Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
199/07.5 GBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE VIAÇÃO
CAUSALIDADE ADEQUADA
CONDUÇÃO DE MOTOCICLO SEM CAPACETE
PRESTAÇÕES Á SEGURANÇA SOCIAL
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 06/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TOMAR – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 494º,5’5º E 570º DO CC, 16.º DA LEI N.º 28/84, DE 14 DE AGOSTO,71.º DA LEI N.º 32/2002, DE 30 DE DEZEMBRO
Sumário: 1. A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.
2. É esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral ou abstracta do facto para produzir o dano.
3. Conduzindo a vítima sem capacete, e tendo, além de outras, sofrido lesões crâneo-encefálicas determinantes da sua morte, o nexo de causalidade entre a colisão e o resultado só é de excluir ante a prova efectiva e inequívoca de que sofreria lesões idênticas se fosse portador de capacete, prova que cabe à Autora
4. Ante a dificuldade de apurar qual a medida do agravamento da responsabilidade do condutor vítima letal, que sofreu lesões na cabeça e conduzia sem capacete de protecção, a questão não deva ser resolvida mediante um aleatório agravamento percentual do seu grau de culpa, devendo esse facto omissivo ser considerado na fixação da indemnização, segundo o critério do art.º 494.º do Código Civil
5. Quer a artigo 16.º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto quer o actual artigo 71.º da Lei n.º 32/2002, de 30 de Dezembro prescrevem que no caso de concorrência, no mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite dos valores que lhe concederem.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. J... , já mais identificado nos autos, foi acusado pelo Ministério Público da prática de materialidade consubstanciadora de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido no artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal [CP], bem como das contra-ordenações causais previstas e punidas nos artigos 24.º, n.ºs 1 e 3; 27.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 145.º, alínea c), todos do Código da Estrada [CE].

M... ; V…; S… e P…, respectivamente, viúva e filhos do malogrado C..., na qualidade de seus únicos herdeiros legitimários, deduziram, por seu turno, pedido de indemnização civil contra a Companhia LS... , S.A., pedindo a respectiva condenação a pagar-lhes a quantia global de € 113.580,00 (sendo € 47.500,00 por perda do direito à vida; € 32.500,00 pela dor e sofrimento sentido pelos demandantes; € 32.480,00 pela frustração de ganhos futuros derivados da perda dos rendimentos auferidos pela vítima; e, € 1.100,00 pela perda do ciclomotor na sequência do embate), acrescida de juros legais contados desde a notificação para contestar até cabal pagamento.

Também o Instituto da Segurança Social deduziu contra a mesma seguradora pedido de reembolso de prestações pagas à viúva M…, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência no período de Julho de 2007 a Março de 2008, no montante de € 6.260,34, e ainda o relativo ao pagamento mensal daí em diante da quantia de € 268,68, a que acrescem os valores relativos ao 13.º e 14.º mês de pagamento, acrescido dos respectivos juros de mora contados desde a notificação para contestar, até cabal pagamento.

Recebida a dita acusação e admitidos os pedidos indicados, na normal e subsequente tramitação processual, realizado o contraditório, veio a proferir-se sentença decidindo, ao de mais ora irrelevante, na procedência da acusação crime e procedência apenas parcial dos pedidos civis:

- Condenar o arguido como autor do ilícito assacado, na pena de 7 (sete) meses de prisão, porém, substituída pela pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), perfazendo o valor total de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros).

- Condenar o arguido pela prática da contra-ordenação, prevista e punida no artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do CE, na coima de € 100,00 (cem euros).

- Condenar a demandada LS... , S.A., a pagar aos demandantes herdeiros a quantia global € 66.982,90 (sessenta e seis mil novecentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos, sendo € 65.250,00 (sessenta e cinco mil duzentos e cinquenta euros) a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros, à taxa legal de 4%, a contar da data da sentença e até integral pagamento, e € 1.732,90 (mil setecentos e trinta e dois euros e noventa cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação para contestação do pedido civil até integral pagamento.

- Condenar a mesma demandada a pagar à demandante Segurança Social a quantia global € 6.260,34 (seis mil duzentos e sessenta euros e trinta e quatro cêntimos) correspondentes às prestações por morte que aquela instituição pagou à viúva até Março de 2008, a que acresce a quantia mensal de € 268,68 (duzentos e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos), contada desde Março de 2008, e enquanto aquela instituição estiver vinculada ao referido pagamento, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação para contestação do pedido civil até integral pagamento.

1.2. Desavindos com o assim decidido, recorrem o arguido e a demandada civil, extraindo das respectivas motivações as conclusões seguintes:

(o arguido)

1.2.1. Mostram-se incorrectamente julgados (como provados) os pontos 5 a 9; 13 a 15; 17 a 20, todos inclusive, da sentença recorrida.

1.2.2. Para considerar provados tais factos atentou o Tribunal a quo, essencialmente, ao depoimento da testemunha L... , ao depoimento da testemunha A... , à participação do acidente de viação – elaborado por esta testemunha – e à restante prova documental junta aos autos.

1.2.3. Ora, esta prova – porque outra não houve, pelo menos esclarecedora – impunha decisão diversa. Assim:

1.2.4. O depoimento da testemunha L...  é contraditório e duvidoso, desde o início até ao final.

1.2.5. Tal testemunha afirma ter visto o acidente. Porém, começa por descrevê-lo de determinada forma e termina descrevendo-o de outra forma diferente.

1.2.6. Relativamente ao Ponto 5 a testemunha L...  adoptou três descrições diferentes do acidente:

- começa por afirmar que vê o motociclo a circular à frente do veículo;

- alterou o seu depoimento dizendo que ouviu o barulho da mota, olhou e viu o embate;

- acabou por dizer que não viu os veículos a circular e que presume que um seguisse à frente do outro.

1.2.7. Relativamente aos pontos 6, 7 e 9, novamente, a L...  teve várias versões dos mesmos factos:

- começa por afirmar, convictamente, que foi feito o sinal de pisca;

- termina afirmando, com a mesma convicção que, afinal, foi feito o sinal de braço.

Sendo certo que, quanto ao local de embate a L... :

- tanto o localiza na faixa da esquerda; 

- como na faixa da direita; 

- como no meio da estrada.

Relativamente à questão da ultrapassagem efectuada, alegadamente, pelo arguido a L...  afirmou que o mesmo não ia a fazer qualquer ultrapassagem.

1.2.8. Acresce que o M.mo Juiz a quo devia ter atentado a contradições existentes entre o depoimento da testemunha L...  e o da sua própria mãe F... .

Na verdade, se a testemunha L...  afirma que os irmãos estavam consigo, sua mãe afirma que os irmãos não estavam com aquela.

1.2.9. Acresce ainda que, estando a testemunha L...  no local do acidente, vendo, pelo menos, o corpo da malograda vítima estendido no chão, não deixa de ser estranho que não se tenha aproximado da vítima e do arguido, sendo certo que as testemunhas Teresa e Vera demonstraram estranheza e indignação por não verem nenhuma pessoa ao pé do corpo da vítima ou do arguido.

1.2.10. Ora, este tipo de comportamento da testemunha L...  de não se aproximar do corpo da vítima e do arguido, sem dúvida que nos permite pôr em causa a altura em que ela chegou ao local, uma vez que qualquer jovem da idade da testemunha, tendo como base o senso comum e o homem médio, se aproximaria e tentaria prestar alguma ajuda.

1.2.11. Portanto, do depoimento da testemunha L...  não se pode concluir a forma como o acidente ocorreu, sendo certo que o Tribunal sindicado não devia ter tido em consideração o seu depoimento para dar como provado, como deu, a matéria factual constante da acusação pública.

1.2.12. Relativamente aos pontos 8, 13, 14, 15, 17, 18, 19 e 20 também os mesmos não poderiam ter sido dados como provados, atento o seguinte:

- não há certeza se o local onde ocorreu o acidente é dentro da localidade do Coito e, consequentemente, se está sujeito ou não ao limite de velocidade de 50 Km/hora.

- A propósito deste ultimo ponto, isto é, a propósito de o local do acidente ser na localidade do Coito, por um lado temos:

- o depoimento da testemunha L...  que afirmou que o local não se situa no Coito;

Por outro lado temos:

- o depoimento da testemunha Manuel Fernandes, agente da G.N.R. que tomou conta da ocorrência que afirmou que o local do acidente não é no Coito e a velocidade máxima no local é de 50 km.

1.2.13. Portanto, para lá de não haver qualquer certeza acerca da velocidade a que o arguido conduzia, jamais se podia considerar que a velocidade permitida era a de 50 km, e que o local do embate foi no Coito.

1.2.14. O Tribunal recorrido para considerar provados os factos que considerou, teve também em consideração a participação do acidente de viação e o depoimento da já referida testemunha A... . Com o devido respeito não o devia ter feito uma vez que do depoimento desta testemunha que elaborou e comentou a participação resulta o seguinte:

- que a participação não retrata, com exactidão a realidade, uma vez que o próprio admite que a sinalização de estrada de terra não retratou o largo existente;

- sendo certo que a sinalização correcta desse largo é essencial uma vez que o início dos restos de travagem, tem como referência tal largo;

- aliás, a testemunha tanto localiza o início dos rastos de travagem em frente ao largo, como antes da estrada de terra batida, que precede o largo.

1.2.15. Portanto, não há rigor nos elementos que constam da participação do acidente, sendo certo que é o próprio agente da autoridade que o elabora que o admite.

1.2.16. Ademais, tal agente admitiu que o local do embate não é necessariamente onde o assinalou.

1.2.17. Assim sendo, não podia a participação ser tomada em consideração para se considerarem provados, como sucedeu, alguns dos factos já referidos.

1.2.18. Porque assim é, os vários documentos que têm por base tal participação, nomeadamente os cálculos constantes no relatório de fls. 99 a 102 não podem ser tidos em consideração para provar ou fundamentar o que quer que seja.

1.2.19. Toda a prova produzida impunha, assim, que se considerassem como não provados os factos refeirdos. Mas,

1.2.20. Ainda que assim não entendesse o Tribunal a quo, em último caso, e atendendo às várias contradições referidas, deveria ter-se socorrido do princípio consagrado do in dúbio pro reo.

1.2.21. Acresce ainda que a sentença recorrida peca ao considerar que as declarações do arguido não convenceram o Tribunal por vários motivos, quais sejam:

- uma pessoa de 67 anos não é de crer que adopte uma condução agressiva nos moldes relatados;

- antes do embate existiu um rasto de travagem de 8 metros, não sendo possível efectuar o desvio para a esquerda.

1.2.22. Como é consabido a sinistralidade no nosso País de condutores na faixa etária da infeliz vítima é elevada porquanto e atendendo à idade as pessoas já não têm os mesmos reflexos.

1.2.23. Por outro lado, a existência do rasto de travagem na estrada, a ser considerado provado, atesta a versão do acidente apresentado pelo arguido.

1.2.24. Ocorre, todavia, que tais considerações não podem fundamentar a sua condenação.

1.2.25. De facto, não basta uma questão de probabilidades ou credibilidade, tendo antes de demonstrar-se uma certeza sobre a verificação dos factos ou uma total ausência de dúvida dessa mesma prática.

1.2.26. Nesta circunspecto, decidindo como o fez, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal [CPP].

1.2.27. Ademais violou essa peça o estatuído nos artigos 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa [CRP] - corolário do princípio in dúbio pro reo -; 137.º, n.º 1 e 15.º, n.º 1, alínea c), ambos do CP e, por fim, 27.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CE.

Terminou pedindo, consequentemente, o eximir de qualquer responsabilização penal ou contra ordenacional.

(a demandada civil)

1.2.28. A livre apreciação da prova conferida ao juiz não pode ser eivada de subjectividade nem tão pouco servir para afastar o princípio do ónus da prova e do in dúbio pro reo.

1.2.29. Os dois princípios referidos são basilares do nosso actual sistema de direito democrático e social, funcionando como garantes da justa aplicação do direito ao caso concreto e da certeza na justeza da condenação de cada arguido que efectivamente venha a ser considerado culpado.

1.2.30. Impõem a CRP, o CP e o CPP que para se considerar culpado um arguido que vem acusado pela pratica de qualquer acto contrário à lei não podem restar as menores duvidas que de facto foi daquela forma e não de outra qualquer que o acto se produziu e que foi o arguido a produzi-lo.

1.2.31. Se restar, nem que seja 1 % de dúvida acerca da imputação do acto ao arguido, terá aplicação o princípio do in dúbio pro reo e o arguido terá necessariamente de ser absolvido.

1.2.32. No caso em apreço, a condenação do arguido e consequente condenação da demandada, fundou-se única e exclusivamente no depoimento de uma testemunha - a testemunha de nome L... , que à data do acidente tinha apenas 18 anos de idade era vizinha e amiga da família da infeliz vítima.

1.2.33. É do conhecimento comum que os adolescentes não possuem o mesmo discernimento que os adultos possuem para avaliar, compreender e ajuizar a forma como os factos se produzem.

1.2.34. Foi pedido à testemunha que ajuizasse a forma como se objectivou um acidente mortal, que vitimou uma pessoa que a mesma conhecia de longa data.

1.2.35. O depoimento da testemunha, ao contrário do fundamentado na sentença em crise, desenvolveu-se de forma muito confusa, hesitante e com inúmeras contradições e correcções, não foi de forma alguma claro e demonstrativo de conhecimento de facto e de correcção mas antes, foi um depoimento avultado em dúvidas e contradições que impedem que seja de tal forma valorado que só por si fundamente a condenação do arguido e da ora recorrente.

1.2.36. Todo o depoimento da testemunha L...  ficou ferido de suspeição e de dúvida acerca da sua parcialidade e isenção, pelo que jamais poderia ser valorado de forma a fundamentar a condenação de um arguido por homicídio por negligência.

1.2.37. O depoimento das testemunhas F... , M...  e A... , este militar da GNR, em nada contribuíram para o esclarecimento da forma como ocorreu o acidente dos autos, porquanto nenhuma delas o presenciou.

1.2.38. Andou mal o Tribunal a quo ao retirar as ilações em relação ao facto de a vitima ter 67 anos e de não ser de crer que tomasse uma condução agressiva, porquanto tal argumentação padece da subjectividade inerente à pessoa do Juiz e de total carência do circunstancialismo objectivo envolvente, pelo que não deveria ter merecido sequer referência quanto mais fundamentar a decisão.

1.2.39. A existência de um rasto de travagem de 8,7 metros antes do embate, ao contrário do alegado, corrobora as declarações prestadas pelo arguido que disse ter sido surpreendido a cerca de 8/9 metros antes do embate pela trajectória oblíqua da vítima.

1.2.40. Da audiência de discussão e julgamento não resultou provada a culpa do arguido, bem assim como qualquer das versões apresentadas acerca da produção do acidente.

1.2.41. No caso em apreço, inclusive, não poderia o julgador socorrer-se da responsabilidade objectiva ou pelo risco, ut artigo 506.º, do Código Civil [CC], pois que se se justifica a absolvição do arguido, também deverá improceder in totum o pedido de indemnização cível deduzido contra a ora recorrente.

1.2.42. A sentença penal apenas pode apreciar e decidir o pedido de indemnização civil baseado em danos provocados pela prática do crime que constitui objecto da acção penal.

1.2.43. A procedência do pedido de indemnização civil restringe-se à responsabilidade civil baseada na culpa, disposta no artigo 483.º, n.º 1 do CC.

1.2.44. Conforme se refere na sentença prolatada, resultou provado que na altura do embate a vítima levava o capacete de protecção desapertado ou mal apertado.

1.2.45. Esta circunstância fez com que o capacete saltasse da cabeça entre o momento do embate da viatura no ciclomotor e o momento do embate da cabeça da vítima no vidro pára-brisas daquela.

1.2.46. O uso deficiente do capacete pela vítima contribuiu decisivamente para o agravamento dos danos sobrevindos.

1.2.47. Não determinando com certeza o relatório de autópsia qual das lesões, encefálica ou torácica, foi a causa de morte, deverá considerar-se que ambas contribuíram com a mesma percentagem para a morte da vitima.

1.2.48. Pelo que o uso deficiente do capacete deverá ser computado num agravamento de 50% dos danos que a vitima sofreu e em consequência deverá ser esta a percentagem a subtrair ao montante global indemnizatório atribuído aos demandantes cíveis.

1.2.49. Idêntica percentagem deve ainda ser descontada no pagamento em que a seguradora foi condenada a solver à Segurança Social.

1.2.50. Andou mal o Tribunal a quo ao condenar a recorrente a pagar à Segurança Social a quantia mensal de € 268,68 contada desde Março de 2008 e enquanto aquela instituição estiver vinculada ao referido pagamento acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação para contestação ao pedido civil até integral pagamentos.

1.2.51. Isto porque, em momento algum, o demandante Instituto da Segurança Social pediu a condenação nesse pagamento das prestações vincendas.

1.2.52. Ou seja, mostra-se aí violado o artigo 661.º, n.º 1 do Código de Processo Civil [CPC], o qual estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

1.2.53. Além deste normativo, a decisão recorrida questionou também o disposto nos artigos 668.º, n.º 1, do CPC; 342.º, n.º 1; 396.º e 570.º, todos do CC, bem como os princípios da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo.

Concluiu pedindo a revogação do decidido nos moldes alegados.

1.3. Notificados para tanto, responderam os sujeitos processuais visados – Ministério Público e demandantes civis – sufragando o improvimento dos recursos, e, logo, a manutenção do decidido.

1.4. Admitidas ambas as impugnações, remetidos os autos a esta instância, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, reportando-se ao único no qual detém interesse em agir – o do arguido -, emitiu parecer conducente ao improvimento respectivo.

Cumpriu-se com o disciplinado no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.

No exame preliminar a  que alude o n.º 6 do mesmo normativo, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

Como assim, determinou-se a recolha dos vistos devidos e submissão dos autos à presente conferência.

Urge agora ponderar e decidir.


*

II - Fundamentação de facto.

2.1. Na sentença recorrida, após discussão da causa, tiveram-se como provados os factos seguintes:

“1. No dia 5 de Junho de 2007, cerca das 7 horas e 55 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com matrícula 00-00 -RC, na Estrada Nacional n.º 534, no sentido Tomar-São Pedro, pela hemifaixa direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.

2. A via, naquele local, assume a configuração de uma curva ligeira, mas prolongada e com declive (a descer, no sentido de marcha do veículo tripulado pelo arguido), com boa visibilidade e com 6,2 metros de largura, estando dividida em duas hemi-faixas de rodagem, cada uma com a largura de 3,1 metros, destinadas ao trânsito que se processa nos dois sentidos.

3. O pavimento é asfaltado e encontrava-se em bom estado.

4. O piso encontrava-se seco.

5. No mesmo circunstancialismo de tempo e de lugar e no mesmo sentido seguido pelo arguido, circulava a vítima C..., que conduzia o ciclomotor com matrícula 2-TMR-00-00, o qual seguia imediatamente à frente do veículo conduzido pelo arguido.

6. A determinada altura do percurso, quando atravessava a localidade de Coito, área desta comarca, a vítima iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda, atento o seu sentido de marcha, por forma a passar a circular numa estrada em terra batida, em direcção à Travessa do Fundo da Ladeira.

7. Para tanto, C... aproximou-se do eixo da via estendeu o braço esquerdo, dando indicação que pretendia virar à esquerda.

8. Contudo, porque imprimia ao veículo que conduzia uma velocidade que não foi possível apurar, mas seguramente não inferior a 69 km/h, superior à permitida naquele local e à que as condições da via aconselhavam e permitiam, porque circulava desatento e com falta de cuidado,

9. O arguido iniciou a ultrapassagem ao ciclomotor, invadindo a faixa de rodagem contrária, indo embater com a parte frontal do veículo automóvel que conduzia na parte lateral esquerda traseira do ciclomotor conduzido pela vítima, quando este já se encontrava na metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Tomar-São Pedro, e em posição transversal à mesma, a fim de passar a circular na referida Travessa do Fundo da Ladeira.

10. Com a violência do embate, o ciclomotor conduzido por C... tombou sob a sua parte lateral direita, ficando debaixo da parte frontal do veículo conduzido pelo arguido, vindo a ser arrastado pelo mesmo, numa distância de 24,3 metros, até à imobilização deste, na faixa direita da faixa de rodagem, atento o sentido Tomar-São Pedro.

11. Após o embate, o veículo conduzido pelo arguido deixou um rasto de travagem de 24 metros.

12. Ainda com a violência do embate, C... foi projectado para a frente, vindo a imobilizar-se na valeta esquerda da faixa de rodagem, a 21 metros do local do embate, considerando o sentido de marcha Tomar-São Pedro.

13. O embate deu-se na metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o sentido Tomar-São Pedro, a cerca de 1 metro do eixo da via.

14. Antes de ocorrer o embate, o arguido travou o veículo que conduzia, deixando um rasto de travagem de 8,7 metros na faixa de rodagem.

15. Todavia, porque conduzia desatento e a uma velocidade desadequada, não logrou evitar o embate.

16. Como consequência de tal embate, a vítima C..., sofreu fractura da base do cérebro, hemorragia sub-aracnóide, focos hemorrágicos do cérebro e cerebelo, fractura do frontal e fracturas de arcos costais direitos, lesões traumáticas que lhe determinaram, como causa directa e necessária, a morte.

17. A velocidade máxima permitida no local do acidente é de 50 km/hora, já que o mesmo ocorreu dentro da localidade de Coito.

18. Ao conduzir da forma descrita, o arguido não adequou a velocidade que imprimia ao veículo que conduzia às descritas características da via onde circulava.

19. Ao circular de forma desatenta, a uma velocidade superior à permitida e à que as condições da via e do local impunham, o arguido actuou sem os deveres de cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, embora tenha actuado sem prever que, como resultado da sua conduta, ocorressem o acidente e as lesões supra descritas.

20. No entanto, podia e devia ter evitado o acidente se conduzisse com a necessária atenção ao local e ao trânsito que se fazia sentir e tivesse imprimido uma velocidade que lhe permitisse manter, em qualquer circunstância, o controlo do seu veículo.


*

Apurou-se ainda, que:

21. O arguido passava regularmente no local do embate, que se situava no trajecto entre a casa e o emprego.

22. Após o embate do veículo 00-00 -RC no ciclomotor, a vítima C... embateu violentamente com a cabeça no vidro pára-brisas do automóvel e daí foi projectado nos termos referidos no ponto 12 supra.

23. A vítima C... não trazia o capacete de protecção devidamente colocado na cabeça (francaletes largos ou desapertados).

24. O arguido frequenta um programa ocupacional na Junta de Freguesia de Casais, auferindo um subsídio mensal de € 500,00.

25. Vive com a sua mulher, empregada fabril, e dois filhos de ambos, em casa arrendada, pagando € 175,00 mensais de renda.

26. Possui viatura automóvel própria, da marca Renault Clio.

27. Tem como habilitações literárias o 4.º ano de escolaridade.

28. Não tem antecedentes criminais nem contra-ordenacionais estradais.

29. O arguido é considerado pessoa honesta, séria e trabalhadora no meio social e profissional em que se insere.


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Dos pedidos civis.

Com interesse para a decisão da causa provou-se, para além dos factos acima descritos, que:

30. C... nasceu em 28 de Outubro de 1939, tendo à data do acidente 67 anos de idade.

31. Morreu no estado de casado com a demandante M...  e deixou como filhos os demandantes V…, S… e P...  .

32. C... era um homem saudável, de boa compleição física.

33. Era reformado, auferindo uma pensão mensal de € 435,84.

34. Era com essa quantia que suportava as suas despesas e as com a, ora viúva, M....

35. O falecido, apesar de reformado, cultivava vários produtos hortícolas num terreno pertencente ao filho V... , tais como, couves, batatas, cebolas e outros legumes, que eram distribuídos pelos filhos e também por si.

36. A vítima prestava ainda serviços agrícolas, de quando em quando, numa quinta sita em C…, propriedade de uma senhoras já muito idosas, uma das quais de nome VV… .

37. Demandantes e falecido eram muito amigos, dedicando-se reciprocamente afeição e consideração muito elevados.

38. Contactavam-se amiúde, quase diariamente, dado todos residirem nas proximidades uns dos outros.

39. Festejavam as Páscoas e os Natais conjuntamente, em casa do falecido e da viúva M....

40. Os demandantes ficaram afectados de grande tristeza e sofrimento na sequência da morte do seu marido e pai.

41. O veículo 00-00 -RC encontrava-se seguro na demandada LS, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.° 00528890.

42. Com base no falecimento do beneficiário n.º 10950594373, C..., foram requeidas no ISS, IP/CNP, pela viúva, M…, as respectivas prestações por morte, as quais foram deferidas.

43. Em consequência o ISS, IP/CNP pagou à viúva a titulo de subsídio por morte e pensões de sobrevivência no período de Julho de 2007 a Março de 2008 o montante de € 6.260,34.

44. O ISS, IP/CNP continuará a pagar à viúva do beneficiário a pensão de sobrevivência enquanto esta se encontrar nas condições legais, com inclusão de um 13.º mês de pensão em Dezembro e de um 14.º mês em Julho de cada ano, pensão essa cujo valor mensal actual é de € 268,88.”

2.2. Já no que concerne a factos não provados se consignou na dita sentença recorrida:

“Da acusação:

Com interesse, não se provou, que:

a) C... accionou o sinal luminoso indicativo de mudança de direcção.

b) O arguido perdeu o controlo do veículo por si conduzido, o qual entrou em despiste para o seu lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha.


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Do pedido civil:

Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:

c) O ciclomotor que a vítima conduzia ficou em estado de inviabilidade de reparação económica.

d) O ciclomotor valia à altura do acidente € 1.100,00.


*

Da contestação da demandada seguradora LS…, S.A.:

Com interesse para a decisão da causa, não se  provou que:

e) Na altura do embate o condutor do veículo seguro circulava a velocidade reduzida, não superior a 50-60 Km/h.

f) Foi o condutor do ciclomotor que inopinadamente cortou a linha de marcha do veículo seguro.

g) O ciclomotor efectuou uma manobra de mudança de direcção para a esquerda de forma inesperada e incauta, e que foi a causa do embate.”

2.3. Por último, a motivação probatória inserta na mencionada decisão determina que:

“A convicção do tribunal quanto à factualidade provada baseou-se na conjugação e análise crítica da prova documental, pericial e pessoal produzida em julgamento.

Em termos de prova pessoal relativa à demonstração da factualidade vertida na acusação teve-se em conta o depoimento da testemunha L... , na altura com 18 anos de idade, que presenciou o embate ocorrido. Relatou encontrar-se perto da berma da estrada, do lado esquerdo atento e sentido de marcha da viatura tripulada pelo arguido e junto ao caminho de terra batida que a vítima pretendia tomar. Estava à espera do autocarro para Tomar quando, a dada altura, ouviu um ciclomotor a aproximar-se e a afrouxar a marcha e, ao olhar, observou um automóvel a embater num ciclomotor. Afirmou que quando olhou para o local, imediatamente antes do embate, viu ainda a vítima com o braço esquerdo estendido para a esquerda dando indicação que pretendia virar à esquerda.

O referido depoimento convenceu o tribunal porque, para além dos factores de valoração crítica abaixo referidos, o relato é perfeitamente compatível com os demais dados objectivos resultantes da prova produzida em julgamento.

Tais elementos resultam da participação do acidente e do croquis de fls. 147/148, do relatório da autópsia de fls. 28, das fotografias de fls. 85 a 96 e da informação escrita prestada pela GNR já em fase de julgamento, relativamente à velocidade máxima permitida no local.

Deles resulta de forma segura que o embate ocorreu no interior de uma localidade, numa curva prolongada em declive descendente (sentido de marcha do arguido), com caminhos a entroncarem no lado direito e esquerdo da via (embora não existisse sinal gráfico indicativo da existência dos mesmos) na hemi-faixa da esquerda atento o sentido que levava o arguido, e quando o ciclomotor estava prestes a entrar no caminho que entronca à esquerda da via. Mais resulta que o veículo do arguido deixou um rasto de travagem de 8,70 m antes do embate e de 24 m já depois do embate, perfazendo o total de 32,70 m.

Quanto à velocidade dada como provada a mesma resultou da adesão aos cálculos constantes no relatório de fls. 99 a 102, que concluem pela circulação do veículo a uma velocidade de 69,76 km/h antes do início da travagem. Todavia, apesar de ter sido essa a velocidade que serviu de base à prova do facto descrito no ponto 8. dos factos provados a verdade é que, mesmo de acordo com as regras da lógica, a velocidade real do arguido teria de ser superior. Aliás, o próprio relatório refere expressamente que na velocidade apurada não foram tomados em conta os consumos de energia decorrentes da própria colisão, da projecção do peão, e sobretudo do atrito provocado pelo arrastamento do ciclomotor pela parte dianteira do veículo até à imobilização, nos termos ilustrados a fls. 88, 89 e 90, e que se prolongou por 24,3 m (vide ponto 10. dos factos provados). Daí a prova de que o arguido circulava pelo menos a 69 km/h, mas com a certeza de que a velocidade efectiva/real seria superior. Por sua vez da conjugação das fotografias de fls. 88 (foto n.º 8) e 89 (foto n.º 9) em que se observa parte do couro cabeludo da vítima colado ao vidro pára-brisas, com o teor do relatório da autópsia onde é mencionada a fractura da base do cérebro (vide fls. 31 e 34) é possível concluir de forma certa que na altura do embate a vítima levava o capacete de protecção desapertado ou mal apertado, circunstância que fez com o mesmo saltasse da cabeça entre o momento do embate da viatura no ciclomotor e o momento do embate da cabeça da vítima no vidro pára-brisas daquela. Por isso provou-se o facto mencionado no ponto 23.

Esta circunstância é relevante pois a morte de C... foi devida às lesões traumáticas craneo meningo encefálicas e toráxicas que resultaram do embate (vide fls. 34). Assim o referido deficiente uso do capacete contribuiu também para o agravamento dos danos (e não para a ocorrência do embate) sofridos pela vítima.

Por outro lado, a configuração do rasto de travagem do automóvel apresenta um traçado rectilíneo situado na hemi-faixa da esquerda, conforme está ilustrado a fls. 85 (foto n.º 2) o que, aliado ao facto de a vítima ter iniciado a mudança de direcção para a esquerda, contribuiu decisivamente para a conclusão de que o arguido iniciou a dada altura a manobra de ultrapassagem ao ciclomotor não atendendo devidamente à posição deste na via pública e embatendo-lhe devido à velocidade de que ia animado.

Caso se tratasse de uma manobra de recurso, como pretendeu o arguido demonstrar em sede de declarações, travando e desviando-se para a esquerda por forma a contornar o ciclomotor, então o rasto de travagem teria necessariamente de indiciar essa conduta que, nessa situação, poderia revelar falta de perícia na condução pois estando o veículo posicionado sensivelmente no eixo da via então a manobra evasiva adequada e exigível a qualquer condutor era que passsasse pelo lado direito.

Ponderaram-se ainda os depoimentos das testemunhas:

F... , que estava a regar o jardim na sua habitação situada junto à berma quando ouviu os barulhos de uma travagem e uma pancada e ao olhar viu uma pessoa a ser projectada pelo ar;

M... , viúva, referiu que o seu falecido marido circulava habitualmente pela estrada de alcatrão para ir trabalhar;

A... , militar da GNR, que confirmou o teor da participação do acidente junta aos autos, e referiu que o embate se terá dado no local assinalado no croquis por ali se encontrarem vestígios visíveis do mesmo, tais como vidros, e marca da queda do ciclomotor no pavimento ilustrada também na foto n.º 3 de fls. 86;

T... e X..., auxiliares de acção médica, que passaram no local pouco tempo após o embate e tentaram prestar auxílio à vítima.


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Por outro lado, as declarações do arguido foram no sentido de afastar a sua responsabilidade do sucedido. Referiu que, conhecendo bem o local por ali passar regularmente a caminho do trabalho, viu a vítima a uma distância de cerca de 70 m, parecendo-lhe estar parada ou a circular muito devagar junto à berma esquerda, e que quando estava a cerca de 8/9 m da mesma esta fez um trajecto obliquo repentino para o lado esquerdo, o que o levou a guinar para esquerda para se desviar dela. Ora, conjugando as referidas declarações com os demais elementos acima referidos, as mesma não convenceram. Primeiro porque sendo a vítima uma pessoa com 67 anos a circular num ciclomotor não é de crer que o mesmo adoptasse uma condução agressiva nos moldes relatados. Segundo porque se o arguido  avistara um ciclomotor 70 metros de distância então mais exigível era que, dadas as características da via por onde circulava, tomasse especiais medidas de abrandamento por forma a travar em segurança se tivesse necessidade de o fazer. Terceiro porque se a anteceder o embate existe um rasto de travagem de 8,7 metros, então não era possível ter efectuado o desvio para a esquerda nos termos que referiu. Quarto, mesmo que, por hipótese, o tivesse feito nos moldes que referiu, então actuou com falta de perícia, pois o desvio teria de ser para o lado contrário.

A ausência de antecedentes criminais e contra-ordenacionais estradais do arguido encontra-se certificada a fls. 213 e 115.

Os factos sobre a situação pessoal e económica do arguido provaram-se com base nas suas declarações, atendendo-se ainda aos depoimentos de JB…, MG…, AF…, VA… e JF…, colegas e amigos do arguido, que referiram ser este pessoa honesta e trabalhadora.


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A prova da factualidade atinente ao pedido cível formulado pelos demandantes herdeiros assentou nos depoimentos das testemunhas JC…, CM…, CD…, CM…, e JG…, amigos e vizinhos da vítima, que privavam de perto com ela, e descreveram a factualidade inscrita nos pontos 32, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40.

Consideraram-se ainda os documentos de fls. 156 (recibo de pensão), 129 (habilitação de herdeiros).

No que concerne ao pedido formulado pela segurança social considerou-se o teor da certidão constante de fls. 226.


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Não se provaram os factos descritos em a), b), e), f) e g) na medida em que a factualidade provada os infirmou directamente. Quantoa os factos mencionados em c) e d) sobre eles não foi feita qualquer prova.

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As testmunhas inquiridas, com a ressalva dos aspectos que se referem a seguir, depuseram de forma lógica e coerente, sem hesitações ou contradições, merecendo credibilidade.

Todavia quanto ao depoimento de F...  cumpre referir que, como a mesma acabou por admitir a final, apenas convenceu quanto à circunstância de ter olhado para o embate após ter ouvido o barulho produzido pelo mesmo, não podendo por isso ver a movimentação dos veículos ocorrida antes do mesmo.

Já quanto ao depoimento de L...  não ficou o tribunal com dúvidas de que a mesma viu efectivamente o embate ocorrer. A testemunha em causa estava a poucos metros do local do acidente à espera do autocarro e relatou que ouviu um ciclomotor a aproximar-se e a abrandar a velocidade e que nessa altura olhou tendo visto o veículo a travar e a embater-lhe. Pese embora tenha inicialmente referido que o ciclomotor tinha o pisca-pisca ligado, acabou por afirmar, após esforço de memória, que a vítima estendeu o braço esquerdo para indicar a mudança de direcção e que o embate pareceu-lhe ter ocorrido sensivelmente ao eixo da via. L... , com 19 anos de idade actualmente, depôs de forma calma e serena, revelando paciência mesmo nas abordagens mais incisivas que lhe foram feitas, não hesitando em olhar directamente para os interlocutores, revelando espontaneidade. Assim, a apontada correcção quanto ao sinal de mudança de direcção não afectou no contexto do depoimento a respectiva credibilidade.


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Da análise critica e conjunta da prova produzida em audiência de julgamento ficou o Tribunal esclarecido e convencido de que a origem do embate derivou da velocidade excessiva e da falta de atenção com que o arguido circulava, sendo a mesma completamente desadequada a uma estrada em curva descendente, dentro de uma localidade e com a presença de um ciclomotor na via.”

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III – Fundamentação de Direito.

3.1. Ressalvada a emergência de questões que assumam carácter de conhecimento oficioso, mormente dos vícios previstos nas diversas alíneas do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, ou das nulidades indicadas no n.º 3 do mesmo normativo, isto até  por virtude do entendimento sufragado no Acórdão do STJ, n.º 7/95, em interpretação obrigatória, é consabido que o âmbito do recurso penal se define através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (cfr. artigo 412.º, n.º 1, do mesmo diploma).

In casu, sendo certo que se nos não afigura subsistir quaisquer um de tais vícios e/ou nulidades, vendo-se as ofertadas pelos recorrentes, temos que o thema decidendum consiste em ponderaramos:

- A matéria de facto dada como provada nos itens 5-9; 13-15; 17-20, todos inclusive, da sentença recorrida, mostra-se indevidamente apreciada, mormente por incorrecta ponderação do depoimento da testemunha L... e preterição ao princípio do in dúbio pro reo. Impõe-se antes a consideração dessse factos como não provados, e, consequentemente, o eximir da responsabilidade criminal decretada (recursos do arguido e da demandada).

- Se atentarmos nos moldes em que se mostra formulada a indemnização civil dos demandantes, a procedência da irresponsabilização penal do arguido preclude a possibilidade de ser arbitrada a seu favor qualquer reparação, mesmo que fundada na responsabilidade pelo risco.

- O uso deficiente do capacete pelo malogrado C... determina que se considere ter contribuído para o agravamento dos danos sofridos em 50% e, consequentemente, a arbitrar-se qualquer indemnização, impõe-se a sua correspectiva redução nesse montante.

- Não se justifica, porque não pedida, a condenação da demandada civil a solver ao Instituto da Segurança Social as prestações vincendas que, entretanto, for pagando à viúva do mesmo C... (recurso da demandada).

3.2. Nos termos do artigo 428.º do CPP, “As relações conhecem de facto e de direito.”

3.2.1. Breves e prévias considerações sobre os moldes em que é legalmente permitida a primeira forma de impugnação permitirão aquilatar da sorte do recurso interposto.

De acordo com a regra geral contida no artigo 127.º do dito diploma, “A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”

Ou seja, na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. De facto, tal tarefa “não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.”[1] Sendo “a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir chamada «verdade material»”[2] que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa com consagração constitucional –, impõe a lei (cfr. n.º 2 do artigo 374.º do CPP) um especial dever de fundamentação, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção[3] (indicando os meios de prova em que a fez assentar e esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância), não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.

Dentro dos limites apontados, o juiz que em primeira instância julga goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção[4] e apreciação da prova. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade[5].

É na audiência de julgamento que este princípio assume especial relevância, encontrando afloramento, nomeadamente, no artigo 355.º do CPP, pois é aí o local de eleição onde existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova[6]. Só os princípios da oralidade e da imediação “permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”[7]

No respeito destes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum[8].

Assim, para impugnar eficientemente a decisão sobre a matéria de facto, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode (…) assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.”[9]

É que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si.”[10] Dito de outra forma: “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas.”[11]

A reponderação de facto não é ilimitada, antes se circunscreve à apreciação das discordâncias concretizadas pelo recorrente “já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.”[12]

Em conclusão: os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no artigo 127.º do CPP, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.

Por outro lado, a possibilidade de sindicância da matéria de facto quando assente na impugnação da decisão que sobre ela foi proferida depende da observância, por parte do recorrente, dos requisitos formais indicados no n.º 3 do artigo 412.º do CPP, em concreto da delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas que, em seu entender, impõem[13] decisão diversa da recorrida, e (quando disso seja o caso) das que devam ser renovadas, especificações estas que hão-de ser feitas de acordo com o estabelecido no n.º 4 do preceito acima referido.

O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre as consequências desse incumprimento.

Assim, decidiu, por exemplo, no Acórdão n.º 259/02, publicado no Diário da República [DR], II.ª Série, de 13 de Dezembro de 2002, que se o recorrente não acata com o ónus de motivação indicado, fica incumprida a sua obrigação, e é como se ela não existisse. Donde não se justificar nessa hipótese um qualquer convite à sua formulação (pois que redundaria na concessão de uma nova oportunidade de recurso[14]) e, antes, impor-se a rejeição do recurso.

Por outro lado, ponderou num seu aresto de 31 de Outubro de 2003, publicado no DR, II.ª Série, de 17 de Dezembro de 2003, a situação na qual o que se deparava era a simples menção na motivação dos aludidos ónus, mas o seu não transporte adequado para as conclusões (não concretização nos moldes exigíveis). Aqui já antes se imporia um prévio convite ao recorrente para acatamento adequado do ónus devido, sob pena, agora sim, de violação das garantias de defesa do processo criminal plasmadas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP[15].

Certo também que a sindicância da matéria de facto pode, ainda (apenas ou mesmo simultaneamente com a impugnação da matéria de facto nos termos acabados de referir), obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão (desta, e não do julgamento) – de resto, de conhecimento oficioso, como já mencionado –, que podem constituir fundamento do recurso “mesmo nos casos em a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito” como expressamente permitido no n.º 2 do encimado artigo 410.º. Esses vícios, os três que vêm enumerados nas alíneas deste preceito (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova), terão de ser ostensivos e passíveis de detecção através do mero exame do texto da decisão recorrida (sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo), por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.

Ainda de anotarmos a relevância que assume o princípio do in dúbio pro reo na valoração da prova.

Sabe-se ser o mesmo uma emanação do princípio da presunção de inocência, que surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa [CRP].

Em todo o caso, convém não olvidar que na aplicação da regra processual da encimada «livre apreciação da prova» (ut citado artigo 127.º), não haverá que lançar mão, limitando-a, deste princípio (do in dúbio pro reo), se a prova produzida [Ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto.

Isto porquanto e com efeito, o in dúbio pro reo «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador».[16]

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade. Nessa tarefa, o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar». E, por isso, é que, nos casos em que as regras da experiência, a razoabilidade e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”.), não há lugar à intervenção da contra face (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva que é o in dúbio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador»).

A prova, o processo probatório traduz-se em verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa. Para o prosseguir, o tribunal está munido de uma racionalidade própria, em parte comum só a ela e que pode apelidar-se de razoável. A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador-juíz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível. Donde que não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido, mas apenas a chamada dúvida razoável (“a doubt for which reasons can be given”)». Isto porque nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida. Assim, pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais. A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal.

3.2.2. Delimitados por tais linhas essenciais, e sendo certo que os recorrentes acataram com os ónus impostos para questionarem este segmento da decisão recorrida, vejamos então se ocorre fundamento para alterarmos as conclusões extraídas pelo Tribunal a quo relativamente às circunstâncias que rodearam o emergir do acidente que vitmou o malogrado condutor do ciclomotor, C....

Controvertidos os pontos 5-9; 13-15; 17-19 e 20 dos factos provados, por indevida ponderação da prova produzida, mormente “fundando-se” sobremaneira no depoimento da testemunha L... e preterindo, alegou-se, o princípio do in dúbio pro reo.

Tais circunstâncias, designadamente as suas funestas consequências (que, além de ceifarem uma vida humana, coarctaram a possibilidade de que um sujeito directamente interveniente nos factos sobre eles pudesse fazer qualquer prova), são daquelas que, quando sujeitas ao crivo da apreciação judicial, mais reclamam e impõem o apelo e recurso ao raciocínio lógico. Isto é, aquele raciocínio que, para além de qualquer dúvida razoável, parte de factos conhecidos e revelados para a extracção de factos desconhecidos mas que são, na normalidade do acontecer, a sua natural envolvência, sua experimentada vivência, sua inelutável consequência. Ou seja, da conjugação de provas materiais, concretizadas e objectivadas, com outras indirectas e de cariz meramente indiciário, mostra-se então possível e legítimo formular uma conclusão em termos de determinar o modo como o pedaço da realidade em equação efectivamente sucedeu, sua motivação e intencionalidade e quem são os seus agentes, sem que, com isso, sejam postergadas as regras aplicáveis ao processo subjectivo de formação da convicção do julgador, por um lado, e as garantias constitucionais do arguido, por outro.

Esta asserção mostra-se pertinente ao caso sub judice, já que a reconstituição dinâmica do acidente deverá assentar na conjugação dos elementos materiais obtidos, vertidos no croquis de fls. 13; no relatório fotográfico e croquis de fls. 85/95; no relatório de fls. 99 e segs; na informação de fls. 307; nas declarações do arguido e das testemunhas L... ; F... e A... .

Isto na justa medida em que, pese embora as limitações e constrangimentos que os quatro últimos possam apresentar, são os únicos que, conjugados com os primeiros, objectivos, permitirão reconstituir, para além de toda a dúvida razoável, da génese do sinistro e, consequentemente, da responsabilidade nessa eclosão.

O que, aliás, fez a sentença recorrida se escalpelizarmos a respectiva motivação probatória.

Com efeito, vendo-se esse naco da peça impugnada, decorre que o M.mo Juiz a quo arrimou a sua convicção exactamente em tais meios de prova. Todos legalmente admissíveis (artigo 125.º do CPP), donde que a coberto de qualquer desconsideração enquanto tal.

Mas, punctum saliens, com a adequada ponderação?

Vejamos:

Um aspecto da impugnação que se mostra sem mais manifestamente improcedente é aquele no qual se controverte sobre se o acidente ocorreu ou não dentro de uma localidade e, logo, da velocidade de circulação automóvel aí permitida [itens 6. (quando atravessava a localidade do Coito) e 17. (A velocidade máxima permitida no local do acidente é de 50 km/hora, já que o mesmo ocorreu dentro da localidade de Coito.)]

Confrontado com dúvidas e discrepâncias que incidiam sobre o mesmo, o M.mo Juiz recorrido proferiu despacho em audiência, decretando que fosse solicitado à GNR informação pertinente (1. A anteceder o local do embate, atendendo ao sentido em que circulava o veículo automóvel existia alguma placa indicadora de entrada em localidade? 2.  A anteceder o local do embate, atendendo ao sentido em que circulava o veículo automóvel existia sinal gráfico de limite de velocidade? 3. Se no local do embate existiam habitações a ladear a faixa de rodagem? 4. Qual o limite de velocidade aplicável ao local?) - fls. 301/2 -.

Em resposta, anotou-se – fls 307 – [1. A anteceder o local do embate existe a cerca de 1300 metros, a placa indicadora de localidade “Coito”; 2. A anteceder o local do embate existem dois sinais verticais (C13 – Proibição de exceder a velocidade máxima de 50 km/h) a cerca de 700 e 1100 metros, respectivamente; 3. No local onde se deu o embate existem casas de habitação em ambos os lados da via pública; 4. O limite máximo de velocidade permitida no local é de 50 km/h, por o local de embate ficar localizado dentro da localidade do Coito.], do que tomaram conhecimento os sujeitos processuais – fls. 351 -.

Ora, e sem que agora qualquer impugnação se mostrasse oposta, foi com recurso a esta precisa informação que o M.mo Juiz fundou a sua convicção, exarando, concretamente, a fls. 11, in fine, e 12 da sentença “ (…) e da informação escrita prestada pela GNR já em fase de julgamento, relativamente à velocidade máxima permitida no local.” (sublinhado nosso)

Segundo ponto que entendemos como igualmente improcedente, de todo, é aquele no qual se controverte a velocidade a que o arguido conduzia o seu veículo [escreveu-se, a propósito, no item 8. “ (…) Contudo, porque imprimia ao veículo que conduzia uma velocidade que não foi possível apurar, mas seguramente não inferior a 69 km/h, superior à permitida naquele local (…)]”.

O elemento probatório relevante mostra-se o relatório constante de fls. 99/102. Como dele decorre, para o cálculo e determinação dessa velocidade, foram ponderados diversos factores conexionados com dados objectivos recolhidos (características da via; rastos de travagem deixados pelo dito veículo, etc) o que tudo possibilitou a sua quantificação, ao menos, nos termos acolhidos.

Depois, é na adesão a tais cálculos, não impugnados igualmente, logo fundamentadamente, que se exarou na decisão impugnada: “ (…) Quanto à velocidade dada como provada a mesma resultou da adesão aos cálculos constantes no relatório de fls. 99 a 102, que concluem pela circulação do veículo a uma velocidade de 69,76 km/h antes do início da travagem. Todavia, apesar de ter sido essa a velocidade que serviu de base à prova do facto descrito no ponto 8. dos factos provados a verdade é que, mesmo de acordo com as regras da lógica, a velocidade real do arguido teria de ser superior. Aliás, o próprio relatório refere expressamente que na velocidade apurada não foram tomados em conta os consumos de energia decorrentes da própria colisão, da projecção do peão, e sobretudo do atrito provocado pelo arrastamento do ciclomotor pela parte dianteira do veículo até à imobilização, nos termos ilustrados a fls. 88, 89 e 90, e que se prolongou por 24,3 m (vide ponto 10. dos factos provados). Daí a prova de que o arguido circulava pelo menos a 69 km/h, mas com a certeza de que a velocidade efectiva/real seria superior. (…)”.

Resta então ponderar da circulação e manobra efectuada pelo malogrado C..., bem como da conduta assumida pelo arguido.

A decisão recorrida acolheu a versão segundo a qual o primeiro circularia no ciclomotor, à frente do veículo conduzido pelo arguido, sentido Tomar-São Pedro; pretendendo virar à esquerda, em direcção à Travessa do Fundo da Ladeira, aproximou-se do eixo da via, sinalizou a manobra, com o braço esquerdo; o arguido, porque conduzia desatento e em excesso de velocidade, iniciou porém manobra de ultrapassagem, acabando por o colher na metade esquerda da faixa de rodagem, considerado o sentido de marcha de ambos, e com a parte frontal do veículo automóvel na parte lateral esquerda traseira do ciclomotor.

A versão do arguido mostrou-se, sabemos, distinta: terá avistado o malogrado a cerca de 70 metros, parecendo-lhe estar parado ou a circular muito devagar junto à berma direita, dito sentido Tomar-São Pedro [por lapso manifesto escreveu-se na sentença recorrida – fls 15 – “ou a circular muito devagar junto à berma esquerda, (…)]; estando a cerca de 8/9 metros, o mesmo malogrado, inopinadamente, fez um trajecto repentino para a esquerda, o que o obrigou a flectir também para esse lado a fim de evitar a colisão que, todavia, não logrou conseguir.

No que concerne à posição ou percurso seguido pelo malogrado, no momento em que o arguido se apercebe da sua presença, afigura-se-nos acertada a conclusão do M.mo Juiz a quo.

Como elementos probatórios relevantes ao efeito, temos o depoimento da viúva M... que, pese embora nada haja presenciado, referiu: no dia fatídico, o C... saiu de casa com o intuito de se dirigir para o trabalho; o percurso que habitualmente fazia consistia em dirigir-se na direcção do Coito, passar por baixo da AE, sendo que pouco depois se deu o sinistro; seguia sempre pelo alcatrão; cortava à esquerda na direcção da Travessa da Ladeira; a estrada que se apresenta à direita, antecedendo o local do sinsitro não dava acesso à sua residência, sendo em terra.

Pode opor-se que este depoimento é perfeitamente inócuo, pois que neste dia outro podia ter sido o percurso seguido.

Sucede que ele se mostra consentâneo quer com os que prestaram as testemunhas L... e F…, quer com os sinais deixados no local do acidente.

Na verdade, a L... encontrava-se próximo de uma paragem para autocarros existente junto ao entroncamento que a indicada Travessa da Ladeira forma com a  estrada nacinal n.º 534. Aguardava o autocarro que vinha no sentido Tomar-Coito, de costas pois para o sentido de que viria ao menos o veículo do arguido. Porém, ouviu também o barulho de uma motorizada a afrouxar (a do malogrado). Se atentarmos na configuração das proximidades do local, nomedamente dos dois entroncamentos ali existentes, tal como croquis de fls. 13 e 97, bem como fotos de fls. 85, ouvir a motorizada abrandar só pode significar que ela vinha de circular pela estrada nacional e se aprestava para efectuar alguma manobra. Não fora assim, concedendo a versão do arguido, o que a testemunha devia ter ouvido era o sinal da motorizada a acelarar: estando o malogrado parado junto ao entroncamento do Vale Florido, só podia ter entrado na estrada nacional acelerando.

A testemunha F... encontrava-se no jardim da sua residência, sita exactamente na confluência da dita Travessa da Ladeira com a estrada nacional n.º 534, lado esquerdo desta atento o sentido Tomar-São Pedro. Esclareceu que ouviu, sequencialmente, o barulho de um  carro (o do arguido) a aproximar-se, uma travagem, e uma pancada.

Dos sinais recolhidos no local, sobressai neste ponto a existência de rastos de travagem do veículo, na hemi-faixa de rodagem esquerda, sentido Tomar-São Pedro, iniciados (seu rodado esquerdo) a 1.30 metros da berma esquerda, e a 8,7 metros do local do embate, mesmo sentido de marcha. Por outro lado, que o embate ocorreu entre a parte frontal do veículo automóvel e a parte lateral esquerda traseira do ciclomotor.

Ora, tudo conjugado,  e essencialmente se a pancada apenas ocorreu depois da travagem do veículo, a conclusão conforme às regras da normalidade não podia deixar de ter sido, como foi, a de que o ciclomotor circulava pela estrada nacional, e se aprestou para virar à esquerda, sem que nela se houvesse “atravessado” vindo do lado direito (direcção do Vale Florido), como sutentou o arguido.

Noutras palavras, improcede o intuito de alteração aos pontos 5. [No mesmo circunstancialismo de tempo e de lugar e no mesmo sentido seguido pelo arguido, circulava a vítima C..., que conduzia o ciclomotor com matrícula 2-TMR-00-00, o qual seguia imediatamente à frente do veículo conduzido pelo arguido.]; 6. [A determinada altura do percurso, quando atravessava a localidade de Coito, área desta comarca, a vítima iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda, atento o seu sentido de marcha, por forma a passar a circular numa estrada em terra batida, em direcção à Travessa do Fundo da Ladeira.]; 7. 1.ª parte [Para tanto, C... aproximou-se do eixo da via (…)]; 9. 2.ª parte [ (…) indo embater com a parte frontal do veículo automóvel que conduzia na parte lateral esquerda traseira do ciclomotor conduzido pela vítima, quando este já se encontrava na metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Tomar-São Pedro, e em posição transversal à mesma, a fim de passar a circular na referida Travessa do Fundo da Ladeira.]; 13 [O embate deu-se na metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o sentido Tomar-São Pedro, a cerca de 1 metro do eixo da via.]; e 14[Antes de ocorrer o embate, o arguido travou o veículo que conduzia, deixando um rasto de travagem de 8,7 metros na faixa de rodagem.].

Mas, ao ensaiar a realização da manobra de mudança de direcção, o malogrado sinalizou-a previamente, nomeadamente “estendeu o braço esquerdo, dando indicação que pretendia virar à esquerda” [item 7., in fine]?

Ambos os recorrentes esgrimem neste particular contra a verosimilhança do depoimento da testemunha L... , única que o Tribunal a quo considerou para tanto [fundamentou-se, na verdade: (…) Afirmou que quando olhou para o local, imediatamente antes do embate, viu ainda a vítima com o braço esquerdo estendido para a esquerda dando indicação que pretendia virar à esquerda.

O referido depoimento convenceu o tribunal porque, para além dos factores de valoração crítica abaixo referidos, o relato é perfeitamente compatível com os demais dados objectivos resultantes da prova produzida em julgamento.].

Ouvindo-se, na íntegra, o depoimento prestado por esta testemunha é fora de dúvida que ele se mostra titubeante, pois que depois de afirmar ter visto o sinal de pisca para a esquerda feito pelo malogrado, acabou por fixar-se na menção de que ao olhar para o local, alertada pelo barulho da presença do ciclomotor, imediatamente antes do embate, ainda viu a vítima com o braço esquerdo dando indicação da intenção de virar nessa direcção. Instada, acabou contudo por afirmar haver feito aquela menção porque o procedimento normal era a vítima ter feito o pisca. Ora, feito o esclarecimento, já o depoimento é verosímil com os demais elementos objectivamente acolhidos.

Os recorrentes também contestam a menção que esta testemunha fez da presença no local com dois irmãos, quando o facto se contradiz com o depoimento da mãe de todos (F…), além de que será duvidosa a própria presença no local, pois que não foi verificar o estado da vítima após o sinsitro. Tudo, naturalmente, no desiderato de descredibilizarem o seu depoimento.

Ouvindo-se o depoimento de sua mãe a presença dos dois menores era dentro de casa. Quanto à circunstância de não se ter dirigido a ver a vítima, justificou-se a depoente com o facto de nesse dia ir ser submetida a provas de avaliação escolares a que não podia faltar. Ora, só por tais factos, não se pode desconsiderar um depoimento que, se considerados os demais elementos recolhidos, essencialmente objectivos, até acaba por ser, reafirma-se, perfeitamente verosímil, como se considerou na sentença recorrida.

Seja, assim, da subsistência também deste fragmento da matéria de facto impugnada.

Por fim, de ponderarmos das conclusões respeitantes à condução do arguido [itens 8., in fine (superior à permitida naquele local e à que as condições da via aconselhavam e permitiam, porque circulava desatento e com falta de cuidado); 15 (Todavia, porque conduzia desatento e a uma velocidade desadequada, não logrou evitar o embate.); 17 (A velocidade máxima permitida no local do acidente é de 50 km/hora, já que o mesmo ocorreu dentro da localidade de Coito.); 18 (Ao conduzir da forma descrita, o arguido não adequou a velocidade que imprimia ao veículo que conduzia às descritas características da via onde circulava.); 19 (Ao circular de forma desatenta, a uma velocidade superior à permitida e à que as condições da via e do local impunham, o arguido actuou sem os deveres de cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, embora tenha actuado sem prever que, como resultado da sua conduta, ocorressem o acidente e as lesões supra descritas.) e 20 (No entanto, podia e devia ter evitado o acidente se conduzisse com a necessária atenção ao local e ao trânsito que se fazia sentir e tivesse imprimido uma velocidade que lhe permitisse manter, em qualquer circunstância, o controlo do seu veículo.).]

Todos os pontos se referem agora ao elemento subjectivo do desvalor penal que haveria de descortinar-se e manifestar-se no momento da prática do facto, decorrendo a respectiva prova do comportamento global do agente ao levá-lo a cabo.

Lograda a reconstituição dinâmica do acidente, deparou-se ao M.mo Juiz a quo o seguinte quadro:

O arguido seguia conduzindo o seu veículo pela estrada nacional n.º 534, atento o sentido de marcha Tomar-São Pedro. No mesmo sentido de marcha e à sua frente seguia C... tripulando um ciclomotor. Por forma a passar a circular pela Travessa da Ladeira, que se aprestava a sua esquerda, dito sentido de marcha, o C... estendeu o braço esquerdo, dando indicação de tal pretensão. Quando já se encontrava na hemi-faixa esquerda de rodagem (a cerca de 1 metro do eixo da via), sempre dito sentido de marcha, foi aí colhido na parte lateral esquerda traseira do ciclomotor pela parte frontal do veículo do veículo do arguido, que circulava a não menos do que 69 km/h, e, antes travara, deixando nessa faixa de rodagem um antecedente rasto de travagem rectilíneo de 8,7 metros e outro subsequente de 24 metros. Acidente ocorrido em local situado no interior de uma localidade, onde a velocidade máxima permitida é de 50 Km./hora, numa curva prolongada em declive descendente (sentido de marcha do arguido).

Na posse destes elementos, se atentarmos nas regras da experiência comum, em contrário do pretendido, a conclusão extraída na sentença recorrida, como dito, mostra-se a coberto de qualquer censura.

De facto, a conclusão apenas poderia ser a de que o recorrente iniciou uma manobra de ultrapassagem quando o malogrado já inicira a de mudança de direcção à esquerda. Fê-lo em excesso de velocidade absoluta (ultrapassando o legalmente estatuído de 50 km/h) e relativa (estando já o malogrado a inflectir a marcha, após sinalizar tal manobra, e sem resguardar o arguido a distância necessária a evitar o embate, como dito) e de forma que apenas pode ter-se por desatente e desadequada, logo sem cautela dos deveres a que estava adstrito (sintomaticamente, disse mesmo não se ter apercebido sobre se o malogrado conduzia ou não com o capacete na cabeça!).

Esta conclusão infirma, obviamente, a pretensão do recorrente ao alegar ter feito uma manobra de recurso, pois que o C... lhe “cortou a marcha” de forma inesperada, impelindo-o a travar  e desviar-se para a esquerda no intuito de contornar o ciclomotor: é que, fora assim, e então o rasto de travagem mostrar-se-ia com distinta configuração (quiçá oblíqua, que não rectilínea), além de dever surgir demarcado em outro local da via.

O que vem de dizer-se já faz antever do destino que entendemos dever dar-se ao apelo feito à pretensa preterição do princípio do in dúbio pro reo.

Em ponto algum da decisão recorrida se descortina que o M.mo Juiz, finda a produção de prova, confrontado com dúvidas sobre o emergir dos factos, tenha optado pela decisão mais desfavorável aos recorrentes. No que se infringiria sim o mencionado princípio.

Pelo contrário, tal decisão mais não comporta que o resultado de um labor criterioso conducente à descoberta da forma pela qual se deu o sinistro e que conseguiu alcançar sem dúvidas. Logo, a coberto do mencionado juízo crítico.

3.3. Em termos estritos de direito, a recorrente seguradora começa por invocar que, atentas as disposições conjugadas dos artigos 71.º e 377.º, ambos do CPP, bem como entendimento sufragado pelo Assento n.º 7/99, publicado no Diário da República, I.ª Série-A, de 3 de Agosto,  a sentença penal apenas poderia ponderar e decidir do pedido de indemnização civil baseando-se nos danos resultantes da prática de crime. Ora, sufragava, uma vez que este devia ceder perante a matéria de facto que entendia considerar-se provada, não sendo admissível a condenação com base no risco, tudo determinaria a improcedência do pedido cível formulado.

Mesmo sem cuidarmos de apreciar da bondade da dita afirmação da recorrente, certo é que tese assim sustentada reclamava a prévia alteração à matéria de facto provada.

O que foi desiderato não conseguido.

Subsistindo pois o acervo factual da 1.ª instância, e mostrando-se inquestionável o respectivo enquadramento jurídico também aí realizado, que não repetimos por meramente redundante, decorre, indubitavelmente, a responsabilização penal do arguido.

Por outro lado, e atento o contrato de seguro estipulado (item 41.), resulta agora a responsabilização da recorrente assumindo os danos decorrentes da conduta ilícita do arguido.

Tudo a traduzir, forçosamente, a improcedência do alegado para sustentação deste fundamento do recurso.

3.4. A fls. 31 da sentença recorrida, escreveu o M.mo Juiz a quo: “Todavia, quanto à extensão dos danos verificados, não pode o Tribunal ser alheio à circunstância de o falecido C... circular com o capacete indevidamente colocado. Ou seja, uma vez que a sua morte também resultou de lesões crâneo-encefálicas resultantes do embate da sua cabeça no vidro do veículo (…) para o dano morte contribuiu, em parte, a má utilização do capacete de protecção. Tal contribuição deverá pois ser tida em conta quando da determinação do quantum indemnizatório final.”

Mais adiante, agora a fls. 36/7 dessa peça processual, expendeu ainda o mesmo Magistrado:

“Conforme se vem referindo, o comportamento da vítima ao não trazer devidamente colocado o capacete de protecção contribuiu também para a própria ocorrência da morte. Todavia tal contribuição também não pode deixar de ser conjugada com os demais elementos, ou seja, a morte resultou também das graves lesões toráxicas sofridas. Assim, na falta de qualquer outro critério, a percentagem de agravamento atribuível à conduta da vítima não deve exceder os 10 %.”

Clama a seguradora que não determinando o relatório da autópsia a que foi submetido o malogrado C... quais das lesões, encefálicas ou toráxicas, foram causa do decesso, se deveria considerar que ambas para tanto contribuíram com igual percentagem, e daí que se pondere que a falta de uso adequado do capacete pela vítima contribuiu num agravamento de 50% para os danos sofridos, reduzindo-se o quantum indemnizatório nesse sugerido valor.

Quid iuris?

Intercede a questão colocada com a relevância ou irrelevância que pode assumir em sinistro estradal a falta (ou uso indevido) de capacete pela vítima condutora de veículo motorizado de duas rodas, como o era, in casu, o malogrado C....

Os nossos Tribunais Superiores foram já chamados a dirimir situações em que o tema se colocava, embora, reconheça-se, nem sempre em forma totalmente coincidente com a factualidade que subjaz ao caso vertente. Todavia, com justificação que permitirá dilucidar mais fundadamente da solução que propomos. Donde o bosquejo de que daremos nota.

Assim, no Acórdão do STJ, de 6 de Julho de 2004, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Noronha Nascimento, estando em causa sinistro no qual pereceu passageiro transportado num motociclo, sem que fizesse uso do capacete de protecção no momento do acidente, e sendo determinada a responsabilidade civil com base no risco, esgrimiu a recorrente seguradora entendendo que tal falta de capacete acarretaria a sua total ilibação pois que a culpa do lesado exclui aquela forma de responsabilidade (pelo risco), nos termos das normas conjugadas dos art.ºs 505.º e 570.º, ambos do Código Civil, ou, mantendo-se a sua responsabilização, sempre o não uso do capacete deveria ser levado em conta na fixação do montante indemnizatório em percentagem não inferior a 40%, por aplicação analógica do art.º 570, já que estaríamos perante um caso de concorrência entre o risco da circulação do veículo e a culpa do lesado em não usar capacete.

Retorquiu o aresto citado em dois momentos: num primeiro, justificando que não era caso de exclusão da responsabilidade decretada nos termos do art.º 505.º uma vez que a culpa do lesado não excluiria a responsabilidade pelo risco; num segundo, precisando que subsistiria a responsabilidade da seguradora, quer tivesse existido ou não agravamento das lesões do falecido por acto deste.

Citamos:

“ (…) 3.º) Em primeiro lugar, a C… pretende a exclusão da sua responsabilidade nos termos do art.º 505 porque – defende ela – a culpa do lesado exclui a sua responsabilidade pelo risco (art.º 570).

Não tem razão a Seguradora já que o âmbito de aplicação das duas normas em presença é diferente sem embargo de haver, em alguns casos, zonas de coincidência na sua aplicação.

O art.º 505 regula o tipo de responsabilidade emergente de acidentes de viação causados por veículos, ou seja, reporta-se à génese causal de responsabilidade pelo risco que advêm de um acidente.

Diversamente, o art.º 570 incide sobre concorrência de culpas de lesante e lesado na produção ou agravamento de danos, provenham eles de acidente de viação ou não.

No caso dos autos, o art.º 570 não pode eliminar a aplicabilidade do art.º 503 (como pretende a C) pela simples razão de que a vítima (o falecido D) não teve qualquer interferência na produção do acidente que o vitimou.

Na verdade, o D era tão-só um passageiro transportado; nada se provou no sentido de ter tido qualquer conduta causal quanto ao acidente, ou – usando a expressão textual do art.º 505 – não se provou que o acidente lhe fosse imputável.
O art.º 505 fixa regras de indexação de responsabilidade pelo risco a partir de um acidente causado, imputável objectivamente a alguém por força da conduta desse alguém.

O que está pois previsto na norma referida é o quadro de produção causal e objectiva de um acidente que justifica a responsabilidade pelo risco daquele que é o autor desse quadro produtivo causal.

Com isto nada tem que ver o art.º 570. Haverá hipóteses de concorrência de culpas no agravamento de danos onde poderemos achar zonas de aplicação coincidente das normas; haverá hipóteses onde a coincidência inexiste simplesmente.

Estamos perante um acidente de motociclo proveniente do risco que a circulação deste produz; com isso não teve nada que ver qualquer conduta do falecido D.

Não foi o facto de a vítima não usar o capacete que provocou o acidente; este ocorreu por facto totalmente diverso, conexo com o risco da circulação da viatura.

O não uso do capacete pode ter, eventualmente, agravado as lesões sofridas pela vítima do acidente, mas não foi a causa da ocorrência do acidente.

O disposto no art.º 505 não tem, por isso, aplicação ao caso.

Esta norma exclui a responsabilidade pelo risco prevista no art.º 503 quando o acidente de viação tiver sido causado pelo próprio lesado, por terceiro ou por causa de força maior.

Nenhuma destas três excepções se verifica; não foi sequer a vítima que causou o acidente do motociclo, o que significa que a indexação da responsabilidade pelo risco ao segurado da C se mantém por inteiro.

O art.º 570 não contende, por conseguinte, com a previsão do art.º 505 como defende a C.

4.º) Fixada a responsabilidade pelo risco do segurado da C e, por extensão contratual, desta seguradora, há que concluir que a C responderá sempre indemnizatoriamente quer tenha havido ou não agravamento das lesões do falecido por acto deste.

Repare-se que tais lesões são sempre efeito adequado do acidente nos termos em que o art.º 563 define o nexo causal de acordo com a variante negativa da causalidade adequada.

Na variante positiva, o facto é causa adequada do dano quando é previsível – de acordo com as circunstâncias concretas em que o agente actua e de si conhecidas –; e quando, pela experiência comum, ao facto se siga a produção daquele dano.

Exige-se, portanto, aqui, a previsibilidade do agente quer quanto à ocorrência do facto quer quanto à produção do efeito danoso.

Inversamente, na variante negativa a previsibilidade do agente contenta-se com o facto prescindindo dos efeitos danosos.

Nesta variante – muito próxima da teoria da equivalência das condições – o facto é causa adequada quando é uma das condições sem a qual o dano não teria ocorrido. Só se exclui, nesta variante, o nexo causal quando a condição é de todo indiferente à ocorrência do efeito de acordo com o conhecimento que a experiência comum nos fornece.

Do exposto resulta que a variante negativa é muito mais abrangente que a sua congénere positiva. Daí que aquela seja preferida na esfera da teoria indemnizatória civil ao passo que a variante positiva (que pressupõe eticidade maior na previsibilidade dos efeitos danosos) é utilizada no âmbito do direito criminal.

O art.º 563 consagra a variante negativa da causalidade adequada como se infere da própria formulação literal da norma (“danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”).

Vale isto por dizer que a responsabilidade do segurado da C é patente.

O acidente do motociclo foi uma condição sine que non da morte da vítima quer esta fosse ou não com capacete na cabeça. Sem a ocorrência do acidente, o falecimento do D não se teria verificado; o que nos remete para a previsão do art.º 563 até porque estamos perante um facto (o acidente de motociclo) que, segundo a experiência comum, é idóneo e adequado para a produção de lesões corporais letais.

Daí que – seja qual for a percentagem da gravidade do não uso do capacete no quantum do resultado final, ou seja, da morte do lesado – haverá que concluir-se sempre que o risco da circulação do veículo foi causa adequada daquela morte porque foi desse risco que adveio o acidente de viação.

5.º) De tudo o que se deixa dito infere-se por conseguinte que: a) a responsabilidade da C não pode ser excluída como ela pretende em primeiro grau; b) ela é mesmo responsável pelos danos emergentes da morte da vítima nos termos do nexo causal previsto no art.º 563.

Mas será que a falta de capacete da vítima atenua quantitativamente a indemnização a pagar pela C por estarmos perante um caso de concorrência de risco e culpa a que é aplicável analogicamente o art.º 570?

Esta é, em segundo grau, a pretensão da C.

As decisões recorridas recusaram-se a aplicar o art.º 570 uma vez que, aqui, se prevê tão-só a concorrência de culpas de lesante e lesado e o nosso sistema indemnizatório não prevê a concorrência de culpa e risco.

E na verdade assim parece ser; a prova temo-la, aliás, no próprio art.º 570 que regula o caso específico de concorrência de culpas mas recusa qualquer regulação de concorrência de culpa e risco.

Mas ainda que fosse possível aplicar analogicamente o art.º 570 aos casos de concorrência de risco e culpa, não vemos que fosse diferente a decisão final.

Repare-se que na filosofia daquela norma, a indemnização pode ser mantida, reduzida ou excluída em função da comparação da gravidade das culpas e das consequências advenientes.

Significa isto, por conseguinte, que no caso em apreço haveria que sopesar em contraponto a intensidade do risco de circulação que o motociclo criava e a gravidade da culpa da vítima em não usar o capacete.

A conclusão dessa comparação é imediata: muito mais grave do que o não usar o capacete é manifestamente o risco que um veículo de duas rodas cria na sua circulação. Em termos de comparação percentual, poder-se-á dizer que, neste confronto, a culpa do lesado será mínima face ao risco de circulação que cria o proprietário do veículo; a tal ponto, que essa diferença tão grande não justifica sequer uma redução indemnizatória.

É certo que o art.º 570 manda atender também às consequências emergentes das culpas em concorrência; mas, ainda aqui, terá sido o acidente de viação, em primeira linha, a matriz fundadora dos efeitos danosos subsequentes com a sua enorme carga de risco.

Ou seja, as consequências adveniências do risco sobrelevarão em muito as da culpa; o que nos remete para a manutenção da indemnização sem qualquer redução quantitativa. (…)”.

Aresto seguinte de que tomámos nota foi o do mesmo STJ, prolatado em 6 de Maio 2004, pelo Ex.mo Conselheiro Ferreira de Almeida.

Aqui em causa acção por cujo intermédio se discutia mormente da relevância ou não num sinistro estradal do uso do cinto de segurança por qualquer condutor ou passageiro transportado em veículo automóvel.

Precisou-se:

“ (…) 14. Não uso de cinto de segurança pelos lesados e eventuais e respectivas repercussões em termos de culpa e de causalidade do evento danoso.

O acidente ocorreu em 30-9-95.

A essa data era já obrigatório o uso do cinto de segurança por qualquer condutor ou pelos passageiros transportados em veículo automóvel por força do disposto no art.º 82.º do Código da Estrada aprovado pelo DL 111/94 de 3/5 (CE 94) e regulamentado pela Portaria 849/94 de 2/8.

A Relação entendeu que a questão da relevância ou não da circunstância de as AA, A e C e F não usarem cinto de segurança, na altura do acidente, foi correctamente analisada na sentença do tribunal de 1.ª instância.

Controvérsia que logo relevaria para os efeitos da estatuição-previsão do n.º 1 do art.º 570.º do C. Civil, que reza pela forma seguinte:

«Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».

O D – ora recorrente – aquando da dedução do articulado superveniente, sustentara que a jurisprudência dos tribunais superiores teria vindo a pronunciar-se no sentido da inversão do ónus da prova, quando não utilizados os equipamentos de segurança, (cinto de segurança e/ou capacete de protecção), assim devendo recair sobre o lesado (alegante das lesões) o ónus de demonstrar que essas lesões ainda se teriam (mesmo assim) produzido, e da mesma forma e com a mesma intensidade, se não houvesse sido omitida aquela utilização.

No Ac do STJ de 15-12-98, in CJSTJ, Tomo III, pág. 156, tirado a partir de uma hipótese de «falta de capacete de protecção», considerou-se que tal falta só relevaria, para os efeitos do n.º 1 do art.º 570.º do C. Civil, quando o acidente fosse imputável ao condutor do veículo de duas rodas (e já não quando o mesmo fosse da responsabilidade de terceiro) e que, nesses casos, seria «sobre a vítima-autora que impenderia o ónus de alegar e provar que, não obstante a sua falta de capacete, as lesões por si sofridas, e com a gravidade atingida, teriam, na mesma ocorrido, caso levasse o capacete protector».

E, na realidade, «se a culpa pela verificação do evento danoso (acidente) couber a terceiro, isto é, a um estranho ao veículo de duas rodas (v.g. um condutor de um automóvel que o abalroou) não haveria então razões para excluir ou, sequer, reduzir o montante indemnizatório em atenção à falta do capacete, pois não faria sentido que esse terceiro beneficiasse da estatuição normativa destinada à protecção da vítima; esta não estaria, nessas circunstâncias, em situação diferente da de um condutor de velocípede simples, ao qual a lei não impõe o uso de capacete protector (cfr., neste sentido, o acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de 6-10-82, in BMJ, n.º 320.º, pág. 319).

Já, porém, se o acidente fosse imputável ao condutor do veículo de duas rodas, aí já não se poderia olvidar a componente de culpa introduzida pelo passageiro/tripulante, na medida em que se teria exposto voluntariamente não só aos riscos próprios de circulação do veículo, como, também, às consequências da imperícia, da desatenção, ou seja da conduta culposa/negligente do respectivo condutor. Nesta eventualidade, já seria lógico impender sobre o autor o ónus de provar que, em tal quadro circunstancial, o capacete, mesmo que usado, não teria tido qualquer utilidade protectora. E se não satisfizesse tal encargo considerar-se-ia ter também contribuído para a produção dos danos.

De qualquer modo, obrigar os lesados a provarem que o facto de não usarem o cinto de segurança em nada contribuiu para as lesões ou seu agravamento será, as mais das vezes, coonestar uma prova diabólica, como tal muito difícil de produzir.

Volvendo à hipótese dos autos, vem assente que as AA. A, C e F viajavam no banco traseiro do veículo sinistrado, sem que trouxessem colocado os respectivos cintos de segurança, com que o veículo se encontrava equipado.

A. A e a vítima/falecido F foram projectados para fora do automóvel, no decurso do despiste, tendo ficado prostrados na estrada, tendo sofrido ambos, em consequência do sinistro, lesões que determinaram o internamento e exames médicos à primeira e a morte ao segundo.

Esses passageiros não tiveram qualquer interferência no desencadear do acidente, e não vem provado que ainda que trouxessem colocado o cinto de segurança o resultado tivesse sido exactamente o mesmo, mas não se poderá deixar de ter em conta as circunstâncias particularmente aparatosas do acidente, nelas incluídas o capotamento do veículo, com a consequente potencialidade para a produção de lesões graves – tal como a Relação bem observou.

É que – continua a Relação – “não estamos perante uma mera travagem em que alguém, por não trazer – como devia – cinto de segurança é projectado para a frente e, por hipótese, bate com a cabeça no vidro.”

Abra-se aqui um parêntesis para observar – na esteira do que fez a Relação a propósito do citado aresto de 15-12-98 – que se devem distinguir as situações de não uso do capacete das situações de não uso do cinto de segurança; trata-se, com efeito, de situações distintas sendo que, por um lado, é manifestamente superior (em termos de previsibilidade normal) o risco de lesões na cabeça para um condutor ou um passageiro de veículo de duas rodas que em contravenção ao C. Estrada não traz o capacete colocado, relativamente àqueles que o usem, e, por outro, tal previsibilidade relativamente aos acidentes em que os lesados usem ou não os cintos de segurança “se torna bastante mais difícil, dada a multiplicidade de hipóteses susceptíveis de ocorrência, como sejam a localização das lesões, a natureza, modo e local da sua produção, a dinâmica dos corpos em embate livre ou direccionado ou condicionado pela colocação do cinto de segurança” (sic).

De notar que na situação dos autos, a A. C não usava cinto de segurança e nem por isso foi projectada; e, mesmo que tal houvesse sucedido, fica sem se saber se as lesões por si sofridas seriam maiores ou menores do que aquelas que efectivamente sofreu no interior do veículo, o mesmo se podendo dizer, inversamente quanto àqueles que, não usando cinto de segurança, foram efectivamente projectados (a Autora A e F).

Mesmo levando as AA, A, C e F (ocupantes do banco traseiro do AQ) os cintos de segurança colocados, poderiam ter sofrido lesões no interior do veículo de gravidade indemonstrável, quiçá provocadas por partes do veículo deformadas com o capotamento.

De resto, no citado acórdão do STJ de 15-12-98, citado pelo recorrente, distingue-se claramente a hipótese de o acidente ser imputável ao condutor/ infractor pelo não uso do equipamento de segurança, da hipótese de ser imputável a terceiro.

Quanto a este terceiro encontra-se substancialmente em causa a violação de disposições legais destinadas a proteger direitos ou interesses alheios, pressuposto essencial da responsabilidade civil (art.º 483.º, n.º 1 do C. Civil);

Quanto ao uso ou não uso do cinto de segurança encontra-se em causa o cumprimento de disposições legais/regulamentares tendentes a proteger interesses próprios do passageiro ou tripulante onerado.

Temos pois de concluir que o simples não uso do cinto de segurança pelos passageiros dos veículos automóveis (em violação do dever imposto pelo art. 82.º, n.º 1 do Código da Estrada de 1994 - anterior art.º 83.º, n.º 1 do mesmo diploma) não deve, em princípio (sendo, todavia, sempre necessária uma ponderação casuística), mormente se a eclosão do acidente houver sido provocado por terceiro, ser considerado (presumidamente) concausal para as lesões sofridas, nos termos e para os efeitos do artigo 570.º do Código Civil, pois que em termos de previsibilidade normal e típica, se encontrará à margem do processo causador/desencadeador das lesões.

No caso vertente, não se torna mesmo possível concluir que o não uso do cinto de segurança, haja sido, no caso vertente, causal ou não causal das lesões sofridas.

A este propósito, entendeu a Relação (de forma algo discutível diga-se de passagem) ser mister não olvidar o facto/dado estatístico de o uso do cinto de segurança se perfilar como potencialmente redutor da gravidade das lesões, o que justificaria a redução da indemnização a atribuir aos lesados por não haverem cumprido o respectivo dever de uso. E que, atentas as circunstâncias concretas em que se desenrolou o acidente, seria de operar, com recurso à equidade (art.º 570.º, n.º 1, do C. Civil), a redução em 2,5% nos montantes das indemnizações parcelares a serem arbitradas.

É certo nada vir provado acerca do real contributo da aludida contra-ordenação estradal para a produção do dano; mas a verdade é que vem já decidido e assente pelas instâncias – com a aceitação dos lesados – que “tendo em conta que o cinto de segurança, em regra (nem sempre assim acontece), reduz as lesões sofridas, se justifica na ausência de outra prova, que, por um juízo de equidade, se reduza a indemnização a atribuir ao lesado (ou a quem tem direito a recebê-la em lugar da vítima) que não previu o dever de usar o cinto (conforme se refere no último acórdão citado).”

O que não pode é aceitar-se – porque desfasada da realidade factual e como tal meramente assertória – a pretensão da entidade recorrente de atribuição aos lesados (não utilizadores de capacete) um contribuição de pelo menos de 50% para as consequências danosas do evento a título de não utilização do cinto de segurança. (…)”.

Outro Acórdão em que respigámos elementos coadjuvantes à ponderação ora reclamada foi o proferido pelo dito STJ, em 29 de Janeiro do ano pretérito, elaborado pelo Ex.mo Conselheiro Fonseca Ramos que, a dado passo, escreveu:

“ (…) Da relevância do não uso do capacete por parte da vítima condutor do motociclo.

O Acórdão recorrido, a partir dos factos provados:

- O falecido marido da autora sofreu fractura linear, com infiltração sanguínea dos topos ósseos do andar superior da base do crânio, à esquerda, e fracturas dos maxilares e do nariz, para além do mais assinalado em autópsia e que foram as lesões traumáticas crâneo-encefálicos, bem como as torácicas, acima descritas, que provocaram a morte do condutor do motociclo,

Ponderou que “a falta de capacete de protecção contribuiu, embora não se saiba exactamente em que medida, para agravamento do danos.

Por outro lado, e nesta parte – consequências do acidente – já terá de se considerar que a velocidade excessiva do condutor do veículo NP teve um forte contributo”.

E, mais adiante – fls. 292: “Em conclusão, se na génese do acidente o condutor do veículo FU teve um contributo superior ao do condutor do veículo NP, este acabou por contribuir decisivamente para o agravamento dos danos.

Assim, tudo ponderado e, repetimos, com todo o subjectivismo que a análise desta situação comporta, pensámos mais ajustada a seguinte repartição de culpas, para efeitos do disposto no n.º 1, do Código Civil: 50% para o condutor do veículo NP e 50% para o condutor do veículo FU”.

Nos termos do art.º 82.º, n.º 2, do CE é obrigatória a protecção da cabeça, devendo o condutor e os passageiros de motociclos e de ciclomotores, usar capacete de modelo oficialmente aprovado “devidamente ajustado e apertado”.

O uso obrigatório do capacete destina-se a proteger e a prevenir lesões numa zona vital, visando a protecção física daqueles obrigados.

Tendo-se provado que foram as lesões traumáticas crâneo-encefálicas, bem como torácicas, que provocaram a morte do condutor do motociclo, a conclusão de que neste ponto a omissão do uso do capacete revela culpa do condutor é inquestionável, já que omitiu um comportamento que a lei prescreve.

A infracção às regras de circulação rodoviária e aos normativos de prevenção de acidentes fazem presumir a culpa, segundo a chamada “prova da primeira aparência”.

Mas há que questionar o seguinte: a morte deveu-se a lesões crâneo-encefálicas mas também a lesões torácicas.

O capacete protegeria lesões na cabeça mas, dada a violência do embate – a 100 km – e o facto de a causa mortis ser não só a lesão craniana mas também as lesões torácicas, tal circunstância autorizava a Relação a aumentar a culpa da vítima?

Cremos que a Relação para aumentar a medida da culpa da vítima lançou mão de presunções judiciais.

As presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência – art.º 349.º do Código Civil –, não são, em bom rigor, genuínos meios de prova, mas antes “meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência” – Vaz Serra, in RLJ, Ano 108, pág. 352 – ou, no entendimento de Antunes Varela, RLJ, Ano 123, pág. 58 nota 2, “operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios”, reconduzindo-se, assim, a simples “ prova da primeira aparência”, baseada em juízos de probabilidade.

Na definição legal, são ilações que o julgador tira de um facto conhecido (facto base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica.

A Relação, no âmbito da sua competência, socorreu-se de regras de experiência – presunções judiciais – para concluir que, tendo as lesões ocorrido na cabeça, a falta de capacete agravou-as, sendo esse agravamento de imputar ao malogrado condutor do NP.

O Supremo Tribunal de Justiça, cuja competência, em regra, se limita à matéria de direito, não pode sindicar o juízo de facto formulado pela Relação para operar a ilação a que a lei se reporta, salvo se ocorrer a situação prevista na última parte do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil (artigos 729.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).

É, porém da competência do STJ “verificar da correcção do método discursivo de raciocínio” e, em geral, saber se esses critérios se mostram respeitados, produzindo alteração factual, examinando a questão “estritamente do ponto de vista da legalidade”, ou seja, decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso da presunção (cfr. Acs. de 31.3.93, CJSTJ, I-II-54; de 20.1.99, Revista 1003/98-1; 18.1.01, Revista 3516/00-2; de 13.3.01, Revista 278/01, in “Sumários”, 20, 42 e 95).

É questão de direito, da competência do Supremo Tribunal de Justiça, a da admissibilidade ou não das referidas ilações, face ao disposto no artigo 351.º do Código Civil.

A recorrente/Autora sustenta a irrelevância do não uso do capacete pela vítima, considerando que o acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do FU, mas, com o devido respeito, considerando-se como se considera, que há lugar a culpas concorrentes o não uso do capacete não pode deixar de ser considerado como contribuindo para o agravamento dos danos, sendo que uma das causas da morte foi as lesões sofridas na cabeça, zona vital que o capacete visa proteger.

Nos termos do art.º 570.º, n.º 1, do Código Civil – “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”

O normativo manda atender à gravidade das culpas de ambas as partes e às consequências que de tais actuações resultaram.

Este Supremo Tribunal – Ac. de 6.5.2004, in CJSTJ, 2004, II, 54 – considerou que:
“A falta de uso de equipamento de protecção só relevará, em princípio, e para os efeitos do n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil, quando o acidente for imputável ao próprio condutor do veículo (e já não quando o mesmo seja da responsabilidade de terceiro).

Na primeira hipótese será “sobre a vítima-autora que impende o ónus de alegar e provar que, não obstante por ex. a falta de capacete, as lesões por si sofridas, e com a gravidade atingida, teriam, na mesma ocorrido. […].

Mas, reafirmando que o Supremo apenas pode sindicar a indevida consideração da prova por presunção usada pela Relação, por exemplo, quando viole normas de experiência comum, ou partindo de factos provados, os deles inferidos exorbitem o seu âmbito, cremos que, no caso em apreço, se caldeou o uso de presunções judiciais com a questão do nexo de causalidade.

Porquê?
Porque é impossível saber em que medida, das duas lesões graves que causaram a morte – as crâneo-encefálicas e as torácicas – qual delas em maior ou menor grau foi determinante para o decesso; esta questão é de nexo de causalidade, e com ela se relaciona a questão de saber se a falta de capacete contribuiu de maneira invencível para a morte.

O art.º 563.º do Código Civil estabelece que:

“A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”

Aquele normativo consagrou a doutrina da causalidade adequada.

“Como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição do prejuízo.

Mas uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se pois juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção.

E dir-se-á que existe aquela relevância quando, dentro deste condicionalismo, a acção não se apresenta de molde a agravar o risco da verificação do dano”. Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 7.ª ed., pág. 405.

Como refere Vaz Serra, citado por Pires de Lima/Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 3.ª ed., pág. 547:

“Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa aquela ou aquelas condições que se encontrem para com o resultado numa condição mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado.”

Há que ponderar que a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

É esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral ou abstracta do facto para produzir o dano.

No caso dos autos, conduzindo a vítima sem capacete, e tendo, além de outras, sofrido lesões crâneo-encefálicas determinantes da sua morte, o nexo de causalidade entre a colisão e o resultado só é de excluir ante a prova efectiva e inequívoca de que sofreria lesões idênticas se fosse portador de capacete, prova que caberia à Autora e de que modo algum foi feita.

Mas, pese embora se ter provado que as lesões crâneo-encefálicas foram causa da morte é pertinente colocar a dúvida sobre se a morte se teria, ou não, verificado mesmo se, ou ainda que, o sinistrado tivesse cumprido o dever de “proteger a cabeça usando capacete devidamente ajustado e apertado”.

Daí que, ante a dificuldade de apurar qual a medida do agravamento da responsabilidade do condutor vítima letal, que sofreu lesões na cabeça e conduzia sem capacete de protecção, a questão não deva ser resolvida mediante um aleatório agravamento percentual do seu grau de culpa, devendo esse facto omissivo ser considerado na fixação da indemnização, segundo o critério do art.º 494.º do Código Civil.

Assim sentenciou o Ac. deste S.T.J. de 28.9.1994:

“Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (artigo 494.º do Código Civil).

A falta de capacete de protecção pode ser uma das “circunstâncias do caso” a que se refere o artigo 494.º do Código Civil…”.

Por isso, mantendo a proporção modificada que acima referimos, ante a evidente culpa concorrente dos protagonistas do acidente – art.º 570.º do Código Civil – será na indemnização a fixar que se repercutirá a “sanção” para o comportamento omissivo da vítima condutor do NP. (…)”.

O caso concreto dos autos é porém outro: sinistro no qual a vítima condutora do motociclo, embora utilizadora não conforme do capacete de protecção, não tem qualquer culpa na eclosão do embate.

Para a hipótese, e visto o que vem de anotar-se, temos como ajustada a solução sustentada num dos arestos citados no que indicámos como datado de 6 de Maio de 2004 – o de 15 de Dezembro de 1998, acessível in CJ (Acs. STJ), Ano VI, Tomo III, págs. 1557159 –.

A solução aí sufragada e à qual aderiremos, prejudica a ponderação sobre distinta questão que esse mesmo aresto acabou por ter de ponderar e consistente na indagação sobre quem impende o ónus da prova seguinte: ao réu que alega a falta de capacete da vítima, ou, ao autor que alega da sua irrelevância (estando concretamente em causa acidente no qual o condutor do motociclo era o seu culpado, concluiu-se recair sobre a vítima o ónus da prova de que, não obstante a sua falta de capacete, as lesões por si sofridas, e com a gravidade atingida, teriam, na mesma, ocorrido, caso levasse o capacete de protecção).

Sentenciou-se ao que ora releva:

“ (…) A obrigatoriedade legal do uso de capacete tem a ver com as velocidades altas, a estabilidade precária, a falta natural de protecção dos veículos de duas rodas accionado a motor.

Não são circunstâncias exógenas, digamos assim, como, p.ex., o perigo representado pelo trânsito dos outros veículos, que levaram o legislador a impor o uso de capacete, mas, sim, circunstâncias relativas às próprias características daqueles veículos.

Esta observação tem importância para um correcto enquadramento do n.º 1 do art.º 570.º, CC, sempre que a alegada culpa do lesado se concretiza na falta do capacete.

É que se a culpa da verificação do evento danoso (acidente) cabe a terceiro, isto é, a um estranho ao veículo de duas rodas (condutor de um automóvel que o abalroou, p.ex.) não haverá razões para excluir ou, sequer, reduzir o montante indemnizatório em atenção à falta do capacete, pois não faz sentido que o terceiro beneficie de uma norma que se destina à protecção da vítima; esta não estaria, nas circunstâncias, em situação diferente da de um condutor de velocípede simples, ao qual a lei não impõe o uso de capacete protector (cfr., neste sentido, o acórdão deste mesmo tribunal, de 6.10.82, in Bol. 320.º/319).

Se, porém, o acidente é imputável ao condutor do veículo de duas rodas, aí já se não pode esquecer a componente de culpa introduzida pelo passageiro, na medida em que se expôs voluntáriamente não só aos riscos próprios da circulação do veículo, como, também, às desastrosas consequências da imperícia, da desatenção, da falta de cuidado do condutor.

Quer isto dizer que a falta de capacete de protecção só releva, para efeitos do n.º 1 do art.º 570.º do CC, quando o acidente é imputável ao condutor do veículo de duas rodas. (…).”

Ora, o caso dos autos é daqueles em que a culpa do acidente é exclusivamente atribuível a terceiro, que não a quem não era utilizador apropriado do capacete de protecção.

Nesta senda, tudo visto, entendemos que se não impunha a “correcção” introduzida e logo sequer a que com mais vigor reclama a recorrente seguradora.

Pese embora esta conclusão, perante a inércia processual dos demandantes cíveis, certo é, contudo, que nada cumprirá também alterar no sentenciado.  

3.5. Resta, então, aquilatar da última questão suscitada, qual seja se não se justifica, porque não pedida, a condenação da demandada civil a solver ao Instituto da Segurança Social as prestações vencidas e vincendas após Março de 2008 que, entretanto, for pagando à viúva do mesmo C....

Como resulta do alegado, a recorrente cível não controverte da constituição na obrigação de restituir ao ISS os valores por este entretanto entregues à lesada O..., a título de subsídio de morte e de pensão de sobrevivência.

Tão-sómente controverte que além dos efectivamente “liquidados” até ao momento da dedução do pedido do seu reeembolso, a sentença recorrida tenha especificado na alínea g) da parte decisória, o seguinte:

“ Condenar a mesma demandada a pagar à demandante Segurança Social a quantia global € 6.260,34 (seis mil duzentos e sessenta euros e trinta e quatro cêntimos) correspondentes às prestações por morte que aquela instituição pagou à viúva até Março de 2008, a que acresce a quantia mensal de € 268,68 (duzentos e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos), contada desde Março de 2008, e enquanto aquela instituição estiver vinculada ao referido pagamento, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação para contestação do pedido civil até integral pagamento.” (itálico nosso)

É fora de dúvida, com efeito, a instituição da demandada na obrigação de ressarcimento.

Isto porquanto, quer a lei vigente à data do óbito do C... (artigo 16.º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto) quer a lei actual (artigo 71.º da Lei n.º 32/2002, de 30 de Dezembro) prescrevem que no caso de concorrência, no mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite dos valores que lhe concederem.

A referida concorrência depende das circunstâncias de haver obrigação de indemnizar por parte de terceiro e de a indemnização abranger a perda de rendimento de trabalho e maior dispêndio implicado pelo funeral. Assim, constatando-se ter o ISS pago à dita demandante, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência até Março de 2008, o montante global de € 6.260,34, mantém-se o débito da seguradora, pelo respectivo reembolso ao ISS, credor sub-rogado da obrigação em causa (art.º 592.º, n.º 1, do CCiv.), mantendo-se igualmente pelo reembolso de eventuais prestações que a esse título, devidas à demandante venham a ser-lhe pagas.

A nossa jurisprudência tem aceite sem grandes hesitações que o aludido art.º 16.º (e, actualmente, o seu sucessor, art.º 71.º) abrange as prestações pagas a título de “pensão de sobrevivência”, embora subsista divergência quanto ao âmbito das prestações a abranger (apenas até à propositura da acção, ou também as posteriores a esta data) e quanto ao subsídio por morte.

Em resumo, descortinam-se três linhas de orientação:

a) uma primeira, que não admite a sub-rogação referida no citado art.º 16.º, quanto à pensão de sobrevivência e quanto ao subsídio por morte – Acórdão da Relação do Porto, de 3-4-2003 (JTRP00036354), assim sumariado: “o subsídio por morte e pensão de sobrevivência pagos pelo CNP em virtude de morte, provocada em acidente de viação, não são de reembolsar por serem típicos benefícios com vista à protecção social dos familiares da vítima, mas que, pela sua definição legal, saem fora do conceito de indemnização”;

b) uma outra, que admite apenas a sub-rogação relativamente às pensões de sobrevivência, mas não ao subsídio por morte - Acórdão do mesmno Tribunal, de 9-3-2000 (JTRP00028094);

c) uma terceira, admitindo a ressarcibilidade de ambos os tipos de prestações – Acórdão ainda da RP, de 29-3-2000 (JTRP00028753): “o CNP tem direito ao reembolso do subsídio por morte e do que, a título de pensões de sobrevivência, entretanto já liquidou…já que tal pagamento foi antecipado por causa imputável a conduta de terceiro, podendo mesmo as respectivas quantias (não fora o dito acidente) nem sequer ser prestadas ou sê-lo em menor grau.”

Esta última posição tem merecido maior acolhimento jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça – Acórdãos do STJ de 15-12-98 (JSTJ00035441), 21-10-99 (JSTJ00033048), 25-3-2003 (Processo3B3071) – sendo, se bem pensamos, a que melhor se compagina com as disposições legais aplicáveis.

Com efeito, nos artigos 1.º e 2.º, ambos do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, está prevista a citação das instituições de segurança social para que estas possam deduzir o “pedido de reembolso de montantes que tenham pago em consequência de acidente de trabalho ou acto de terceiro”. Disciplinou-se por tal foram, adjectivamente, o exercício da sub-rogação legal prevista então no citado art.º 16.º da Lei n.º 28/84. Os termos em que a lei se refere ao âmbito da sub-rogação (valor das prestações que lhes cabe conceder – art.º 16.º – ou reembolso dos montantes que tenham pago em consequência dos eventos referidos – art.º 1.º, n.º 2 e 2.º, n.º 3 do DL n.º 59/89, de 22/2 -) parecem bastar-se com o facto de ter havido esse pagamento e que o mesmo seja imposto devido a um facto (morte ou acidente) provocado por terceiro.

Ou seja, não se justifica o estabelecimento de qualquer distinção acerca da natureza das prestações pagas.

A única particularidade que eventualmente poderá emergir quanto ás últimas, será a de, porque desconhecidas no momento da prolação da sentença, carecerem de prévia liquidação em sede própria.

O caso dos autos.


*

IV – Decisão.

São termos em que decidimos, consequentemente:

- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido.

- Julgar apenas parcialmente procedente o recurso interposto pela demandada seguradora, pelo que no mais mantendo o decidido, alteramos o ponto g) da parte decisória da sentença recorrida, por forma a que passe a ter a redacção seguinte:

“Condenar a demandada LS…, S.A., a pagar à demandante Segurança Social a quantia global € 6.260,34 (seis mil duzentos e sessenta euros e trinta e quatro cêntimos) correspondentes às prestações por morte que esta instituição pagou à viúva até Março de 2008, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação para contestação do pedido civil até integral pagamento, e a que acrescem as quantias mensais que tal instituição solveu, desde Abril de 2008, e solverá à mesma demandante, enquanto a tal estiver vinculada, estas a liquidar em execução de sentença.”

Custas de ambos os recursos, por arguido e demandada, respectivamente, fixando-se a taxa de justiça devida para o primeiro em 5 UCs.

Notifique.


*

Coimbra, 2 de Junho de 2009



[1] CPP de Maia Gonçalves, 12.ª edição, pág. 339.
[2] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I Volume, pág. 202.
[3] Cfr., com interesse, Ac. n.º 198/2004, do Tribunal Constitucional, de 24 de Março de 2004, in DR. II.ª Série, de 2 de Junho de 2004, no qual se exarou: “O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.”
Como ensina F. Dias (Lições de Direito Processual Penal, pp. 135 e segs.), na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
A recolha de elementos – dados objectivos –, sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
Sobre esses dados recai a apreciação do tribunal, que é livre – art.º 127.º do CPP –, mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
A liberdade da convicção aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, mas com a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da preparação da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio do in dúbio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.”
[4] A livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e á lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.” – cfr. idem, ibidem, pág. 298 -.
[5] “ (…) há caos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será mais inatacável, já que proferida em obediência á lei que impõe que ele julgue de acordo coma  sua livre convicção.” – Ac. RG, de 20 de Março de 2006, processo n.º 245/06-1.
[6] Como se refere no Ac do STJ, de 20 de Setembro de 2005, disponível no site www.dgsi.pt, “a convicção do tribunal é constituída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, olhares, “linguagem silêncios a e de comportamento”, coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidades manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos. Elementos de que a reapreciação em recurso não dispõe.”
[7] F. Dias, ob. cit, págs. 233/4.
[8] Cfr. Ac deste Tribunal da Relação, de 6 de Março de 2002, in CJ, Ano XXVII, Tomo II, pág. 44: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a pode criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.”
[9] Cfr. Ac. do TC supra citado.
[10] Cfr. Ac. da RC, de 3 de Outubro de 2000, in CJ, Ano 2000, Tomo IV, pág. 28.
[11] Cfr. Ac. do STJ, de 7 de Junho de 2006, in processo 06P763.
[12] Cfr. Ac. do STJ, de 12 de Junho de 2008, in processo 07P4375.
[13] “Note-se que a lei se refere às provas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa. É que se afigura indubitável existirem casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência á lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” – Ac. do STJ, de 17 de Fevereiro de 2005, in processo 04P4324.
[14] Em linha com tal entendimento, a redacção do actual artigo 417.º, n.º 4 do CPP, em cujos termos, “O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação.”
[15] O que mereceu consagração legal ao estatuir-se agora no dito artigo 417.º, mas seu n.º 3, que “Se a motivação de recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.”
[16] Cristina Líbano Monteiro, In Dúbio Pro Reo, Coimbra, 1997.