Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
119/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACÇÃO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
Data do Acordão: 06/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTº 7º, Nº 1, AL. B), DA LAT .
Sumário: I – O acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira ( falta grave e indesculpável da vítima ) do sinistrado não dá direito a reparação .

II – A culpa do trabalhador para conduzir à descaracterização do acidente tem que, para além de ser exclusiva, se traduzir num comportamento temerário e inútil, até do ponto de vista com a sua conexão com o trabalho que se desempenha, não bastando para tal a mera distracção ou imprevidência .

III – Sempre que haja risco de queda em altura devem ser tomadas medidas de protecção colectiva, adequadas e eficazes, ou, na impossibilidade destas, de protecção individual - Artºs 44º e 45º do RSTCC e artº 11º, nºs 1 e 2, da Portaria nº 101/96, de 3/4.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
Realizada sem êxito, a fase conciliatória sem que fosse obtido o acordo das partes, veio a autora A..., com o patrocínio oficioso do Ministério Público, propor a presente acção especial emergente de acidentes de trabalho contra
1-COMPANHIA DE SEGUROS B...,
2. C...,
alegando, em resumo, que:
- a autora era casada com o sinistrado D...;
- à data do acidente, o sinistrado trabalhava para a 2ª ré, a qual havia transferido contratualmente para a 1ª ré ( seguradora) a sua responsabilidade por acidentes de trabalho pela totalidade da retribuição anual de 1.695.925$00;
- o acidente ocorreu quando o autor se deslocou sobre a cobertura da fábrica BLB para ajudar um colega a retirar uma gola que ligava o telhado a uma das chaminés, pisando inadvertidamente uma placa de fibra, que se quebrou, provocando a sua queda de uma altura de 8,5 metros;
- atendendo às circunstâncias em que ocorreu o acidente, não deve entender-se que o sinistrado tenha agido com negligência grosseira;
- a entender-se que houve violação de regras de segurança por parte da entidade patronal, deve esta ser responsabilizada a título principal, nos termos do artigo 18º nº1 alínea a) da Lei 100/97, pela pensão e prestações legalmente previstas, sendo a 1ª ré ( seguradora) responsável apenas subsidiariamente.
Terminou o seu articulado inicial formulando:
I- Pedido Principal
Ser a 1ª ré condenada a pagar:
1. A pensão anual, vitalícia e actualizável no montante de 508.778$00, a partir do dia 9/8/2000, dia seguinte ao da morte do sinistrado, calculada com base no salário anual supra referido, nos termos do artigo 20º nº1 alínea a) da Lei nº 100/97, sem prejuízo das actualizações e da alteração da pensão quando atingir a idade da reforma nos termos da citada disposição, pagável nos termos do artigo 51º do Decreto- Lei nº 143/99;
2. A quantia de 765.600$00, a título de subsídio por morte, devido nos termos do artigo 22º nº1 alínea b) da Lei nº 100/97;
3. A quantia de 510.400$00, a título de subsídio de despesas de funeral, por ter ocorrido trasladação, nos termos do artigo 22º nº3, da Lei nº 100/97.
4. Juros de mora à taxa legal sobre todas as prestações em atraso;
II- Pedido subsidiário
Ser a 2ª ré condenada a pagar:
1. A pensão anual, vitalícia e actualizável no montante de 1.695.925$00, a partir do dia 9/8/2000, dia seguinte ao da morte do sinistrado, calculado com base no salário anual supra referido, nos termos do artigo 18º nº1 alínea a), da Lei nº 100/97, sem prejuízo das actualizações e da alteração da pensão quando atingir a idade da reforma nos termos da citada disposição, pagável nos termos do artigo 51º do Decreto- Lei nº 143/99;
2. A quantia de 765.600$00, a título de subsídio por morte, devido nos termos do artigo 22º nº1 alínea b) da Lei nº 100/97;
3. A quantia de 510.400$00, a título de subsídio de despesas de funeral, por ter ocorrido trasladação, nos termos do artigo 22º nº3 da Lei nº 100/97;
4. Juros de mora à taxa legal sobre todas as prestações em atraso;
E a 1ª ré ( seguradora) condenada a pagar subsidiariamente tais quantias até ao limite dos montantes referidos no pedido principal.
*
Realizadas as citações, as rés apresentaram tempestivamente as respectivas contestações.
A 2ª ré ( patronal) contestou, alegando, em síntese, que:
- aos trabalhadores da ré, incluindo o sinistrado, tinham sido ministradas sessões de formação em matéria de segurança;
- a ré estava a iniciar os trabalhos no local onde se verificou o acidente no dia em que este se verificou;
- no local em que se deu o acidente não era possível colocar redes de segurança, pelo que só restava o cinto de segurança como meio de protecção adequado;
- porque se estava no início dos trabalhos, não se tinham ainda colocado os cabos a que se ligariam os cintos de segurança;
- a 2ª ré não infringiu qualquer norma de segurança, tendo até sido absolvida no processo de contra-ordenação contra si instaurado.
Concluiu a sua contestação pedindo que se julgue a acção improcedente no que tange à contestante.
*
Por sua vez, a 1ª ré contestou, alegando, em suma, que:
- o sinistrado não usava o indispensável cinto de segurança, nem tábuas de rojo ou de telhador, como não tinha sido montada qualquer plataforma de trabalho;
- se os aludidos meios de protecção não tinham sido colocados à disposição do sinistrado pela sua entidade patronal, esta violou claramente as regras de segurança ( artº 8º do Decreto- Lei 441/91, de 14/1), sendo a primeira responsável pela ocorrência do acidente, sendo a responsabilidade da seguradora meramente subsidiária ( artigos 37º nº2 e 18º nº1 da Lei 100/97, de 13/9);
- se a ré patronal implementou as necessárias medidas de segurança e facultou ao sinistrado os equipamentos individuais de segurança adequados, então foi este quem causou, com negligência grosseira, o acidente que lhe provocou a morte, pois que agiu por forma que o não faria um homem de sensatez média;
- mostra-se, assim e nos termos do artigo 7º nº1 alínea b) da Lei 100/97, de 13/9, descaracterizado o acidente.
Terminou a 1ª ré a sua contestação pedindo a improcedência da acção no que lhe diz respeito ou, subsidiariamente, quando assim se não venha a demonstrar, ser a contestante condenada em via subsidiária.
*
Ambas as rés responderam reciprocamente às contestações deduzidas pela ré contrária.
Prosseguindo o processo seus regulares termos, veio a final a ser proferida decisão que,
julgando procedente o pedido subsidiário deduzido pela A, condenou a Ré patronal a pagar à A:
1. A pensão anual, vitalícia e actualizável no montante de 8.459,24 euros
(1.695.925$00), a partir do dia 9/8/2000, dia seguinte ao da morte do sinistrado, calculado com base no salário anual supra referido, nos termos do artigo 18º nº1 alínea a), da Lei nº 100/97, sem prejuízo das actualizações e da alteração da pensão quando atingir a idade da reforma nos termos da citada disposição, pagável nos termos do artigo 51º do Decreto- Lei nº 143/99;
2. A quantia de 3.818,80 euros (765.600$00), a título de subsídio por morte, devido nos termos do artigo 22º nº1 alínea b) da Lei nº 100/97;
3. A quantia de 2.545,86 euros (510.400$00), a título de subsídio de despesas de funeral, por ter ocorrido trasladação, nos termos do artigo 22º nº3, da Lei nº 100/97;
4. Juros de mora à taxa legal sobre todas as prestações em atraso.
e subsidiariamente a 1ª ré ( seguradora) a pagar à autora os montantes referidos na condenação da 2ª ré, excepto no que se refere à pensão anual e vitalícia, relativamente à qual a responsabilidade da 1ª ré se limita ao montante inicial de 2.537,77 euros ( 508.778$00).
Discordando apelaram as RR alegando e concluindo, conclusões essas que aqui se sintetizam
A Seguradora
1- A sentença é nula por oposição entre os seus fundamentos e a decisão( artº 668º nº 1 c) do CPC)
2- Na realidade se se provou a negligência do trabalhador na produção do eventos, o acidente deveria ter- se considerado como descaracterizado, atento o disposto no artº 7º nº 1 b) da LAT
3- O acidente foi provocado por culpa grave e exclusiva do trabalhador, que actuou com um comportamento totalmente inútil e temerário
4- Pelo que não recai qualquer responsabilidade de reparação sobre a Ré
A Entidade Patronal
1-A sentença é nula por oposição entre os seus fundamentos e a decisão( artº 668º nº 1 c) do CPC)
2-Na realidade se se provou a negligência do trabalhador na produção do eventos, o acidente deveria ter- se considerado como descaracterizado, atento o disposto no artº 7º nº 1 b) da LAT
3-O acidente foi provocado por culpa grave e exclusiva do trabalhador, que actuou com um comportamento totalmente inútil e temerário
4- Pelo que não recai qualquer responsabilidade de reparação sobre a Ré.
5- Seja como for ficou demonstrado que a esta Ré, não teve qualquer responsabilidade na produção do evento, pois que cumpriu todas as regras relativas à segurança no trabalho.
Respondeu a seguradora, alegando que se não se considerar o acidente descaracterizado então ter-se-á que concluir, que o mesmo somente sucedeu porque a Ré não respeitou as normas de segurança no trabalho.
A A contra alegou defendendo a justeza da sentença sob censura
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais cumpre decidir
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1º instância
1. A autora era casada com o sinistrado D....
2. O qual faleceu no dia 8 de Agosto de 2000, pelas 17,30 horas, na sequência de acidente ocorrido quando trabalhava como serralheiro, mediante retribuição e sob a direcção e autoridade da 2ª ré C....
3. O acidente ocorreu no dia 7 de Agosto de 2000, cerca das 11h00 durante o tempo de trabalho, numa obra em curso nas instalações da “BLB- Indústrias Metalúrgicas, S.A.” sita em Alagoa, Águeda, de substituição de caleiras e colocação de tela isotérmica sob a cobertura da fábrica, adjudicada à ré “ C...”.
4. Quando o sinistrado se deslocou sobre a cobertura da fábrica a fim de ajudar o seu colega de trabalho, Paulo Manuel de Oliveira Matos, a retirar uma gola que ligava o telhado a uma das chaminés, e inadvertidamente pisou uma placa de fibra com a dimensão de 1 metro por 1,20 metros, que se quebrou, provocando a sua queda de uma altura de cerca de 8,5 metros sobre o chão do interior da fábrica.
5. Em consequência, o sinistrado sofreu as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas descritas no relatório de autópsia de fls. 50 a 55 dos autos, que foram a causa directa e necessária da sua morte.
6. A entidade patronal tinha a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho transferida para a ré B..., através da apólice nº 30178316.
7. Na data do acidente, o sinistrado auferia o salário de 548,68 euros ( Esc. 110.000$00) x 14 meses/ano, acrescido de 70,70 euros ( Esc. 14.175$00) x 11 meses/ano, a título de subsídio de alimentação, perfazendo tudo o salário anual de 8.459,24 euros ( Esc. 1.695.925$00);
8. O sinistrado D..., que era beneficiário nº 116 640 636 da Segurança Social, foi conduzido após o acidente para os Hospitais da Universidade de Coimbra, onde veio a falecer.
9. Foi autopsiado no Instituto de Medicina Legal de Coimbra, de onde foi transladado o corpo a fim de ser sepultado no cemitério de Segadães-Águeda.
10. Na tentativa de conciliação realizada em 3/5/2001, a ré “ B....” aceitou a existência do acidente, reconheceu o nexo de causalidade entre o acidente, as lesões e a morte, a validade da transferência de responsabilidade pela retribuição anual no montante de 8.459.24 euros ( Esc. 1.695.925$00).
11. A ré “B...”, na tentativa de conciliação, não aceitou a responsabilidade pelo acidente “ em virtude de este se ter ficado a dever a negligência grosseira do sinistrado ou à inobservância das condições e regras de segurança quer por parte da entidade patronal “ C...”, quer por parte da empresa BLB- Indústria Metalúrgica, S.A..
12. No local onde ocorreu o acidente, sobre o telhado, a mais de 8.5 metros de altura, não se encontravam colocadas redes de segurança, nem foram colocadas plataformas de trabalho, que prevenissem o risco de queda em altura.
13. Onde ocorreu o sinistro, o telhado apresentava zonas com cobertura de fibra, com fraca resistência a pesos.
14. Na tentativa de conciliação, realizada em 3/5/2001, a entidade patronal aceitou que o acidente que provocou a morte do sinistrado ocorreu no tempo e no local de trabalho pela forma descrita pela ora autora, que o sinistrado auferia a remuneração anual de 8.459,24 euros ( Esc. 1.695.925$00), reconhecendo o acidente como de trabalho e o nexo causal entre o acidente, as lesões e a morte.
15. A autora despendeu em transportes obrigatórios ao tribunal a quantia de 9,98 euros ( esc. 2.000$00).
16. A ré “ C...”, foi objecto de uma contra ordenação, que correu termos pela Inspecção Geral de Trabalho, Delegação de Aveiro, com o nº 020000457.
17. Tendo vindo a ser condenada, por decisão de 20/2/2001.
18. Não se conformando com a mesma, dela recorreu para o presente Tribunal, tendo vindo a ser absolvida dessa mesma contra ordenação através de sentença de 5 de Junho.
19. Nos termos dessa sentença ficou devidamente provado que:
- No dia do acidente o sinistrado D..., não utilizava cinto de segurança;
- Por baixo do local onde o falecido estava a trabalhar não estava montada qualquer rede de protecção, uma vez que a montagem da mesma rede naquele local era muito difícil;
- Naquela obra mas noutros locais, a 2ª ré tinha montadas algumas redes de protecção;
- A recorrente “ C...”, havia dado, através da firma SESAG-Segurança e Saúde de Águeda, L.da, mais que uma acção de formação aos seus trabalhadores, nomeadamente ao falecido, alertando-os para os riscos da sua profissão e para a necessidade de usarem equipamento de protecção nomeadamente cintos de segurança;
- O sinistrado estava a trabalhar num local onde era o primeiro dia que aí trabalhavam funcionários da recorrente, ora 2ª ré “ C...”, e
- Naquele dia, o legal representante da recorrente, ora 2ª ré, “ C...”, o Sr. Carlos Jorge de Bastos de Almeida, transportou o pessoal para o local de trabalho e teve necessidade de se deslocar para outra obra. Porém, antes disso, avisou os trabalhadores, pelo menos o Luís Miguel Dias Ferreira e o falecido, para a necessidade e o dever de usarem o cinto de segurança sempre que estivessem ou fossem ao telhado.
20. A ré “ C...”, foi absolvida nessa sentença.
21. Nas condições concretas em que se desenrolava o trabalho, a actuação do sinistrado era adequada a atender a solicitação do seu colega de trabalho.
22. O sinistrado era um trabalhador habitualmente cuidadoso.
23. O sinistrado estava a trabalhar num local onde era o primeiro dia que aí trabalhavam os funcionários da ré “ C...”.
24. No local concreto em que se deu o acidente, era muito difícil e pouco eficaz colocar redes de segurança, por aí existirem variadas chaminés.
25. O cinto de segurança era o dispositivo de segurança mais adequado àquele local.
26. O sinistrado colocou-se sobre a cobertura da fábrica sem se ter dado ao trabalho de montar uma adequada plataforma de trabalho e sobretudo sem ter utilizado o imprescindível cinto de segurança, devidamente amarrado aos pontos fixos da estrutura metálica da cobertura.
27. A fragilidade do material do telhado, que tinha algumas telhas em fibra de vidro com fraca resistência a peso, aconselhava a que os trabalhadores que andassem sobre o telhado utilizassem, para evitar a queda, ou uma adequada plataforma de trabalho, ou escadas de telhador ou até tábuas de rojo.
28. O sinistrado sabia que o trabalho, que executava a mais de 8 metros de altura, em condições de precário equilíbrio, por via da inclinação do telhado, agravado pela fraca resistência que as chapas de fibra ofereciam ao peso, só podia ser executado, sem risco, mediante a utilização de cinto de segurança ou arnês que, na hipótese de perda de equilíbrio ou rompimento de chapas, o sustentaria, impedindo a sua queda no solo.
29. A Ré “ C...” avisou o falecido para a necessidade e o dever de usar cinto de segurança sempre que estivesse ou fosse ao telhado.
30. Sendo certo que os cintos de segurança se encontravam no local, prontos a serem utilizados pelos trabalhadores
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que n o caso em apreço cumpre analisar
- se a sentença é nula
- se o acidente se encontra descaracterizado
- se o mesmo ocorreu por inobservância das regras atinentes à segurança no trabalho, por parte da empregadora.
Vejamos então, começando naturalmente pelo primeiro item.
Diz o artº 668º nº 1 c) do CPC que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Pretendem ambas as recorrentes, que tal sucede no caso concreto.
Salvo o devido respeito, sem razão porém.
Na realidade, o que ocorreu foi coisa diversa.
Perante determinada factualidade, o Ex. mo Juiz do Tribunal recorrido concluiu que embora havendo negligência do sinistrado na produção do sinistro, tal actuação culposa não era de molde a descaracterizar o acidente.
Pode discordar-se desta conclusão.
Mas ela não tem em si implícita qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão.
Tal acontece p. ex. ( e para citar um caso clássico) o juiz conclui pela inexistência de um trespasse e depois condena uma das partes a pagar o respectivo preço.
Agora se perante determinada factualidade, o julgador opta por determinada decisão jurídica, pode falar-se em erro de julgamento, mas não em nulidade da sentença.
Não padece pois esta do invocado vício assim não se acolhendo neste ponto, a tese dos impetrantes.
Passemos então a analisar a problemática relativa á descaracterização do acidente
Conforme o estabelecido no artº 7º nº 1 b) da LAT, não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado( itálico nosso).
E como já se referiu os apelantes entendem que é esta exactamente a situação plasmada nos autos.
Será assim?
Para responder a esta pergunta importa averiguar se a conduta do malogrado trabalhador, pode integrar o tal conceito de negligência grosseira, ou seja se ele cometeu falta grave e indesculpável, ao não utilizar o cinto de segurança.
Como se sabe a culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto- cfr. Vaz Serra, RLJ, 11º- 151, podendo nela distinguirem-se três graus, digamos assim -:
o de culpa levíssima, que é aquela que só as pessoas extremamente diligentes podem evitar;
o de culpa leve, que é aquela em que não cairia uma pessoa de vigilância ou diligência média;
o de culpa grave, que é aquela em que o agente usa de uma diligência abaixo do mínimo habitual, procedendo como pessoa extremamente desleixada- cfr. Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, págs. 57/58-.
Por outro lado, é jurisprudência unânime que a culpa do trabalhador para conduzir à descaracterização do acidente, tem que para além de ser exclusiva( como o foi no caso, ou pelo menos nenhum facto existe que aponte em sentido contrário) se traduzir num comportamento temerário e inútil, até no ponto de vista com a sua conexão com o trabalho que se desempenha, não bastando para tal a mera distracção ou imprevidência- cfr. neste sentido entre muitos outros , o Ac do STJ, in C.J. /STJ, IX, II, 269 e a doutrina aí indicada -.
Ora bem.
É certo que o malogrado trabalhador se encontrava a laborar no telhado, sem usar o cinto de segurança contrariando instruções expressas da sua entidade patronal e assim não cumprindo as regras de segurança, dever que também sobre ele impende.
Mas a verdade é que, não o fez ( ou pelo menos as RR não lograram demonstrar tal), que o tivesse feito deliberadamente em quadro de afrontamento com o empregador, mas antes por descuido, grave sim, mas não de todo indesculpável nomeadamente se tivermos em conta, que este tipo de actos resulta por via de regra da habitualidade ao perigo do trabalho executado.
Por outro lado não se pode falar aqui - salvo melhor opinião- do tal “ comportamento inútil até no ponto de vista com a sua conexão com o trabalho que se desempenha”, devendo ainda realçar-se que o sinistrado agiu num quadro de adequada ajuda a uma tarefa que um seu colega de trabalho efectuava, o que naturalmente iria redundar em benefício para a sua entidade patronal.
Note-se ainda a propósito que provado ficou que “ nas condições concretas em que se desenrolava o trabalho, a actuação do sinistrado era adequada a atender à solicitação do seu colega de trabalho”
Por todos estas razões, entendemos que, embora eivada de alguma gravidade e indubitavelmente negligente, a conduta do trabalhador em causa, não se pode considerar como integrando o referido conceito de “ negligência grosseira”, no sentido de ser de tal forma temerária e inútil, que a torna indesculpável.
Em suma: o acidente não está descaracterizado.
Cumpre então dilucidar a última questão que nos foi colocada- e pela Ré patronal -.
Será ela responsável pela reparação infortunística, como se decidiu na 1º instância?
Vejamos:
Por força do disposto nos artºs 18º nº 1 e 37º nº 2 da LAT, no caso do acidente de trabalho se ficar a dever à falta de respeito pelas normas relativas à higiene, segurança e saúde no trabalho, a responsabilização pela reparação passa a ser cometida em primeira linha à entidade patronal, sendo certo que por um lado tem que existi nexo de causalidade entre tal desrespeito e o evento e por outro, a violação em causa, terá que ser culposa, embora bastando a culpa genérica- cfr. C.J. /STJ, XI; III, 285-.
Ora apurou-se que o sinistro deu-se porque o trabalhador pisou uma placa de fibra, que se quebrou, originando assim a queda daquele de uma altura de cerca de 8, 5m.
Ficou ainda demonstrado que o telhado onde aquele laborava apresentava fragilidades, pois que tinha algumas telhas em fibra de vidro.
Dispõe o artº 45º do o artº 45º do RSTCC que nos telhados de fraca resistência( que como se viu era o caso) devem usar-se as prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis.
E para além disso o artº 44º nº1 do mesmo diploma determina que no trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela sua natureza, devem tomar-se medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo, acrescentando o § 2º daquele normativo que se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção.
Ainda – e no mesmo sentido de precaver as quedas em altura- o artº 11º nº1 da Portaria 101/96 de 3/4 prescreve que sempre que haja risco desse tipo de quedas devem ser tomas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou na impossibilidade destas, de protecção individual , sendo que ( nº 2) quando por razões técnicas as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável
No caso em análise, provou-se que dos materiais de segurança acima referidos e indicados para a situação concreta , a entidade patronal não possuía no local onde o sinistrado trabalhava redes de segurança,( sendo todavia certo, que a sua colocação ali era muito difícil) e plataformas de trabalho.
Mas a verdade é que assente ficou que detinha( e punha à disposição dos seus trabalhadores, entre os quais o falecido) contos de segurança e dera ordem expressas para que estes( e nomeadamente o sinistrado) os usassem.
Evidentemente, por lógica das coisas o cinto de segurança é o meio mais seguro de todos os indicados no artº 44º nº1 citado, para evitar as quedas em altura.
E tanto assim é que o legislador considerou por via de regra, as restantes medidas como suficientes, para obstar á ocorrência de acidentes e apenas exigiu a detenção de tais cintos , quando os outros meios não se mostrassem praticáveis.
E ” in casu” esta asserção não se confinou à mera teoria pois ficou demonstrado que “ o cinto de segurança era o dispositivo de segurança mais adequado àquele local”
Ora bem.
Se uma entidade patronal detém- e ordena aos seus trabalhadores que se use – o meio por norma mais eficaz( e efectivamente mais consentâneo com as necessidades securitárias em concreto) para evitar sinistros, mormente quedas, - qual a razão de lhe exigir – e responsabilizá- la por isso- que em simultâneo aplique as outras soluções, que são menos eficazes?
Se a empregadora possui o meio mais adequado, para quê o ónus de lhe impor outros cuja valência é – como resulta da lei- evidentemente inferior?
Cremos- e com todo o respeito o dizemos- que apenas uma interpretação demasiado rigorista dos princípios programáticos sobre os deveres das empregadoras neste domínio, constantes do artº 8º nº 1 do D.L. 441/91 de 14/11, pode conduzir à defesa dessa solução.
Efectivamente garantida a segurança do trabalhador pelo melhor meio para tal, não faz sentido, em nossa modesta opinião, o apelo à falta de outros( demais a mais com menor eficácia) para responsabilizar a empregadora em caso de acidente e por violação das normas relativas á segurança no trabalho.
Concluímos assim , ao invés da sentença sob protesto, que a Ré ao deter, por à disposição e mesmo ordenar que os seus trabalhadores utilizassem os cintos de segurança, quando laborassem no telhado, cumpriu o que neste aspecto lhe é legalmente exigível, em termos de protecção dos seus colaboradores nesta área.
E daí, não poder a sua conduta enquadrar-se na 2º parte do nº 1 do citado artº 18º
E assim sendo, fica desobrigada de qualquer dever de reparação, que passa a impender por força do contrato de seguro, sobre a Ré seguradora, mas e tão só pelas prestações normais( artº 18º da LAT “ a contrário”).
Mas mesmo que porventura assim se não entenda, temos que, no caso em apreço, igualmente por outra via, se chegaria à mesma conclusão( não responsabilidade da Ré, na produção do evento).
Efectivamente e como se disse, para que sobre o empregador recaia a obrigação de reparação infortunística ( em caso de violação de regras de segurança no trabalho), é essencial que entre essa ausência de observância e o acidente exista um nexo causal.
E aqui, a nosso ver, o mesmo não se provou, sendo que era sobre a A que impendia tal ónus, como elemento constitutivo que é do direito que invoca( artº 342º nº 1 do CCv).
Na realidade e dos meios ( soluções) previstas no já aludido artº 44º , apenas se demonstrou que inexistiam na obra as “ plataformas de trabalho”.
Naturalmente que estas podendo ser fixas ou móveis, são por norma exteriores ao telhado e têm em vista( aliás como as escadas de telhador) o obstaculizar as quedas em altura” para fora “, o que não foi o caso.
Ora se o acidente ocorreu, porque o sinistrado se deslocou de “ motu proprio” do local onde se encontrava no telhado, para outro, pisando directamente a cobertura da fábrica, não se vê como é que a existência da tal “ plataforma de trabalho “ poderia ter evitado o sinistro, admitindo mesmo que se tratasse de uma plataforma móvel e colocada sobre a cobertura.
Note-se que as escadas de telhador, têm por finalidade permitir a subida e descida dos trabalhadores, quando laboram nos telhados nomeadamente de forte inclinação, de modo a evitar que se desequilibrem e assim caíam em altura(também para o exterior, naturalmente).
Vale isto dizer que a sua inexistência( mesmo que apurada), não impediria o acidente dada a dinâmica deste.
Aliás se bem interpretarmos a economia do citado artº 44º , o seu nº 1 determina as medidas a tomar para evitar as quedas em altura, para o exterior:
As que podem ser provocadas , como foi o caso, pela fragilidade do telhado( ou de parte do material com que é construído) e para ao interior( digamos assim), procurou o legislador evitá- las, através da aplicação das medidas que, de forma genérica, estão indicadas no artº 45º do RSTCC e entre as quais se podem incluir, sem esforço, os contos de segurança, que ajudam a impedir quer umas, quer outras.
A ser de outro modo ficava esvaziado de conteúdo o citado artº 45º, pois a sua previsão já estaria contida globalmente no artº 44º
Em suma: provado que ficou apenas a inexistência das tais “ plataformas de trabalho”( e que no que respeita às redes de segurança a sua colocação revelava-se extremamente difícil) e não sendo aquelas , - pelo menos no caso concreto- adequadas a evitar o acidente, de modo que se pode afirmar que o mesmo ocorreria se elas existissem, temos que indemonstrado está o nexo causal entre essa falta de observância de regras de segurança( a admitir que existiu, o que como oportunamente se explanou, a nosso ver não sucedeu), mesmo considerando a formulação negativa da teoria da causalidade e que é como se sabe a adoptada na nossa lei( artº 563º do CCv).
Por isso igualmente por esta via, nunca sobre a Ré patronal impenderia o dever de reparação infortunística.
Pelo que e concluindo por todo o exposto , decide-se:
a)- Julgar improcedente a apelação deduzida pela Ré Seguradora
b)- Julgar procedente a apelação apresentada pela Ré patronal ( obviamente no que respeita às questões que não eram comuns às que foram invocadas pela seguradora) absolvendo- a na totalidade do pedido;
e em consequência,
condenar a Ré Companhia de Seguros a pagar à A
- a pensão anual e vitalícia de € 2537, 77, a partir de 9/8/00, sem prejuízo das actualizações( artº 6º do D.L. 142/99 de 30/4) e da alteração da pensão quando atingir a idade da reforma( artº 20º nº 1 da LAT), pensão essa pagável nos termos do artº 51º do D.L. 143/99 de 30/4
- a quantia de € 3.. 818, 80 a título de subsídio por morte;
- a quantia de € 2. 546, 86 a título de subsídio de funeral( cfr. artºs 22º nºs 1 b) e 3 da LAT)
- juros moratórios legais sobre todas estas prestações, que serão devidos a partir da citação no que concerne ao subsídio de funeral e ao subsídio por morte e desde o seu vencimento relativamente à pensão arbitrada.
Tributação
As custas da apelação da Ré seguradora ficam a cargo desta.
Quanto ao recurso da entidade patronal, não há lugar a tributação, dada a isenção subjectiva prevista no artº 2º nº 1 m) do CC.J.