Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
341/03.5TTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ABANDONO DE TRABALHO
Data do Acordão: 09/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTº 40º, Nº 1, DO D.L. Nº 64-A/89, DE 27/02
Sumário: I – Nos termos do artº 40º, nº 1, do D.L. nº 64-A/89, de 27/08, o “abandono do trabalho” consubstancia-se pela ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que com toda a probabilidade revelam a intenção de não o retomar.
II – Trata-se de uma forma de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, que a lei faz equivaler à denúncia sem aviso prévio.

III – Relativamente ao empregador, esta particular modalidade de cessação do contrato de trabalho não opera automaticamente, já que aquele deve invocar a cessação do contrato com fundamento no abandono do trabalho, através de comunicação ao trabalhador mediante o envio de carta registada, com aviso de recepção, para a sua última morada conhecida.

IV – As faltas injustificadas que não revelem essa intenção de não voltar ao trabalho, podem ser fundamento para despedimento com justa causa, mas já não de cessação do contrato por denúncia.

V – Sendo ilícito o despedimento tem o autor direito ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção e até à data da sentença, nos termos do artº 13º, nºs 1 e 2, al. a), do D. L. nº 64-A/89.

Decisão Texto Integral:
Autor: A...
Ré: B...


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor intentou contra a ré acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo o reconhecimento de despedimento ilícito e a condenação da ré a pagar-lhe indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, nos termos do artº 13º, nº3, do Dec. Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, a pagar-lhe a retribuição referente ao mês de Setembro de 2003, no montante de € 466,32€, os subsídios de almoço por dias de trabalho efectivamente prestados e não pagos, sendo um referente ao mês de Janeiro, dois ao mês de Julho e três ao mês de Agosto, tudo de 2003, no montante de € 31,44, as férias, o respectivo subsídio de férias e o subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2003, no montante de € 3.312,96, bem como os salários, férias, subsídios de férias e de Natal, desde a data de 26 de Setembro de 2003 até à data da sentença em 1ª instância, considerando a remuneração mensal de 631,04, a quantia de 26.503,68, a título da retribuição a que tem direito durante o período da limitação da sua actividade de três anos subsequentes à cessação do contrato de trabalho, a quantia de 1.526,56 a título de despesas de deslocação ainda não pagas, importâncias estas acrescidas dos respectivos juros de mora, desde o seu vencimento até integral pagamento. Pediu ainda a declaração de nulidade das cláusulas décima quinta e décima sexta do contrato de trabalho celebrado entre ambos.
Alegou, para tanto e designadamente, que foi admitido ao serviço da ré em 01 de Janeiro de 2000, por contrato de trabalho a termo certo para, sob a sua direcção, autoridade e fiscalização, desempenhar as funções de oficial electricista e auferia a remuneração mensal líquida de Esc. 76.700$00 (correspondentes a € 382,58). Que o contrato renovou-se, sucessivamente, e em 1 de Julho de 2001 converteu-se em contrato sem termo.
Que a ré lhe comunicou que por força de uma reorganização dos seus serviços, este mudaria de local de trabalho e iria desempenhar funções para as Caldas da Rainha a partir de 09/09/2003, mais comunicando que deveria confirmar a sua disponibilidade para se mudar para a cidade das Caldas da Rainha e que até essa data de 09-09-2003 ficava dispensado de se apresentar ao serviço. Respondeu à carta da ré, mas a resposta só chegou ao conhecimento da ré a 09-09-2003 pelo que esta última entendeu a falta de resposta como não aceitação do novo local de trabalho e comunicou-lhe, por carta de 26-09-2003, que o contrato de trabalho se considerava rescindido por faltas injustificadas desde 09-09-2003, invocando que o despedimento não foi precedido de processo disciplinar, não tendo sido dado cumprimento a nenhuma das formalidades estabelecidas, inerentes ao processo de despedimento promovido pela entidade empregadora.
Alegou ainda que, por força da cl. 13ª do contrato, se obrigou a limitações de actividade nos 3 anos consecutivos à cessação do contrato, pelo que tem direito à retribuição durante esse período.

Contestou a ré alegando, no essencial, que o despedimento foi lícito na medida em que houve da parte do autor um abandono do trabalho, não existindo qualquer direito a indemnização.
Aceitou pagar algumas das quantias reclamadas pelo autor.
Mas quanto à quantia peticionada de 26.503,68 €, a título de indemnização durante o período da limitação da sua actividade por três anos subsequente à cessação do contrato de trabalho, defende que a mesma não só é claramente exagerada como carece de fundamento legal, na medida em que o autor não cumpriu com o estabelecido na alínea c) da referida cláusula, uma vez que desconhece se, em algum momento, ele teve a real possibilidade de trabalhar para uma empresa concorrente e não o fez devido ao facto de se encontrar vinculado a este contrato.

O autor apresentou resposta à contestação.
*
Efectuada a audiência de julgamento, veio a final a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e condenou a ré a pagar ao autor: a) a quantia correspondente às retribuições que o ele deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, montante a liquidar em execução de sentença; b) o montante global de € 7.495,69; c) os juros de mora à taxa legal, nos termos peticionados.

Inconformada, a ré interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:
1- No seio dos presentes autos, provou-se indubitavelmente que o A., enquanto instalador, respondia perante o Responsável pelos serviços técnicos, e nunca perante o seu homólogo do departamento comercial (vide facto 24° da sentença).
2- Pelo que cai por terra o primeiro fundamento perfilhado pelo Juiz a quo que sustentava a não verificação da hipótese de abandono do trabalho por parte do A., segundo o qual o Director comercial Paulo Goulão teria comunicado ao trabalhador que não lhe estava adstrito qualquer serviço.
3- Mais, o Tribunal a quo também considerou provado "não (ter havido!) qualquer tipo de comunicação por parte do A.", pelo que "enviou a R. a 26.09.2003 uma carta em que comunicava ao A. que o seu desaparecimento resultava em/altas injustificadas desde o dia 09.09.2003" (doe. 40 junto com a contestação a fls. 165 igual ao doe. n° 15 junto com a p.i.) (facto 26° Idem).
4- Ora, de acordo com n° 2 do art. 450º do C.T.: "presume-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência."
5- Assim sendo, no dia 26 de Setembro de 2003, não tendo havido qualquer comunicação por parte do A. e tendo os 10 dias úteis já decorrido, era lícito à R. presumir o abandono do trabalho daquele.
6- Saliente-se o facto da R. ter cumprido com a formalidade prevista no n° 5 do preceito supra citado, comunicando a cessação do contrato de trabalho ao A. através de carta registada com aviso de recepção (vide doc. 40 junto com a contestação).
7- De acordo com o preceituado no n° 4 do tão badalado art. 4500 do C.T., o abandono do trabalho vale como denúncia do contrato. Logo, não há lugar a qualquer tipo de indemnização.
8- Perante tudo quanto se acabou de aduzir, salvo melhor opinião, a douta sentença recorrida violou o art. 4500 do C.T.
9- A R. ora Apelante sempre reconheceu ser devedora da quantia de 1.526,56 € a título de despesas de deslocação efectuadas pelo A. e da quantia relativa a dois subsídios de almoço, respeitantes ao mês de Julho de 2003 (factos 31º e 32º ínsitos na douta sentença).
10- Mas, recorde-se que a R. sempre se mostrou disponível junto do A. para proceder ao pagamento dessas quantias (vide facto 29° da Sentença e doc. 43 junto com a contestação). Pelo que não pode vir o A. exigir juros sobre estes montantes.
11- Por fim, diga-se que mesmo que não se considerasse a verificação do abandono do trabalho por parte do trabalhador, a indemnização decidida a favor do trabalhador não poderia proceder nos termos aduzidos na douta sentença.
12- Com efeito, mesmo admitindo que o A. tivesse direito às retribuições que deixou de auferir, a decisão recorrida deveria ter frisado que a esse quantum deve ser subtraído as importâncias que o trabalhador tenha obtido com a cessação do contrato de trabalho.
13- Além disso, mesmo que se considerasse que o A. teria direito aos proporcionais de férias, subsidio de férias e de Natal, a base do cálculo não poderia ser os € 631,04 indicados pelo Tribunal a quo, montante esse que inclui o salário base, o subsidio de almoço e o prémio mensal médio, mas antes o montante de € 499,80 correspondente à retribuição base mensal.
14- Pelo exposto, mesmo considerando o despedimento ilícito, caberia ao A. ora Recorrido a quantia de € 1.124,55 a título de férias, subsidio de férias e subsídio de Natal (e não os € 1.526,56 decididos).
15- Perante tudo quanto se aduziu, verifica-se que a douta sentença recorrida violou o n° 2 do art. 437° do C.T. (antigo n° 2 al. a) do art. 13° do DL 64-A/89 de 27 de Fevereiro) e art. 221° n° 1 do C.T. (antigo art. 10° do DL 874/76 de 28 de Dezembro).
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso apresentado pela R., revogando-se a douta Sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outra que julgue parcialmente procedente a presente acção, a qual condenará a R. apenas no pagamento da quantia de 1.526,56 € a título de despesas de deslocação efectuadas pelo A. e de € 10,48 relativamente a dois subsídios de almoço respeitantes ao mês de Julho de 2003.

O autor fez apresentação de contra-alegações, nas quais propugna pela improcedência da apelação da ré.
Por sua vez, veio também apresentar recurso de apelação da sentença, no qual apresenta as seguintes conclusões:
1- Vem o presente recurso interposto da parte da decisão que negou ao A. o pagamento de 26.503,68 € e respectivos juros de mora a titulo de indemnização por três anos de limitação da actividade, resultante do cumprimento do pacto de não concorrência após a cessação do contrato de trabalho validamente estabelecido na cláusula décima-terceira do contrato de trabalho ex vi do artigo 36°, n° 2 do DL n° 49 408, de 24/11/1969 (LCT).
2 - Decisão que fundamentou o referido decaimento do A. no facto de "não provou o A. tenha ficado limitado na sua possibilidade de trabalhar para empresa concorrente da Ré; não demonstrou que o não tenha jeito por virtude da cláusula 13a do contrato que o unia a esta; assim, deve improceder tal pedido ... , e com a qual o A. de modo algum se conforma.
3 - Tem o A. direito ao pagamento da quantia peticionada a titulo de indemnização por três anos de limitação da actividade porque cumpriu, nos termos do artigo 406º, nº 1 do Código Civil, o pacto de não concorrência após a cessação do contrato de trabalho validamente estabelecido na cláusula décima-terceira do contrato de trabalho.
4- O pacto de não concorrência celebrado entre A. e R. "pela qual se limite a actividade do trabalhador" "nos 3 (três) anos consecutivos à cessação deste contrato" é válido na medida em que se verificam cumulativamente os requisitos previstos no nº 2 do artigo 36° da LCT: consta, por escrito, do Contrato de trabalho, concretamente, da cláusula décima-terceira; em causa está uma "actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo à entidade patronal" e ficou previsto o pagamento de uma compensação ao trabalhador pela limitação da actividade em causa.
5- Se a cláusula décima-terceira do contrato é válida, o trabalhador encontra-se ipso iure, vinculado ao seu cumprimento nos termos do artigo 406°, n° 1 do Código Civil, ou seja, a não exercer uma actividade concorrente com a da entidade empregadora.
6- Resulta contraditório reconhecer a validade da sobredita cláusula (porquanto existe o referido risco efectivo de concorrência por parte do anterior trabalhador) e do mesmo passo condicionar o pagamento da compensação aí prevista à prova da concreta verificação do risco de exercício da actividade concorrente por parte do trabalhador que esteve na base na celebração do pacto de não concorrência!
7- Que o A. "tenha ficado limitado na sua possibilidade de trabalhar para empresa concorrente da Ré" resulta da validade (não questionada pela R.) da cláusula décima­ terceira do contrato.
8- "que o não tenha feito por virtude da cláusula 13" do contrato que o unia a esta" resulta para o A. do artigo 406°, nº I do Código Civil, ou seja, do princípio pacta sunt servantae.
9- Absit injuria verbo, pretender, como faz a sentença recorrida, que o A. fizesse a prova do cumprimento da cláusula décima-terceira do contrato mediante uma conduta activa que se traduziria, num primeiro momento, em dirigir-se às empresas concorrentes ou clientes da R. para indagar da possibilidade de vir a exercer por conta delas ou para elas a sua actividade e, num segundo momento, responder que não o faria porque a cláusula décima-terceira do contrato de trabalho celebrado com a R. o não permitia e ainda pedir a essas entidades que, no mínimo, testemunhassem tal facto em Tribunal, é perfeitamente absurda e impossível de cumprir.
10- O pacto de não concorrência após a cessação do contrato de trabalho contêm uma obrigação recíproca: o trabalhador tem o dever de não exercer a sua actividade durante o período aí estabelecido e a entidade empregadora o dever de compensar essa limitação de actividade.
11- Tendo o A. cumprido pontual e integralmente o dever resultante da referida cláusula, deve o R. cumprir o seu, ou seja, indemnizar o A. pela limitação de actividade efectivamente verificada.
12- Na parte em que não reconheceu ao A. o direito de receber a indemnização pela limitação de actividade prevista na cláusula décima-terceira do contrato de trabalho, a sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 36º, nº 2 da LCT e 406°, n° 1 do Código Civil.
13- Nem se diga que o A. não tem direito ao pagamento da referida indemnização porque não cumpriu a exigência constante da alínea c) da cláusula décima-terceira do contrato de trabalho que exigia que o trabalhador "coloque a questão por escrito. devidamente documentada, com valores e identificação de todas as partes, dentro do prazo de aviso prévio para rescisão do contrato e seja recebida pelo legal representante da Primeira Outorgante, através de assinatura de protocolo. ". (sublinhamos)
14- Tal exigência vai no sentido da fundamentação expendida pela sentença recorrida quanto à necessidade de o A. provar o efectivo cumprimento do pacto de não concorrência através de uma conduta activa junto da concorrência, pelo que aqui se dá por integralmente reproduzido o que supra se disse sobre essa questão.
15- Se a cláusula décima-terceira do contrato de trabalho é válida na medida em que cumpre os requisitos previstos no n° 2 do artigo 36° da LCT em vigor à data do despedimento, o mesmo não se poderá dizer da alínea c) da mesma cláusula na parte em que estabelece requisitos suplementares para o pagamento da indemnização.
16- Nessa parte, a cláusula décima-terceira do contrato de trabalho é nula por limitação da liberdade de trabalho não consentida pela norma imperativa do nº I do artigo 36º da LCT e por alteração em desfavor do trabalhador (visando claramente dificultar o pagamento da compensação que lhe é devida) da disciplina imperativa do pacto de não concorrência previsto no artigo 36°, n° 2 da LCT, designadamente na alínea b).
17- O trabalhador, não tem de provar documentalmente "os valores e identificação de todas as partes" concorrentes para as quais podia ter trabalhado mas não o fez porquanto para a validade do pacto de não concorrência basta que esteja em causa uma " actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo à entidade patronal" (sublinhamos), ou seja, basta o risco de concorrência, a qual tão tem de ser necessariamente efectiva, pelo que se fala a este propósito de uma espécie de "ilícito de perigo ".
18- Em suma, se a cláusula décima-terceira do contrato de trabalho celebrado entre A. e R. que consagra o pacto de não concorrência após a cessação do contrato de trabalho, porque válida, vinculava o trabalhador e o mesmo durante os três anos subsequentes à cessação do contrato de trabalho a cumpriu pontual e integralmente não exercendo actividade concorrente à da anterior entidade patronal (acautelando assim um interesse legítimo desta), tanto é quanto basta para que tenha direito a receber a correspondente compensação económica.
19- Pelo exposto, deverá julgar-se procedente, por provado, o pedido de condenação da R. ao pagamento 26.503,68 € e respectivos juros de mora a titulo de indemnização por três anos de limitação da actividade do A., ex vi do pacto de não concorrência validamente celebrado na cláusula décima-terceira do contrato de trabalho.
20- A sentença recorrida ao decidir em sentido contrário interpretou e aplicou erradamente os artigos 36°, nºs 1 e 2 da LCT e 406°, n° 1 do C.C. pelo que deverá, nessa parte, ser revogada, substituindo-se aquela decisão por uma outra que condene a R. ao pagamento da quantia peticionada a titulo de indemnização pela limitação de actividade do A..

A ré fez apresentação de contra-alegações, nas quais propugna pela improcedência da apelação do autor.
Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de que nenhum dos recursos deverá obter provimento.
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II- OS FACTOS:
Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
1- A ré dedica-se à instalação de centrais telefónicas e outros equipamentos relacionados, exercendo a sua actividade na sede sita na Rua da Beneficência, 191, 1º, em Lisboa ou filial da empresa em qualquer ponto do território nacional ou no exterior dirigido a partir da sede ou filial.
2- O autor A... foi admitido ao serviço da ré em 01 de Janeiro de 2000, por contrato de trabalho a termo certo, para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização trabalhar com a categoria profissional de Oficial Electricista, mediante a retribuição mensal de 76.700$00 (doc. nº 1, junto com a p. i., a fls. 13/15, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
3- O contrato renovou-se, sucessivamente, e em 1 de Julho de 2001 converteu-se em contrato sem termo;
4- O A. auferia a retribuição base mensal de 499,80 €, acrescida de subsídio de almoço no montante mensal de 110,04 €, de prémio mensal médio de 21,20 €, no total de 631,04 € por mês (e ainda despesas de deslocação) - docs. n.os 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10, juntos com a p. i., a fls. 16/23, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5- Através de carta datada de 28 de Agosto de 2003, a ré comunicou ao autor que o contrato de prestação de serviços que tinha com outra empresa tinha terminado, o que obrigava a uma reorganização da ré por força da qual o autor mudaria de local de trabalho e iria desempenhar funções para as Caldas da Rainha a partir de 09/09/2003 (doc. nº 11 junto com a p. i. a fls. 24, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
6- Mais comunicava ao autor que devia confirmar à ré a sua disponibilidade para se mudar para a cidade das Caldas da Rainha, na volta do correio; e que até lá, ou seja até 09/09/2003, ficava dispensado de se apresentar ao serviço (doc. 11, já referido).
7- No último parágrafo a ré informava que “a falta de resposta será tida como não aceitação do novo local de trabalho” (idem, doc 11).
8- O autor recebeu a carta em causa (doc. 11 junto com a p. i.) no dia 01 de Setembro de 2003.
9- No dia 04 de Setembro de 2003, conforme talão de registo, o autor respondeu à carta da ré onde lhe comunicava o seguinte: “...estou disponível para aceitar trabalhar no novo local de trabalho (Caldas da Rainha)” (doc. nº 12, junto com a p. i., a fls. 26/26, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
10- Mais comunicando à ré que ficava a aguardar que o informassem “...quais as condições que me oferecem para esta mudança de meu local normal de trabalho, tais como, alojamento, deslocações, etc” (doc. 12 já referido).
11- A resposta apenas chegou ao conhecimento da ré no dia 09 de Setembro, ou seja na terça-feira seguinte (conforme aviso de recepção junto ao doc. nº 12, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
12- A ré, por carta datada de 11 de Setembro de 2003, e recebida pelo autor no dia seguinte ou seja a 12, informou este que a resposta à sua carta não tinha sido imediata (doc. nº 13, junto com a p. i, cujo teor aqui se dá por reproduzido)
13- Perante o teor da carta da ré, datada de 11 e recebida pelo A. a 12, ambas as datas de Setembro de 2003, o autor neste mesmo dia, (embora na carta conste, por manifesto lapso, a data de 12 de Outubro de 2003 em vez de 12 de Setembro de 2003, conforme se pode ver pelo talão de registo junto ao doc. nº 14) decidiu escrever à ré a perguntar-lhe se aquela carta devia por si ser entendida como comunicação de rescisão do seu contrato de trabalho (doc. nº 14, junto com a p. i., cujo teor aqui s dá por reproduzido).
14- A carta referida, embora recebida pela Ré a 18 de Setembro de 2003 (conforme aviso de recepção junto ao doc. nº 14), apenas mereceu resposta a 26 do mesmo mês e ano (doc. nº 15, junto com a p. i. a fls. 35, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
15- Consta da carta enviada pela ré a 26 de Setembro e recebida pelo autor no dia 29 seguinte que: “Passados todos estes dias, tem V. Exª. desde o dia 09/09/2003 faltas injustificadas suficientes para que o seu Contrato de Trabalho cesse por faltas”.
“Assim, considera-se rescisão de contrato por faltas injustificadas” (doc. nº 15, já citado)
16- No dia 09 de Setembro de 2003, o autor apresentou-se no local onde sempre se apresentou ao trabalho, mais precisamente na filial da Ré, sita na Rua Cidade da Covilhã, nº 47, no Fundão, ao Sr. Paulo Goulão (director comercial).
17- O Sr. Paulo Goulão (director comercial) comunicou ao autor que não lhe estava destinado serviço.
18- O autor reside em S. Vicente da Beira, portanto na área da comarca de Castelo Branco, conforme expressamente se refere em I-, 2, do contrato de trabalho (doc. nº 1, já citado), sendo o local de apresentação ao trabalho nas instalações da filial da ré sitas no Fundão, como atrás se refere.
19- A ré dedica-se à instalação de equipamentos telefónicos, e os trabalhos de instalação realizam-se por todo o país, sendo, por isso, normal que todos os instaladores, como o autor, trabalhem em locais diferentes, consoante os clientes da Empresa.
20- O autor fazia inúmeros quilómetros por mês provenientes das diversas deslocações que teve de fazer pelo país, o que pode ser comprovado pelos Documentos nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19,20, 21, 22, 23, 24, 25, 16, 17, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 juntos com a contestação, a fls. 121/156 e que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeito legais.
21- Na sequência da actividade normal da ré e do autor, A..., enquanto trabalhador, no dia 28.08.2003 a ré enviou ao autor uma carta registada, informando-o que:
- Necessitava do seu trabalho noutra localidade – o seu novo local de trabalho seria a cidade de Caldas da Rainha;
- Para que tivesse tempo de organizar a sua vida, estava dispensado de exercer a sua actividade até ao dia 08.09.2003;
- A disponibilidade devia ser comunicada na volta do correio, de modo a que pudéssemos organizar o trabalho;
- A falta de resposta seria tida como não aceitação do novo local de trabalho;
- Aceitando, devia apresentar-se a 09.09.2003, na cidade de Caldas da Rainha. (doc. nº 37, junto com a contestação, a fls. 157/158, cujo teor aqui se dá por reproduzido – e que é igual ao doc 11 junto com a p. i.)
22- O autor foi dispensado até ao dia 08.09.2003, inclusive, por não ter a ré obra para o colocar, mas ficando com esses dias livres para acusar a recepção da carta e apresentar-se na sede da ré e ser informado, atempadamente, do endereço da obra, (Vide Doc. nº 37 junto com a contestação, a fls. 157, já referido).
23- Dá-se por reproduzido o teor do doc. nº 38,junto com a contestação, a fls. 160, igual ao doc. nº 12, junto com a p. i.).
24- Os instaladores estão dependentes hierarquicamente do Responsável pelos Serviços Técnicos e nunca do Departamento Comercial.
25- Dá-se por reproduzido o doc. nº 39, junto com a contestação, a fls. 162, igual ao doc. nº 13, junto com a p. i..
26- Não tendo qualquer tipo de comunicação por parte do autor, enviou a ré a 26.09.2003 uma carta em que comunicava ao autor que o seu desaparecimento resultava em faltas injustificadas desde o dia 09.09.2003 (doc. nº 40, junto com a contestação a fls., 165. Igual ao doc n. 15, junto com a p. i.).
27- Com uma carta datada de 07.10.2003, recebida pela ré a 09.10.2003, o autor pede que a ré lhe envie a Declaração de Situação de Desemprego (doc. nº 41, junto com a contestação a fls. 168/170, cujo teor se dá por reproduzido).
28- Dá-se por reproduzido o teor do doc. nº 42, junto com a contestação, a fls. 171, igual ao doc. 14, junto com a p. i).
29- A 3 de Novembro de 2003, a ré enviou uma carta ao autor, informando-o que poderia levantar as suas contas finais, nas quais estavam contemplados todos os seus direitos, no âmbito do despedimento lícito e perante a verdade dos factos (doc. nº 43, junto com a contestação a fls. 172/175, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
30- A ré enviou a 14 de Novembro de 2003, uma carta acompanhando a Declaração de Situação de Desemprego na qual vem consubstanciada a situação de abandono do local de trabalho, informando uma vez mais o autor que toda a documentação estava já há muito tempo disponível para que o próprio viesse levantar, o que nunca fez (doc. nº 44, junto com a contestação, a fls. 176/179, cujo teor se dá por reproduzido).
31- A ré aceita a quantia peticionada pelo autor a título de despesas de deslocação, no valor de 1.526,56 €.
32- A ré reconhece ser devedora da quantia relativa a dois subsídios de almoço, respeitantes ao mês de Julho de 2003.
33- Dá-se por reproduzido o teor do doc. nº 55, junto com a contestação, a fls. 190/192).
34- Dá-se por reproduzido o teor do doc. nº 56, junto com a contestação, a fls. 193).
35- Dá-se por reproduzido o teor do doc. nº 57, junto com a contestação, a fls. 194).
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III. Direito
As conclusões das alegações dos recursos delimitam o seu objecto (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Temos, então, dois distintos recursos, decorrendo do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões, se podem equacionar basicamente da seguinte forma:

A. Recurso de apelação da ré:
- a cessação do contrato de trabalho ocorreu por despedimento ilícito ou por abandono de trabalho pelo autor?
- no caso de ter ocorrido despedimento ilícito, a indemnização a favor do autor deveria ter frisado que a esse quantum devem ser subtraídas as importâncias que ele tenha obtido com a cessação do contrato de trabalho?
- no caso do direito do autor aos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, a base do cálculo deveria ser os € 631,04 indicados pela 1ª instância (montante esse que inclui o salário base, o subsidio de almoço e o prémio mensal médio) ou o montante de € 499,80 correspondente à retribuição base mensal?
- sobre a quantia que a ré sempre reconheceu ser devedora, no montante de € 1.526,56 a título de despesas de deslocação efectuadas pelo autor, e da quantia relativa a dois subsídios de almoço, respeitantes ao mês de Julho de 2003, há lugar ao pagamento de juros de mora?

B. Recurso de apelação do autor:
- deverá a ré ser condenada no pagamento ao autor de € 26.503,68 e respectivos juros de mora a titulo de indemnização por três anos de limitação da actividade, resultante do cumprimento do pacto de não concorrência, após a cessação do contrato de trabalho, estabelecido na cláusula décima-terceira do contrato de trabalho?

Apreciando, seguiremos a ordem dos recursos

1. Quanto ao recurso de apelação da ré:
1.1. A primeira questão a enfrentar neste recurso tem a ver, como se disse, com a existência ou não de despedimento ilícito do autor.
A legislação a atender é a que vigorava anteriormente ao actual Código do Trabalho, uma vez que o despedimento se verificou antes da entrada em vigor deste (em 01-12-2003) e na medida em que todos os factos relativos à cessação do contrato de trabalho ocorreram antes dessa data (v. artigo 9º al. b) da Lei 99/2003, de 27 de Agosto).
Significa isto que, quer a abordagem por via do despedimento ilícito (por falta de precedência de procedimento disciplinar), quer a abordagem por via da figura do abandono do trabalho, convocam a aplicação do DL nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Nos termos do artigo 40º nº1 do referido DL, o “abandono ao trabalho” consubstancia-se pela ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que com toda a probabilidade revelam a intenção de não o retomar.
Trata-se de uma forma de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, que a lei faz equivaler à denúncia sem aviso prévio (nº 4).
Relativamente ao empregador, esta particular modalidade de cessação não opera automaticamente, já que aquele deve invocar a cessação do contrato com fundamento no abandono do trabalho, através de comunicação ao trabalhador mediante o envio de carta registada, com aviso de recepção, para a sua última morada conhecida (nº 5).
Assim, é relativamente claro que para que se verifique o abandono não basta a simples ausência ao trabalho. É necessário que, concomitantemente com ela, haja factos que fortemente indiciem (“com toda a probabilidade”) que a ausência ocorre porque o trabalhador tem a intenção de não retomar o trabalho.
As faltas injustificadas que não revelem essa intenção de não voltar ao trabalho, podem ser fundamento para despedimento com justa causa (v. artigo 9º nº2 al. g)), mas já não de cessação do contrato por denúncia.
Ora, no caso concreto os factos provados, só por si, não revelam a probabilidade de existir a tal intenção de abandono do trabalho por parte do autor.
É certo que o legislador estabeleceu uma presunção legal no sentido de que a ausência do trabalhador ao serviço faz presumir o abandono, quando se prolongue durante, pelo menos, 15 dias úteis seguidos, sem que a entidade empregadora tenha recebido comunicação do motivo da ausência (nº 2 do artigo 40º).
Todavia, essa presunção não pode originar “simplificações” expeditas e o empregador, colocado perante uma ausência do trabalhador nesses moldes, não deve procurar “facilidades” que o dispensem das formalidades próprias do despedimento com justa causa e por faltas injustificadas, optando por verificação de denúncia que pode não ser apurada, e que acabem por subverter o princípio estabelecido no nº 1 do mesmo artigo 40º.
Deve, antes, no cumprimento do princípio da boa fé na execução do contrato (762º nº1 do Código Civil), averiguar cautelarmente todo o circunstancialismo que leva o trabalhador a faltar, antes de se valer de uma presunção que pode ser ilidida, com resultados negativos para o próprio empregador (que então se sujeita a sanções).

Perante os factos provados, a questão de saber se o abandono efectivamente ocorreu, em termos reais ou presumidos, merece resposta negativa, tal como concluiu a 1ª instância.
Por um lado, porque não resulta da matéria de facto que o autor tivesse a real intenção de não retomar o trabalho e porque não foram também provados factos que com toda a probabilidade permitissem concluir que ele tinha tido aquela intenção, não podendo, por isso, afirmar-se que tivesse ocorrido uma situação de real de abandono do trabalho.
Por outro lado, porque o abandono presumido que parece ser, afinal, o invocado pela ré, acabou por ser desmentido mediante adequada ilisão da presunção pelo autor.
Na verdade, provou-se que por carta registada no dia 4 de Setembro de 2003 (em resposta à carta do dia 28 de Agosto, recebida pelo autor no dia 1 de Setembro e, pessoalmente, no dia 9 daquele mês, quando se apresentou na filial da ré no Fundão, o autor manifestou que estava disponível para trabalhar – conforme se provou, nesse dia 9 a ré tinha recebido aquela resposta do autor (facto 11), nesse dia este apresentou-se no local onde sempre se apresentou ao trabalho e o Sr. Paulo Goulão (director comercial) comunicou-lhe que não lhe estava destinado serviço. Não tem relevo, aqui, a alegação de que o autor respondia perante o responsável pelos serviços técnicos e foi apenas o director do departamento comercial quem tomou a referida atitude – ela foi tomada em nome da ré e a eventual incompetência funcional desse director não anula a manifestação do autor de querer continuar ao trabalho, através da apresentação em causa.
A interpretação da matéria de facto quanto ao ponto 26 (“não tendo qualquer tipo de comunicação por parte do A., enviou a R. a 26.09.2003 uma carta em que comunicava ao A. que o seu desaparecimento resultava em faltas injustificadas desde o dia 09.09.2003”), dada pela ré para sustentar a tese de abandono, não pode colher perante os demais factos provados. A “falta de comunicação” em causa não é concretizada temporalmente, nem num contexto preciso (desde quando e a propósito de quê?), pelo que os motivos que podem estar por detrás da carta da ré não podem fazer esquecer os factos concretos e objectivos retratados no parágrafo anterior.
Por outro lado, ocorrem razões formais para que a ré não se possa prevalecer da invocação de abandono de trabalho.
Em primeiro lugar, na carta em que declara a “rescisão” do contrato invoca, como seu motivo, faltas injustificadas e não o abandono do trabalho - este só é invocável mediante comunicação expressa (art. 40º nº5 do DL 64-A/89) e, como já se disse, as faltas injustificadas, por si, só podem motivar a cessação no âmbito do despedimento por justa causa.
Em segundo lugar, porque desde o dia 9/9 até ao dia 26/9 (data da carta de “rescisão” ainda não tinham decorridos os 15 dias úteis seguidos a que se refere o art. 40º nº2 do DL 64-A/89
A tese da cessação de abandono de trabalho é, assim e a vários títulos, insustentável.
Assim sendo, como concluiu a 1ª instância, nos termos do art. 12º, nº 1, al. a) do citado DL, tratou-se de despedimento ilícito porque não precedido do processo respectivo. Não bastava invocar uma situação de faltas injustificadas e comunicar tal facto ao autor. Competia-lhe desencadear um processo disciplinar, fundamentando o despedimento.
Improcede, assim, o recurso nesta parte.

1.2. A segunda questão do recurso tem a ver, como se disse, com a fixação da indemnização: a sentença deveria ter frisado que o respectivo quantum seria subtraído das importâncias que o autor tenha obtido com a cessação do contrato de trabalho?
Sendo ilícito o despedimento, tem o autor direito ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até à data da sentença, nos termos do artigo 13º nº 1 e nº 2 al. a) do DL nº 64-A/89.
A ré sustenta que a sentença deveria ter deduzido também, desse montante, as importâncias que o autor tenha obtido com a cessação do contrato de trabalho.
É o que dispõe o artigo 13º nº 2 al. b) do DL nº 64-A/89.
Contudo, só haverá lugar à dedução se tiver havido tais rendimentos.
Da matéria de facto não se colhe que os tenha havido, nem a ré o alegou na contestação, como quadro impeditivo do direito compensatório reclamado pelo autor. Disso tinha o ónus (342º nº 2 do Código Civil).
Ora conforme jurisprudência seguida, nesta matéria, reafirmada no recente Ac. do STJ de 12-07-2007 (in www.stj.pt, proc. 06S4280) “quando na acção declarativa não é suscitada a questão relativamente a rendimentos auferidos entre o despedimento e o encerramento da discussão, fica precludida em relação a esse período, a possibilidade de o empregador vir a operar a dedução”. E mais adiante, no sumário, continuando a citar: “assim, não tendo na acção declarativa sido suscitada a questão dos rendimentos auferidos entre o despedimento e o encerramento da discussão, e tendo a sentença proferido condenação em quantia certa quanto ao valor das retribuições intercalares, a oposição relativamente ao montante fixado, fundada na dedução de proventos a que se refere a alínea b) do n.º 2 do art. 13.º da LCCT, só é atendível relativamente àqueles que o trabalhador auferiu depois de proferida a sentença, nos termos da alínea g) do art. 814.º do CPC”.
Ou seja, sempre a ré poderia, mas somente quanto aos rendimentos obtidos após a audiência de julgamento em 1ª instância (encerramento da discussão), alegá-los em sede de oposição à execução.
Não seria necessário, em nossa opinião, mas não custa clarificar a decisão, alterando a formulação da 1ª instância de modo a que fique estabelecido que a condenação, no segmento em causa, será “na quantia correspondente às retribuições que o autor deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, montante a liquidar em execução de sentença, com a dedução das eventuais importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo autor, desde 3-12-2004, em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento”.

1.3. A terceira questão do recurso tem a ver com a base de cálculo para o apuramento dos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal: o de € 631,04 indicados pela 1ª instância (montante esse que inclui o salário base, o subsidio de almoço e o prémio mensal médio) ou o montante de € 499,80 correspondente à retribuição base mensal?
Provou-se (facto 4) que o autor auferia a retribuição base mensal de 499,80 €, acrescida de subsídio de almoço no montante mensal de 110,04 €, de prémio mensal médio de 21,20 €, no total de 631,04 € por mês (e ainda despesas de deslocação).
Na sentença da 1ª instância escreveu-se a este propósito que, reclamando o autor o pagamento das férias, subsídio de férias e de Natal, proporcionais aos trabalho prestado em 2003 (ano da cessação do contrato), considerando o tempo de serviço prestado, tem este direito à retribuição correspondente a esse tempo de serviço, a saber: € 631,04 : 12 = € 52,59 x 9 = € 473,31 x 3 = € 1419,93.
A ré entende que o cálculo deveria ter sido o de: € 499,80 : 12 = € 41,65 x 9 = € 374,85 x 3 = € 1.124,55.
Ora, como já se disse, a legislação a atender é a que vigorava anteriormente ao actual Código do Trabalho, uma vez que o despedimento se verificou antes da entrada em vigor deste. Ou sejam, os arts. 6º e 10º do Dec.-Lei nº 874/76, de 28-12 e art. 2º do Dec.Lei nº 88/96, de 03-07.
No domínio dessa legislação, devem relevar para o cômputo da remuneração de férias e dos subsídios de férias e de Natal, o valor da retribuição que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo.
Por isso, o valor encontrado pela 1ª instância está correcto, improcedendo o recurso nesta parte.

1.4. A quarta e última questão tem a ver com os juros de mora.
A ré entende que sobre a quantia que sempre reconheceu ser devedora, no montante de € 1.526,56 a título de despesas de deslocação efectuadas pelo autor e da relativa a dois subsídios de almoço, respeitantes ao mês de Julho de 2003, não há lugar ao pagamento de juros de mora, porque sempre se mostrou disponível para pagar essa quantia.
Vejamos:
O facto 29 que se reporta ao documento 43 junto com a contestação (“a 3 de Novembro de 2003, a R. enviou uma carta ao A., informando-o que poderia levantar as suas contas finais, nas quais estavam contemplados todos os seus direitos, no âmbito do despedimento lícito e perante a verdade dos factos”), não mostra que a ré tenha posto aquela concreta quantia à disposição do autor.
É certo que não lha pagou, como reconhece.
Ora, nos termos do artigo 804º nº 2 do Código Civil, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação não foi efectuada no tempo devido. A culpa do devedor (da ré) presume-se e a presunção não se mostra ilidida (799º nº1 do Código Civil).
Por isso, os juros de mora são devidos, conforme decidiu a 1ª instância.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso, nesta parte.

2. Quanto ao recurso de apelação do autor:
A única questão levantada no recurso do autor, como se disse, é a de saber se deverá a ré ser condenada no pagamento ao autor de € 26.503,68 e respectivos juros de mora a título de indemnização por três anos de limitação da actividade, resultante do cumprimento do pacto de não concorrência, após a cessação do contrato de trabalho, estabelecido na cláusula décima-terceira do contrato de trabalho.
Essa cláusula (doc. de fls. 13 a 15 do contrato) dispõe o seguinte:
Este contrato está subordinado ao Decreto Lei nº 49408 de 24-11-69, artigo 36º alínea 1 e alínea 2, nomeadamente: a) Fica aqui expresso que o/a Segundo/a Outorgante tem limitações de actividade nos 3 (três) anos consecutivos à cessação deste contrato, não colaborar profissionalmente, nem contratar com empresa da concorrência ou cliente da Primeira Outorgante. b) O/A Segundo/a Outorgante reconhece que trabalhar para empresa concorrente da Primeira Outorgante, ou cliente da Primeira Outorgante, traz à primeira Outorgante um prejuízo superior ao valor invocado na clausula seguinte. c) A Primeira Outorgante pela limitação da actividade do/a Segundo/a Outorgante assume cumprir o exposto neste Decreto Lei no Artigo 36 alínea 2 c, desde que o Segundo Outorgante coloque a questão por escrito, devidamente documentada, com valores e identificação de todas as partes, dentro do aviso prévio para a rescisão do contrato e seja recebida pelo legal representante da Primeira Outorgante, através da assinatura de Protocolo”.
Na sentença da 1ª instância, quanto a esta questão, apenas se disse que “não provou o A tenha ficado limitado na sua possibilidade de trabalhar para empresa concorrente da Ré, não demonstrou que o não tenha feito por virtude da cláusula 13ª do contrato que o unia a esta; assim, deve improceder tal pedido”. Secundando a posição da ré que, para além do mais, invocava a não verificação da condição estipulada e que era a de apresentação da reclamação por escrito (alínea c) da referida cláusula).
A questão do nosso ponto de vista está na nulidade de tal cláusula.
Questão que, curiosamente, é levantada pelo próprio autor.
Este sustentando que o pacto de não concorrência é válido, sustenta, por outro lado, que a exigência da alínea c) da cláusula 13ª, do contrato de trabalho, é nula.
A cláusula 13ª, como refere o Ex.mo PGA, forma um todo do qual resulta que o trabalhador apenas tinha limitação de actividade se pretendesse trabalhar em empresas concorrentes ou clientes da ora ré, pois nesse caso a ré tinha o direito de opor-se ficando, contudo, obrigada a indemnizar o trabalhador, caso o fizesse, após procedimento de comunicação à ré para avaliação da situação por parte desta.
O artigo 36º do DL 49.408 é muito claro e imperativo: uma cláusula de não concorrência ou de limitação de trabalho, após a cessação de contrato, só é válida se cumulativamente ocorrerem os três requisitos do nº2, a saber: a) forma escrita; b) que se trate de actividade que efectivamente cause prejuízo ao empregador; c) que atribua ao trabalhador uma retribuição durante o período de limitação da sua actividade.
Ora, é este último requisito que não se verificou. Não se atribuiu “à cabeça” uma retribuição certa ao trabalhador, como se exigiria. Relegou-se a fixação dessa remuneração para posterior momento, mediante a verificação de certas condições.
Assim, tem razão o autor quando diz que é nula a “alínea c) da mesma cláusula na parte em que estabelece requisitos suplementares para o pagamento da indemnização”.
Só que não é possível reduzir a nulidade a tal alínea. A cláusula é um todo e o vício atinge-a por inteiro.
A cláusula é toda ela nula (294º do Código Civil). Nulidade de conhecimento oficioso (286º do mesmo Código Civil).
Se fosse válida, a solução da sentença estaria certa: o autor não demonstrou ter ocorrido a limitação na sua liberdade de trabalho pelo modo previsto na cláusula.
Sendo nula, a solução está também certa. Se o autor provasse tal limitação efectiva durante três anos, poderia ver-se restituído eventualmente, reintegrando-se patrimonialmente, por via duma aplicação criativa dos artigos 289º do Código Civil e 15º do DL 49.408. Mas então teria de demonstrar, também, ter ocorrido a limitação na sua liberdade de trabalho pelo modo previsto na cláusula, o que não fez.
(De todo o modo, cumpre assinalar que, de certo modo, por ironia da vida, desde a data da cessação do contrato e, mesmo, da data da propositura da acção até à data da sentença decorreram os tais três anos previstos na dita cláusula. E, por efeito desta acção, o autor terá direito a valor idêntico ao que reclama, por aplicação da cláusula, mas agora por força da compensação pelo despedimento ilícito…).
Assim, improcederá o recurso do autor.

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III- DECISÃO
Termos em que se delibera:
1. julgar parcialmente procedente o recurso de apelação da ré, alterando parcialmente a decisão da 1ª instância, condenando a ré, em substituição do ponto 1 do dispositivo decisório, a pagar ao autor a quantia correspondente às retribuições que o autor deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, montante a liquidar em execução de sentença, com a dedução das eventuais importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo autor, desde 3-12-2004, em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento, no mais mantendo o demais decidido.
2. negar provimento ao recurso de apelação do autor.

Custas: no recurso do autor pelo próprio; no da ré, 99% pela ré e 1% pelo autor.
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Coimbra,
(Luís Azevedo Mendes)
(Fernandes da Silva)
(Serra Leitão)