Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
39/08.8GCGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
Data do Acordão: 10/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 292º DO CP, 153º 159º CE, 3º L. 18/07
Sumário: 1. No âmbito do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, a contraprova a que se referem os n.ºs 3, alínea a. e 4, do art.º 153º do Código da Estrada terá que ser realizada em aparelho distinto do que foi utilizado no exame a que se refere o n.º 1 da mesma disposição legal.

2. Se tal não for respeitado não há contraprova, o que conduz à absolvição do condutor por não se provar um dos elementos objectivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal: condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Por sentença proferida nestes autos, foi decidido absolver o arguido NM[[1]] do um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal, que lhe era imputado.

Inconformado com o decidido, vem o Ministério Público impugná-lo, concluindo assim a respectiva motivação:

a) O arguido NM, conduziu o veículo automóvel na via pública com uma TAS de 1,28 g/l;

b) O arguido foi submetido ao teste quantitativo e contraprova no aparelho Drager, Modelo 7110 MKIII P, com o nº de série ARPN-0078, aprovado pelo IPQ, cuja última verificação periódica ocorreu em 13-07-2007, com o resultado "aprovado";

c) A realização do exame de contraprova no mesmo aparelho onde foi realizado o exame quantitativo, desde que efectuado em aparelho aprovado pelo IPQ, não consubstancia meio de prova inválido;

d) A isso não se opõe o disposto no artigo 153°, n.º 3, do Código da Estrada, no qual se refere que" a contraprova deve ser realizada, ou através de novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado, ou através de análise ao sangue, cabendo a escolha do meio pretendido, ao examinando".

e) Verificando-se que se encontram preenchidos os elementos objectivo e subjectivos do crime de condução em estado de embriaguez, deverá o arguido ser condenado pela prática do crime de que vem acusado;

f) Atenta a condição económica do arguido e ao facto de ser primário, deverá o mesmo ser condenado na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 6,00 €, o que perfaz o montante global de 360,00 € e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de 3 (três) meses;

g) Tendo o Tribunal "ad quo" considerado que a realização da contraprova no mesmo aparelho onde foi realizado o exame quantitativo, consubstancia um meio de prova inválido, violou as disposições legais dos artigos 153°, n.º 3, do Código da Estrada, artigo 125°, do Código de Processo Penal e artigos 292° e 69°, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal;

h) Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituída por outra que condene o arguido nos termos referidos em f), pois só assim se fará justiça.

O arguido não respondeu.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido nada disse.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso.

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Questão a decidir: validade da contraprova realizada no mesmo aparelho em que se realizou o exame inicial

O tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

1. No dia 20 de Fevereiro de 2008, cerca das 14 horas e 25 minutos, o arguido conduziu o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula XX-XX-XX, pela EM 531, ao Km 4,6, na localidade de Vila Garcia, área deste concelho e comarca da Guarda.

2. O arguido foi fiscalizado por militares da G.N.R..

3. O arguido antes de iniciar a condução havia ingerido, durante o almoço três copos de vinho, e de manhã um bagaço, com o café.

4. O arguido foi notificado de que podia requerer a contra prova ao resultado do teste, tendo-lhe sido feita.

5. Bem sabia o arguido que antes dos factos havia ingerido bebidas alcoólicas, e que não podia exercer a condução na via pública e veículos motorizados e sob o efeito do mesmo com TAS superiores ou iguais a 0,50 gr/l.

6. O arguido aufere um salário de €430,00, vive conjuntamente com duas filhas, menores de dependentes, e a esposa que aufere um subsídio de desemprego de €300,00.

7. Vive em casa arrendada pela qual paga a quantia de €100,00/mês.

8. A filha mais nova do arguido padece de hidrocefalia, sendo, por isso totalmente dependente necessitando permanentemente de uma pessoa que a cuide e acompanhe, despendendo em média a quantia de €100,00 em despesas médico medicamentosas com a mesma, e necessitando a menor de sessões de fisioterapia diárias.

9. Com a filha mais velha de 4 anos de idade despende a quantia de €45,00 com a creche que a mesma frequenta.

10. O arguido não admitiu que a taxa de alcoolémia que apresentou no exame de pesquisa em ar expirado fosse efectivamente aquela atendendo às quantidades que ingeriu e ao tempo que ingeriu, uma vez que havia acabado de almoçar há cerca de 45 minutos uma hora.

11. O arguido conduzia o veículo que é propriedade da sua entidade patronal na distribuição de materiais de construção.

12. O arguido é reputado de pessoa séria trabalhadora e que apenas bebe às refeições de forma moderada.

13. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais. --

Factualidade não provada:

Não se provou que o arguido conduzisse com uma TAS de 1,28 gr/l.

Fundamentação da matéria de facto:

Para responder à matéria de facto, o Tribunal atendeu ao apurado em sede de audiência de julgamento, analisando global e criticamente, segundo as regras da experiência e da livre convicção do Tribunal, nos termos do artigo 127.°, do Código de Processo Penal.

Foram tidos em conta os documentos juntos aos autos: fls. 4 (auto de notícia), fls. 6 (notificação), fls. 3 (talões de alcoolímetro), fls. 18 (Certificado de Registo Criminal) bem como os elementos relativos à certificação do alcoolímetro fls. 21.

O Tribunal formou a sua convicção na confissão do arguido o qual admitiu a ingestão de bebidas alcoólicas, que foi confirmado pela testemunha de defesa SF , com quem o arguido almoçou em sua casa, sendo que a mesma sendo a esposa do patrão do arguido relatou a quantidade de vinho posto na mesma e consumido por três pessoas cerca de um litro, e que por isso é credível, sendo que depôs de forma espontânea e credível.

Quanto à situação familiar, económica e social, atendeu-se às declarações do arguido, bem como ao depoimento da testemunha supra identificada e no depoimento da testemunha IM, que conhece o arguido há muitos anos, e que relatou a sua situação familiar bem como os problemas de saúde da filha menor do arguido, factos que conhece por ser cunhado do arguido, com ele conviver com frequência.

Quanto aos antecedentes criminais o CRC junto aos autos.

Quanto aos factos não provados por resultar de fls. 3 que o arguido não aceitando o valor obtido pela prova ter requerido a contra prova, sendo que pela testemunha de acusação ter referido que no analisador qualitativo ter sido obtido um valor de 1,14 gr/l, ter sido efectuado tal teste de imediato quando foi mandado parar, e dos dois talões ter resultado dois valores com diferença de 0,10 gr/l apesar de terem sido efectuados com apenas 16 minutos de intervalo.

Acresce que a existência de dois talões de um aparelho Drager, modelo 7110 MKIII P, com o número de série ARPN-0078, com a indicação de prova e contra prova, tendo o primeiro talão o n° de teste 2177, realizado às 14:40 horas do dia 20-02¬2008, e o segundo com o número de teste 2177, realizado às 14:56 do mesmo dia, ou seja resulta que o arguido requereu a contra prova, à análise de TAS, mediante o alcoolímetro de mediação de ar expirado, a qual foi realizada no mesmo aparelho cerca de 16 minutos após.

Perante tais factos importa aferir se o meio de prova usado é ou não válido, atendendo às regras legais, uma vez que a invalidade do meio de prova impede a possibilidade de preenchimento do tipo, uma vez que o artigo 292° do Código Penal, contém elementos objectivos, quantitativos para o preenchimento do mesmo - uma TAS igualou superior a 1,20 gr/l.

Estatui o artigo 153°, n° 2 do Código da Estrada que sendo o resultado do exame positivo, deve informar o examinado da possibilidade de o mesmo requerer contra prova e de que deve suportar as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo.

Estatui o n° 3 do mesmo preceito que a contraprova deverá ser efectuada por um dos seguintes meios, novo exame, a efectuar em aparelho aprovado, ou por análise de sangue.

Estatui também o n° 4 do mesmo artigo que no caso de opção por novo exame previsto na alínea a) do n.º3, o examinado deve ser, de imediato a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde possa ser efectuado.

O Tribunal da Relação de Coimbra no acórdão de 30-01-2008, estabeleceu analisando uma questão semelhante que "( ... ) não só não exige que o novo exame, para efeitos de contraprova, seja realizado em aparelho diferente do que realizou o exame inicial, como prevê que a contraprova possa ser realizada no mesmo analisador quantitativo (art. 3°, n° 1 do Dec. Regulamentar n° 24/98, de 30 de Outubro). As razões que a tal conduzem são, por um lado, a necessidade técnica de o novo exame ser efectuado dentro de curto espaço de tempo, para prevenir eventuais alterações do estado do examinando, e por outro, a racionalização de meios que, porque escassos, não permitem que a esmagadora maioria das operações de fiscalização se efectue com pluralidade de analisadores quantitativos." in dgsi.pt.

Em nossa modesta opinião, não concordamos.

Das normas supra citadas, quando conjugadas, em especial do nº 4, resulta que havendo solicitação de realização de novo exame, por ar expirado, o examinado deverá ser conduzido, se necessário.

Ou seja, resulta de forma clara que o exame não poderá ser realizado no mesmo aparelho onde foi realizado o primeiro, pois em caso afirmativo implicaria que o legislador consagrasse no texto da lei uma solução incongruente, ao afirmar que o examinado deve ser conduzido, se necessário, a local onde deva ser efectuado o exame.

Pois, se o examinado realizou o primeiro exame num aparelho aprovado, e apenas este pode ser usado para análise quantitativa, o qual necessariamente terá que estar no local, não faz sentido o legislador aceitar como válido um novo exame no mesmo aparelho, pois em caso algum haveria necessidade de conduzir o examinado a local (...).

Tal elemento linguístico da norma tem ainda que ser complementado com a ratio do novo exame e da contra prova, e nesse aspecto o intérprete deverá lançar mão do nº 6 do artigo 153° do C.E., que estatui a prevalência do resultado da contra prova.

Como é sabido os exames de alcoolemia realizados pelo método de análise do ar expirado, o conhecido balão, contêm erros de medição, decorrentes, por um lado dos aparelhos (os quais na sua composição e metodologia usam o metal mercúrio, que como é sabido é expansível com a temperatura, razão pelo qual era usado para produzir termómetros), e por outro dos múltiplos factores que afectam a certeza do resultado, de entre eles destacam-se a temperatura e a pressão atmosférica, porque como é sabido os corpos dilatam com a temperatura e os fluidos são compressíveis, mais ou menos consoante a composição físico-química dos mesmos (gases ou líquidos, sendo os líquidos menos compressíveis do que os gases), sendo que a massa - grama - é uma realidade constante, já o volume - litro - é variável em relação à massa, sendo tal variação dependente essencialmente de dois factores a temperatura e a pressão, e o resultado a análise é uma expressão de correlação entre as duas - grama por litro.

Consciente de tal realidade, e uma vez que, como é do conhecimento comum, qualquer aparelho de medição, tem uma margem de erro, sendo que, em relação aos alcoolímetros tal decorre das Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal e da Portaria n.o 748/94, de 13/08, por remissão para a norma NFX20-70 1, pese embora as recentes orientações no sentido de tais margens de erro não serem atendidas, orientações essas não compatíveis com a recente informação divulgada pelo I.P.Q. através de Circular do C.S.M. atenta a deliberação de 25/09/2007, bem como o teor dos recentes diplomas legais relativos à regras de pesquisa de álcool no sangue e seus regulamentos Lei 18/2007, o legislador estatuiu margens de erro admissíveis para os alcoolímetros e possibilidade de realização de contra prova, por instrumentos ou pericial pela análise de sangue - cfr. com o disposto no artigo 30 da Lei 1812007, com o disposto na secção I da Portaria 902-B/2007, e com a portaria 1556/2007.

Não nos restam dúvidas que o legislador ao impor a necessidade de os agentes fiscalizadores de informarem o examinado da possibilidade de realização da contra prova, teve por finalidade eliminar as probabilidades de erro de um método de medição ou aparelho. Razão pela qual, também se terá que concluir que a realização do novo exame pelo método da análise quantitativa do ar expirado, do qual resulta a conversão de Taxa de Álcool no ar Expirado, em Taxa de Álcool no Sangue, nunca poderá ser efectuado no mesmo aparelho onde foi realizado o primeiro exame.

A prova obtida mediante um exame de pesquisa de álcool no ar expirado, é uma prova obtida mediante instrumentos, e, por isso, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova - artigo 127º do Código de Processo Penal, por contraponto à prova pericial, cujo resultado se encontra subtraído à livre apreciação do tribunal, como estatui o artigo 1630 do Código de Processo Penal.

Por outro lado estatui o artigo 125º do Código de Processo Penal que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, sendo que no caso das provas instrumentais, há necessidade de certeza das mesmas e que os instrumentos em causa se encontrem devidamente aprovados por lei, e a recolha da mesma seja efectuada observando as prescrições legais.

Ora, no caso dos presentes autos, a recolha da prova do estado de embriaguez, mediante o exame de ar expirado, dependo tal situação da quantificação da TAS, tendo sido requerida a contra prova, que foi efectivamente realizada no mesmo aparelho, e cujo resultado prevalece sobre a prova, encontra-se ferida de invalidade, que afecta a mesma, e prevalecendo sobre a prova resulta a inexistência de prova válida do estado de embriaguez do aqui arguido.

Assim, inexistem razões para que a acusação possa ser julgada procedente, pois apesar do arguido ter confessado o consumo de bebidas alcoólicas, sem a quantificação da TAS não se poderá concluir pela possibilidade de preenchimento do tipo do artigo 2920 do Código Penal, ou sequer pelo preenchimento de qualquer contra-ordenação, uma vez que as mesmas dependem sempre da quantificação da TAS, não só para a existência das mesmas como para a graduação das mesmas - cfr. Artigo 810 do C.E.

Dos elementos fácticos constantes dos presentes autos, resulta também de forma clara que os valores dos resultados das análises apresentados pelo aparelho não permitem concluir pela fiabilidade dos mesmos, pois em menos de uma hora há 2 valores distintos.

Da ciência médica resulta que a absorção do álcool no corpo humano não é imediata, passando pelo processo de digestão e metabolização, sendo que é do conhecimento geral que o valor máximo da alcoolemia é atingido cerca de 2 horas após a ingestão de bebidas, e que depois desse momento o valor começa a diminuir, em média cerca de 0,10 gr/l.

Ora atendendo à hora em que o arguido acabou de almoçar - 13:30 - até à hora da primeira análise quantitativa decorreu cerca de uma hora e 10 minutos, logo a digestão ainda não tinha sido totalmente efectuada e por isso a TAS estava em ascensão, não sendo compreensível como 16 minutos depois a TAS seja inferior e inferior em 0,10 gr/l, quando para eliminar tal quantidade seria necessário um período de pelo menos uma hora após o términus da ingestão.

A única explicação plausível é o erro de medição.

No entanto tem-se discutido se o juiz deve ou não considerar as margens de erro admissíveis para aprovação do aparelho, como resulta dos regulamentos.

Neste aspecto é paradigmático o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, quando afirma que: "se os mesmos aparelhos podem registar valores errados, esse erro tanto pode ocorrer para menos, como para mais daquele que é primeiramente indicado, e, sendo assim, porque não são, então, todos feitos constar do respectivo auto? Não nos parece correcto afirmar-se, como se faz na respectiva Circular, que a eventual falta de exactidão apenas pode funcionar em benefício dos infractores." (AC. TRP de 06-02-2008, in www.dgsi.pt.)

"O legislador entendeu por bem fixar os limites do crime e da contra-ordenação nos termos conhecidos, sendo que a prática de crime se consuma com a condução na via pública de veículo a motor com uma taxa igualou superior a 1,20 g/1 de álcool no sangue.

Não podemos, pois, deixar de considerar que o legislador assumiu a possibilidade do erro de leitura e que se conformou com o mesmo, sendo que ao criar o limite quantitativo mínimo para a comissão do crime, tinha a consciência que seria sempre o aparelho de detecção de álcool no sangue a indicar a taxa." (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 06-02-2008).

No mesmo sentido é o recente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-01-2008, cujo Relator foi Vasques Osório, in www.dgsi.pt do qual transcrevemos o seguinte: "O condutor que tendo sido sujeito a fiscalização para verificação da taxa de álcool no sangue e a quem tenha sido detectada uma taxa superior à legalmente pretendida deve, para infirmar e poder afastar o valor indicado no aparelho utilizado na medição, solicitar a realização de contraprova, em qualquer das modalidades previstas no nº 3 do artigo 153°, do Código da Estrada."

Não podemos deixar de discordar com estes dois arestos.

Há sempre uma certeza no valor fixado pelo desconto da margem de erro, pois o valor efectivo da TAS situa-se entre o valor do erro máximo permitido e o valor mínimo decorrente do desconto do erro, sendo que não havendo certeza se no caso concreto o instrumentos fez a leitura pelo máximo do erro, ou pelo mínimo do erro, ter-se-á que concluir, ao abrigo do princípio constitucional da presunção da inocência que o valor a fixar será o decorrente do desconto.

Ou seja num caso hipotético em que a TAS que resultou da medição do aparelho é de 1,30 gr/l e sendo o erro máximo admissível para o aparelho em causa 10%, significa que a taxa real de alcoolemia se situa num intervalo de 1,17 e 1,43, e que na ponderação de tais possibilidades de erro ao abrigo do in dúbio pró reo, não pode deixar de fixar o julgador a taxa em 1,17, pois quanto a essa há a certeza, mas não quanto a 1,43, pois não tem possibilidade de saber o julgador se naquela medição concreta o aparelho assumiu o erro para mais ou para menos.

Quanto à infirmação do valor da TAS, não pode o julgador, na nossa opinião, deixar de ter em conta, por um lado a evidência das diferenças assumias pelo aparelho nos presentes autos, bem como as regras legais - as portarias supra invocadas - que não são de facto novas, pois já a Portaria n.º 748/94, de 13/08, efectuava uma remissão expressa para a norma NFX 20-701, que também referia a existência de erros máximos admissíveis.

Aceitar, sem análise crítica, o valor que o aparelho apresenta, ou porque o arguido não exerceu o direito a requerer uma contra prova, importa, em nossa modesta óptica, um tratamento diferencial dos cidadãos perante a lei, dependendo se estes são mais ou menos informados, se estes são melhor ou pior representados no tribunal.

Por outro lado, entendemos que a questão da possibilidade ou não dos opc terem à disposição meios adequados à realização da segunda análise em outro aparelho, nos tempos previstos, é uma questão que o julgador não deverá colocar, pois tal questão deverá ser colocada em sede legislativa, na escolha de meios e métodos de análise, da operacionalidade dos mesmos, e das necessidades quantitativas do país real.

É certo que a condução sob a influência do álcool é uma realidade que se deve combater atenta à perigosidade que a mesma representa, mas por outro lado não podem resultar condenações sem certezas.

Pelo que, neste aspecto deverá funcionar o princípio do in dúbio pró reo.”

*

Apreciando:

Na sentença sob recurso, o M.mo Juiz entendeu que tendo a contraprova sido efectuada no mesmo aparelho em que se realizara o exame inicial de pesquisa do álcool e sendo o resultado daquela que prevalece, estamos perante um meio de prova inválido, o que não permite a quantificação da TAS com que o arguido conduzia e por isso impede o preenchimento do tipo previsto no art.º 292º, n.º 1 do Código Penal.

Daí, a absolvição com que não se conformou o Ministério Público.

Vejamos se assiste razão ao recorrente:

A matéria em causa está regulada nos art.ºs 153º, n.ºs 1, 2, 3, alínea a., 4 e 6 do Código Penal e 3º do Regulamento aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio.

De acordo com tais disposições legais, se o resultado do exame de pesquisa de álcool no ar expirado for positivo, o examinando deve ser notificado do resultado, das consequentes sanções legais e ainda “de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova” (n.º 2 do art.º 153º).

Decidindo-se pela realização de contraprova, o examinando pode optar por exame, a efectuar através de aparelho aprovado, ou através de análise ao sangue (nº 3).

Caso o examinando opte por novo exame, deve ser de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o exame possa ser efectuado (nº 4), sendo que os métodos e equipamentos que servem para a realização do exame, são aplicáveis à contraprova (art.º 3º do Regulamento).

No caso “sub judice”, através de analisador quantitativo aprovado (Drager, Modelo 7110 MKIII P, com o n.º de série ARPN-0078, aprovado pelo Despacho 001/Direcção-Geral de Viação/ALC98, cuja última verificação periódica se realizara em 31 de Julho de 2007 e em que fora aprovado) foi o arguido, pelas 14:40 horas do dia 20 de Fevereiro de 2008 e enquanto condutor de veículo automóvel, sujeito a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo acusado uma TAS de 1,38 g/l.

Inconformado com tal resultado, o arguido requereu a contraprova, a qual foi realizada com o mesmo aparelho, dezasseis minutos depois, e acusou o valor 1,28 g/l.

Com base nesta taxa, foi o arguido submetido a julgamento.

A questão que desde logo se coloca é a de saber se a contraprova pode ser realizada no mesmo aparelho em que o exame foi efectuado.

Vejamos

O Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro[[2]] estabelecia no art.º. 3º, nº 1, que a contraprova a que se refere a alínea a) do nº 3 do art. 159º do C. da Estrada era efectuada em analisador quantitativo, no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste, podendo para o efeito, ser utilizado o mesmo analisador, caso não fosse possível recorrer a outro no mesmo prazo.

Temos assim que na vigência deste diploma não se exigia que a contraprova fosse realizada em aparelho diferente do que realizou o exame inicial, antes se previa que a contraprova pudesse ser realizada no mesmo analisador nos casos em que não fosse possível recorrer a outro aparelho no prazo de quinze minutos.

Em 15 de Agosto de 2007 entrou em vigor o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, que no seu art.º 3º nos diz que

os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no nº 3 do artigo 153° do Código da Estrada”.

Por seu turno, estipula-se no n.º 2 do art.º 1º que

a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue

e nos n.ºs 1 e 2 do art.º 2º que

quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos”,

sendo que para o efeito,

o agente da entidade fiscalizadora acompanha o examinando ao local em que o teste possa ser efectuado, assegurando o seu transporte, quando necessário.

Temos assim que o regime actualmente vigente não contém norma idêntica à do art.º 3º, nº 1, do Dec. Regulamentar nº 24/98.

O que concluir desta “supressão”?

Terá o legislador querido afastar a possibilidade de realização da contraprova no mesmo analisador quantitativo, ou, pelo contrário, terá querido afastar a possibilidade de realização em analisador quantitativo diferente? (são estas as duas únicas alternativas porque a lei deixou de fazer referência à possibilidade de não ser possível recorrer em tempo útil a um outro analisador).

Temos para nós que o legislador pretendeu afastar a possibilidade de que a contraprova seja efectuada no mesmo analisador.

Vejamos:

A realização de contraprova prende-se essencialmente com a necessidade de dar oportunidade à defesa de se resguardar de um hipotético defeito do aparelho e por isso não faz sentido que aquela seja realizada no mesmo analisador.

É certo que o condutor pode requerer que a contraprova seja realizada através de análise ao sangue (art.º 153º, n.º 3, alínea b. do Código da Estrada), mas tal não lhe pode ser imposto, visto a lei lhe dar a possibilidade de optar por qualquer um dos meios.

Tendo ele optado pela realização da contraprova através aparelho aprovado, só a utilização de um distinto assegurará os fins visados pela mesma.

Parece-nos evidente.

Aliás, é o que resulta do n.º 4, do art.º 153º que nos diz que “no caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.”

Com efeito, o que esta norma nos diz é que se não houver um segundo aparelho aprovado no local do exame, a contraprova terá que ser realizada onde o mesmo se encontre.

O que é lógico: o aparelho onde foi realizado o exame está no local e é necessariamente um aparelho aprovado e por isso, se fosse intenção do legislador que a contraprova se realizasse nele, não determinaria que o condutor fosse conduzido a local diverso para a realizar.

Retira-se daqui que o legislador, tendo em vista a defesa do condutor, determina que a contraprova se realize em aparelho diverso do utilizado no exame.

É certo que o art.º 3º, n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro (que vigorou ao mesmo tempo da actual redacção do art.º 153º) permitia que aquela fosse realizada pelo mesmo aparelho no caso de não ser possível recorrer a outro no prazo de quinze minutos, mas parece-nos que esta possibilidade de dupla utilização do mesmo analisador extravasa os limites impostos pelo art.º 158º, n.º 1 à regulamentação da contraprova.

No entanto, a Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio que revogou aquele diploma e é a aplicável ao caso em análise[[3]], não contém norma idêntica, o que nos leva a concluir que o legislador afastou tal possibilidade e harmonizou o Regulamento com o art.º 153º, n.º 4.

Acresce que ao ampliar de quinze para trinta minutos o intervalo entre o exame e a contraprova (como claramente resulta da conjugação dos art.ºs 3º e 2º, n.º 1 da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, comparativamente com art.º 3º, n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro), o legislador veio facilitar a utilização de um segundo aparelho que não se encontre no local.

Pelas razões expostas, entendemos que no âmbito do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, a contraprova a que se referem os n.ºs 3, alínea a. e 4, do art.º 153º do Código da Estrada terá que ser realizada em aparelho distinto do que foi utilizado no exame a que se refere o n.º 1 da mesma disposição legal.

Posto isto, vejamos as incidências no caso em apreço.

Diz-nos o n.º 6 do art.º 153º que o resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.

Ora, apresentado o arguido uma TAS de 1,38 g/l no exame que lhe foi feito ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 153º, mas tendo requerido a contraprova, seria o valor medido por esta que relevaria para efeitos de taxa de alcoolemia.

Contudo, contraprova foi efectuada fora das condições impostas por lei.

Quais as consequências?

Determina-se no art.º 153º, n.º 3, alínea a. que a contraprova é efectuada em aparelho aprovado, ou seja, para efeitos legais, apenas são válidos os valores encontrados por aparelho aprovado.

Mas a lei impõe ainda um outro requisito: o aparelho utilizado na contraprova tem que ser diverso do utilizado no exame inicial.

Temos assim que a contraprova só se mostra efectuada se for realizada em aparelho aprovado e diverso do que realizou o exame inicial.

Se algum destes requisitos faltar, não há contraprova.

No caso “sub judice”, foi pedida a contraprova mas o exame foi efectuado no mesmo aparelho do exame inicial.

Por isso, há que considerar que, ao contrário do que pretendia o arguido, não se realizou a contraprova.

Assim sendo, o resultado prevalecente desta não foi apurado e por isso, afastado que foi o valor do exame inicial, há que concluir que não ficou provada a TAS com que o arguido conduzia.

Não sendo já possível determinar a realização da contraprova, mais não nos resta do que confirmar a sentença recorrida, uma vez que não se provou um dos elementos objectivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal: condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.  

DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente o recurso.

*

Sem tributação.


[1] NM, casado, motorista, filho de C…. e de R…….., nascido a XX/XX/XXXX, natural de …. - ….., B.I. …….., domicílio: R…..,

[2] Que regulamentou os procedimentos para a fiscalização da condução sob o efeito do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas
[3] Os factos ocorreram depois de 15 de Agosto de 2007