Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
189/11.3TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
RESPONSABILIDADE DO GERENTE
Data do Acordão: 10/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 661.º, N.º 1; DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGO 64.º DO CSC
Sumário: 1. Há condenação em objeto diverso do pedido quando aquela não tem qualquer correspondência com a pretensão formulada em juízo, mesmo que a prestação em que os réus surgem condenados tenha a mesma natureza identitária da prestação pedida – v.g., a de uma obrigação com tradução pecuniária, uma obrigação de dare.
2. Incumbe à sociedade que procura responsabilizar o gerente ou administrador alegar e provar a factualidade em que teria assentado a gestão alegadamente não diligente, não criteriosa ou desleal.
Decisão Texto Integral:

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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A...., intentou na Vara de Competência Mista de Coimbra (1ª secção) uma acção declarativa sob a forma de processo sumário contra B....e mulher C...., alegando essencialmente o seguinte:
Em 2007 efectuou investimentos na sua sede em diversos equipamentos no valor de € 81.500,00, tendo então ao seu serviço três viaturas com o valor global de € 8.100,00; no final desse ano de 2007, em 31 de Dezembro, os quatro sócios da A. outorgaram com o Réu marido - que era gerente da D...., uma concorrente da A. no mercado - um contrato de promessa de compra e venda de cessão de quotas, renunciando os promitentes cedentes à gerência da A., que então passou a ser exercida pelo R. mediante deliberação da assembleia geral daquela; contudo, decorridos dois anos e oito meses de gestão da A., em 31 de Agosto de 2010 viria o R. a “denunciar” o aludido contrato e a renunciar à gerência, depois de ter sido ao mesmo tempo sócio e gerente da D....; durante o período em que exerceu a dita gerência da A., fê-lo o mesmo R. marido de forma negligente culposa e ruinosa, delapidando, destruindo e vendendo todo o património da Autora; nomeadamente fez desaparecer as aludidas viaturas e equipamento, aumentando o passivo da A. em € 10.000,00 e forçando a nova gerência da A. a solver € 34.036,66 por virtude de IVA que ficara por liquidar; além disso, entregou à A. a sede fechada e sem quaisquer bens, impossibilitando-a de prosseguir a sua actividade; a Ré mulher beneficiou da conduta do marido porquanto a gerência deste à frente da A. serviu para fazer face aos encargos do casal, o que transforma em comum a responsabilidade pelos danos por aquele ocasionados. Mais alega que o Réu marido não lhe prestou contas da sua actividade.
Conclui, alegando que durante a gerência do Réu e por causa dela sofreu prejuízos de € 123.636,66 €, ao que acrescem danos não patrimoniais, no montante de € 25.000,00, perfazendo o total de € 148.636,66.
Remata pedindo a condenação dos RR. a pagar à A. a quantia de € 150.591,33, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, desde a denúncia do contrato promessa até integral pagamento sobre € 148.636,66, e, bem assim, a prestar contas do exercício de gerência da A. no período em que esta se verificou.

A Ré contestou invocando que o contrato promessa de cessão de quotas não foi cumprido por culpa dos sócios da A.; que a Leiridiesel tinha sobre esta um crédito de € 72.300,00 referente a fornecimentos que lhe fez no período da gerência do Réu e dinheiro que lhe adiantou, razão pela qual este, para saldar uma dívida da A., enquanto seu gerente e no uso dos seus poderes, vendeu pelo seu valor real parte do património existente à empresa Leiridiesel, de que também era gerente; que os sócios da Autora só não continuaram a actividade que a mesma desenvolvia porque não quiseram adquirir material mais moderno e contratar novos empregados; por outro lado, o Réu, enquanto gerente da Autora, recuperou a imagem desta, nesse período gerando lucros - o que já não acontecia há muitos anos - e modernizando totalmente as suas instalações (o que a anterior gerência da Autora não tinha feito).
Termina, assim, com a improcedência da acção.

A Autora replicou, concluindo como na petição.

Na sequência do convite que lhe foi dirigido, a Autora apresentou um articulado inicial aperfeiçoado.

No despacho saneador foram os Réus absolvidos do segundo pedido formulado (prestação de contas).

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Sem qualquer espécie de impugnação, a 1ª instância deu como provados os seguintes factos:


1. A Autora é uma Sociedade Comercial de Responsabilidade Limitada, que tem por objecto o Comércio de Peças e Acessórios para Automóveis e a sua Reparação com Rectificação de Motores Diesel e tem a sua sede no lugar da Pedrulha, na Rua 4 de Julho em Coimbra (al. A).
2. No final do ano de 2007, o R. B…, gerente de uma concorrente no mercado a D…., que mantinha relações comerciais com a Autora, interessou-se pela aquisição desta sociedade e pelas suas participações sociais e propôs-se adquiri-las, tendo sido outorgado em 28.12.2007 o contrato de promessa de compra e venda de cessão de quotas pelo valor de 160 mil euros, de que os autores eram titulares no capital social da sociedade A…… (al. B).
3. O contrato prometido não foi outorgado (al. C).
4. O R. marido, após a formalização do contrato, foi nomeado gerente da Autora, cujas funções exerceu durante 2 anos e 8 meses (ap. 7, de 11.1.2008) e veio a renunciar à mesma e a denunciar o contrato promessa em 31 Agosto 2010 (al. D).
5. No inicio da gerência do Réu, a Autora detinha uma conta caucionada no BES no valor de € 42.500 e quando aquele renunciou à gerência a conta caucionada ascendia a €52.500 (al. E).
6. A autora, em 31.12.2007, tinha no seu património três veículos: um matriculas 56-79-JD de marca Seat, adquirido em 1997, um Ford Fiesta de matricula 14-82-DE, adquirido em 2003 e outro de matricula LQ-44-16, adquirido em 1988 (artº 6º).
7. O veículo com matrícula 56-79-JD foi vendido em 2010 por €3.000, o veículo com matrícula14-82-DE foi vendido em 2009 por 50€ e o veículo com matricula LQ-44-16 foi vendido em 2010 por 150 euros (artº. 14º).
8. Quando o Réu iniciou a sua gerência os bens referidos em 6º, bem como o equipamento e mobiliário que se encontra descrito no mapa de reintegrações e amortizações referente a 31 de Dezembro de 2007 e elencado no mapa constante de fls. 365 estava ao serviço da Autora, que se encontrava em laboração, com empregados a trabalhar, a receber e atender clientes (artº. 7º).
9. Quando o Réu renunciou à gerência a sociedade entregou as instalações da Autora vazias de todo o seu património imobilizado, com excepção da sua sede social, que se encontrava fechada (artº. 8º).
10. Após o fim da gerência do réu marido a autora nunca mais teve qualquer actividade (artº. 10º).
11. Após o fim da gerência do Réu marido a Autora tem sido interpelada para proceder ao pagamento de quantias devidas à fazenda pública, a fornecedores, à PT e à EDP, relativos ao período da gerência daquele e que procedeu a alguns desses pagamentos com dinheiro proveniente do património pessoal dos sócios da autora (art.º 11º).
12. Durante o período de tempo em que o Réu foi gerente da Autora os proventos que daí retirou destinaram-se a fazer face a encargos da vida familiar (artº12º).
13. O Réu, enquanto gerente, vendeu à D…. de que também era gerente, parte do património equipamento e mobiliário da autora pelo valor global de € 72.828,29 e que a D…. tinha sobre a autora um crédito de € 68.220,13 referente ao fornecimentos vários que lhe fez no período da gerência do réu e ao apoio à tesouraria que lhe foi prestado (artº13º).

*


A apelação.

Nas conclusões que delimitam o objecto do recurso vêm essencialmente levantadas as seguintes questões:

1º - A de saber se a condenação exactamente proferida o foi em coisa diversa do pedido, partindo de uma causa de pedir que não é aquela que substancia a acção;
2º - E se, em qualquer caso, a base factual deve ser ampliada para integrar matéria alegada pelos RR. na contestação, reveladora de que a gestão do R. foi prudente e proveitosa para a A..


A A. contra-alegou, limitando-se a pugnar pela confirmação do sentenciado.



Sobre o objecto da condenação do R.

Afirmam os recorrentes que a sentença condenou em coisa diferente do que vinha pedido, violando o princípio que impede o juiz de proferir um pronunciamento sobre tema diferente daquele que lhe é solicitado.
Vejamos.

O pedido formulado em primeiro lugar - o outro foi já julgado improcedente no saneador e com tal decisão as partes se conformaram - é do seguinte teor:
“os RR. serem condenados a pagarem à A. a quantia de €148.636,66 (…) ao que acrescem juros à taxa 4% desde 31 de Agosto de 2010 no valor de 1.954,67 €, num total de €150.591,33, data da denúncia do contrato, e ainda os juros vincendos á mesma taxa legal sobre o capital em divida desde a citação até integral pagamento (…)”.
Por seu turno, a sentença condena os RR. a “a pagarem à autora “A…..” a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença correspondente ao valor de mercado da sociedade autora à data em que o réu iniciou as funções de gerência”.

Dispõe o art.º 661, nº 1 do CPC, alusivo aos limites da condenação, que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.
Violando a sentença esta regra está criada a nulidade do art.º 668, nº 1, alínea e), do CPC, nulidade que pode ser fundamento de recurso ordinário da sentença, se ele for admissível, de harmonia com o nº 4 daquele artigo.
Será que a sentença condena verdadeiramente em objecto diverso do pedido?
O objecto da condenação é indiscutivelmente uma soma pecuniária genérica, sujeita a liquidação. Tal como o pedido (€ 150.591,33, mais juros), ele visa igualmente uma quantia pecuniária, para já ainda ilíquida. Não se pode dizer que o objecto seja diverso. O que se passa, desde logo, é que, por um lado, e sem mais, a liquidação do “valor da sociedade” pode obviamente ultrapassar a fasquia do montante peticionado, e, dessa forma, a condenação pode revestir a figura da condenação em quantidade potencialmente superior, o que está claramente vedado pelo art.º 661, nº 1 do CPC. Por outro lado - trata-se aqui, a nosso ver, do aspecto mais relevante - a acção não foi estruturada para exprimir a pretensão de a A. vir a receber um valor de sociedade - ou seja, afinal, o seu próprio valor de “empresa”, ainda que reportado a uma certa data. Ou seja, não é isso que formal e materialmente vem impetrado na acção. Na verdade, valor de mercado da sociedade tanto pode querer dizer valor de mercado da empresa, como do somatório do valor inerente a cada uma das participações sociais da pessoa colectiva. Nada indica ou aponta para que a A. tenha almejado obter o valor de mercado da sociedade enquanto empresa, uma vez que, em abstracto, este pode nada ter que ver com o dano que vem invocado. É que este dano diz respeito ao desaparecimento de um determinado conjunto de activos que é autonomizável, p. ex., do “valor de trespasse” de um estabelecimento, tal como é o do valor da soma das várias posições sociais, isto é, das quotas que integram o capital social da sociedade.
Mas ainda mais certo é que, ao formular o pedido, a A. não haja vislumbrado vir a receber dos RR. o valor das diversas quotas que perfazem o capital, calculado na data em que o R. marido iniciou funções de gerência. A soma do valor de mercado das diversas participações ou quotas, se adquiridas por diferentes entidades Porque ninguém poderia garantir a aquisição da globalidade das quotas por um único interessado., dificilmente será idêntica ao valor de mercado da sociedade-empresa. Valor de mercado “da sociedade” é, destarte, algo de indeterminado e indeterminável - ou, pelo menos, de insuperavelmente ambíguo - cuja precisa definição os destinatários da decisão nunca poderão alcançar com a necessária segurança.
Em suma, ainda que a prestação em que os RR. surgem condenados tenha a mesma natureza identitária da prestação pedida - a de uma obrigação com tradução pecuniária, uma obrigação de dare - ela não tem qualquer correspondência com a pretensão que foi formulada em juízo.
Assim, não nos repugna concluir que, com a condenação que foi proferida, se verifica o efectivo desrespeito do pedido, no sentido da concreta providência requerida ao tribunal pela A..
Desta forma, constatada a presença na sentença da nulidade do art.º 668, nº 1, alínea e) do CPC, impõe-se que este tribunal de recurso conheça de mérito, em obediência ao comando do art.º 715, nº 1 do CPC, preceito do qual decorre que, declarada a nulidade, o tribunal de recurso se deve substituir ao tribunal recorrido.
É o que se passará a fazer, caso não proceda a questão da insuficiência da base factual que constitui a segunda questão do recurso.


Necessidade de ampliação da base factual.

Entendem os recorrentes que a 1ª instância deveria ter incluído na base instrutória também a factualidade por eles alegada na contestação tendente a demonstrar que a gerência da A. levada a cabo pelo R. marido não foi prejudicial e até foi vantajosa para aquela.
Vejamos.

A vertente acção foi proposta com a finalidade de desencadear perante os RR. as virtualidades do mecanismo da responsabilização dos gerentes das sociedades por quotas pelos danos causados à sociedade durante o respectivo exercício.
Estatui o art.º 64º do CSC:
“1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:

a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.

Prescreve ainda o art.º 72 do mesmo diploma:
“1. Os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.
2. A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no número anterior provar que actuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial.
(…)”

O critério fundamental e básico plasmado nestas normas é, pois, o de que todo o gerente (ou administrador) de uma sociedade deve actuar diligentemente. O que inexoravelmente vai implicar a elaboração um juízo abstracto sobre a sua actuação - ainda que sopesando todo o circunstancialismo concretamente apurado - juízo que é notoriamente mais exigente do que aquele que adviria da mera aplicação do padrão do bonus pater familias. O gestor criterioso e ordenado tem, por conseguinte, o perfil de uma exigência mínima que supera o nível comum: há aqui um patamar dirigido a “especialistas fiduciários”, técnicos na gestão de bens de certo modo alheios. A gestão criteriosa ultrapassa a boa fé do direito civil, sendo mais coincidente com o bom governo das sociedades, a chamada “corporate governance”.
Como é patente, incumbe à sociedade que procura responsabilizar o gerente ou administrador alegar e provar a factualidade em que teria assentado a gestão alegadamente não diligente, não criteriosa ou desleal. Estamos classicamente perante matéria constitutiva do direito do credor, que carece de ser por ele alegada e provada, nos termos do art.º 342, nº do CC.
Evidentemente que uma gestão deliberadamente ruinosa arreda a possibilidade da prova da ausência culpa de quem a pratica.
Ora neste conspecto alegou a A. crucialmente no art.º 18º da p.i:
“O R. marido que ao mesmo tempo era sócio e gerente da D.... com sede em Leiria, durante o período em que exerceu a dita gerência, fê-lo de forma negligente, culposa e ruinosa, delapidando, destruiu e vendeu todo o património todo o património já referido, fez desaparecer as viaturas, a sua sede fechada, sem quaisquer bem a não ser a sua sede social, crivada de dívidas aos fornecedores, Finanças, Segurança Social e outros que os novos sócios e gerentes têm vindo a pagar com dificuldade (..)”.

Procurando respaldar na base instrutória o comportamento imputado ao R. marido, o Sr. Juiz do processo reconduziu esta alegação aos três pontos seguintes da b.i.:

Quando o réu renunciou à gerência da sociedade entregou as instalações da autora vazias de todo o seu património imobilizado, com excepção da sua sede social que se encontrava fechada? Resposta: Provado que quando o réu renunciou à gerência da sociedade entregou as instalações da autora vazias de todo o seu património imobilizado com excepção da sua sede social, que se encontrava fechada.

O réu marido durante o período em que exerceu a gerência fez desaparecer os bens referidos de 1 a 6º, não se encontrado reflectido na contabilidade da autora qualquer transacção dos mesmos? Resposta: Provado apenas o que consta da resposta ao art.º 13 .
10º
Em virtude do referido em 9º a A. deixou de facturar e prestar serviços, tendo sofrido um prejuízo durante a gerência do réu no valor de € 123.636,66? Resposta: Provado apenas que após o fim da gerência do R. marido a autora nunca mais teve qualquer actividade.

A resposta ao nº 13 foi a seguinte: Provado que o Réu, enquanto gerente, vendeu à Leiridiesel, de que também era gerente, parte do património equipamento e mobiliário da autora pelo valor global de € 72.828,29 e que a D…..tinha sobre a autora um crédito de € 68.220,13 referente a fornecimentos vários que lhe fez no período da gerência do réu e ao apoio à tesouraria que lhe foi prestado”.

Tendo sido alegado que a A. em 2007 adquirira o equipamento descrito nos nºs 1 a 6 da base instrutória - o qual, nos termos do nº 9 da b.i., o R. marido teria feito desaparecer - apenas se provou que a A. tinha ao seu serviço os três veículos identificados na resposta ao nº 6. Porém, mediante a resposta ao nº 9 é possível deduzir que nenhuma dissipação se provou.
De pertinente para a avaliação do carácter eventualmente não diligente ou imprudente da gerência do R. marido queda-nos tão só o facto resultante da resposta ao nº 13, acima reproduzida.
Só que a confirmação da venda de parte de património da A. à D….. (credora da A.) pelo valor de € 72.828,29, por si só, não se nos afigura como bastante para qualificar de não diligente a gerência desenvolvida pelo R. marido ao longo dos dois anos e oito meses em que teve lugar. Para assim se poder rotular essa gerência seria indispensável averiguar algo mais, e, em particular, outras razões que possam ter estado por detrás desse negócio, e que colidissem ou se não coadunassem com a gestão criteriosa e ordenada dos interesses da A., factualidade que, para lá da invocada dissipação ou delapidação, de forma alguma foi carreada para o processo.
O simples facto de o R. ter entregue a sede da A. fechada e sem o património imobilizado (resposta ao nº 8 da b.i.) também não se pode tomar como sendo necessariamente consequente de uma gestão ruinosa ou imprudente que lhe deva ser imputada. É que se ignora - pois a A., a quem exclusivamente competiria esclarecê-lo, nada alega a tal respeito - em que estado a sociedade realmente se encontrava quando o R. marido inciou a gerência. E não era aos RR. que cabia provar que a gestão do R. marido foi criteriosa ou saudável ou que este recebeu a sociedade em má situação financeira ou com problemas de qualquer outro tipo.
Em síntese: a escassa factualidade alegada mas devidamente controvertida pela base instrutória - sendo suficiente para o objectivo da acção e da defesa - não permite extrair a ilação de que a conduta do R. marido, enquanto ao leme da A., tenha sido violadora das regras de prudência e diligência impostas pela lei, designadamente pelo art.º 64, nº 1 al.ª a) do CSC.

Emergindo do grupo de factos acima transcrito que deles se não pode concluir pela ilicitude do comportamento do R. marido na gerência da A., à luz do normativo do CSC citado, a acção não pode deixar de improceder.

Pelo exposto, na procedência da apelação, acordam em declarar nula a sentença, e, substituindo-se do tribunal recorrido, ex vi do art.º 715, nº 1, do CPC, julgam a acção improcedente por não provada, absolvendo os RR. do pedido que ainda subsiste.
Custas pela apelada.

Coimbra, 16 de OUTUBRO de 2012