Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
444/14.0JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: VÍCIOS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
HOMICÍDIO TENTADO
USO DE ARMA DE FOGO
AGRAVAÇÃO DO HOMICÍDIO
CONCURSO DE CRIMES
PENA
Data do Acordão: 10/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J C CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 410.º E 412.º DO CPP; ARTS. 22.º, 23.º, 72.º, 73.º E 131.º DO CP; ART. 86.º, N.ºS 3 E 4, DA LEI 5/2006, DE 23/2
Sumário: I - A reapreciação da prova, por erro de julgamento, é ouvir as pessoas nas passagens concretas do seu depoimento, em que no entender do recorrente está inquinado, para saber se disseram ou não o que se mostra vertido na decisão da matéria de facto e não se destina a apurar uma interpretação diferente do tribunal a quo.

II - Para se alterar a matéria de faco com base em erro de julgamento, os depoimentos indicados têm que “impor decisão diversa da recorrida”, conforme se exige no art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, não deixando alternativa ao julgador.

III - Estamos perante insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando há factos importantes para a decisão que ficaram por apurar e que eventualmente poderão implicar alteração da decisão ou os factos dados como assentes, por insuficientes, não permitem a decisão de condenação.

IV - A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre aqueles factos e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento nos termos constantes na decisão.

V - Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade.

VI - Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

VII - O crime de homicídio na forma tentada deve ser agravado pelo uso da arma de fogo porque o arguido fez uso da arma, enquanto arma de fogo, e, nesta conformidade, como instrumento na sua função específica e fim para que foi construído, disparando seis tiros que atingiram o veículo em que se fazia transportar a vítima.

VIII -Por isso, no caso do homicídio, funciona a agravação do art. 86.º, n.º 3, do RJAM, porque não está prevista a agravação com arma de fogo no cometimento do crime, verificando-se concurso de crimes.

VIII - Torna-se necessário que a agente faça uso da arma enquanto arma de fogo e disparando sobre a vítima, com o intuito de a atingir na sua integridade física ou a de lhe causar a morte, como é lícito concluir no caso dos autos, atentas as vezes que disparou sobre a vítima, sendo que um dos projécteis trespassou o vidro traseiro e embateu na pega lateral junto ao lugar do condutor.

X - O arguido ao disparar sobre o veículo do ofendido, que perseguiu por algum tempo, e disparando sobre o mesmo pelo menos seis tiros com arma de fogo de calibre 7,65 mm Browning, fez uso desta como meio de lhe causar a morte, só não acontecendo por razões estranhas á sua vontade, constituindo-se assim como autor material de um crime de homicídio simples, tentado agravado pelo uso de arma de fogo.

XI - A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente.

XII - E entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

No processo supra identificado foram julgados os arguidos:

A.. , solteiro, cortador de madeira, nascido no dia 8 de Abril de 1972, filho de (...) e de (...) , natural da freguesia e concelho das (...) e residente em Rua (...) e;

B... , solteira, reformada, nascida no dia 24 de Abril de 1950, filha de (...) e de (...) , natural da freguesia e concelho de (...) , residente na Rua (...) .

- Ao arguido A... são imputados, a prática de:

- um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos art. 131.º e 22.º, n.ºs 1 e 2 al. a), b) e c) do CP;

- um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1 al. c) e d) da Lei 5/2006 de 23/2, alterada pela Lei 17/2009 de 6/5, conjugado com art. 2.º, n.º 1, al. v), do mesmo diploma legal.

- À arguida B... , é imputado a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1 al. c) e d) da Lei 5/2006 de 23/2, alterada pela Lei 17/2009 de 6/5, conjugado com art. 2.º, n.º 1, al. v), do mesmo diploma legal.


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O Tribunal Colectivo, julgando parcialmente procedentes a acusação, deliberou:

a) Absolver a arguida B... do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1 al. c) do RJAM.

b) Condenar o arguido A... :

- Por um crime de homicídio tentado p. e p. pelos art. 131.º, e 22.º, nºs 1 e 2 al. a), b) e c) do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Por um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1 al. c) do RJAM na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

c) Em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão efectiva.

d) Declarar perdidos a favor do Estado os bens apreendidos a fls. 69; 138 e 139 e a navalha apreendida a fls. 140.

e) Devolver ao arguido o telemóvel apreendido a fls. 140.


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Inconformados com o acórdão recorreram o Ministério Público e o arguido.

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O Ministério Público formula as seguintes conclusões:

«1ª – Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do douto Acórdão de fls. ..., na parte em que condenou o arguido A... pela prática de 1 (um) crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, nºs, 1 e 2, als. a), b) e c) e 131º, ambos do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva (a 1.ª conclusão fazia referência a outra condenação de outro arguido, noutro processo, cujo lapso rectificou a fls. 653, em conformidade com delimitação do objecto do recurso na motivação, a fls. 573).

 2ª.1 -- O objecto do processo penal, de natureza acusatória, é delimitado ou definido, consoante os casos, ou pela acusação, ou pelo despacho de pronúncia.

2ª.2 -- Delimitado o objecto do processo penal, sabendo-se que o Legislador acolheu o conceito de naturalístico de facto, este (s) só poderão ser alterados nos termos legalmente definidos pelos artigos 358º e 359º, ambos do Código de Processo Penal.

2ª.3 -- Existe uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e, por conseguinte, a imputação ao arguido de um crime diverso quando:

a) -- Da referida adição ou modificação dos factos resulte que o bem jurídico agora protegido é distinto do primitivo;

b) -- Da referida adição ou modificação dos factos resulte um facto naturalístico diferente, objecto de um diferente e distinto juízo de valoração social;

c) -- Da referida adição ou modificação dos factos resulte a perda da “imagem social” do facto primitivo, ou seja, resulte a perda da sua identidade.

2.4ª -- Uma “alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia” constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transforme o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, em virtude de o seu substracto fundamental já se encontrar descrito na acusação ou na pronúncia”.

2.5ª -- Nos termos do disposto no artigo 358º, nºs. 1 e 3, do Código de Processo Penal, em consonância, até, com a jurisprudência constante do Assento do S.T.J. nº 2/93, in D.R., Iª Série, de 10/03/93 (“Para os fins dos arts. 1°, al. f), 120°, 284º, n° 1, 303°, n° 3, 309°, n° 2, 359°, n° 1 e 2, e 379°, al. b), do C.P.P., não constitui alteração substancial dos factos descritas na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave”) e do Assento do S.T.J. nº 3/2000, in D.R. Iª, de 11/02/2000 (“na vigência dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa”).

2ª.6 -- “Se a alteração não substancial dos factos não resulta de iniciativa do tribunal de recurso, mas da posição de outros sujeitos processuais no recurso, designadamente do Ministério Público, já a necessidade dessa notificação não tem lugar”, sendo que “o dever de comunicação no tribunal de recurso, previsto no nº 3, do art. 424.º do CPP, não se verifica quando a alteração resulta da posição do Ministério Público expressa nas conclusões do recurso por si interposto, pois sendo o recurso notificado ao arguido para lhe responder, a alteração é já dele conhecida.”

3ª.1 -- A factualidade que resultou provada subsume-se à prática pelo arguido A... de 1 (um) crime de homicídio simples, na forma tentada, agravado pelo uso da arma, p. e p. pelos artigos 22º, als. a), b) e c), 23º, 72º, 73º e 131º, todos do Código Penal e 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho.

3ª.2 -- Razão pela qual deverá esse Venerando Tribunal da Relação de Coimbra substituir o douto Acórdão a quo por outro douto a proferir no qual condene o arguido A... pela prática do referido ilícito criminal.

3ª.3 -- Ao assim não ter decidido, violou-se no douto Acórdão a quo o disposto no artigo 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho.

4ª.1 -- O crime de homicídio simples, na forma tentada, agravado pelo uso da arma, p. e p. pelos artigos 22º, als. a), b) e c), 23º, 72º, 73º e 131º, todos do Código Penal e 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho é, em abstracto, punível com pena de 2 anos, 1 mês e 18 dias a 14 anos, 2 meses e 20 dias de prisão.

4ª.2 -- As exigências de prevenção geral constituem o limite mínimo da pena e a culpa do agente o seu limite máximo, pelo que a medida concreta da pena deve ter em consideração a finalidade de prevenção especial, de ressocialização do arguido ou de suficiente advertência, no sentido de retirar este agente do caminho criminoso.

4ª.3 -- A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do artigo 71º, do Código Penal, em função da culpa do agente, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.

4ª.4 -- A pena a aplicar será, assim, fixada em função da culpa, da ilicitude, das circunstâncias agravantes e atenuantes que ocorram, não se perdendo de vista o objectivo de reinserção social do agente.

4ª.5 -- Tendo por base a moldura penal abstracta ao crime imputado ao arguido, na determinação da medida da pena relativa ao mesmo, deveria o Tribunal a quo ter tido em consideração, as seguintes concretas circunstâncias:

O grau de ilicitude presente na conduta do arguido não pode deixar de ser considerado elevado, atendendo ao bem jurídico cuja tutela a pena visa assegurar --- o bem jurídico supremo vida ---, o que tem necessárias sequelas ao nível da culpa, fazendo, por um lado, estabilizar tais exigências e, por outro, aumentá-las;

O dolo presente na conduta do arguido, na sua modalidade mais intensa: -- o dolo directo, o que faz aumentar as exigências de culpa;

O grau de violação dos deveres impostos ao arguido/agente: -- “O arguido agiu de forma premeditada, tendo esperado que o ofendido abandonasse a localidade de A(...) para atentar contra a vida dele, aguardando que o mesmo ficasse sozinho, para o surpreender”;

As circunstâncias em que os factos ocorreram, potencialmente muito graves;

O modo de execução do crime: -- “o arguido aproveitou-se do facto de o ofendido circular sozinho numa estrada em terra batida, sem iluminação e com pouco movimento”;

Os motivos determinantes das condutas, pautados “pela reacção desajustada, desproporcionada e desatempada a uma provocação anterior”;

O carácter não primário da delinquência do arguido, pelo que a necessidade de restauração da confiança da sociedade na norma violada não se compadece com penas próximas do limite mínimo ou de qualquer atenuação especial;

O comportamento processual do arguido, que nenhum juízo de auto-censura e sentido crítico manifestou acerca dos factos; e

As necessidades de reprovação e de prevenção destes tipos de crime que são particularmente elevadas.

4ª.6 -- Tendo em conta a moldura penal abstractamente aplicável, ao valorar todas estas concretas circunstâncias, deveria o Tribunal a quo na escolha e determinação concreta da medida da pena tê-la fixado em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses prisão.

4ª.7 -- Ao ter decidido de forma diversa da ora sustentada violou o douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal.

5ª.1 -- Estando-se perante concurso de infracções, impõe-se a determinação de uma pena única, de acordo com os critérios plasmados no artigo 77º, do Código Penal, sendo que o cúmulo material, in casu, correspondente à soma das penas parcelares, se situa entre o limite mínimo de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e o máximo de 7 (sete) anos de prisão -- critérios que, in casu, se traduzem na ponderação e apreciação da totalidade dos factos praticados, a natureza dos bens jurídicos violados, a sua motivação ou causa, bem como a personalidade do arguido revelada através dos mesmos.

5ª.2 -- Ponderando-se os factores enunciados, entende o Ministério Público que teria sido justo --- e será justo --- aplicar, por equitativas, em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, ao arguido A... a pena única de 6 (seis) anos prisão.

5ª.3 -- Ao ter decidido de forma diversa da ora sustentada pelo Ministério Público, violou o douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 40º, 70º, 71º e 77º, nºs. 1 e 2, todos do Código Penal.

E, ainda assim, sem no entanto conceder,

6ª.1 -- Mesmo que esse Venerando Tribunal venha a entender que a pena a aplicar ao arguido A... deva ser aquela na qual o Tribunal a quo o condenou --- 4 (quatro) anos de prisão --- ou outra que esse Venerando Tribunal entenda fixar até ao limite de 5 (cinco) anos prisão ---, sempre se dirá que tal pena não deverá ser objecto de suspensão na sua execução, por a isso se oporem, de forma premente, as exigências de prevenção, tal como justamente entendeu o Tribunal a quo.

6ª.2 -- A suspensão da execução da pena de prisão não é apenas facultativa, tratando-se antes, de um poder-dever dependendo dos pressupostos formais e materiais estipulados na lei.

6ª.3 -- É pressuposto formal da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão a circunstância de, em concreto, não ser aplicável ao agente pena de prisão superior a 5 (cinco) anos.

6ª.4 -- É pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão a verificação de um prognóstico favorável pelo Tribunal, relativamente ao comportamento da condenada, tendo em atenção a sua personalidade e as circunstâncias do facto, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para o afastar da criminalidade, satisfazendo, simultaneamente, as exigências de prevenção geral, ínsitas na finalidade da punição, previstas no artigo 40º, do Código Penal.

6ª.5 -- A Comunidade não compreenderia a opção desse Venerando Tribunal por uma eventual suspensão da execução da pena de prisão, caso decidisse condenar numa pena de prisão suspensa na sua execução quem, como arguido:

a) Pratica os factos provados, na sequência de uma discussão anterior;

b) Atira --- por seis vezes --- contra o veículo do ofendido;

c) Tem 2 (duas) condenações anteriores pela prática de crimes de detenção de arma proibida e, mesmo assim, continua a usar e deter outras armas e munições proibidas;

f) Pratica os factos de cuja prática agora vem condenado, no decurso do prazo de uma pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão cuja execução havia sido condenado, pela prática dos crimes de detenção de arma proibida e de tráfico de menor gravidade;

e) Na sua postura em audiência – da qual não se extraiu nenhum juízo de auto-censura e sentido crítico acerca dos facto, facto que inevitavelmente contribuiu para se perceber a forma como não atribuiu relevo aos seus actos, elemento indiciário do tipo de personalidade em presença.

6ª.6 -- A suspensão da execução de uma pena de prisão in casu desacreditaria as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.

6ª.7 -- Banalizar a suspensão da execução da pena de prisão nos casos crime de homicídio, ainda que tentado, redundaria num enfraquecimento da confiança da comunidade na validade das normas jurídicas que a prática do crime veio por em crise, não podendo os Tribunais ignorar que a violência desajustada e desproporcionada, como foi o, é sempre motivo de grande alarme social e de justificado receio em relação à segurança dos cidadãos.

6ª.8 -- Nesta conformidade, face às fortes exigências de prevenção geral, impõe-se que, caso sejam improcedentes as questões anteriormente suscitadas no presente recurso pelo Ministério Público, seja efectiva a pena de prisão na qual o arguido foi e/ou vier a ser condenado».


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O arguido formula as seguintes conclusões:

«1 - A conduta do recorrente não revela que tenha praticado tais actos do artigo 131.º e 22.º, n° 1 e 2, alíneas a), b), c) do CP, pelo que não revela especial censurabilidade ou perversidade, sendo ainda certo que o recorrente não actuou com surpresa nem praticou actos de execução.

2- Aliás é manifesto, não haver na factualidade dada como provada elementos suficientes para se concluir pela prática de um crime de um homicídio qualificado, pelo que se impõe concluir ter havido notória e errónea apreciação da prova, que de todo em todo convence através do depoimento da vítima (CD 13.02.2017, 9:39 inicio 00.33.50 das declarações do ofendido e já descrito e transcrito).

3- Na factualidade dada como provada resulta que o ofendido não se sentiu ameaçado nem havia para ele qualquer agressividade, o que existiu foi apenas uma troca de palavras, pois "virou-lhe as costas e foi buscar uma bebida" (6:04 declarações já transcritas do ofendido)

4- Num quadro de circunstancialismo que deveria ter sido devidamente equacionado e tido na vida conta pelo próprio tribunal, o que não aconteceu.

5- Sendo manifesta a existência dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, mormente insuficiência da matéria fáctica e erro notório na apreciação da mesma, há ainda a referir que o douto acórdão recorrido, violou o disposto nos artigos 131.º e 132.º.2, alínea g) e h) do CP, subsumindo erroneamente os factos a um homicídio tentado, quando essa factualidade projectava, uma absolvição sendo ainda certo ter havido também violação do artigo 71.1.2 do mesmo CP já que no quantum da pena não se atendeu devidamente aquele conjunto de circunstâncias que não fazendo parte do crime depõem a favor do agente.

Pelo que, a pena ajustada e mais legalmente correcta face a tudo o exposto e tendo em atenção todo o circunstancialismo será a de um ano e seis meses relativa à detenção de arma proibida, devendo o arguido ser absolvido da restante pena».


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Admitidos os recursos pelo despacho de fls. 627 e notificados os sujeitos processuais, nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, apenas veio o Ministério Público responder ao recurso interposto pelo arguido, sustentando, em síntese, que o recurso do arguido deve ser rejeitado por manifestamente improcedente ou quando assim se não entender, deve ser negado provimento, por o acórdão recorrido não sofrer dos vícios apontados, designadamente erro notório na apreciação ad prova.

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Nesta instância, os autos tiveram vista da Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, a qual, emitiu douto parecer no mesmo sentido da motivação de recurso do Ministério Público em 1.ª instância, de que o arguido deveria ter sido condenado pelo crime de homicídio simples, tentado, p. e p. pelo art. 131.º e 22.º, al. a), b) e c), do CP, agravado pelo uso da arma de fogo, nos termos previstos no art. 86.º, n.º 3 e 4, da Lei 5/2006, de 23/2, tratando-se de uma alteração não substancial dos factos, nos termos do art. 358.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, incorrendo o acórdão na nulidade do art. 379.º, n.º1, al. b) e c), do CPP, que importa suprir.

Em seu entender o arguido tomou conhecimento da alteração da qualificação jurídica dos afctos para os efeitos do art. 358.º, do CPP, com a notificação do recurso.

Conclui assim que deve ser dado provimento ao recurso do Ministério Público.

Quanto ao recurso do arguido conclui que deve ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento e no mais ser julgado improcedente.


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Tendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não respondeu.

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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.

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Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação:

A) Factos provados.

1).- No dia 8 de Novembro de 2014, cerca das 16 horas, D... esteve no café (...) , sito em (...) , na companhia de um amigo de nome K....

2).- Quando lá chegou encontrou um primo de nome E... acompanhado do arguido A... e de outras pessoas.

3).- Nesse dia, D... teve um desentendimento com o arguido A... relacionado com a pronúncia que este tem, dado que é indivíduo de etnia cigana.

4).- D... aproximou-se da mesa onde os indivíduos estavam sentados e cumprimentou o E... , tratando-o por primo.

5).- De seguida dirigiu-se ao arguido A... , esticou-lhe a mão e em tom de brincadeira, tentando imitar a linguagem e entoação dada pelos indivíduos de etnia cigana, disse-lhe “ai primo, como estás?”

6).- Nessa sequência o arguido A... respondeu-lhe “Ai que vou-te meter o fogo á tua casa”, circunstância em que, pensando D... que o mesmo estava a brincar, retirou um isqueiro que guardava no bolso e em gesto de brincadeira disse-lhe “toma lá o isqueiro para incendiares a casa”, tendo A... respondido: “olha que eu vou para tua casa com a minha família”, ao que D... lhe respondeu “antes de ires para lá com toda a tua família, manda primeiro a tua mulher e as tuas filhas.”

7).- E acto contínuo virou-lhe as costas, tomando a direcção do balcão.

8).- Assim que voltou as costas para o A... , D... apercebeu-se algo atrás de si,

9).- Olhou para trás, circunstância em que se deparou com o A... já junto de si.

10).- O A... meteu a mão no bolso de trás das calças e uma navalha com 7 cm de lâmina que empunhou e com a qual o tentou atingir.

11).- Com o objectivo de se defender, D... pegou numa cadeira, circunstância em que foram separados por alguns clientes que estavam no estabelecimento, acabando por abandonar de imediato aquele local.

12).- Nesse dia, pelas 21 horas, D... voltou ao café, onde viu o Renault 19 conduzido pelo A... passar pelo local.

13).- Decidiu então sair do café, para não se voltar a cruzar com A... , fazendo-se transportar no veículo de matrícula (...) na direcção oposta à que A... tinha tomado.

14).- Quando circulava numa estrada secundária, em terra batida, sem iluminação e ladeada de mata, denominada de Rua do S. Jorge, apercebeu-se de uma viatura a circular na sua rectaguarda, a uma distância de aproximadamente 20/25 metros de si, não associando naquele momento a referida viatura ao A... , realçando que naquele local as condições de luminosidade são fracas e já era escuro, pelo que não conseguiu vislumbrar de que viatura se tratava.

15).- A certa altura, sem que nada o fizesse prever, apercebeu-se de vários estrondos, não associando de imediato a disparos de arma de fogo, mas apercebeu-se que o vidro traseiro da viatura estava partido, ocasião em que compreendeu que os estrondos haviam sido disparos de arma de fogo.

16).- Perante aquela situação, acelerou a viatura, sendo que quando entrou na povoação de São Jorge reparou que essa viatura ainda ia no seu encalço.

17).- Assim que entrou na povoação de S. Jorge e uma vez naquele local haver iluminação exterior, e o D... ter de afrouxar em virtude da passagem do comboio, conseguiu vislumbrar que a viatura que o perseguia era um Renault 19, cinzento.

18).- O arguido A... , do interior do Renault 19 fez seis disparos com arma de fogo de calibre 7,65 mm Browning que atingiram a viatura do D... , sendo que uma das balas trespassou o vidro traseiro e embateu na pega lateral junto ao lugar do condutor. - cf perícia de fls 75 a 78.

19).- No dia 16 de Julho de 2015, pelas 7h00, A... guardava no quarto onde por vezes pernoita e é residência dos filhos H... , I... e J... e da arguida B... , sita na Rua J... :

a).- No bolso direito exterior de um casaco de homem, (seu casaco já que não há outros homens naquela casa) pendurado numa cadeira, um saco plástico branco, contendo no seu interior uma pistola da marca Walther, modelo P22, calibre .22LR, com o número de série apagado e carregador inserido contendo 5 munições de calibre, .22 Long Rifle e uma munição na câmara do mesmo calibre.

b).- No mesmo saco encontrava-se ainda outro carregador municiado com seis munições de calibre .22 Long Rifle e uma caixa de munições, da marca WINCHESTER, calibre .22 Long Rifle, contendo no seu interior quarenta e cinco munições. - cf auto de apreensão de fls 138 e 139.

c).- No mesmo dia, o arguido guardava na sua viatura de matrícula (...) , da marca Ford, modelo Transit, debaixo do banco do passageiro, uma barra/objecto artesanal, em madeira, revestida com fita preta. - cf auto de busca e apreensão de fls 139 e 150.

20).- A arma que o arguido detinha trata-se de:

Uma pistola semi-automática de percussão anelar, da marca "Walther", modelo "P22" de calibre ".22 Long Rifle", que se encontra modificada em virtude do número de série ter sido rasurado; - cf auto de exame de fls 155.

21).- A arma de fogo apresenta um comprimento total de 200mm, 115mm de altura e 30mm de largura, exibindo do lado direito, na corrediça, em metal de cor cinzento escuro, as designações; "F", "S" (na patilha de comutação, fogo/segurança), "H004257", "P22" e "WALTHER"; - cf auto de exame de fls 155.

22).- Do mesmo lado, mas na carcaça/corpo da arma de fabrico em material sintético (polímero plástico de cor preta), as referências; "Nº (rasurado)", "Warning Read Safty Manual", "F", "S", "WALTHER".; - cf auto de exame de fls 155.

23).- Do lado esquerdo, na corrediça "F", "S", "Carl Walther Ulm/DO" "Made in Germany", "P22", "WALTHER". Na carcaça/corpo da arma, "WALTHER"; - cf auto de exame de fls 155.

24).- O cano, com 5 polegadas de comprimento, (cerca de 128mm), possui do lado direito, parte exterior da câmara, coincidente com a janela de ejeção, dois "punções" e as referências "AC" e "cal. .22lr" - cf auto de exame de fls 155.

25).- A arma possui operacionais todos os mecanismos que permitem efectuar disparos de munições de calibre ".22 LR", sendo para o efeito necessário introduzir carregador compatível. - cf auto de exame de fls 155.

26).- Os dois carregadores de construção metálica, vazios, da marca "Walther", próprios para arma "P22" são de fabrico alemão, com capacidade para albergar cada um, dez (10) munições de calibre ".22LR", sendo um do modelo "265 93 44 - A", sem extensor na base e o outro do modelo "265 93 44", com o referido extensor. - cf auto de exame de fls 155.

27).- As doze munições avulsas no calibre ".22LR" (percussão anelar) com projétil maciço em chumbo de formato ogival, sendo que oito (08), possuem na base a inscrição "E" e as restantes o desenho de um "X" possuindo a meio deste a inscição "SUPER". - cf auto de exame de fls 155.

28).- A caixa de cartão da marca "Winchester", calibre ".22 Long Rifle" "Subsonic Hollow Point", com o peso de projectil de "40 grains" e alcance máximo de 2,5Km, tendo no interior um contentor plástico com capacidade para albergar cinquenta munições do referido calibre, sendo que apenas quarenta e cinco (45) estão preenchidos com munições no citado calibre. - cf auto de exame de fls 155.

29).- Das referidas munições, quarenta e quatro (44), possuem na base o desenho de um "X" e no meio deste a inscrição "SUPER" e a restante a letra "A". Destas, vinte e nove (29) possuem projecteis ogivais, "Hallow Point" (pequena cavidade na ponta de chumbo) e as restantes dezasseis (16), com projectil de formato ogival, maciço. - cf auto de exame de fls 155.

30).- O bastão improvisado que o arguido guardava no veículo não tem aplicação definida, é construído em madeira com 545mm de comprimento, com diâmetro aproximado de 35mm, apresenta um orifício transversal na base através do qual passa uma tira de cabedal, própria para colocar à volta do pulso do utilizador para melhor sustentação do objecto, sendo que a madeira foi envolta por fita isoladora de cor preta que se encontra deteriorada e permite observar que a madeira está pintada em tons vermelhos, destinando-se apenas a ser usado como arma de agressão. - cf auto de exame de fls 155.

31).- A arma de fogo é curta, modificada, de funcionamento semiautomático, designada por pistola, conforme art. 2º, nº 1, al. p), q), v), ae), az), classificada como sendo da Classe "A", conforme art. 3º, nº 1 e nº 2, al. L). - cf auto de exame de fls 155.

32).- Igual classificação recai sobre os dois carregadores por estarem associados à arma ora classificada como pertencendo à Classe "A”. - cf auto de exame de fls 155.

33).- As munições, todas de calibre .22LR de percussão anelar, são classificadas segundo o art. 3º nº 1 e nº 5, al. e), como pertencendo à Classe "C”. - cf auto de exame de fls 155.

34).- O bastão improvisado, examinado no ponto (4), segundo o art. 3º nº 1 e nº 2, al. g), é classificado como pertencendo à Classe "A". - cf auto de exame de fls 155.

35).- A... não é detentor de qualquer Licença de Uso e Porte de Arma (LUPA), constando no entanto manifestadas em seu nome uma espingarda, calibre 12, da marca “TECNI-MEC”, com o n.º 115690, Livrete n.º M11125, desde 16/09/1997 e uma espingarda, calibre 12, da marca “F.I.A.S.”, com o n.º 77288, Livrete n.º G (...) , desde 20/11/1995. - cf fls 126.

36).- Tendo o mesmo requerido a renovação da LUPA D, na PSP de Alcobaça, esse pedido foi-lhe indeferido, aguardando-se que se cumpram os prazos legais para eventual recurso hierárquico e/ou contencioso, uma vez que a arma com o Livrete G (...) , se encontra apreendida. - cf fls 126.

37).- O arguido agiu com o propósito de tirar a vida a D... , resultado com o qual se conformou pois nada fez após ter perpetrado tal acção, encetando a fuga, por forma a eximir-se à acção da Justiça.

38).- O arguido agiu de forma premeditada, tendo esperado que o ofendido abandonasse a localidade de A(...) para atentar contra a vida dele, aguardando que o mesmo ficasse sozinho, para o surpreender.

39).- O arguido premeditou, preparou de forma cuidadosa e calculista o modo de pôr termo à vida do ofendido como o fez sem dificuldades nem impedimentos por parte de quem quer que fosse aproveitando-se do facto de o ofendido circular sozinho numa estrada em terra batida, sem iluminação e com pouco movimento, para o atacar, fazendo-o com recurso a uma arma de fogo, de calibre 7,65mm, que detinha na sua posse e esfera de disponibilidade, não tendo ocorrido a morte de D... por factos alheios à sua vontade, concretamente por aquele ter logrado fugir e porque o arguido não logrou atingi-lo, como era sua vontade, dado que ambos os veículos se encontravam em andamento, em estrada de terra batida e sem iluminação.

40).- O arguido A... bem sabia que não lhe era permitido deter a arma, sabendo ainda o arguido A... que não lhe era permitido deter os carregadores, munições e o bastão.

41).- Agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.

42).- A arguida B... é delinquente primária. - RC de fls 465.

43).- O arguido A... já foi condenado no âmbito processo sumário nº 707/03.0GAMMV do Tribunal de Montemor-o-Velho por factos integradores de um crime de condução de veículo em estado de embriagues, factos de 12.11.2003, tendo sido condenado em multa que pagou; no âmbito processo sumário nº 163/05.9GAACB do 2º Juízo do Tribunal de Alcobaça, por factos integradores de um crime de condução de veículo em estado de embriagues, factos de 6.4.2005 tendo sido condenado em multa e inibição de conduzir que pagou; no âmbito processo abreviado nº 388/05.7GTLRA do 2º Juízo do Tribunal de Alcobaça, por factos integradores de um crime de violação de proibições ou interdições, factos de 6.9.2005 tendo sido condenado em multa; no âmbito processo abreviado nº 105/08.0GTLRA do 2º Juízo do Tribunal de Porto de Mós, por factos integradores de um crime de condução de veículo em estado de embriagues, factos de 26.3.2008 tendo sido condenado em multa e inibição de conduzir que pagou; no âmbito PCS nº 428/09.0PCLRA do 2º Juízo do Tribunal de Leiria, por factos integradores de um crime de detenção de arma proibida, factos de 27.5.2009 tendo sido condenado em multa que pagou; no âmbito PCC nº 411/10.3JALRA do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Leiria, por factos integradores de um crime de detenção de arma proibida e tráfico de estupefacientes factos de 9.9.2011 tendo sido condenado em 3 anos e 6 meses de prisão, pena suspensa com regime de prova; no âmbito processo sumário nº 117/14.4PBLRA do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Leiria, por factos integradores de um crime de desobediência, factos de 11.2.2014 tendo sido condenado em 6 meses de prisão, pena suspensa por um ano e extinta pelo decurso do tempo em 24.3.2015. - cf rc de fls 467 e ss.

44).- Do relatório social referente ao arguido A... extrai-se que: - cf fls 505.

a).- O arguido A... é oriundo de uma família numerosa (9 irmãos) de etnia cigana, cujos pais se dedicavam à venda de roupas em feiras e mercados. Com 7 anos de idade, com a família de origem, fixaram-se na zona da Figueira da Foz, onde se realizou um favorável processo de sedentarização e integração na comunidade cigana e na generalidade do tecido social local, mas sempre na observância e respeito pelos valores e costumes próprios da etnia a que pertence.

b).- A... refere-se à educação parentar como tendo sido algo conservadora, no que se refere à autonomia pessoal, manifestando que as dificuldades económicas sentidas no seio familiar e o horário a que estava sujeito na actividade que desenvolvia junto dos pais, que não permitiam que ele mesmo com 18 anos de idade pudesse ter momentos de lazer com os amigos.

c).- A nível escolar, tem a 4ª classe. A frequência escolar foi pouco investida e aos 12 anos de idade abandonou a escola para acompanhar e ajudar os progenitores na actividade profissional que estes desenvolviam.

d).- Aos 27 anos de idade casou segundo os rituais ciganos com a mãe dos seus três filhos, tendo fixado residência junto da família desta na Figueira da Foz.

e).- A... teve o seu primeiro contacto com o aparelho da Justiça em 2003 e desde então já sofreu diversas condenações por crimes estradais (condução de veículo em estado de embriagues) em penas pecuniárias que cumpriu com o apoio económico dos progenitores e outros familiares. Em 2009 também foi condenado em idêntica pena pelo crime de detenção de arma proibida.

f).- A... , de 44 anos, na entrevista realizada a 19 de Janeiro referiu que residia com a companheira e os três filhos, com idades de 16, 14 e 8 anos de idade em casa da sogra. A habitação é camarária, pertence à Empresa Municipal da “ (...) ”, ajudando nas despesas mensais. Em articulação com a Técnica responsável pelo relatório da co-arguida, foi adquirida a informação de que A... não fazia parte do seu agregado familiar e que se encontra separado da companheira há cerca de 5 anos, no entanto o arguido visita com alguma regularidade os filhos e procura contribuir para a educação dos mesmos.

g).- Perante esta informação contactou-se o arguido, que quando confrontado com as informações acabou por admitir estar separado da sua companheira há cerca de 5 anos, sendo a sua residência na Rua (...) .

h).- Os filhos do arguido encontram-se inseridos em estabelecimentos de ensino, estando as filhas mais velhas a estudar no (...) e o mais novo na Escola da (...) .

i).- O arguido ao nível profissional, encontra-se desempregado, no entanto, verbalizou que continua a dedicar-se à venda ambulante de roupa e costuma realizar, através de Empresas de Trabalho Temporário, trabalhos nas Empresas (...) ou (...) e de forma pontual trabalhos indiferenciados, nomeadamente, limpeza de mato e corte de madeiras.

j).- Em termos económicos o arguido requereu duas vezes a prestação pecuniária de Rendimento Social de Inserção, que foi indeferido, uma vez que este declarou fazer alguns trabalhos auferindo cerca de 300 €.

l).- No meio social onde se encontra inserido, não foi possível recolher informações por não conhecerem o arguido. Não lhe são conhecidos comportamentos desajustados ou adições.

m).- No que concerne à conduta social de A... , solicitou-se junto da PSP da Figueira da Foz, PSP de Pombal e GNR da Guia – Pombal, informações sobre eventuais novas participações policiais, tendo sido dada a indicação de não existirem ocorrências em nome do arguido.

n).- A... revela preocupação com o presente processo judicial, mas não refere qualquer impacto negativo do mesmo na sua vida pessoal, familiar, profissional ou no relacionamento familiar.

o).- Embora não se reveja nos factos que o implicam na acusação, caso venha a ser condenado, o arguido referiu que irá cumprir com o estipulado pelo Tribunal.

45).- Do relatório social referente a arguida B... extrai-se que: - cf fls 500.

a).- A arguida é natural de (...) , é filha de um casal de etnia cigana e tem mais 4 irmãos. Os pais mantinham actividade de vendedores ambulantes e tinham um modo de vida nómada como era usual na altura. B... nunca frequentou a escola, já que a frequência escolar não era valorizada junto dos elementos femininos, pelo que não sabe ler nem escrever, situação que lamenta.

b).- Com 16/17 anos veio para a Figueira da Foz tendo casado de acordo com os costumes próprios da etnia a que pertence. Foi mãe aos 20 anos e segundo o referido viveu pouco tempo com o companheiro, e após a separação integrou o sistema familiar de origem, vivendo com os pais na zona de Santarém.

c).- Terão sido estes elementos que, de acordo com o transmitido pela arguida, a terão ajudado no processo educativo da filha, mas salienta que sempre trabalhou e se manteve profissionalmente integrada. A filha frequentou a escola em Santarém, tendo concluído o 5º ano de escolaridade após o que desistiu dos estudos.

d).- Com a morte dos progenitores a arguida regressa à Figueira da Foz, onde fixou residência.

e).- B... reside actualmente com a filha, C... de 44 anos de idade, fazendo também parte do agregado os 3 netos, de 16, 14 e 8 anos. As mais velhas frequentam a Escola (...) na localidade do (...) e o mais novo a escola básica da (...) .

f).- A arguida viveu inicialmente em apartamento de tipologia T4, já que tinha na sua companhia as netas mais velhas. A filha vivia em Leiria com o companheiro, A... e o filho mais novo do casal. Quando as menores foram para a companhia dos progenitores, à arguida foi atribuída uma outra casa de tipologia T2, também pertencente à Empresa Municipal de Habitação “ (...) s” e inserida em bairro social na localidade da (...) . A renda de casa é simbólica.

g).- A filha de B... ter-se-á separado do companheiro há cerca de 5 anos e desde essa altura que se encontra a viver com a mãe.

h).- O agregado sobrevive da pensão de invalidez da arguida, que ronda os 300,00 €  tendo também como fonte de rendimento o abono dos 3 netos. De acordo com o referido por B... , o pai dos menores e seu co-arguido no presente processo procura apoiar dentro das suas possibilidades e mantém-se atento em relação ao processo educativo dos filhos, que visita com alguma regularidade.

i).- No meio social as referências sobre a arguida são positivas. A sua imagem surge associada a indicadores de integração e registo de funcionamento normativo.

j).- Quanto aos factos em apreciação no presente processo e respectivo impacto, a arguida remeteu-se ao silêncio, salientando apenas a ausência de contacto prévio com instâncias judiciais.

l).- B... apresenta um percurso de vida normativo e sem indicadores dignos de registo. Separada desde muito cedo do pai da filha, assumiu o processo educativo desta última, primeiro com o apoio dos seus pais e mais tarde de forma autónoma.

m).- A viver há muito tempo na Figueira da Foz, a nível social os indicadores são de integração, relacionando-se de forma adequada com os outros. Tem uma imagem positiva, discreta e dissociada de indicadores de risco.

B) Factos não provados:

-não se provou que no interior do café o A... tenha tentado desferir um murro no D... e que este se tenha desviado;

- não se provou que o A... tenha usado uma faca, mas sim uma navalha com lâmina de inox com 7 cm de comprimento examinada a fls 140,  quando se encontrava no interior do café;

- não se provou que o D... arremessou a cadeira na direcção do A... e o tenha atingido

- não se provou que o D... quando em S. Jorge afrouxou perante a passagem do comboio, se tivesse apercebido que se tratava do arguido A... ;

- não se provou que a pistola Walther tenha sido guardada naquele local (bolso de um casaco de homem) pela arguida B... , que a disponibilizou ao arguido, sabendo que não era detentora de licença de uso e porte de arma.

C) Fundamentação dos factos provados e não provados:

os factos acima provados tiveram por fundamento os seguintes meios de prova, declarações do arguido A... , disse que se encontrava no exterior do café (...) a vender meias e t shirts, apareceu o ofendido D... , conversaram por causa da ocupação de uma casa, ao D... terá dito “primeiro manda as tuas filhas para o pé de mim que eu trato delas”; desentenderam-se e acabaram por ir embora os dois; disse que estes factos ocorreram pelas 16 horas; quando chegou a casa contou ao irmão que lhe disse para esquecer isso; disse que na contenda que teve com o D... lhe mostrou a navalha que foi examinada a fls 140; o ofendido D... reportou a data dos factos, 5 ou 6 dias depois da ter feito a participação de fls 3; foi ao café (...) onde também se encontrava o arguido A... ; cumprimentou o A... com a saudação “como estás primo” isto porque antes cumprimentara o E... que de facto é seu primo; ao que o A... respondeu que ia “meter fogo na sua casa”; o D... exibiu-lhe um isqueiro para o A... fazer o que dizia; falaram em ocupar a casa ao que o D... disse para o A... “primeiro mandar a mulher e as filhas”; o D... entrou para dentro do café e sentiu algo de anormal atrás de si, desviou-se e viu o A... a retirar do bolso uma “faca” com uma lâmina de 20 cm, estavam a cerca de 1,5 metros um do outro; pegou numa cadeira para se proteger; voltou ao café pelas 21 horas e viu o Renault 19 do A... e este a deambular de um lado para o outro em frente ao café; o D... saiu do café e foi-se embora na direcção de S. Jorge, é perseguido pelo Renault 19 cinzento e deste veículo saem 6 tiros que atingem o seu carro; a testemunha E... disse que estava no café com um grupo de amigos, chegou o D... , ouviu este a dizer “para mandar a mulher e as filhas para casa dele”; viu o D... com uma cadeira na mão; o A... tirou a cadeira da mão do D... ; separou os dois contendores ( D... e A... ); porque estas declarações estavam em total oposição ao que havia dito no inquérito a fls 158 pelo DM do MP foi pedida a leitura destas pedido que não foi atendido pelo Tribunal face à oposição declarada pelo arguido A... ; as declarações da testemunha E... não mereceram credibilidade; a testemunha F... estava dentro do café e nada presenciou; a testemunha G... , esteve no café e viu o D... e o A... que se confrontaram fisicamente, foram separados pelas pessoas que aí estavam; foi para o interior do café e nada mais viu; disse que entre o A... e o D... a conversa versava sobre a “mulher e as filhas”; viu o D... com uma cadeira na mão; sabe que o A... tem um Renault 19; a testemunha L... disse que foi proprietário de uma pistola “Walther” e que a vendeu a um indivíduo de nome M... que entretanto faleceu.

 A arguida B... remeteu-se ao silêncio.

Apreciação crítica da prova: arguido e ofendido coincidem no que disseram relativamente ao seu primeiro encontro no café (...) pelas 16 horas, e pelo “azedar da conversa” quando o D... disse para o arguido “mandar primeiro a mulher e as filhas” o que pressupunha um encontro a sós destas com o D... ; nem o arguido nem o ofendido disseram que no interior do café o arguido tenha tentado desferir um murro no D... e que este se tenha desviado; mereceu credibilidade o depoimento do ofendido quando disse que foi para o interior do café e o arguido dele se aproximou retirando do bolso uma faca (que não era faca mas navalha), acção que o arguido confirmou dizendo que lhe mostrou a navalha apreendida a fls 140; os dois envolveram-se em contenda que foi vista pelas testemunhas; não se provou que o A... tenha sido atingido pela cadeira que o D... segurava, porque se o fosse, atendendo à qualidade do objecto (uma cadeira) muito provavelmente resultariam lesões físicas que não foram declaradas nem observadas; apesar de o arguido A... ter omitido o encontro entre os dois pelas 21 horas, o Tribunal dá credibilidade ao que disse o D... , que o mesmo ocorreu; os disparos no veículo do D... aconteceram tal como ele o disse e o relatório de fls 43 a 68 e as fotografias de que o mesmo se compõe disso dão prova; o D... é proprietário do veículo LM (...) como ele o declarou e o doc de fls 35 o confirma; o arguido A... é proprietário do veículo Renault modelo 19 de cor cinzenta matrícula x(...) como ele próprio o declarou (apenas se enganou no F dizendo P) e o doc de fls 132 o confirma. A perseguição ao D... que ocorreu após as 21 horas, foi feita por um Renault 19 de cor cinzenta, o arguido tem um veículo com estas características, circula nele com frequência como o disseram as testemunhas; aconteceu uma contenda entre os dois pelas 16 horas desse dia que ficou mal resolvida, a perseguição ao D... foi feita pelo arguido, pese embora o D... o não tenha de todo reconhecido e os disparos vieram do Renault 19 como o D... o declarou e conclui o Tribunal que foram feitos pelo arguido A... .

Esta conclusão que o Tribunal retira dos factos ocorridos após as 21 horas, resulta de prova indirecta mas não proibida por lei. Na verdade o artº 127 do CPP diz que “ a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

Há uma pluralidade de factos base: uma contenda pelas 16 horas entre o arguido e o ofendido mal resolvida; o local desta contenda; a propriedade do veículo Renault 19, que é do arguido A... ; o uso e condução habitual do mesmo é feita pelo A... ; a perseguição que é feita ao ofendido é por um Renault 19; os projécteis que atingiram o veículo do D... foram disparados do interior de um Renault 19; não foi alegada qualquer contenda entre o D... e outra pessoa, proprietária ou usual condutora de um Renault 19 cinzento; esta pluralidade de factos permite com toda a certeza dizer que o autor dos disparos é o arguido A... ».


*

II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

QUSTÔES A DECIDIR:

I-Recurso do arguido

a) Apreciar a impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.

b) Apreciar se existe insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova.

c) Medida da pena


*

II-Recurso do Ministério Público

a) Enquadramento jurídico-penal dos factos: apreciar se os factos devem ser subsumidos ao crime de homicídio na forma tentada, agravado pelo uso da arma de fogo, p. e p. pelos art. 22.º, 23.º, 72.º, 73.º e 131, do CP e art. 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei 5/2006, de 23/2.

b) Apreciar se a pena pelo crime de homicídio tentado, deve ser fixada em 6 anos de prisão.


***

APRECIANDO:

I-Recurso do arguido

a) Da impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.

O arguido pretende impugnar a matéria de facto, através da impugnação ampla, com base em erro de julgamento, o que faz sem uma referência ao art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP sem satisfazer aos requisitos mínimos ali previstos.

O arguido não impugna factos concretos.

Apenas reproduz parcialmente o depoimento do ofendido D... , conforme consta de fls. 608 e 609.

Apenas nega todos os factos que lhe são imputados. 

Diz concretamente que a sua conduta não revela que tenha praticado os actos susceptíveis de integrarem o crime de homicídio tentado previsto no art. 131.º e 22.º, n° 1 e 2, al. a), b), c) do CP, não tendo praticado quaisquer actos de execução.

Por outro lado é manifesta a confusão do recorrente entre impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento e entre erro notório na apreciação da prova.

É o que se conclui das conclusões 2.ª, 3.ª e 5.ª quando afirma:

«2- Aliás é manifesto, não haver na factualidade dada como provada elementos suficientes para se concluir pela prática de um crime de um homicídio qualificado, pelo que se impõe concluir ter havido notória e errónea apreciação da prova, que de todo em todo convence através do depoimento da vítima (CD 13.02.2017, 9:39 inicio 00.33.50 das declarações do ofendido e já descrito e transcrito).

3- Na factualidade dada como provada resulta que o ofendido não se sentiu ameaçado nem havia para ele qualquer agressividade, o que existiu foi apenas uma troca de palavras, pois "virou-lhe as costas e foi buscar uma bebida" (6:04 declarações já transcritas do ofendido)».

(…)

5- Sendo manifesta a existência dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, mormente insuficiência da matéria fáctica e erro notório na apreciação da mesma, há ainda a referir que o douto acórdão recorrido, violou o disposto nos artigos 131.º e 132.º.2, alínea g) e h) do CP, subsumindo erroneamente os factos a um homicídio tentado, quando essa factualidade projectava…».

E para por em causa a matéria de facto, limita-se a proceder à apreciação que faz do depoimento do ofendido que serviu para o tribunal motivar a sua convicção.

Porém, não indica as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Quando a lei fala em concretas provas, não pretende referir-se aos depoimentos na sua generalidade produzidos de determinadas pessoas e a diferente valoração que deve ser feita pelo tribunal de recurso, segundo a perspectiva do recorrente.

Nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPP a motivação deve especificar os fundamentos do recurso, devendo terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, devendo ainda obedecer às prescrições dos n.ºs 2 a 5.

Em bom rigor o art. 412.º, n.º 3, do CPP impõe o seguinte:

«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devam ser renovadas».

Formal e substancialmente o recorrente não cumpre minimamente as exigências legais de impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.

O recorrente limita-se a negar os factos e consequentemente o crime pelo qual é acusado, designadamente que não perseguiu de automóvel o ofendido e que não disparou sobre ele.

Por outro lado, quanto às provas concretas apenas faz a apreciação do depoimento da vítima enquanto os factos se passaram no café, o que obviamente não aponta no sentido diferente da decisão diversa da recorrida.

Obviamente que o tribunal deve apreciar de forma crítica todos os elementos probatórios e não atentar ao depoimento parcial do ofendido.

Nos termos do art. 412.º, n.º 4, do CPP, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações da al. b), devem ser feitas por referência ao consignado em acta, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

Ora, no caso dos autos, o recorrente impugnou a matéria de facto, com base em erro de julgamento, não indicando as concretas passagens em que funda a impugnação, mas transcrevendo parte do depoimento do ofendido D... , quanto ao que se passou no café, para comprovar apenas que este não receou que fosse agredido, pois até lhe virou as costas, limitando-se a indicar a sua versão que devia consta da matéria de facto, quanto a este ponto.

Esta não é a forma de impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento.

Como já atrás referimos, na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.º 3, al. a) e b), do CPP, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Não basta impugnar a matéria de faco com base em erro de julgamento de um aforma genérica e apontar o sentido que deve ser dado à prova.

Assim, no caso concreto dos autos, quando se pretenda a reapreciação das provas indicadas, produzidas oralmente, de acordo com o disposto no art. 412.º, n.º 4, do CPP, quando estas provas tenham sido gravadas, as especificações previstas na al. b), do n.º 3, fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do art. 364.º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação, relativamente aos factos que pretende impugnar.  

A impugnação da matéria de facto não se pode tornar numa repetição do julgamento da 1.ª instância, sob pena dos tribunais superiores deixarem de cumprir o que legalmente lhe está atribuído, que é julgar em sede de recurso, isto é, limitar-se a corrigir cirurgicamente o que estiver errado.

Ora, a reapreciação da prova, por erro de julgamento, é ouvir as pessoas nas passagens concretas do seu depoimento, em que no entender do recorrente está inquinado, para saber se disseram ou não o que se mostra vertido na decisão da matéria de facto e não se destina a apurar uma interpretação diferente do tribunal a quo.

Lembramos que para se alterar a matéria de faco com base em erro de julgamento, os depoimentos indicados têm que “impor decisão diversa da recorrida”, conforme se exige no art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, não deixando alternativa ao julgador.

Se a testemunha diz que é “branco” o juiz não pode dar como provado que é “preto”.

O juiz enganou-se e não há outra solução que alterar aquele facto concreto, de acordo com a versão objectivamente transmitida pelos elementos probatórios.

No caso dos autos, como já atrás referimos, o recorrente limita-se a negar os factos depois do desentendimento que se havia passado o café e não cumpriu os requisitos de art. 412.º, n.º 4, do CPP, o que nos leva a rejeitar a impugnação pretendida e apenas conhecer da mesma pela via dos vícios do art. 410.º, n.º 2, ou convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões formuladas (art. 417.º, n.º 3)., sendo certo que o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art. 417.º, n.º 4).

Sobre esta questão se pronunciou de forma bem clara o Ac. do STJ de 19/5/2010 – Proc. 696/05.7TAVCD.S1, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins, www.dgsi.pt/jstj, de cujo douto aresto transcrevemos parte do sumário:

«(…)

IV - Versando o recurso matéria de facto, deve ser estruturado nos termos definidos pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP: as indicações aqui exigidas são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto.

V - É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto.

VI - A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto não se destina a assegurar a realização de um novo julgamento, de um melhor julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância.

VII - O uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.

VIII - O convite ao aperfeiçoamento pressupõe que não se esteja perante uma deficiência substancial da própria motivação, que necessariamente se reflectirá em deficiência substancial das conclusões.

IX - Não se estando perante deficiências relativas apenas à formulação das conclusões mas perante deficiências substanciais da própria motivação, o princípio constitucional do direito ao recurso em matéria penal não implica que ao recorrente seja facultada oportunidade para aperfeiçoar em termos substanciais a motivação do recurso quanto à matéria de facto.

X - Tal equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso, o que o legislador reconheceu ao estatuir que o aperfeiçoamento das conclusões, na sequência do convite formulado nos termos do n.º 3 do art. 417.º d CPP, não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (n.º 4 da norma)»

No mesmo sentido se vem pronunciando a jurisprudência dos Tribunais de Relação, citando a título de exemplo o Ac. do TRC de 20720/2008 – Proc. 1121/03.3TACBR.C1, relatado pelo Ex.mo Desembargador Jorge Gonçalves, disponível in www.trc.pt/index. Também assim vimos decidindo, conforme Ac. do TRC de 9/1/2017 – Proc. 182/13.1JACBR.C1, in www.trc.pt/index e www.dgsi.pt/jtrc.  

Face ao exposto rejeita-se a impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.


*

b) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova.

O arguido ataca ainda a matéria de facto na generalidade, sustentando que o acórdão recorrido sofre dos vícios de insuficiência da matéria fáctica e erro notório na apreciação da mesma, previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.

Quanto ao vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP) o arguido limita-se a dizer “não haver factualidade dada como provada elementos suficientes para se concluir pela prática de um crime de homicídio qualificado, pelo que se impõe concluir ter havido notória e errónea apreciação da prova que de todo em todo se conclui através do depoimento da vítima”.

Salvo o devido respeito as razões apontadas na motivação e nas conclusões não configuram manifestamente aquele vício.

O arguido foi condenado por homicídio simples tentado e não homicídio qualificado.

Pensamos que o arguido teve em vista na motivação de recurso, responder ao recurso do Ministério Público que recorre com o fundamento do crime ser qualificado, pelo uso de arma de fogo.

Estamos perante insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando há factos importantes para a decisão que ficaram por apurar e que eventualmente poderão implicar alteração da decisão ou os factos dados como assentes, por insuficientes, não permitem a decisão de condenação.

É nisto que se traduz, em palavras simples, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.410.º, n.º 2, al. a) do CPP.

 Resulta do art. 339.º, n.º 4, do CPP que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe assim se houver omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre aqueles factos e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento nos termos constantes na decisão.

Admite-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal “a quo” através dos meios de prova disponíveis, apreciados de forma crítica e segundos os princípios da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, seriam dados como provados, determinando uma alteração da qualificação jurídica da matéria de facto, ou da medida da pena ou de ambas – Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, 2.ª Ed., pág. 737 a 739.

Do acórdão, a este respeito, consta provada a seguinte matéria de facto provada:

«15).- A certa altura, sem que nada o fizesse prever, apercebeu-se de vários estrondos, não associando de imediato a disparos de arma de fogo, mas apercebeu-se que o vidro traseiro da viatura estava partido, ocasião em que compreendeu que os estrondos haviam sido disparos de arma de fogo.

(…)

18).- O arguido A... , do interior do Renault 19 fez seis disparos com arma de fogo de calibre 7,65 mm Browning que atingiram a viatura do D... , sendo que uma das balas trespassou o vidro traseiro e embateu na pega lateral junto ao lugar do condutor. - cf perícia de fls 75 a 78».

Do acórdão consta que o arguido perseguiu de automóvel o ofendido D... , que seguia à sua frente também de automóvel, disparando seis disparos com arma de fogo de calibre 7,65 mm Browning que atingiram a viatura do D... , sendo que uma das balas trespassou o vidro traseiro e embateu na pega lateral junto ao lugar do condutor.

A matéria de facto consta dada como provada no acórdão.

Ora, o que se discute nos autos, conforme questão suscitada no recurso do Ministério Público é se a matéria de facto consubstancia um crime de homicídio simples tentado ou um crime de homicídio qualificado tentado, cuja qualificação advém do uso de arma de fogo.

A matéria de facto consta do acórdão, pelo que se trata de uma questão de enquadramento penal dos factos e não de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto. 

Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – Cfr. entre outros os Acórdãos do STJ de 6/4/2000, in BMJ n.º 496, pág. 169 e de 13/1/1999, in BMJ n.º 483, pág. 49.

O acórdão recorrido não sofre manifestamente do alegado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois a matéria de facto dada como provada implica necessariamente a decisão proferida nos autos e não podia o tribunal a quo concluir de outra maneira se não pela condenação do arguido, pelo menos, pelo crime de homicídio simples tentado.

E não tendo condenado o arguido agravando o crime pelo uso de arma de fogo, errou na perspectiva do Ministério Público.

Por isso, é questão a decidir no recurso do Ministério Público relativamente ao enquadramento jurídico-penal dos factos.


*

Aponta ainda o recorrente que o acórdão recorrido sofre de vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, sem fundamentar em que consiste a existência de tal vício.

A prova produzida reporta-se a factos que são vertidos na sentença.

Por isso o recorrente deve concretizar quais os factos concretos que estão mal julgados, por estarem inquinados de uma incorrecta apreciação da prova, mas partindo do texto da sentença recorrida.

O recorrente nega ser o autor dos factos que lhe são imputados e como tal pretende que os mesmos, no que diz respeito à perseguição do ofendido D... e disparos de seis tiros sobre o veículo deste sejam dados como não provados.

Ora, a impugnação da matéria de facto, com base na existência de vício de erro notório na apreciação da prova, pressupõe que tenha a prova tenha sido mal apreciada, com violação do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º, do CPP, que impõe que a prova deve ser apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador.

Não basta tecer considerações de ordem teórica e genérica de que em sua opinião o tribunal a quo apreciou mal a prova e que os factos não se provaram, ou a prova é insuficiente para que leve à condenação.

O erro na apreciação da prova deve traduzir-se no impacto que a prova teve (conjugação dos diversos elementos probatórios que serviram de base á convicção) no facto, pois este é que determina a decisão de condenação ou absolvição e não as considerações tecida na motivação, mas o recorrente deve especificar em primeira linha quais os factos impugnados, nos quais se repercutiu a deficiente apreciação da prova, servindo-se obviamente se for o caso, da motivação da qual transparece a errada apreciação ad prova.

Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não deve apreciar a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP.

A apreciação em sede de recurso da eventual violação do princípio in dúbio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, isto é, deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.

A dúvida do tribunal nem chegou a existir, face à evidência como ocorreram os factos, segundo as circunstâncias em que ocorreram, concluindo o tribunal a quo, que outra pessoa não podia ser que não o arguido.

O arguido tinha-se envolvido com o ofendido no café, tendo saído do mesmo os dois.

O ofendido depois voltou ao café e apercebendo-se da chegada do arguido A... , por forma a não se cruzar com o mesmo ausentou-se e pouco depois sentiu que alguém o perseguia e posteriormente que a mesma pessoa dispara tiros com arma de fogo sobre o seu automóvel.

Sendo o tribunal soberano na apreciação da prova, o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, só pode servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resulte do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.

Os contornos da figura jurídica do vício de erro notório na apreciação da prova aparecem recortados na jurisprudência dos tribunais superiores como sendo o erro segundo o qual na apreciação das provas se constata o mesmo de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, mas que tem de ser observado a partir do texto da sentença recorrida nos termos sobreditos.

O próprio arguido A... , admitiu, no dia 8/11/2014, pelas 16h, encontrar-se no exterior do café (...) , tendo-se desentendido e travado de razões para o que também contribuiu o ofendido, pela razões que constam da matéria de facto dos factos 4 a 11 dados como provados.

O tribunal dá depois como provado que o D... , pelas 21 horas, do mesmo dia voltou ao café, onde viu o Renault 19 conduzido pelo A... passar pelo local.

O ofendido decidiu então sair do café, para não se voltar a cruzar com A... , fazendo-se transportar no veículo de matrícula (...) na direcção oposta à que A... tinha tomado.

Porém, quando circulava numa estrada secundária, em terra batida, apercebeu-se de uma viatura a circular na sua rectaguarda, a uma distância de aproximadamente 20/25 metros, sentindo depois de vários estrondos e só depois de se aperceber que o vidro traseiro da viatura estava partido, compreendeu que os estrondos haviam sido disparos de arma de fogo.

Naquelas circunstâncias o D... acelerou a viatura e quando entrou na povoação de São Jorge reparou que essa viatura ainda ia no seu encalço e perante a existência de iluminação exterior, e por ter de afrouxar em virtude da passagem do comboio, conseguiu vislumbrar que a viatura que o perseguia era um Renault 19, cinzento, conduzido pelo arguido A... , do interior do qual este fez seis disparos com arma de fogo de calibre 7,65 mm Browning que atingiram a sua viatura, sendo que uma das balas trespassou o vidro traseiro e embateu na pega lateral junto ao lugar do condutor.

Esta é a factualidade que o arguido, em síntese, nega e que o tribunal dá como provada nos factos 12 a 17. 

Esta é a versão narrada pelo ofendido.

A testemunha E... confirmou o desentendimento e as razões por que tal aconteceu, quando estava no café com um grupo de amigos, referindo que quando chegou o D... , ouviu este a dizer para o arguido A... “para mandar a mulher e as filhas para casa dele” e confirma que viu o D... com uma cadeira na mão.

A testemunha G... , que esteve no café também referiu que o D... e o A... se confrontaram fisicamente, os quais foram separados pelas pessoas que aí estavam.

Confirmou que o A... tem um Renault 19.

O tribunal a quo deu credibilidade ao depoimento do ofendido quando disse que foi para o interior do café e o arguido dele se aproximou retirando do bolso uma navalha, acção que o arguido confirmou dizendo que lhe mostrou a navalha apreendida a fls. 140.

O arguido A... omitiu o encontro entre os dois pelas 21 horas, desse mesmo dia.

Porém, o tribunal deu credibilidade à versão do ofendido D... e deu como certo que tal aconteceu, bem como os disparos no veículo que conduzia e que foram confirmados pelo relatório pericial de fls. 43 a 68 e as fotografias juntas com o mesmo.

També se comprova nos autos que o D... é proprietário do veículo LM (...) e o arguido A... é proprietário do veículo Renault modelo 19 de cor cinzenta matrícula x(...)

Ora, tendo acontecido uma contenda entre arguido e ofendido pelas 16 horas do mesmo dia, dúvidas não há que, atentas as circunstâncias envolventes acabadas de referir, a perseguição ao D... e respectivos disparos sobre o seu automóvel não podia ser feita por outra pessoa que não o arguido A... , sendo que a prova se mostra apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do art. 127.º, do CPP.

Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.

O acórdão recorrido está bem fundamentado quanto à apreciação crítica que fez da prova, apoiado nos diversos elementos probatórios circunstanciais, que soube apreciar e conjugar de forma lógica e coerente e de acordo as regras a observar na apreciação da prova.

Nesta conformidade, concluímos não se verificar o vício de erro notório da apreciação da prova, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e não foram violados os princípios da inocência ou in dúbio pro reo e da igualdade, constante do art. 13.º e 32.º, n.º 2, da CRP, e consequentemente se dá como definitivamente assente a matéria de facto nos termos do acórdão recorrido.


*

A questão da medida da pena suscitada em ambos os recursos, relega-se para o mesmo segmento do recurso do Ministério Público, quando nos pronunciarmos sobre a pena a aplicar, depois de apreciarmos o enquadramento jurídico-penal dos factos, designadamente se os mesmos integram a prática de um crime de homicídio tentado, qualificado pelo uso de arma de fogo. 

*

II-Recurso do Ministério Público

a) Da agravação do crime de homicídio tentado, pelo uso de arma de fogo.

Tanto o arguido como o Ministério Público não põem em causa a incriminação e pena aplicada pelo crime de detenção de arma proibida.

O arguido vem condenado por um crime de homicídio tentado, p. e  p. pelos art. 131.º e 22.º, n.ºs 1 e 2 al. a), b) e c) do CP.

O Ministério Público sustenta que deve ser condenado por um crime de homicídio na forma tentada, agravado pelo uso da arma de fogo, p. e p. pelos art. 22.º, 23.º, 72.º, 73.º e 131, do CP e art. 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei 5/2006, de 23/2.

Não está em causa a agravação do tipo legal, que funciona da mesma forma para o homicídio simples, como para o homicídio qualificado, isto é a agravação do art. art. 86.º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, funciona independentemente do tipo de crime em questão, em consequência do uso de arma de fogo.

Sobre a agravação preceitua o art. 86.º, do RJAM:

«(…)

3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

 4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente».

A agravação funcionou para o crime de homicídio, porque o arguido fez uso da arma, enquanto arma de fogo, e, nesta conformidade, como instrumento na sua função específica e fim para que foi construído, disparando seis tiros que atingiram o veículo em que se fazia transportar a vítima, conforme consta do facto 18 dado como provado, que é do seguinte teor:

«O arguido A... , do interior do Renault 19 fez seis disparos com arma de fogo de calibre 7,65 mm Browning que atingiram a viatura do D... , sendo que uma das balas trespassou o vidro traseiro e embateu na pega lateral junto ao lugar do condutor».

Torna-se necessário que a agente faça uso da arma enquanto arma de fogo e disparando sobre a vítima, com o intuito de a atingir na sua integridade física ou a de lhe causar a morte, como é lícito concluir no caso dos autos, atentas as vezes que disparou sobre a vítima, sendo que um dos projécteis trespassou o vidro traseiro e embateu na pega lateral junto ao lugar do condutor.

Por isso, no caso do homicídio, funciona a agravação do art. 86.º, n.º 3, do RJAM, porque não está prevista a agravação com arma de fogo no cometimento do crime, e cometimento implica fazer uso da arma para a execução do crime, enquanto arma de fogo.

Não há fundamento para afastar a agravação prevista no art. 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23/2, quando o uso de arma de fogo não é elemento do crime de homicídio e não leva ao preenchimento do tipo qualificado do art. 132.º, do CP, cfr. Ac. do STJ de 30/10/2013, www.pgdlisboa.pt.

No caso dos autos estamos perante uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, pois toda a factualidade já se encontra descrita na acusação, carecendo apenas do devido enquadramento penal, os factos imputados ao arguido.

Nada obsta a que tal alteração não substancial dos factos, em virtude da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, tenha lugar, implicando no entanto a comunicação da alteração ao arguido, sendo concedido o prazo necessário para a preparação da defesa e se pronunciar, como bem entender, de acordo com o disposto no art. 358.º, n.º 1 e 3, do CPP.

Essa alteração é admitida mesmo em sede de recurso, ao abrigo do disposto no art. 424.º, n.º 3, do CPP, segundo o qual:

«Sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias».

Ora, o Ministério Público suscitou a questão como fundamento do recurso.

E o arguido respondeu, não em resposta autónoma, mas na própria motivação de recurso, no sentido de que a factualidade não integrava a agravação pretendida, chamando-lhe por lapso de “homicídio tentado qualificado”, em vez de “homicídio simples tentado, agravado pelo uso de arma de fogo”.

Por isso, o arguido tomou conhecimento da pretendida alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da decisão recorrida e que se mostram fixados, em conformidade com a acusação.

Nesta conformidade não há que dar cumprimento ao disposto no art. 424.º, n.º 3, do CPP, para cuja questão foi alertado o arguido e sobre ela se pronunciou, como é finalidade deste preceito.

Neste caso, se a alteração não substancial dos factos não resulta de iniciativa do tribunal de recurso, mas da posição de outros sujeitos processuais no recurso, designadamente do Ministério Público, não há necessidade dessa notificação, pois o dever de comunicação no tribunal de recurso, previsto no art. 424.º, n.º 3, do CPP, não tem justificação, por se mostra assegurado o direito do arguido se poder pronunciar, uma vez que a alteração resulta da posição do Ministério Público expressa nas conclusões do recurso por si interposto, pois sendo o recurso notificado ao arguido para lhe responder, a alteração é já dele conhecida e sobre a qual tomou posição.

Neste sentido decidiu o Ac. do TRC de 16/02/2016 – Proc. 173/14.5GBCLD.C1, in www.dgsi.pt/jtrc.

Em conclusão: O arguido ao disparar sobre o veículo do ofendido D... que perseguiu, por algum tempo e disparando sobre o mesmo pelo menos seis tiros com arma de fogo de calibre 7,65 mm Browning, fez uso desta como meio de lhe causar a morte, só não acontecendo por razões estranhas á sua vontade, constituindo-se assim como autor material de um crime de homicídio simples, tentado agravado pelo uso de arma de fogo, p. e p. pelos art. 131.º, 22.º, 23.º n.º 1 e 2, 73.º n.º 1 al. a) e b), do CP e art. 86.º, n.º 3 e 4, do RJAM.


*

b) Da medida da pena pelo crime de homicídio tentado e reformulação do cúmulo jurídico

Para clareza da pena a aplicar, importa esclarecer que o homicídio simples é punível com pena de 8 a 16 anos de prisão (art. 131.º, do CP).

Sendo tentado é punível com pena de 1ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos e 4 meses de prisão (art. 22.º, 23.º n.º 1 e 2, 73.º n.º 1 al. a) e b), do CP).

Nos termos do art. 86.º, n.º 3 e 4, do RJAM, as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, não podendo em caso algum exceder o limite máximo de 25 anos da pena de prisão. 

Assim, o crime de homicídio simples tentado, agravado pelo uso de arma de fogo, passa a ser punível com pena de 2 anos, 1 mês e 18 dias a 14 anos, 2 meses e 20 dias de prisão. 

A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).

A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

Feito o enquadramento jurídico-penal dos factos há que determinar a medida concreta da pena, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.

E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.

E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.

A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.

Nesta conformidade, na determinação concreta das penas há qua atender às diversas circunstâncias influenciadoras da pena a aplicar.

- O grau de ilicitude é considerado elevado, atendendo ao bem jurídico cuja tutela a pena visa assegurar, isto é, o bem jurídico supremo que é a vida.

- O dolo é directo e intenso, o que faz aumentar as exigências de culpa.

- O modo de execução do crime, pois o arguido, aguardou que o ofendido de abandonasse a localidade de A(...) para atentar contra a vida dele, aguardando que o mesmo ficasse sozinho, para o surpreender, disparando várias vezes, na escuridão, para melhor ocultar a sua acção.

- Os motivos determinantes da conduta, tendo agido como reacção desajustada, desproporcionada e desatempada a uma provocação anterior, que tinha ocorrido horas antes no café.

- As necessidades de reprovação e de prevenção destes tipos de crime que são particularmente elevadas.

- O arguido já foi condenado no âmbito processo sumário nº 707/03.0GAMMV do Tribunal de Montemor-o-Velho por factos integradores de um crime de condução de veículo em estado de embriagues, factos de 12.11.2003, tendo sido condenado em multa que pagou;

- No âmbito processo sumário nº 163/05.9GAACB do 2º Juízo do Tribunal de Alcobaça, por factos integradores de um crime de condução de veículo em estado de embriagues, factos de 6.4.2005 tendo sido condenado em multa e inibição de conduzir que pagou; no âmbito processo abreviado nº 388/05.7GTLRA do 2º Juízo do Tribunal de Alcobaça, por factos integradores de um crime de violação de proibições ou interdições, factos de 6.9.2005 tendo sido condenado em multa;

- No âmbito processo abreviado nº 105/08.0GTLRA do 2º Juízo do Tribunal de Porto de Mós, por factos integradores de um crime de condução de veículo em estado de embriagues, factos de 26.3.2008 tendo sido condenado em multa e inibição de conduzir que pagou;

- No âmbito PCS nº 428/09.0PCLRA do 2º Juízo do Tribunal de Leiria, por factos integradores de um crime de detenção de arma proibida, factos de 27.5.2009 tendo sido condenado em multa que pagou;

- No âmbito PCC nº 411/10.3JALRA do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Leiria, por factos integradores de um crime de detenção de arma proibida e tráfico de estupefacientes factos de 9.9.2011 tendo sido condenado em 3 anos e 6 meses de prisão, pena suspensa com regime de prova; - No âmbito processo sumário nº 117/14.4PBLRA do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Leiria, por factos integradores de um crime de desobediência, factos de 11.2.2014 tendo sido condenado em 6 meses de prisão, pena suspensa por um ano e extinta pelo decurso do tempo em 24.3.2015. - cf rc de fls 467 e ss.

- A nível escolar, tem a 4ª classe. A frequência escolar foi pouco investida e aos 12 anos de idade abandonou a escola para acompanhar e ajudar os progenitores na actividade profissional que estes desenvolviam.

- Aos 27 anos de idade casou segundo os rituais ciganos, residindo com a companheira e os três filhos, com idades de 16, 14 e 8 anos de idade em casa da sogra, estando separado da sua companheira há cerca de 5 anos, sendo a sua residência na Rua (...) .

- Ao nível profissional, encontra-se desempregado, no entanto, verbalizou que continua a dedicar-se à venda ambulante de roupa e costuma realizar, através de Empresas de Trabalho Temporário, trabalhos nas Empresas (...) ou (...) e de forma pontual trabalhos indiferenciados, nomeadamente, limpeza de mato e corte de madeiras.

- Em termos económicos o arguido requereu duas vezes a prestação pecuniária de Rendimento Social de Inserção, que foi indeferido, uma vez que este declarou fazer alguns trabalhos auferindo cerca de 300 €.

Face ao exposto, considerando a moldura penal abstracta acima apontada, ponderadas todas as circunstâncias a favor e desfavor do arguido, de acordo com os critérios enunciados pelos art. 40.º e 71.º, do CP, decide-se condenar o arguido pelo crime de homicídio simples, tentado, agravado pelo uso de arma de fogo, p. e p. pelos art. 131.º, 22.º, 23.º n.º 1 e 2, 73.º n.º 1 al. a) e b), do CP e art. 86.º, n.º 3 e  4, do RJAM na pena de 5 anos de prisão.

Para além deste crime vem o arguido condenado, por um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1 al. c) do RJAM na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, a qual não foi objecto de reparo nos recursos interpostos.

Nesta conformidade, dada a alteração do enquadramento jurídico-penal, quanto ao homicídio tentado, em função da agravação pelo uso de arma de fogo e respectiva alteração da pena parcelar importa reformular o cúmulo jurídico.

Tendo sido condenado o arguido por vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, havendo entre eles uma relação de concurso, deve ser condenado numa pena única, devendo ter-se em conta, para determinação desta pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente por força do art. 77.º, n.º 1 2, do CP.

A pena única aplicável no caso de concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, de acordo com o que dispõe o n.º 2, do art. 77, do CP.

A moldura penal abstracta, assim definida, correspondente ao concurso, tem como limite mínimo 5 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) e como limite máximo 6 anos e 6 meses de prisão (soma das penas parcelares aplicadas aos dois crimes em concurso).

Na consideração da personalidade devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos, isto é, se a personalidade unitária do agente é reconduzível a uma tendência ou eventualmente mesmo “uma carreira” criminosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, só no primeiro caso sendo de agravar especialmente a pena por efeito do concurso, cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime pág. 29.

Não está evidenciada e comprovada uma tendência delituosa do arguido, ma as circunstâncias em que os factos ocorreram, em que já foram sobejamente analisadas a propósito de vários segmentos dos recursos, bem como a personalidade evidenciada, mesmo depois dos factos, não revelando uma autocensura e arrependimento, demonstram que gravidade dos factos é muito elevada.

Assim, de acordo com o disposto nos art. 77.º n.º 1 e 2, 40.º e 71.º, n.º 1 e 2, todos do CP, será justo e adequado aplicar ao arguido, em cúmulo jurídico, uma pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão.


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III- Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... .


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b) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência, se revoga o acórdão recorrido quanto ao enquadramento penal dos factos relativamente aos crimes de homicídio simples tentado, p. e p. pelos art. 131.º, e 22.º, nºs 1 e 2 al. a), b) e c) do CP, cuja decisão se substitui nesta parte, pela condenação do arguido A... por um crime de homicídio simples, tentado, agravado pelo uso de arma de fogo, p. e p. pelos art. 131.º, 22.º, 23.º n.º 1 e 2, 73.º n.º 1 al. a) e b), do CP e art. 86.º, n.º 3 e 4, do RJAM na pena de 5 anos de prisão.

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c) Nos termos do art. 77.º n.º 1 e 2, 40.º e 71.º, n.º 1 e 2, da CP, reformulando o cúmulo jurídico desta pena, com a pena do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1 al. c) do RJAM, de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, condena-se o arguido pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão.

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e) No mais mantem-se o decidido no douto acórdão.

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f) Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4UCS (art.513.º, n.ºs 1 e 3, do CPP e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 25 de Outubro de 2017



(Inácio Monteiro - Relator)


(Alice Santos - Adjunta)