cuja identidade não se logrou apurar, uma porção de heroína, em quantidade e por valores que não se determinaram;
BB) Que no dia 10 de Janeiro de 2007, pelas 22.55 horas, junto à sua residência, a arguida Lurdes vendeu a consumidor de estupefacientes, cuja identidade não se logrou apurar, uma porção de heroína, em quantidade e por valores que não se determinaram;
CC) Que no dia 11 de Janeiro de 2007, pelas 23.10 horas, junto à sua residência, a arguida Lurdes vendeu a consumidor de estupefacientes, cuja identidade não se logrou apurar, uma porção de heroína, em quantidade e por valores que não se determinaram;
DD) Que no dia 3 de Janeiro de 2008, pelas 11.50 horas, 12,25 horas e 12.3 5 horas, junto à sua residência, a arguida Lurdes vendeu a três consumidores de estupefacientes, cuja identidade não se logrou apurar, uma porção de heroína, em quantidade e por valores que não se determinaram,
EE) Que no dia 4 de Janeiro de 2008, pelas 15.25 horas, 15.45 horas, 16.25 horas e 17.17 horas, junto à sua residência, a arguida Lurdes vendeu a quatro consumidores de estupefacientes, cuja identidade não se logrou apurar, uma porção de heroína, em quantidade e por valores que não se determinaram.
Convicção do Tribunal
Para formar a convicção do Tribunal Colectivo foi considerada a globalidade da prova produzida, no seu conjunto e em confronto, e particularmente seguintes:
- quanto aos factos descritos em 1) e 7) supra, foram considerados, conjugadamente, os depoimentos das testemunhas P…, M…, H… e V… (Agentes Principais da PSP), que referiram as diligências e vigilâncias efectuadas no âmbito da investigação aos arguidos António e Lurdes, tendo descrito o que presenciaram, designadamente os contactos daqueles com consumidores de produtos estupefacientes, confirmando a abordagem posterior de alguns destes e os produtos que lhe encontraram e apreenderam, examinando e confirmando a generalidade dos autos respectivos, que retratam tais diligências ao longo do tempo e actividade dos arguidos, também valorados (cfr. fls. 28 a 35, 46, 47, 100, 120, 134 a 136, 139, 141, 161 a 163, 166, 168, 200 e 201, 206, 209, 212, 213, 216, 229 e 230/260 e 261, 300, 301 e 320). Tais testemunhas aludiram também à ausência de actividade profissional regular dos arguidos nesse período, que viam a qualquer hora do dia e mesmo à noite junto da residência e noutros locais das proximidades, no âmbito dessas vigilâncias, sendo que os números dos telemóveis usados pelos arguidos resultou do referido pela testemunha CP (responsável pela investigação), que disse tê-los verificado e confirmado;
Igualmente foram valorados os depoimentos das testemunhas LA, FA (quanto a este o depoimento prestado em Inquérito - cfr fls. 91), NM (quanto a este o depoimento prestado em Inquérito - cfr. fls. 107), RJ (quanto a este o depoimento prestado em Inquérito- cfr. fls. 109), CA (quanto a este o depoimento prestado em Inquérito - cfr. fls. 138), RM, AA, T…, RM (quanto a este também o depoimento prestado em Inquérito - cfr. fls. 428) e AM (quanto a este também o depoimento prestado em Inquérito - cfir. fls. 319), tendo todos eles referido serem consumidores de heroína e/ou cocaína na altura, resultando de tais depoimentos os produtos que adquiriram a um ou ambos os arguidos, período e locais em que tal ocorreu e valores pagos, descrevendo como os contactos eram efectuados e como tudo se passou. Relativamente os depoimentos que foram prestados no decurso do Inquérito e que foram lidos em audiência, com observância das formalidades legais, os mesmos foram valorados na medida em que o aí relatado está consonante com o que foi verificado pelos elementos da PSP nas vigilâncias efectuadas, não merecendo, por outro lado, credibilidade o que referiram algumas dessas testemunhas em audiência quanto ao facto de os Agentes da PSP que os inquiriram terem escrito no auto “o que quiseram”, tanto mais que aí são referidos aspectos da vida e hábitos pessoais dos inquiridos que os próprios confirmaram serem verdadeiros, não podendo os Agentes inquiridores “inventar” tais factos, como, aliás, foi esclarecido pelo Agente C… (também testemunha) em confronto com a testemunha NM, razão porque se revelarem mais credíveis aquelas declarações lidas em julgamento, sendo por isso valoradas (o que é consentido pelo art 355.º do CPP);
Ainda que as testemunhas CM, V… e FJ não tenham sido inquiridas em audiência, das vigilâncias efectuadas e da imediata abordagem das mesmas, com apreensão de “doses” de produtos estupefacientes, confirmadas em audiências pelas testemunhas Agentes da PSP intervenientes naquelas, permite extrair a conclusão segura de que foram fornecidos pelos arguidos nessas circunstâncias (cfr. autos de fls. 135, 139/166, 229 e 230/260 e 261 e 200 a 203);
Da conjugação de todos esses elementos (bem como dos referidos infra, designadamente quanto às apreensões), resulta que os arguidos António e Lurdes venderam, nesse período, os referidos produtos estupefacientes a vários consumidores, de forma conjugada e partilhando esforços e intenções (não merecendo credibilidade as suas próprias declarações ao negarem tais actos);
- quanto aos factos descritos em 2) supra, foram considerados os depoimentos das testemunhas CP, JM, HG e VO (Agentes Principais da PSP, já mencionados), que referiram a diligência de vigilância e detenção do arguido António nesse dia, dizendo o que observaram e como tudo de passou, de forma complementar, incluindo as apreensões, confirmando os autos e fotografias respectivos (cfr. fls. 47 a 49, 52 e 66 a 67-.A, além das aí mencionadas);
- quanto aos factos descritos em 3) supra, foram considerados igualmente os depoimentos das testemunhas CP JM, HG e VO (Agentes Principais da PSP), que referiram a diligência de busca na residência dos arguidos António e Lurdes, nessa data, dizendo o que encontraram e como tudo de passou, incluindo as apreensões, confirmando o auto e fotografias respectivas (cfr. fis. 58 a 66), tendo também sido mencionada por algumas delas a finalidade desses medicamentos, além de que a testemunha LC aludiu à má qualidade da cocaína vendida pelos arguido por vir “muito traçada”, o que comprova o adicionamento de tais produtos farmacêuticos;
- quanto aos factos descritos em 4) supra, foi valorado o depoimento da testemunha C… (Sargento da GNR), que referiu a diligência de vigilância efectuada nessa data, razão da mesma, e actuação do arguido António ( “testemunha nesses autos de Ílhavo), dizendo como tudo de passou, incluindo as apreensões, e confirmando o teor dos autos de diligência e apreensão, que comprovam tais factos (cfr. fls. 93 a 97, além da aí mencionada);
- quanto aos factos descritos em 5) supra, foram considerados os depoimentos das referidas testemunhas JM, CP e HG (Agentes Principais da PSP), que referiram as diligências de vigilância e de detenção da arguida Lurdes nessa altura, em face daquilo em que cada um participou, dizendo o que encontraram e como tudo se passou, incluindo as apreensões àquela e à testemunha AM, confirmando os autos respectivos, além das fotos obtidas, que comprovam tais factos (cfr. fls. 301 a 303, 317, 326 e 327 além das aí referidas), tendo também sido considerado o depoimento dessa testemunha AM em conjugação com aquela vigilância e detenção, que comprovam ser a arguida Lurdes a “senhora” que a testemunha referiu, que aliás já havia identificado por foto (foram valoradas as declarações prestadas no decurso do Inquérito, que foram lidas em audiência, com observância das formalidades legais - como já referido - cfr. fls. 319 e 325);
- quanto aos factos descritos em 6) supra, foram considerados os depoimentos das ditas testemunhas CP, VO, JM e HG (Agentes Principais da PSP), que referiram a diligência de busca efectuada à residência dos arguidos António e Lurdes, dizendo o que encontraram e como tudo decorreu, em face da participação de cada um, incluindo as apreensões electuadas, confirmando o auto e fotos obtidas, que comprovam tais factos (cfr. fls. 311, 328 a 33,9, além das aí referidas), evidenciando esses elementos que os arguidos destinavam tais produtos estupefacientes, pelo menos em parte, à venda a terceiros, como se confirmou pelas demais provas enunciadas;
- quanto à globalidade dos factos descritos em 1) a 7) supra, foram ainda considerados os relatórios periciais aos produtos estupefacientes apreendidos aos arguidos e testemunhas ( cfr fls. 225 e 226, 282, 283, 397, 470 e 471). Quanto à actuação livre e voluntária dos arguidos António e de Lurdes e consciência da ilicitude dos seus actos, tal resultou da globalidade dos depoimentos testemunhais referidos e da sua própria postura em audiência e respectivas declarações, que evidenciam que os mesmos são pessoas capazes de distinguir o lícito do ilícito e de se determ inaram de acordo com a avaliação que fazem dos seus actos, nada tendo sequer sido invocado ou resultado indiciado em sentido contrário, além de serem consideradas as regras da experiência comum e da normalidade das coisas;
- quanto aos factos descritos em 8) supra, foram consideradas as declarações dos arguidos António e Lurdes, que descreveram a sua situação pessoal e familiar, bem como os relatórios elaborados pelo IRS, que referem tais factos, complementando aquelas declarações (cfr. fls. 631 a 633 e 637 a 639), além das informações do E. Prísional (cfr. fls. 728 e 769). Ainda que as mesmas tenhas referido o pouco contacto com os arguidos, foram também valorados, quanto à vivência comum e situação familiar daqueles, os depoimentos das testemunhas JP da ML, JC;
- quanto aos factos referidos em 9) supra, foram considerados os CRC dos arguidos juntos aos autos (cfr. fls. 823 e 831 a 834);
- quanto aos factos não provados, referidos em A) a EE) supra, tal foi consequêncía da ausência de prova em audiência da sua verificação, desde logo porque os arguidos não admitiram os factos (tendo apenas manifestado desejo de prestar declarações no final da audiência, mas negaram terem vendido produtos estupefacientes, referindo o arguido António que apenas fazia “vaquinhas” com consumidores, indo, por vezes, buscar droga para todos, e a arguida Lurdes apenas admitiu ter entregue uma dose à testemunha T…, a pedido do seu "marido", sem receber qualquer contrapartida) e os consumidores aí mencionados, arrolados como testemunhas, não foram inquiridos em audiência, por não ter sido possível a sua notificação (como consta das actas respectivas), sendo certo que dos relatórios de vigilâncias e dos depoimentos das testemunhas Agentes da PSP que nelas participaram, sem que tenha havido apreensões imediatas ( já que algumas ocorreram e se valoraram mesmo sem a inquirição das testemunhas respectivas), não é possível extrair, com a necessária segurança que tenham existido efectivas transacções naquele momento (independentemente de essas vigilâncias confirmarem a actividade dos arguidos, enunciadas supra).

*
*

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. ).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação dos recorrentes AM... e ML... as questões a decidir são as seguintes :
- se existem factos erradamente dados como provados porquanto ao depoimento da testemunha LC falta de credibilidade, e as testemunhas FA, NM e CA, depuseram em julgamento em sentido contrário do que foi dado como provado;
- se há diversa matéria relacionada com as condições de vida dos arguidos, sobre a qual depuseram, designadamente, as testemunhas JC, LM e JP, com relevância para a boa decisão da qualificação do tipo legal de crime base ou privilegiado (por reflectirem a pequena dimensão da actividade criminosa), que o douto acórdão recorrido erradamente não considerou;
- se a factualidade provada ou que deve ser considerada provada é enquadrável, pelo menos, no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93, pelo que o douto acórdão recorrido violou esta disposição penal; e
- se o acórdão recorrido violou ainda o disposto no art.50.º do Código Penal, na redacção actual , ao não suspender aos arguidos a execução das penas de prisão.
Passemos ao conhecimento da primeira questão.
O Tribunal da Relação conhece de facto e de direito ( art.428.º , n.º1 do C.P.P. ) .

No entanto, a modificabilidade da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar, sem prejuízo do disposto no art.410.º, do C.P.P., se se verificarem as condições a que alude o art.431.º do mesmo Código , ou seja :

« a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;

b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou

c) Se tiver havido renovação de prova .”.

Em conjugação com este preceito legal importa atender ao disposto no art. 412.º, n.º3 do Código de Processo Penal, que impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o dever de especificar:

« a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ;
c) As provas que devam ser renovadas.»
E acrescenta o n.º 4 deste preceito legal :
« Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.»

O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. ( n.º 6 do art.412.º do C.P.P.).

Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, o STJ já se pronunciou no sentido de que a redacção do n.º 3 do art.412.º do C.P.P., por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem de dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que “ versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda (…) ”, já o n.º 3 se limita a prescrever que “ quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)”, sem impôr que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal e tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou o Tribunal da Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões. – cfr. acórdão do STJ, de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 07P1766, www.dgsi.pt/jstj.
No presente caso, os arguidos recorrentes indicam, no texto da motivação, os concretos factos dados como provados no acórdão recorrido que consideram incorrectamente julgados e as provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida, especificando na motivação os concretos segmentos relativos aos depoimentos das testemunhas, prestados em audiência de julgamento, e fazem menção aos respectivos suportes técnicos por referência ao consignado na acta.
Deste modo, o Tribunal da Relação considera-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
Antes da abordagem directa da questão importa realçar que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova , previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal , que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência são , como refere o Prof. Cavaleiro de Ferreira , «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico , independentes do caso concreto “sub judice” , assentes na experiência comum , e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam , mas para além dos quais têm validade.» - Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300.
Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros .”- Cfr., in “Direito Processual Penal”, 1º Vol. , Coimbra Ed. , 1974, páginas 203 a 205.
O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento , encontrando afloramento , nomeadamente , no art. 355.º do Código de Processo Penal . È ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova , na recepção directa de prova.
O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo , pessoal , entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar , e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias , ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo :
« Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal . Já de há muito , na realidade , que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita , desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha , e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios , com efeito , permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido , a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem , por outro lado , avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais “. - In “Direito Processual Penal”, 1º Vol. , Coimbra Ed. , 1974, páginas 233 a 234 .
Na verdade , a convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas , com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento , em função das razões de ciência , das certezas , das lacunas , contradições , inflexões de voz , serenidade e outra linguagem do comportamento , que ali transparecem.
Do exposto resulta que, para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova , se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum , ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra , de 6 de Março de 2002 ( C.J. , ano XXVII , 2º , página 44 ) , “ quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade , o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Em suma, o preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
No caso em apreciação, os recorrentes defendem que o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos constantes dos pontos n.ºs 7) a), 7) b) , 7) c) e 7) d) do acórdão recorrido, alegando, no essencial, o seguinte:
O depoimento da testemunha LA , relativo ao ponto n.º 7) a), não oferece credibilidade porquanto só depois de tomar conhecimento dos factos constantes da acusação, que lhe foi feita pela Ex.ma Procuradora, é que referiu que também comprava aos arguidos, “só para desenrascar”, quando outros fornecimentos “atrasavam”, o que acontecia “ muitas vezes”, “ mais do que uma vez por semana”, “porque a quem comprava estava longe”.
Quanto ao depoimento da testemunha FA, relativo aos factos do ponto n.º 7) b), o Tribunal recorrido teve em conta as suas declarações prestadas durante o inquérito, que lhe foram lidas em audiência, mas em julgamento a testemunha referiu, designadamente, que “nunca comprou estupefacientes aos arguidos” e que as declarações prestadas durante o inquérito tiveram lugar depois de “ 3 horas a ressacar” e sob violação da sua integridade física.
Também quanto aos factos dados como provados no ponto n.º 7) c) do acórdão recorrido , o Tribunal recorrido fundou-se no depoimento da testemunha NM prestado no inquérito e reproduzidas em audiência de julgamento. Porém, em audiência de julgamento a testemunha referiu que “nunca comprou estupefacientes aos arguidos” e que as declarações prestadas no inquérito não são verdade, que “levou muita porrada na polícia.”.
Por fim, e relativamente aos factos constantes do ponto n.º 7) d), o Tribunal recorrido suportou-se no depoimento da testemunha CA prestado em inquérito e reproduzido em audiência de julgamento, mas na audiência de julgamento declarou que nunca comprou heroína ao António, não se recordando sequer de ter “falado” em sede de inquérito.
Para corroborar a convicção do Tribunal a quo não são bastantes os depoimentos das testemunhas JP, CM, HP e VO, porquanto nenhum destes agentes da PSP viu a entrega de estupefacientes às testemunhas LC, FA, NS e CS.
Vejamos.
No ponto n.º 7) a), dos factos dados como provados no acórdão recorrido, consta que « Desde data não concretamente apurada, mas que se situa no início do ano de 2006 e até Setembro de 2006, os arguidos venderam, por várias vezes, cocaína a Lurdes da AC, pelo preço de € 10,00 a dose.».
O Tribunal recorrido fundamenta esta decisão da matéria de facto, particularmente, no depoimento da testemunha LC, conjugado com os depoimentos dos agentes da PSP , que identifica e que participaram em diligências e vigilâncias aos arguidos.
O depoimento da testemunha LC foi prestado na audiência de julgamento do dia 8 de Julho de 2008, conforme consta da respectiva acta a folhas 750.
Da audição da gravação deste depoimento resulta que a mesma começou logo por dizer ao Ex.mo Juiz que conhece os arguidos há muito mais de 2 anos e que foi consumidora de heroína e cocaína.
De seguida, a Ex.ma Procuradora perguntou à testemunha se ela foi detida em Setembro de 2006, ao que ela respondeu afirmativamente. Referindo-lhe de seguida que constava da acusação que em data não concretamente apurada, até que foi detida, os arguidos lhe venderam cocaína, pelo preço de € 10 a dose, perguntou se tal era verdade.
A testemunha respondeu então, no essencial, que durante o ano referido comprava heroína e cocaína a outras pessoas, e que aos arguidos apenas comprava estes produtos para o “desenrasca”, quando os fornecedores dela se atrasavam, o que acontecia várias vezes por mês. É que os arguidos vendiam a dose a € 10 com pouca quantidade e muito “traçado” , o que não dava para tirar a ressaca e era muito caro. Para adquirir heroína e cocaína aos arguidos ou ia a casa deles ou telefonava-lhes , pois tinha o telemóvel deles, e eles apareciam então com o produto perto da Igreja de Vera Cruz. Ou vinha um ou vinha outro dos arguidos, sendo que quando vinha a arguida Lurdes trazia sempre a filha.
O Tribunal da Relação não vislumbra no depoimento da testemunha LC que esta tenha sido influênciada pela breve menção da Ex.ma Procuradora a factos da acusação em que existe referência a actos da testemunha. A mesma testemunha não se limitou a dizer que era verdade o que a Ex.ma Procuradora da República lhe referiu como constando da acusação. Foi mais longe explicando com pormenor as circunstâncias em que contactava com os arguidos, como e onde.
O seu depoimento apresenta-se como racional, sem contradições, sendo perfeitamente plausível, uma vez que ela era toxicodependente e insere-se na linha dos depoimentos dos agentes policiais que fizerem diligências e procederam a vigilância aos arguidos.
Assentando a credibilidade da testemunha LC na imediação e na oralidade, e sendo o seu depoimento lógico e coerente, tal como consta da motivação da matéria de facto, improcede a pretensão dos recorrentes no sentido de que por falta desta credibilidade da testemunha não poderia ter sido dada como provada a factualidade enunciada no ponto n.º 7), a) do acórdão recorrido.
A impugnação da matéria de facto dada como provados nos pontos n.º 7) b) , 7) c) e 7) d) do acórdão recorrido, tem como alegado factor comum o facto das testemunha indicadas neles terem deposto em sentido contrário ao que foi dado como provado.
Antes do mais relembremos a matéria de facto em causa e o que sobre ela foi dito no essencial pelas testemunhas FA, NS e CS para, em seguida, apreciarmos são sustentáveis os motivos indicados pelo Tribunal recorrido que fundamentam a sua decisão e o exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção .
Quanto à matéria de facto relativa ao ponto n.º 7) b), da matéria de facto provada no acórdão recorrido, a mesma consiste, em resumo, em que desde pelo menos Outubro de 2006 até finais de Janeiro de 2007, cerca de duas a três vezes por semana e duas vezes por dia, os arguidos venderam a FA, doses de heroína pelo preço unitário de € 10, 00.
O depoimento da testemunha FA, foi prestado na audiência de julgamento do dia 8 de Julho de 2008, conforme consta da respectiva acta a folhas 751.
Da audição da gravação do seu depoimento consta que conhece os arguidos há alguns anos e que consumiu heroína, cocaina e haxixe , até há 8 meses. Aquilo que disse na PSP, no papel que tem a sua assinatura a folhas 91, “não o disse”. Esteve 3 horas nos calabouços, a ressacar e quando na Polícia lhe disseram para assinar e disse que não assinava o papel o Sr. T… deu-lhe um pontapé na barriga.
Questionado sobre o que consta de folhas 91 – que foi lido em audiência de julgamento – referiu que não leu o que consta da folha e que “só pode ter sido inventado” pelos polícias.
Consumiu com o arguido António. Sabe que a arguida também era consumidora . Nunca comprou heroína aos arguidos.
No ponto n.º 7) c) do acórdão recorrido, foi dado como provado, no essencial, que desde pelo menos Dezembro de 2006 até meados de Fevereiro de 2007, uma ou duas vezes por semana, o arguido António vendeu a NM, doses de heroína pelo preço unitário de € 10,00.
O depoimento da testemunha NM foi prestado na audiência de julgamento do dia 8 de Julho de 2008, conforme consta da respectiva acta a folhas 752.
Resulta da gravação do seu depoimento que o mesmo declarou, designadamente, que conhece os arguidos, mas pessoalmente só o arguido António. Consumiu heroína e cocaína desde os 14 anos e até há um ano, tendo agora 28 anos de idade. Nunca comprou estupefacientes aos arguidos. Levou muita porrada na PSP .
Após terem sido lidas as suas declarações constantes de folhas 107, que confirma estarem por si assinadas , e sido confrontado com os pormenores ali descritos sobre a sua vida, como teve conhecimento da existência do arguido, sobre o qual ouvia dizer que vendia estupefacientes e como algumas vezes se encontrou com este, referiu que esses pormenores são verdadeiros, não tendo sido inventados pela PSP. Com a tomada de comprimidos e a ressaca pode ter dito que comprou estupefacientes aos arguidos como forma de “despachar”.
Tendo sido perguntado como explicava então que nesse estado tivesse sabido contar pormenores verdadeiros à PSP, que não conhecia a arguida e que só comprou estupefacientes ao arguido, a testemunha não apresentou explicação.
Por fim e quanto à matéria de facto relativa ao ponto n.º 7) d), da matéria de facto provada no acórdão, consta desta, no essencial, que desde pelo menos Janeiro de 2007 e até 20 de Junho de 2007, habitualmente com periodicidade diária, os arguidos venderam a CA duas doses diárias de heroína, pelo preço unitário de € 9,00.
O depoimento da testemunha CA foi prestado na audiência de julgamento do dia 9 de Julho de 2008, conforme consta da respectiva acta a folhas 785 e 786.
Do seu depoimento gravado consta, designadamente, que só conhecia o arguido e “de vista”. Em 2006/2007 não consumia estupefacientes. Só no princípio de 2008 é que começou a consumir e foi heroína. Nunca foi ouvido pela PSP sobre o arguido. È analfabeto, mas sabe assinar o seu nome e nunca foi apanhado com nada. Nunca comprou nada aos arguidos.
Tendo sido lidas em audiência as declarações de folhas 138 , em que a testemunha reconhece a sua assinatura, diz não saber explicar o ali referido. Relativamente aos pormenores ali mencionados sobre a sua vida, como o ser consumidor e que após a morte do seu irmão em 22 de Maio de 2007 voltou a consumir heroína, são verdade. Mas nunca tinha falado com o arguido. Sobre a apreensão que lhe foi feita nas casas de banho públicas de 1 pacote de heroína e respectivo auto de apreensão por si assinado a folhas 136, responde que “é mentira”.
Só consumia em casa e nunca foi apanhado com nada.
Relativamente aos depoimentos destas três testemunhas o Tribunal recorrido consignou na motivação da matéria de facto que valorou o depoimento do FA , por ele prestado em Inquérito a fls. 91, do NM por este prestado em Inquérito a fls. 107 e do CA , por este prestado em Inquérito a fls. 138, acrescentando que todas estas testemunhas referiram serem consumidores de heroína e/ou cocaína na altura, e que «… os depoimentos que foram prestados no decurso do Inquérito e que foram lidos em audiência, com observância das formalidades legais, os mesmos foram valorados na medida em que o aí relatado está consonante com o que foi verificado pelos elementos da PSP nas vigilâncias efectuadas, não merecendo, por outro lado, credibilidade o que referiram algumas dessas testemunhas em audiência quanto ao facto de os Agentes da PSP que os inquiriram terem escrito no auto “o que quiseram”, tanto mais que aí são referidos aspectos da vida e hábitos pessoais dos inquiridos que os próprios confirmaram serem verdadeiros, não podendo os Agentes inquiridores “inventar” tais factos, como, aliás, foi esclarecido pelo Agente CP (também testemunha) em confronto com a testemunha NM, razão porque se revelarem mais credíveis aquelas declarações lidas em julgamento, sendo por isso valoradas (o que é consentido pelo art 355.º do CPP)».
Como realça o Tribunal recorrido e resulta das actas de audiência de julgamento, os depoimentos das testemunhas FA, NS e CS prestadas em inquérito, forma lidas naquelas audiências com observância das formalidades legais.
As testemunhas FA e NS assumiram em audiência que eram consumidores de heroína e de cocaína à data dos factos em causa.
A testemunha FA acrescentou que só assinou o documento de folhas 91 porque foi agredido na PSP e que o conteúdo desse documento “ só pode ter sido inventado”.
Já a testemunha NS refere na audiência, de um modo mais genérico que o FA, que foi agredido na PSP, acabando por dizer que os pormenores da sua vida que constam como sendo as suas declarações prestadas a folhas 107 são verdadeiros, não tendo sido inventados pela PSP. Explica que pode ter dito que comprou estupefacientes aos arguidos como forma de despachar, mas já não soube explicar como estando nessa situação de ressaca e para “despachar” distinguiu a arguida, dizendo não conhecer, do arguido, que só comprou estupefacientes a este.
Não existe nenhuma prova nos autos de que agentes da PSP tenham “inventado” os factos que constam de folhas 91 e 107 e que tenham agredido as testemunhas FA e NS como forma de assinarem os depoimentos ali contidos.
O Tribunal recorrido, no âmbito da imediação e da oralidade, e tendo em conta as vigilâncias efectuadas e o depoimento do agente da PSP e testemunha CP, considerou como mais credíveis as declarações lidas em audiência e prestadas por estas testemunhas em inquérito quanto ao seu relacionamento com os arguidos, do que as prestadas em audiência.
Relativamente ao depoimento da testemunha CS, pese embora tenha começado por dizer em audiência que só começou a consumir estupefacientes em 2008, após lhe terem sido lidas as suas declarações por si assinadas a folhas 138, admitiu que antes desta data já era consumidor.
Tal como relativamente às testemunhas FA e NS , nas declarações assinadas a folhas 138 pela testemunha CS descrevem-se com algum pormenor aspectos da sua vida pessoal e suas relações de consumidor com os arguidos.
Pese embora a testemunha CS negue em audiência compras aos arguidos e que lhe tenham apreendido alguma vez estupefacientes, o relatório de vigilância da testemunha CP e o auto de apreensão de folhas 136 não corroboram o que a testemunha CS diz em audiência.
As testemunhas FA, NS e CS disserem nos seus depoimentos prestados em inquérito e lidos em audiência, o que consta dos factos provados.
Tais depoimentos prestados no âmbito da imediação e oralidade, nos termos prestados no inquérito e lidos em audiência , foram tidos como credíveis pelo Tribunal a quo, que os examinou criticamente na fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido , permitindo perceber a sua racionalidade.
Assim, da prova produzida e da fundamentação da matéria de facto, o Tribunal da Relação não detecta que o Tribunal a quo ao dar como provada a factualidade que consta dos pontos n.ºs 7) a), 7) b) , 7) c) e 7) d) do acórdão recorrido , tenha violado o princípio da livre apreciação da prova, designadamente as regras da experiência comum a que alude o art.127.º do Código de Processo Penal.
Consequentemente, por ausência de erro de julgamento na matéria de facto dada como provada nos pontos n.ºs 7) a), 7) b) , 7) c) e 7) d) do acórdão recorrido, mantêm-se essa factualidade.
A questão seguinte é se existe diversa matéria relacionada com as condições de vida dos arguidos, sobre a qual depuseram, designadamente, as testemunhas JC, LM e JP, com relevância para a boa decisão da qualificação do tipo legal de crime base ou privilegiado (por reflectirem a pequena dimensão da actividade criminosa), que o douto acórdão recorrido erradamente não considerou.
Alegam na motivação do recurso que a testemunha JC, referiu que emprestou por diversas vezes pequenas quantias em dinheiro ao arguido António para acudir ás necessidades do agregado familiar dos arguidos, incluindo mercearias e que eram tidos como gente pobre; a testemunha LM declarou que o seu irmão, arguido António, lhe pedia dinheiro, assim como aos pais; e a testemunha JP
declarou que a casa onde os arguidos vivem é velha, tem telhas partidas e apenas possui uma motorizada velha.
Vejamos.
Relativamente à vivência comum e situação familiar dos arguidos menciona-se na fundamentação da matéria de facto que se valoraram os depoimentos das testemunhas JP, JC e LM , ainda que tenham demonstrado terem pouco contacto com os arguidos.
O depoimento da testemunha JP foi prestado na audiência de julgamento do dia 11 de Julho de 2008, conforme consta da respectiva acta a folhas 805 e 806.
Do seu depoimento gravado consta, designadamente, que é irmão do arguido António . O arguido António, à data da detenção, vivia no sótão pertencente à casa dos pais. Vivia alí com a arguida e dois filhos, uma com 12 anos e outro com 18 ou 19 anos de idade. O arguido António regressou a casa dos pais, porque não tinha dinheiro, sendo o arguido já lhe pediu dinheiro. Os pais do arguido são pessoas pobres, que vivem da reforma. A casa onde viviam os arguidos é uma casa velha, que não foi melhorada , tendo umas telhas partidas. O arguido tem para lá uma motorizada velha . Não tem automóvel , deslocando-se a pé e de bicicleta. Apesar da testemunha ir ver os seus pais era raro ver o arguido.
O depoimento da testemunha JC foi prestado na audiência de julgamento do dia 11 de Julho de 2008, conforme consta da respectiva acta a folhas 806.
Do seu depoimento gravado resulta, designadamente, que conhece o arguido António há muitos anos por ter sido chefe dele numa empresa em que ele foi empregado. Há 5 ou 6 anos que vive perto do arguido, mas não sabe de quem é a casa onde este vive e se os pais dele vivem na mesma casa. Ultimamente pediu-lhe “várias vezes” dinheiro emprestado porque não tinha , tendo-lhe emprestado € 10 , € 20 e uma vez € 150. Uma vez das vezes disse-lhe que o dinheiro era para fazer umas compras de mercearias melhores, para a festa de aniversário do filho. Pagou-lhe parte de alguns destes empréstimos. Não sabe se trabalhava.
Também o depoimento da testemunha LM, foi prestado na audiência de julgamento do dia 11 de Julho de 2008, conforme consta da respectiva acta a folhas 806.
Do seu depoimento gravado resulta, designadamente, que é irmã do arguido António e vive a uns 300 da casa dos pais, onde este vivia com a arguida há uns 15 anos. Quando os arguidos trabalham têm dinheiro para a comida. Muitas vezes os arguidos, quando não tinham trabalho, pediam-lhe dinheiro para comer, como pediam aos pais do arguido, dando-lhe € 10 a € 15. Quando trabalhavam pagavam-lhe os empréstimos. Sempre ajudou a filha dos arguidos, a nível económico .
Esta matéria de facto, sobre as condições de vida dos arguidos, fornecem características que auxiliam na caracterização do tipo de tráfico que eles terão praticado. Assim , não podem deixar de revelar interesse para a decisão da causa.
Deste modo, ao abrigo do art.431.º, alínea b), do C.P.P. o Tribunal da Relação entende aditar ao ponto n.º 8 dos factos dados como provados no acórdão recorrido, um novo parágrafo, com a seguinte redacção:
« A casa dos pais do arguido António , onde os arguidos viviam nos últimos 15 anos, é uma casa velha, a necessitar de obras de manutenção. Os arguidos não possuem veículo automóvel, deslocando-se o arguido numa sua bicicleta e quando estavam desempregados pediam por vezes, a várias pessoas, pequenas quantias em dinheiro para despesas básicas.».
Importa agora decidir se a factualidade dada como é enquadrável, pelo menos, no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93, pelo que o douto acórdão recorrido violou esta disposição penal.
Os arguidos António e Lurdes foram acusados e condenados e vêm condenados pela prática, em co-autoria, de um crime p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do DL nº15/93, que é o tipo fundamental em matéria de tráfico de estupefacientes , que estatui o seguinte :
« 1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrém, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos .»
O art.40º do DL. nº15/93, para que remete este tipo legal, prevê o crime de consumo de estupefacientes.
Da conjugação destes tipos legais resulta que a detenção de estupefacientes ou a realização de outras acções enunciadas no art.21.º do D.L. 15/93, sobre a qual se não prove o consumo tem, entre nós, o sentido de tráfico .
Sobre o crime denominado de “tráfico de menor gravidade” estatui o art.25.º , do DL. n.º 15/93 , o seguinte :
« Se nos casos dos artigos 21.º e 22.º ,a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída , tendo em conta nomeadamente os meios utilizados , a modalidade ou as circunstâncias da acção , a qualidade ou a quantidade das plantas , substâncias ou preparações , a pena é de :
Prisão de 1 a 5 anos , se se tratar de plantas , substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III , V e VI ;
Prisão até dois anos ou multa até 240 dias , no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.» .
O regime do tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração conjunta dos diversos factores que se apuraram na situação global dada como provada pelo Tribunal.
Na Nota Justificativa da Proposta de Lei enviada à Assembleia da República , que deu lugar ao actual regime jurídico aplicável ao tráfico de estupefacientes reconheceu-se que o « tráfico de quantidades diminutas» do DL n.º 430/83, não oferecia a maleabilidade necessária , justificando-se por isso a sua revisão « em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante ou significativo do tráfico menor (…), havendo, portanto, « que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que , ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial.».
Logo após a entrada em vigor do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e durante algum tempo, a jurisprudência fez uma interpretação algo restritiva do seu art.25.º, quase o esvaziando, remetendo para o art.21.º a generalidade das situações de tráfico de estupefacientes.
Posteriormente, e nos anos mais recentes, a jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente do STJ, convergiu no sentido de que « a integração do tráfico de menor gravidade do art.25.º não pressupõe necessariamente uma ilicitude diminuta», pois que « resulta, designadamente da moldura prevista na sua al. a) , a ilicitude pode ser considerável; deve é situar-se em nível acentuadamente inferior à pressuposta pela incriminação do tipo geral do art.21.º, já que « a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral.» - cfr. acórdão do S.T.J. , de 15 de Fevereiro de 1999, proc. n.º 912/99.
Por outras palavras, « os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas , constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção , com alargados espaços de indeterminação, de “ considerável diminuição de ilicitude”. – cfr. acórdão do S.T.J. , de 13 de Abril de 2005 ( C.J. n.º 184.º, pág. 173).
Neste espírito, a jurisprudência vem alargando o campo de aplicação do art.25.º, do DL n.º 15/93, aos “retalhistas de rua”, sem ligações a quaisquer redes e que desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos, e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de estupefacientes. – cfr. entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 13 de Fevereiro de 2003 ( C.J., n.º 166, pág. 191), de 29 de Novembro de 2005 ( C.J., n.º 187, pág. 219), de 30 de Março de 2006 ( proc. n.º 06P771, Cons. Santos Carvalho, in www.dgsi.pt), de 15 de Fevereiro de 2007 ( C.J., n.º 198, pág. 191) e de 30 de Abril de 2008 ( proc. n.º 08P1416, Cons. Santos Cabral, in www.dgsi.pt) e acórdão do Tribunal da Relação Coimbra , de 28 de Março de 2007, ( proc. n.º 37/04.0GBAVR.C1).
Tanto a quantidade do estupefaciente traficada, como a sua natureza ou o seu grau de pureza, influenciam decisivamente na aferição da gravidade do tráfico permitindo diferenciar entre os grandes ( art.s 21.º, 22.º e 24.º do DL n.º 15/93) e os pequenos traficantes ( art.25.º do DL n.º 15/93) – cfr. acórdão do STJ, de 4 de Julho de 2007 ( CJ, n.º 200, pág. 234).
A situação de traficante-consumidor ocorre quando, pela prática de algum dos factos referidos no art.21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, caso em que a pena é de prisão até 3 anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV ( art.26.º do DL n.º 15/93).
Em suma, o art.25.º do DL n.º 15/93, deve ser aplicável aos casos de pouca gravidade, designadamente do pequeno “tráfico de rua” ; o art.21.º aos casos graves; o art.24.º aos casos muito graves e o art.26.º ao tráfico com finalidade exclusiva de conseguir estupefacientes para uso pessoal. – cfr. acórdão do STJ de 28 de Junho de 2006 ( C.J., n.º 187, pág. 219).
No presente caso, não se tendo provado que as vendas efectuadas pelos arguidos tivessem como finalidade exclusiva conseguir estupefacientes para uso pessoal, está desde já afastada a possibilidade de integração da conduta dos arguidos no tráfico a que alude o art.26.º do DL 15/93.
Assente que o juízo a emitir sobre a menor gravidade do tráfico deve ser um juízo global e abrangente sobre a conduta delitiva do agente, vejamos se no caso concreto o tráfico levado a cabo pelo arguidos pode ser considerado como de menor gravidade.
Está dado como provado que os arguidos António e Lurdes, em conjugação de esforços e vontades, desde Janeiro de 2006 até 17 de Janeiro de 2008, venderam heroína e cocaína a diversas pessoas.
Trata-se de um período de cerca de 2 anos, assim razoavelmente longo, mas com largos períodos parcialmente indefinidos em termos de números de pessoas a quem vendiam estupefacientes e quantidades transaccionadas.
Encontram-se provadas vendas a 14 consumidores.
Relativamente a seis desses consumidores foi apurada apenas uma venda, como sucede com a venda ao CP, a um indíviduo não identificado, ao RM, ao V… , ao FL, e ao T… ( ponto 7, alíneas e) f) , g) , h) e j) dos factos provados). Destes seis consumidores, apenas relativamente ao V… ( uma dose com 0,062 gr) e ao FL ( duas doses, uma de 0,16 e outra de 0,16 gr ) se apuraram as quantidades de heroína vendidas.
Já relativamente às restantes oito testemunhas, AM ( pontos n.ºs 5 e 7.º, al. f) ), LC ( ponto n.º 7,al. a), FA ( ponto n.º 7, al. b), NS ( ponto n.º 7, al. c) , CS ( ponto n.º 7, al. d), AA, FG e DG ( ponto n.º 7, al. i), está provado que os arguidos António e Lurdes venderam-lhes estupefacientes , heroína ou cocaína, por períodos razoáveis de tempo , embora na maior parte dos casos essas vendas não tenham sido quantificadas.
Quando não se sabe exactamente que quantidades foram vendidas ou cedidas, em atenção ao princípio in dúbio pro reo , tem de se considerar que estas foram quantidades diminutas cfr. neste sentido o acórdão do STJ de 30 de Março de 2006, in www.dgsi.pt/jstj.
.
As quantidades de estupefacientes apreendidas aos arguidos foram relativamente pequenas. Assim no dia 26 de Janeiro de 2007, na sequência da deslocação do arguido em velocípede em direcção à Gafanha da Nazaré, e da compra nesse trajecto a um indivíduo de etnia cigana, não concretamente identificado, foram-lhe apreendidas 1,211 gramas de heroína.
No dia 29 de Janeiro de 2007, na Gafanha da Nazaré, voltou a comprar a um indivíduo de etnia cigana, não concretamente identificado, 2,040 gramas de heroína, pela quantia de € 75,00, a qual lhe foi apreendida. No dia 17 de Janeiro de 2008, foram apreendidos no quarto da residência dos arguidos, 0,124 gramas de heroína e 0,060 gramas de cocaína.
O produto apreendido , pelo menos na sua maior parte, era destinado à venda.
O produto estupefaciente adquirido pelos arguidos era por eles adulterado com outras substâncias, nomeadamente com medicamentos que lhes foram apreendidos, para obterem maior quantidade de produto para venda. Os efeitos para os consumidores acabam assim por serem menos perniciosos do que quando a heroína e cocaína vem da origem, em estado mais puro.
Para serem contactados pelos consumidores os arguidos utilizavam telemóveis e as vendas por si efectuadas realizavam-se habitualmente junto à sua residência, em Aveiro, em doses individuais, com o preço unitário de cerca de € 10,00.
Os arguidos não tinham trabalho e fonte de rendimento regulares. Durante algum tempo, o arguido António trabalhou, à noite, como empregado de mesa, num Bar em V…, fazendo ainda alguns “biscatos” pontuais na construção civil. A arguida Lurdes trabalhou também algum tempo como cozinheira, desde as 17.00 horas às 2.00 horas.
No período em causa viviam os arguidos essencialmente dos lucros que retiravam da diferença entre o preço de compra da heroína e cocaína e o maior preço que obtinham na sua venda a retalho. Das regras da experiência comum podemos concluir que esses lucros eram modestos, pois viviam com os pais do arguido, numa casa velha, a necessitar de manutenção, ocupando os arguidos o sótão e passavam algumas vezes por dificuldades económicas, que os levavam a pedir emprestadas pequenas quantias em dinheiro para satisfazer necessidades básicas.
Na altura dos factos os próprios arguidos eram consumidores de heroína e de cocaína.
O modo de aquisição dos estupefacientes, por deslocação em velocipede à Gafanha da Nazaré, e sua distribuição perto da residência onde os arguidos residiam, deixam antever a falta de um tipo estruturado de organização, encontrando-se os arguidos, que também são consumidores , no fim da cadeia de comercialização.
Nesta perspectiva o Tribunal da Relação conclui que a imagem global dos factos relativa aos arguidos António e Lurdes não justifica a tipificação do art.21.º do DL n.º 15/93, por a ilicitude se situar em nível acentuadamente inferior à pressuposta pela incriminação naquele tipo geral, encontrando os mesmos factos uma resposta adequada dentro da ampla moldura penal do art.25.º, al.a) , do DL n.º 15/93.
Dando como assente que os factos dados como provados integram a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.25.º, al. a) do DL n.º 15/93, importa agora proceder à escolha e medida da pena a aplicar aos arguidos.
O art.70.º do Código Penal estatui , como critério de orientação geral para a escolha da pena , que « Se ao crime forem aplicáveis , em alternativa , pena privativa e pena não privativa da liberdade , o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.». Ou seja, sempre que possível, deverá o Tribunal optar pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade em detrimento da privativa da liberdade.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstãncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. ( art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal ).
A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa , censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.
O facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal , com a acção ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é , que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente , por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio-comunitário.”- cfr. Prof. Fig. Dias , in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.
A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa ou de intimidação), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).
A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do C.P.) , designadamente por razões de prevenção.
O legislador visou com a criação do crime de tráfico de estupefacientes evitar a degradação e destruição da pessoa, provocada pelo consumo de estupefacientes que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia.
O tráfico de estupefacientes põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos, como a vida, a integridade física e a liberdade dos consumidores, afecta a vida em sociedade, dificultando a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos , estando na base de elevado número de crimes contra o património e pessoas , mesmo alheias aos malefícios das drogas.
No caso em apreciação, embora no âmbito de um tráfico de menor gravidade, a ilicitude é em grau razoável , atenta a reiteração da conduta dos arguidos, que agiram em co-autoria material durante cerca de dois anos, tendo detido e vendido dois tipos de estupefacientes que produzem efeitos particularmente graves, apesar de adulterados: heroína e cocaína.
A ilicitude é algo maior em relação ao arguido António, uma vez a primeira detenção pela PSP, em 26 de Janeiro de 2007, não lhe serviu de advertência para arrepiar o caminho de criminalidade que seguia e nota-se dos factos provados uma maior intervenção em actos materiais, em relação à arguida Lurdes, no tráfico de estupefacientes, designadamente da aquisição destes produtos, pese embora agissem em co-autoria.
Agiram com dolo directo e intenso.
Existe acumulação crimes relativamente ao arguido António , o qual não questiona nas conclusões da motivação do recurso a sua condenação pela prática de um crime detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 10 ( dez meses) de prisão.
O arguido António Lopes tem já antecedentes criminais. A arguida Lurdes não tem antecedentes criminais.
Ambos os arguidos são de modesta condição social , trabalhando sem regularidade, e ostentam fraca situação económica.
As exigências de prevenção geral são muito elevadas, pois o tráfico de estupefacientes é um flagelo para a sociedade pelas inúmeras consequências negativas que tem no domínio da saúde pública, da família, e da vida , entre outras.
As exigências de prevenção especial também não são de desprezar, pois os arguidos têm conhecimento da gravidade das suas condutas reiteradas, que se estenderam por cerca de dois anos, e ainda assim não resulta dos factos provados que as rejeitem no futuro, não beneficiando de circunstâncias relevantes como a confissão, o arrependimento, ou de prova de sujeição a tratamento à toxicodepência com sucesso ou a desnecessidade desse tratamento.
Tendo em conta que o crime de tráfico de menor gravidade é punível em abstracto com prisão de 1 a 5 anos, considera-se adequado, face aos critérios definidos nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, punir o arguido António com uma pena de 4 anos de prisão e a arguida Maria de Lurdes com uma pena de 3 anos e 8 meses de prisão.
Uma vez que o arguido António foi ainda condenado no acórdão recorrido como autor material de um crime detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 10 ( dez meses) de prisão, importa encontrar agora a pena conjunta tendo em conta os factos e a sua personalidade, como dispõe o art.77.º do Código Penal.
Apesar da pluralidade de ilícitos-típicos cometidos, ao agente será aplicada, no final, uma só pena, que deve refletir a conexão dos factos entre si e a necessária relação de todo esse bocado da vida criminosa com a personalidade do agente.
A navalha denominada vulgarmente de “ ponta e mola”, com 8 cm de comprimento , sendo 5,5 cm de lâmina, apreendida ao arguido António numa altura em que havia adquirido heroína a um indivíduo não identificado, insere-se na actividade desenvolvida pelo arguido de tráfico de estupefacientes.
A avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade que resulta dos factos já descritos, leva-nos a considerar ser adequado condenar o arguido António, em cúmulo jurídico, numa pena conjunta de 4 anos e 5 meses de prisão.
Dadas as penas encontradas para os arguidos importa agora decidir se as mesmas deverão ser suspensas na sua execução, sendo que a última questão objecto de recurso é se o acórdão recorrido violou o disposto no art.50.º do Código Penal, na redacção actual, ao não suspender aos arguidos a execução das penas de prisão.
Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal.
Nos termos deste preceito legal , na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, aqui aplicável, « O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .».

O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos .

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena é, sem dúvidas, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.
Todavia, « a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada » - mesmo em caso de « conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuseram » ( obra citada , § 520) « as finalidades da punição » ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente « considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico » ( obra citada , § 520) , pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto » ( idem)..- Cfr. Prof. Figueiredo Dias , in “Direito Penal Português , as Consequências do Crime”.
No presente caso, tendo em conta que os arguidos foram condenado neste processo em penas inferiores a 5 anos de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.
Os arguidos não beneficiam da demonstração de arrependimento sincero e confissão integral e aberta dos factos, nem se provou qualquer outra circunstância de relevo que lhe seja favorável, em que eles podiam demonstrar que rejeitam o mal praticado por forma a convencer que não voltarão a delinquir se vierem a ser confrontados com situação idêntica.
Se a prognose sobre o comportamento dos arguidos à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização não é positiva, pese embora a arguida não apresente antecedentes criminais, as exigências de prevenção geral neste tipo de crime são muito elevadas, despertando sentimentos de de forte reprovação e alarme na comunidade, em geral e nas localidades onde se realiza essa actividade, em particular.
Como menciona o STJ, nos crimes de tráfico de estupefacientes as razões de prevenção geral só excepcionalmente se satisfazem com uma pena de substituição – acórdão de 8 de Outubro de 2008, proc. n.º 08P589, in www.dgsi.pt.
O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelos arguidos António e Lurdes, numa situação como esta que se prolongou por um longo período de tempo, e que afecta tão relevantes bens jurídicos, ficaria afectado pela substituição das penas de prisão por suspensão de execução da pena de prisão.
Afastada está, assim, a possibilidade de se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e do tribunal decretar a suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos.
Não se verificando o pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão, bem andou o Tribunal recorrido em não decretar a suspensão da execução da pena aplicada à arguida Lurdes, sendo que em relação ao arguido António não era sequer possível a sua aplicação no acórdão recorrido por a pena que lhe havia sido aplicada ser então superior a 5 anos de prisão.
Pelo exposto não se decreta a suspensão da execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos, improcedendo em consequência, esta questão.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos arguidos AM... e ML... e, revogando-se parcialmente o douto acórdão recorrido absolvem-se os arguidos da prática em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º n.º 1 do DL 15/93 de 22-01 e, convolando este para um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.25.º, al.a) do DL 15/93 de 22-01, decide-se
- condenar o arguido AM... , pela prática deste crime de tráfico de menor gravidade, em co-autoria material , na pena de 4 ( quatro) anos de prisão e, em cúmulo jurídico com a pena de 10 ( dez meses) de prisão em que foi condenado como autor material de um crime detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, condena-se na pena conjunta de 4 (quatro) anos e 5 ( cinco) meses de prisão; e
- condenar a arguida ML... pela prática, em co-autoria material, do aludido crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Custas pelos recorrentes, fixando em 4 UC a taxa de justiça.

*

A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2007, alterou alguns dos preceitos legais do Código de Processo Penal aprovado pelo DL n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, sendo de assinalar aqui como particularmente relevante a alteração introduzida no art.202.º, n.º 1, alínea a) do C.P.P., de acordo com a qual a prisão preventiva só poderá ser decretada se houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos.
Uma vez que o crime de tráfico , p. e p. pelo art.21.º do DL n.º 15/93, foi convolado para o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.25.º, al.a), do mesmo diploma , não pode manter-se a medida de prisão preventiva a que o arguido/recorrente se encontra sujeito, pois este último crime , é punível com prisão de 1 a 5 anos, não admite esta medida coactiva.
Considerando que os requisitos gerais de aplicação das medidas coactivas a que alude o art.204.º do C.P.P., constantes do despacho que determinou a aplicação da medida de prisão preventiva, se mantêm , embora algo atenuados em face da convolação do crime de tráfico para o crime de tráfico de menor gravidade, substituiu-se a medida de prisão preventiva pelas medidas de obrigação de apresentações bi-semanais no Posto da autoridade policial da sua residência ( art.198.º do C.P.P.), cumulativamente com a obrigação de não contactar com pessoas conotadas com o tráfico ou consumo de estupefacientes e proibição de permanecer em locais notoriamente conotados com esse tráfico ou consumo ( art.200.º do C.P.P.), medidas que vigorarão até ao trânsito em julgado da decisão definitiva.
Passem-se de imediato mandados de libertação dos arguidos/recorrentes.

Comunique-se à autoridade policial competente as obrigações fixadas aos arguidos/recorrentes.

Remeta-se cópia do acórdão à 1.ª instância.
*
(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).
*
Coimbra,
























Proc. n.º 2212/06.4TAAVR.C1