Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
33-A/1999.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
CÔNJUGE CULPADO
Data do Acordão: 03/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGOS 1790.º E 1791.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: O sentido do disposto no artigo 1790º do Código Civil é o de que a aplicação deste preceito releva apenas na fase da partilha, em ordem à aplicação do regime que, em concreto, se mostrar mais favorável aos interesses do cônjuge não culpado, o que pressupõe, necessariamente, que sejam relacionados todos os bens, com expressa menção da sua proveniência, excepto, obviamente, aqueles que são incomunicáveis no regime da comunhão (art. 1733º do Código Civil).
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO
No processo de inventário para separação de meações de A....e B.... veio aquela reclamar da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal B..... Alegou para tal, nomeadamente, que:
O cabeça de casal relaciona um direito de crédito, no montante de 1.400.000$00 mas o crédito em causa tem o valor de 900.000$00 e refere-se ao montante da indemnização que o ICOR propôs por justa indemnização pela expropriação de uma parcela de terreno, designada por nº 1420, com a área de 180m2, a destacar sob o prédio rústico, sito em Ansião, inscrito na matriz sob o art. 3161. O prédio do qual é destacada a parcela expropriada foi adquirido na proporção de metade, pelo casal durante o casamento, tendo a outra metade sito adquirida pela requerente através de doação que lhe foi feita pelos seus pais, por conta da legitima.
Os prédios relacionados sob as verbas nºs 11, 12 e 16 foram doados pelos seus tios. Os prédios relacionados sob as verbas 14, 17 (metade) e 18º foram adquiridos pela requerente através de doação que lhe foi efectuada, por conta da legítima, pelos seus pais.
A fls. 262 veio o cabeça de casal apresentar nova relação de bens, adicionando alguns dos bens cuja falta foi acusada pela requerente.
Na sequência dessa nova relação, veio a requerente apresentar reclamação, alegando, nomeadamente, que:
O imóvel relacionado na primitiva relação de bens sob o nº 17 (art. 3161) não se encontra relacionado na nova relação de bens talvez porque o cabeça de casal tenha reconhecido o alegado nos arts. 36 a 38 da reclamação à relação de bens, designadamente que tal imóvel foi adquirido pela interessada através de doação que lhe foi feita, por conta da legitima, pelos seus pais, não podendo o cabeça de casal nele quinhoar. Acontece que parte do imóvel foi expropriado para construção do IC8, tendo o cabeça de casal recebido do ICOR, no ano de 2005 e a título de indemnização a importância de 2.754,68€. Ora, não podendo o cabeça de casal quinhoar no referido imóvel a importância indicada foi indevidamente recebida.
Assim, deverá figurar na relação de bens com o crédito da ora interessada a importância de 2.754,68€.
Na sequência desta reclamação, veio o cabeça de casal responder, alegando que o imóvel expropriado era propriedade de ambos, razão pela qual cada um deles recebeu a quantia de 2.754.68€.
Foram inquiridas as testemunhas arroladas pela requerente após o que foi proferida decisão que, no que concerne aos pontos aludidos, concluiu da seguinte forma:
- Deste modo, deverá a quantia que o cabeça de casal recebeu do ICOR ser relacionada como dívida do cabeça de casal à interessada A.....
- Deverá ainda o cabeça de casal proceder à relacionação do imóvel inscrito na matriz sob o art. 3161, como o próprio refere que só por lapso não o relacionou na última relação de bens.
- Assim, notifique o cabeça de casal para, em dez dias, relacionar os bens em falta nos termos supra expostos e relacionando cada um dos imóveis, referindo a proveniência de cada um deles.
Mais se determinou o seguinte:
“Para a realização da conferência de interessados a que alude o art. 1352º nº 1, 1353º do CPC, eventualmente seguida de licitações (1363º, 1370º do mesmo diploma), designo o próximo dia 14 de Maio, pelas 14h.
Notifique os interessados para comparecerem pessoalmente, ou no caso de estarem ausentes do continente, se fazerem representar por mandatário com poderes especiais ou confiarem o mandato a qualquer outro interessado, sob pena de multa (art. 1352º, nº 2 e 4 do CPC)”.
Inconformado, o cabeça de casal recorreu desta decisão, formulando as seguintes conclusões:
“1- A indemnização recebida do ICOR, pelo cabeça de casal, ora recorrente, constitui um bem próprio deste, porque resultou também da expropriação da parte da parcela adquirida quer pela escritura de doação datada de 6/2/1967, que constitui um bem comum, quer pela escritura de compra e venda datada de 6/3/1967 que igualmente constitui um bem, e porque também já a interessada A....recebeu igual quantia daquele instituto-ICOR, jamais poderá ser relacionada como dívida do cabeça de casal a esta interessada. As quantias por ambos recebidas constituíram a antecipação da operação de partilha que se pretende efectuar por estes autos.
2- O artigo 1790º do Cod. Civil, visou apenas subtrair à comunhão os bens que o cônjuge inocente( no caso dos autos a interessada A…) levou para o casamento ou adquiriu no seu decurso a título gratuito – ou seja – que em tais bens não tivesse parte alguma o cônjuge que deu causa à dissolução do casamento, no caso o ora recorrente.
3- Quando no artigo 1790º se faz referência ao regime de bens da comunhão de adquiridos pretendeu-se significar que o “castigo” para o cônjuge considerado único ou principal culpado, consiste em privar este de quinhoar na meação referente aos bens que no dito regime são bens próprios do outro cônjuge.
4- O apuro do eventual valor superior ou não apenas poderá ser encontrado pela relacionação de todos os bens excepto os incomunicáveis no regime da comunhão, através da operação de avaliação e licitação.
5 – Deverá, portanto, manter-se relacionado como bem comum o prédio rústico correspondente ao artigo 3161 da freguesia de Ansião e relacionado sob a verba nº 17 da primitiva relação de bens, com a área sobrante, mercê da identificada expropriação pelo ICOR.
6- A quantia de 2.754,68€, recebida pelo recorrente do ICOR, corresponde a igual quantia também recebia pela interessada A....do ICOR e, porque resultou da alienação de uma parcela desanexada de um bem comum, jamais poderá ser objecto de relacionação e muito menos como dívida do recorrente à interessada A….
7- Com o despacho recorrido e de que se recorre violou o Mº Juiz a quo o disposto nos artigos 1790º e 1791º do C.Civil.”
Não foram apresentadas contra alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos especificados no art. 712º do C.P.C., a saber:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso em apreço, justifica-se a alteração da factualidade dada como assente pela 1ª instância, na parte em que aí se consignou o seguinte:
“Por escritura pública celebrada, no dia 6 de Fevereiro de 1977, e exarada a fls. 67 verso a fls. 72 verso, do livro de notas para escrituras diversas nº B treze do Cartório Notarial de Ansião, J…. e mulher M…. declararam doar a A....e marido B.... e estes declararam aceitar os seguintes prédios:
- prédio composto de terra de semeadura, inscrito na matriz sob o art. 3216:
- Um prédio urbano composto por uma azenha no Rio Nabão, inscrito na matriz sob o artigo 974;
- Prédio rústico, composto por terra de semeadura, inscrito na matriz sob o artigo 2673.
- um terço de uma terra de semeadura, mato e oliveiras, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 10210”.
Do documento referido pelo Sr. Juiz e junto a fls. 73 a 83 deste agravo resulta, manifestamente, factualidade diferente da que se deu por provada. Assim, em primeiro lugar, trata-se da escritura pública celebrada em 6 de Fevereiro de 1967 – e não 1977 como, por manifesto lapso, se referiu – e, por outro lado, relativamente ao prédio rústico, composto por terra de semeadura, inscrito na matriz sob o artigo 2673, estamos perante título de aquisição de uma terça parte do imóvel e não da totalidade do prédio. Assim, pode ler-se no documento:
“ (…) uma terra de semeadura, chamada Talhos da Igreja Velha, limite e freguesia de Ansião, a partir do norte com …., nascente com …., sul levada e poente com …., inscrito na matriz rústica sob o artigo dois mil seiscentos e setenta e três um terço , com o valor de mil e cem escudos. (…)”.
Acresce que do documento junto pelo recorrente a fls. 24 a 28 deste agravo – trata-se de documento autenticado que não foi objecto de impugnação pela recorrida –, resulta que por escritura pública outorgada em seis de Março de 1967, no Cartório Notarial de Ansião, António …. e mulher, Maria …., declararam vender ao cabeça de casal, que declarou aceitar a venda, pelo preço de sete mil escudos, que os primeiros já receberam do segundo, “uma terça parte, indivisa, de um prédio constituído por uma terra de semeadura, chamada “Talhos da Igreja Velha”, limite da Igreja Velha, desta freguesia de Ansião, a confrontar, no todo, do poente com …., nascente com …., norte com ribeira e sul com levada, no todo, inscrito na matriz respectiva sob o artigo rústico dois mil seiscentos setenta e três, com o valor matricial correspondente à fracção, de mil e cem escudos e ainda não descrito na Conservatória do Registo Predial de Ansião(…)”.
Justifica-se, pois, corrigir o julgamento feito pela 1ª instância em ordem a alterar-se a redacção da alínea supra aludida, alusiva à doação, e ainda com vista ao aditamento de outro facto, relativo ao contrato de compra e venda facto que, considerando as questões a decidir no processo, assume notória pertinência.

II – FUNDAMENTOS DE FACTO
Está provada a seguinte factualidade: (…….)

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C., diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 664.
No caso, impõe-se apreciar e conhecer das seguintes questões:
- da inclusão na relação de bens, como dívida do cabeça de casal à interessada, da quantia de 2.754,68€;
- do alcance da disposição contida no art.1790º do Cód.Civil.

2. O recorrente sustenta que deve excluir-se da relação de bens a quantia de 2.754,68€, que a decisão recorrida considerou dever ser relacionada, “como dívida do cabeça de casal à interessada A....”.
Para fundamentar tal decisão escreveu-se, no despacho recorrido, o seguinte:
“No que se refere à quantia de 2.754,68€ há que chamar à colação o disposto no art. 1791º do Código Civil.
E reza o normativo citado que o cônjuge declarado único ou principal culpado perde todos os benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estado de casado, quer a estipulação seja anterior quer posterior à celebração do casamento. (…)
Ora, de acordo com o referido pelo cabeça de casal a fls. 98 o imóvel expropriado pelo ICOR foi doado ao cabeça de casal e à interessada A....por seus pais. Refere ainda o cabeça de casal nesse requerimento que tal imóvel se encontra identificado nessa escritura sob a verba nº 14.
E, a ser assim, a quantia recebida pelo cabeça da casal do ICOR em consequência da expropriação de um prédio que foi doado pelos pais da interessada A....ao cabeça de casal e à interessada A…., não poderá deixar de se considerar como uma vantagem ou beneficio que o cabeça da casal recebeu por força da doação e pelo facto de se encontrar casado com a interessada A…., beneficio esse que por força do normativo citado não poderá o cabeça de casal deixar de perder pelo facto de ter sido considerado o único e principal culpado do divórcio”.
Saliente-se que o recorrente alega que com a entrada das novas matrizes no concelho de Ancião, ocorrida em 1972, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 2673 da freguesia de Ansião – a que supra aludimos –, passou a ter o artigo 3161.
Compulsando a factualidade assente verifica-se que a 1ª instância não deu como provada qualquer factualidade alusiva ao processo de expropriação, mormente a indemnização que aí foi fixada, se essa indemnização já foi paga, a quem, quando e por que valor, pelo que não se vislumbra quais os elementos a que o Sr. Juiz atendeu para proferir decisão no sentido aludido.
Por outro lado, os elementos constantes deste apenso de agravo também não permitem extrair qualquer elemento relevante que suporte as afirmações enunciadas no alegações do recorrente, nomeadamente que a interessada A....já recebeu, a esse título, também, idêntica quantia de 2.754,68€, em “antecipação da operação de partilha”.
No entanto, temos por certo que, ponderando a alteração feita em sede de julgamento da matéria de facto, nunca podia manter-se a decisão recorrida, que tinha como pressuposto que o prédio que foi, em parte, objecto de expropriação (numa área de 180 m2), tinha sido doado, na totalidade, pelos pais da interessada A…., o que, como se viu, não acontece.
Assim sendo, consideramos que os elementos constantes do processo são insuficientes para se concluir, com a mínima margem de segurança e tendo em vista a salvaguarda das garantias das partes, sobre a existência do invocado crédito, no valor de €2.754,68, a favor da interessada e que impenderá sobre o cabeça de casal.
Impõe-se, pois, nos termos do art. 1350º, relegar para os meios comuns a decisão da reclamação, nessa parte.

3. Pretende ainda o recorrente que se mantenha relacionado o prédio correspondente ao artigo matricial 3161 (anterior artigo 2673), mas como bem comum e não nos termos determinados na decisão recorrida.
Decretado o divórcio, o cônjuge que foi declarado único ou principal culpado pela dissolução do casamento pode ser patrimonialmente penalizado na partilha a realizar, considerando a extinção do vínculo matrimonial. Assim, nos termos do art. 1790º do Cód. Civil, esse cônjuge não pode “receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos”.
A questão que se coloca prende-se com delimitação do alcance do preceito.
Pese embora a redacção do art. 1790º não prima pela clareza Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Almedina, 4ª edição, Vol III, p. 384 , parece-nos que a letra da lei vai no sentido de que a aplicação deste preceito releva apenas na fase da partilha, em ordem à aplicação do regime que, em concreto, se mostrar mais favorável aos interesses do cônjuge não culpado, o que pressupõe, necessariamente, que sejam relacionados todos os bens, com expressa menção da sua proveniência, excepto, obviamente, aqueles que são incomunicáveis no regime da comunhão (art. 1733º do Cód. Civil).
Essa descrição é fundamental para que, na fase subsequente à relação de bens, ou seja, em conferência de interessados, possa ser concretizado o valor de cada um – esse é um dos assuntos a submeter à conferência, como decorre do disposto no art. 1353º –, permitindo depois que o cônjuge não culpado tome a opção que julgar mais conveniente. Considerando que a natureza de cada um dos bens (bens próprios/bens comuns) é aferida em função do regime de bens e que o cônjuge inocente ou considerado não principal culpado apenas pode optar pela aplicação, em bloco, de um ou outro regime Pires de Almeida e Antunes Varela,in C.C.Anotado, Coimbra Editora, 2ª edição, p.562:"Seja qual for o regime de bens convencionado ou aplicado por força da lei, esse cônjuge não pode receber na partilha mais do que lhe pertenceria, se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos.
A sanção prescrita na lei não significa que o regime aplicável à partilha seja necessariamente o da comunhão de adquiridos.
O que importa, na correcta aplicação da lei e do pensamento legislativo, é confrontar o resultado que advém para o cônjuge declarado único ou principal culpado da aplicação do regime convencionado ou legalmente fixado com o que se obteria mediante a aplicação do regime da comunhão de adquiridos.
Porque só no caso de o primeiro ser mais favorável à sua posição do que o segundo é que a lei manda aplicar este último. Se, por exemplo, se convencionou entre os cônjuges o regime da convenção geral e o cônjuge considerado único ou principal culpado tiver levado para o casal ou adquirido posteriormente, por sucessão ou doação, bens de valor superior aos do cônjuge inocente, não haverá lugar à aplicação das regras da comunhão de adquiridos, visto que elas só beneficiariam o culpado (único ou principal) do divórcio".

, parece-nos que o desiderato subjacente ao citado preceito só se pode alcançar se, ab inicio, forem relacionados no processo de inventário todos os bens, com indicação da respectiva proveniência, ou seja, com menção, pelo menos, dos elementos alusivos ao título de aquisição (indicando, por exemplo, quais os bens adquiridos antes do casamento ou na constância do matrimónio, bens adquiridos a título gratuito ou a título oneroso etc).
Afastamo-nos, pois, do entendimento sufragado por Lopes Cardoso, que entende que o espírito da norma em apreço não é tanto o reportar a punição do cônjuge culpado ou considerado principal culpado a um valor (quantidade), mas antes subtrair à comunhão os bens que o cônjuge inocente ou não principal culpado levou para o casal ou adquiriu no seu decurso a título gratuito, pretendendo o legislador que, em tais bens, não tivesse parte alguma o cônjuge que deu causa à dissolução. Obr. cit., p. 386 e 387. Nessa linha de argumentação, o autor termina referindo: “Na coerência destes princípios, tratando-se de casamento contraído segundo o regime da comunhão geral não são de relacionar os bens que segundo o regime da comunhão de adquiridos são bens próprios do cônjuge inocente ou não principal culpado”.
A posição que defendemos é, cremos, a que maioritariamente vem sendo seguida na jurisprudência e foi também seguida no despacho recorrido, que, nessa medida, não merece reparo. Neste sentido, o Ac. do STJ de 15/10/96 1996, C.J. (STJ), III, p. 55, da R.P. de 01/07/1982, C.J., IV, p. 196 e de 1/02/1994, C.J., 1994, I, p.225; da R.C. de 16/01/1990, C.J., 1990, I, p.86 e da RG de 17/11/2004, C.J., 1994, V, 284; e ainda os Acs. do STJ de 14/04/1999, proc. 99B105 e da R.P. de 01/07/82 proc. 0017087, de 05/01/1993 proc. 9230133, de 13/01/1998 proc. 9720048 e de 02/12/1998, proc. 9830582, acessíveis in www.dgsi.pt.

Deve o imóvel em causa, descrito na matriz sob o art. 3161º, ser relacionado, com menção da sua proveniência, como determinado na decisão recorrida.
Sem prejuízo do exposto e na sequência da análise feita em sede de julgamento da matéria de facto, deve o cabeça de casal relacionar tal imóvel descrevendo a sua aquisição, na proporção de 1/3 por doação dos pais da interessada A....e de 1/3 por compra e venda, pelo cabeça de casal, ambos na constância do matrimónio e não, singelamente, como pretende o recorrente, como “imóvel comum”.
Aliás e como o próprio recorrente reconhece nas alegações de recurso, o prédio foi indicado sob a verba nº 17 da relação de bens inicialmente apresentada “como se tratasse de um prédio inteiro” mas, “na verdade tal prédio rústico veio à posse dos ex-cônjuges mediante a aquisição de duas terças partes indivisas, nomeadamente: uma terça parte adquirida pela escritura de doação datada de 6/2/1967, na qual foram doadores os pais da interessada A...., conforme escritura já junta aos autos e, uma terça parte foi adquirida por escritura pública de compra e venda datada de 6/3/1967 (…)”.
*
Conclusões:
Pese embora a redacção do art. 1790º do Cód. Civil não prima pela clareza, parece-nos que a letra da lei vai no sentido de que a aplicação deste preceito releva apenas na fase da partilha, em ordem à aplicação do regime que, em concreto, se mostrar mais favorável aos interesses do cônjuge não culpado, o que pressupõe, necessariamente, que sejam relacionados todos os bens, com expressa menção da sua proveniência, excepto, obviamente, aqueles que são incomunicáveis no regime da comunhão (art. 1733º do Cód. Civil).
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta relação de Coimbra em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, altera-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
a) remete-se os interessados para os meios comuns quanto à existência do invocado crédito, no valor de €2.754,68, a favor da interessada e a cargo o cabeça de casal;
b) deve o cabeça de casal relacionar, em verbas separadas, 1/3 do imóvel descrito na matriz sob o art. 3161º (anterior artigo 2673), adquirido por doação dos pais da interessada A....e 1/3 por compra, pelo cabeça de casal, ambos na constância do matrimónio;
No mais mantém-se a decisão recorrida.
Custas por ambas as partes, na proporção de 70% para o cabeça de casal e 30% para a interessada A.....