Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
226/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: MAUS TRATOS ENTRE CÔNJUGES
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
Data do Acordão: 09/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 152º DO C. PENAL, ARTIGO 281º DO C. PROCESSO PENAL
Sumário: 1. Para a suspensão provisória do processo, por crime de maus tratos entre cônjuges, entre quem conviva em condições análogas ou seja progenitor de descendente comum em 1º grau, têm de verificar-se todos os pressupostos exigidos nas diversas alíneas do nº. 1 do artº. 281º do C. P. Penal, incluindo a ausência de antecedentes criminais do arguido.

2. A expressão “sem prejuízo do disposto no nº. 1”, constante do nº. 6 daquele artigo, tem que ser entendida no sentido de que a vítima, no uso do seu livre arbítrio, pode requerer ao Ministério Público que faça funcionar o instituto e o Ministério Público tem que ponderar o requerido à luz dos pressupostos do nº. 1 e do nº. 6.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.



No processo n.º 18/05.7GECBR que corre termos no DIAP de Coimbra e tendo em vista a suspensão provisória do processo, o Ministério Público remeteu os autos ao Mm.º Juiz de Instrução para efeitos do disposto no art.º 281.º, n.º 1 do Código de Processo Penal [ Diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem] que declarou a sua discordância com a proposta apresentada.
Inconformado com o decidido, vem o Ministério Público impugná-lo, concluindo assim a respectiva motivação:
1.º
“Nos termos do disposto no art.º 281.º n.º 6 do CPP e por se entender que as circunstâncias do caso e suas características não eram de molde a que prosseguisse a acção, pronunciou-se o MP, com base no requerimento da vítima, pela suspensão dos autos pelo prazo de 8 meses, sem que se tenha tomado em consideração os pressupostos do n.º 1 do artº 281° do CPP.
2.°
O Meritíssimo Juiz de Instrução do Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra proferiu, nos referenciados autos, despacho, onde discordou do requerimento de suspensão provisória do inquérito, alegando que, "embora à primeira vista se apresentem como preenchidos quase todos os pressupostos para que se possa decidir pela suspensão provisória, um se mostra ausente, cujo é a ausência de antecedentes criminais do arguido", ou seja, que tendo o arguido antecedentes criminais, não se verifica assim um dos requisitos do n.º 2 do artº 281.º do CPP, o que desde logo inviabiliza o recurso ao mecanismo da suspensão provisória do processo
3.°
Porém, em nosso entendimento, a decisão em crise não aplicou o direito de forma correcta, por não ser a que melhor se adequa ao tipo legal e à própria mens legislatoris
4.°
Com a publicação da Lei 7/2000 de 27 de Maio, que atribuiu natureza pública ao ilícito, foi introduzido no corpo do artº 281.º do CPP o seu actual n° 6, que prevê que o MP "pode ainda decidir-se, sem prejuízo do disposto no n.º 1, pela suspensão provisória do processo a livre requerimento da vítima, tendo em especial consideração a sua situação e desde que ao arguido não haja sido aplicada medida similar por infracção da mesma natureza "
Com a expressão "sem prejuízo do disposto no n° 1 "pretendeu o legislador autonomizar a suspensão do inquérito nos termos do n.º 6, dos requisitos do n.º 1 do art° 281.º do CPP, ou seja, a intenção do legislador foi a de que, em inquéritos onde se indicie a prática de crimes de maus-tratos entre cônjuges, o M P "sem prejuízo de que", caso se verifiquem os requisitos do n.º 1 (e a vítima nada requeira) possa propor ele próprio a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo (como já podia,) poder propor, também, caso exista livre requerimento da vitima, a suspensão do inquérito, tendo somente em consideração os requisitos do n° 6, estes substancialmente menos exigentes.

Não obstante a natureza pública do crime, são os interesses da vítima que estão sobretudo em jogo e a iniciativa em requerer, livremente, a suspensão do inquérito corresponderá, a maior parte das vezes, a um menor desvalor do resultado, que faz atenuar as necessidades de intervenção do direito penal, pelo que a verificação dos requisitos do artº 281° n.º 6, só por si, garante os fins de protecção da vítima e de condenação social e efectiva da conduta
7 °
A interpretação da norma nos termos em que o M.mo Juiz o faz levaria a que, sem o requerimento da vítima, fosse necessária a averiguação dos requisitos do n.º 1 do artº 281 ° do CPP (cinco) e com o referido requerimento e consequente diminuição da necessidade da intervenção penal, os cinco requisitos passassem para oito, dificultando, ou mesmo inviabilizando, a aplicação do instituto que de semi-público passaria a ter, para além da natureza pública, uma muralha de protecção quase inexpugnável.

Na verdade, só esta interpretação das normas conflituantes permite o necessário o compromisso entre a natureza pública do crime e as exigências e interesses da mulher, (caso a sua vontade seja livre e esclarecida).

Assim, na sequência da tese que perfilhamos e que foi consagrada pelo legislador, a suspensão a requerimento da vitima conforme o n.º 6 do art.º 281° do CPP mais não será do que "uma válvula de escape do sistema criado e que nela se insere" pois, sem pôr em causa natureza pública do crime, permite harmonizar os sensíveis interesses conflituantes, conferindo assim a este tipo legal uma natureza pública sui generis.
10°
Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, deveria o Mm.º JIC ter dado o seu aval à suspensão provisória do processo por nós proposta, em virtude de, quanto a nós, estarem reunidos todos os pressupostos exigidos pelo n° 6 do art° 281.º do CPP.
11°
Ao não dar a sua concordância à suspensão provisória do processo nos termos em que o fez, salvo melhor opinião, violou o Mm.º Juiz a quo o disposto no n.º 6 do art° 281.º do CPP
12°
Por tudo isto deve ser revogado o despacho proferido pelo Mmo JIC e ser substituído por outro que dê aquiescência à suspensão provisória do processo, nos moldes equacionados.
Justiça”

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o arguido manifestando-se pela procedência do recurso, defendendo a revogação da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual consigna:
Em consonância com o expendido na Motivação quer-nos parecer, também, que com a introdução da referida disposição no corpo do art.º 281.° pretendeu o legislador autonomizar a suspensão provisória do inquérito onde se indicia a prática de crimes de maus tratos entre cônjuges, entre quem conviva em condições análogas ou seja progenitor de descendente comum em 1.º grau.
E que, a locução nele utilizada ”sem prejuízo do disposto no n.º 1”, quererá significar, que sem por de parte a possibilidade que é dada ao Ministério Público, caso se verifiquem os requisitos do n.º 1 do art.º 281.°, pode propor também a suspensão provisória do inquérito quando exista livre requerimento da vítima nesse sentido e ocorram tão só e apenas os requisitos enunciados nesse n.º 6, ou seja, a situação da vítima e que ao arguido não haja sido aplicada medida similar por infracção da mesma natureza.
Com efeito, tendo o crime dos autos natureza pública (cfr. Lei 7/2000, de 27/5) a possibilidade de suspensão do inquérito a requerimento da vítima mais não será do que uma válvula de escape do sistema criado e que permitirá harmonizar, desse modo, os interesses em conflito, tanto mais que são os da vítima que estão sobretudo em jogo e a suspensão do inquérito corresponderá a um menor desvalor do resultado, fazendo atenuar a necessidade de intervenção do direito penal, nomeadamente, em casos, como o dos autos, em que a gravidade da conduta se mostra atenuada dada a reconciliação do casal.
Termos em que, e convocando o que de mais consta da Motivação, se emite , parecer no sentido da procedência do recurso.”

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
O recurso dos autos incide sobre matéria de direito.

Questão a decidir: aplicabilidade dos pressupostos consignados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 281.º aos casos previstos no n.º 6 do mesmo artigo

Apreciando:

É do seguinte teor o despacho recorrido:
“Tal como resulta indiciado nos autos, o comportamento do arguido configura juridico-penalmente um crime de maus tratos a cônjuge, previsto e punido pelo art.º 152.°, n.º s 1 e 2, do Cód. Penal, com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Como afloramento de um princípio de oportunidade, o art.º 281.°, n.º 1, do Cód. de Proc. Penal, consagra a possibilidade de o Ministério Público decidir suspender provisoriamente o processo, por um período máximo até dois anos (art.º 282.°, n.º 1, do Cód. de Processo Penal), impondo ao arguido determinadas injunções ou regras de conduta, desde que se verifiquem os seguintes pressupostos:
1. Tratar-se de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diversa da prisão;
2. O arguido e o assistente (se houver) manifestarem a respectiva concordância;
3. Ausência de antecedentes criminais do arguido;
4. Não houver lugar a medida se segurança de internamento;
5. A culpa do arguido se revestir de carácter diminuto;
6. Se preveja que o cumprimento das regras de conduta e injunções respondam suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir;
7. Concordância do juiz de instrução.
Tratando-se de crime de maus tratos a cônjuge, importa, ainda, considerar a hipótese normativa do n.º 6 do art.º 281.° do Cód. de Proc. Penal, segundo o qual "em processos por crime de maus tratos entre cônjuges, entre quem conviva em condições análogas ou seja progenitor de descendente comum em 1.º grau, pode ainda decidir-se, sem prejuízo do n.º 1, pela suspensão provisória do processo a livre requerimento da vítima, tendo em especial consideração a sua situação e desde que ao arguido não haja sido aplicada medida similar por infracção da mesma natureza" .
Findo o período da suspensão, o Ministério Público, se o arguido tiver cumprido as injunções e regras de conduta, determinará o arquivamento dos autos e, em caso de incumprimento, os autos prosseguirão os seus termos (art.º 282.°, n.º 2, do Cód. de Processo Penal).
In casu, se à primeira vista se afiguram como preenchidos quase todos os pressupostos para que se possa decidir pela suspensão provisória, um se mostra ausente, cujo é a ausência de antecedentes criminais do arguido - cfr. certificado do registo criminal junto aos autos.
Ora, o n.º 1 do art.º 282.° do Cód. de Processo Penal é taxativo quanto à enumeração dos requisitos a observar.
Por outro lado, o n.º 6 do mesmo art.º não afasta tais exigências, antes as reforça, conforme resulta da expressão "sem prejuízo do n.º 1", apenas acrescentando a possibilidade de a suspensão provisória poder ser suscitada pela própria vítima junto do Ministério Público.
Destarte, por não verificados todos os pressupostos de que a mesma depende, não deve ser determinada a suspensão provisória do processo.
Pelo exposto,
Não concordo com a suspensão provisória do presente processo.”

Vejamos:

A questão a decidir no presente recurso tem o seu âmago na interpretação a dar à expressão "sem prejuízo do n.º 1" constante do n.º 6 do art.º 281.º.
Entende o juiz “a quo” que tal expressão tem o significado de “sem prejuízo da verificação dos requisitos previstos no n.º 1”, enquanto que o Ministério Público considera que tem o sentido de “sem necessidade de verificação dos requisitos previstos no n.º 1”, ou seja, estão em confronto duas interpretações: uma que entende que os requisitos dos n.ºs 1 e 6 são cumulativos e outra que entende que são autónomos.
Não vislumbramos qualquer razoabilidade nesta última posição.
Em primeiro lugar porque a literalidade da expressão em causa parece inculcar a ideia de que os requisitos de ambos os números têm que ser considerados cumulativos e em segundo lugar porque se os mesmos fossem autónomos como pretende o recorrente, estariam abrangidas situações que à partida seria impensável que fossem queridas pelo legislador.

Analisemos então a lei.

Dizem-nos os n.ºs 1 e 6 do art.º 281.º o seguinte:
1 - Se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, pode o Ministério Público decidir-se, com a concordância do juiz de instrução, pela suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, se se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Concordância do arguido e do assistente;
b) Ausência de antecedentes criminais do arguido;
c) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
d) Carácter diminuto da culpa; e
e) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…).
5 - (...)
6 - Em processos por crime de maus tratos entre cônjuges, entre quem conviva em condições análogas ou seja progenitor de descendente comum em 1.º grau, pode ainda decidir-se, sem prejuízo do disposto no n.º 1, pela suspensão provisória do processo a livre requerimento da vítima, tendo em especial consideração a sua situação e desde que ao arguido não haja sido aplicada medida similar por infracção da mesma natureza (redacção introduzida pela Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio).

Como já dissemos, o elemento literal conduz-nos a que os pressupostos do n.º 6 se somem aos do n.º 1 pois que a expressão “sem prejuízo” tem o sentido de “para além da verificação dos pressupostos”.
Com efeito e muito embora vislumbremos alguma razoabilidade na argumentação do recorrente em termos “de jure condendo”, o certo é que em termos “de jure constituto” não conseguimos perceber qual seria a articulação processual do instituto na sua óptica.
Na realidade, se a expressão “sem prejuízo” tivesse o sentido que propõe, o n.º 1 ficaria totalmente excluído pois que não vemos qualquer fundamento legal (nem o recorrente o indica) para o aplicar parcialmente.
Consoante a interpretação que fizermos da expressão, assim se aplicará “in totum” ou, pura e simplesmente, não se aplicará. A letra do n.º 6 não permite a terceira posição preconizada pelo Ministério Público pois que nele se refere o n.º 1 e não os pressupostos previstos nas alíneas do n.º 1 (sendo certo que no corpo deste número se prevêem outros pressupostos).
Temos assim que a interpretação do recorrente peca desde logo por fazer uma fraccionação que a letra da lei nitidamente não comporta.
É pois nosso entendimento que o legislador, tomando em consideração a especificidade das situações abrangidas pelo n.º 6, adicionou aos critérios de índole geral, alguns de carácter especial.
Na realidade, a única dúvida que poderia haver acerca da intromissão directa do n.º 6 nos pressupostos do n.º 1 prende-se com a expressão “a livre requerimento da vítima”.
A este respeito referem Simas Santos e Leal-Henriques (Código de Processo Penal Anotado, II Volume, 2ª edição, pág. 133) que com a mesma “se pretendeu afastar a concordância do arguido e do assistente”.
Não nos parece que lhes assista razão.
Começando pela desnecessidade de concordância do assistente, diremos que no caso de este haver sido constituído, não vislumbramos hipótese de a vítima não ser o próprio assistente ou então, por ter morrido, por ser menor ou por não possuir discernimento suficiente, não poder apresentar por si só e desacompanhada do seu representante (que seria então o assistente) declaração válida no sentido de requer a suspensão.
Em suma, o requerimento da vítima não tem em vista o afastamento da concordância do assistente porque em última análise, será este a própria vítima ou o seu representante (como resulta claro do art.º 68.º do Código Penal).
Quanto à concordância do arguido diremos que, para além de não vislumbrarmos na letra do n.º 6 qualquer referência à sua não exigência, a decisão de suspensão do processo terá que envolver sempre a sua concordância pois que, caso contrário, será violado o princípio constitucional do contraditório.
Temos assim que a expressão “a livre requerimento da vítima” não significa que o legislador pretendeu afastar a al. a., do n.º 1.
Que significará então?
Admite-se que a resposta não seja fácil ou indiscutível.
No entanto, parece-nos que a expressão tem que ser entendida no sentido de que a vítima, no uso do seu livre arbítrio, pode requerer ao Ministério Público que faça funcionar o instituto e o Ministério Público tem que ponderar o requerido à luz dos pressupostos do n.º 1 e do n.º 6..
A não ser este o entendimento estaríamos perante uma norma que abriria caminho a situações aberrantes ao deixar nas mãos das vítimas, de uma forma quase incontrolável, o andamento de processos respeitantes a crimes de grande gravidade (não é difícil imaginar uma situação em que o crime caísse na previsão da al. a, ou até mesmo da al. b., do n.º 5, do art.º 152.º do Código Penal).
Não despiciendo é também o facto de no caso de se entender que a imposição de injunções e regras de conduta não era aplicável aos casos previstos no n.º 6, não se vê como poderia funcionar o n.º 2 do art.º 282.º, norma onde se determinam os critérios que levam ao arquivamento ou ao prosseguimento do processo.
Acresce que a ser entendido que a verificação dos pressupostos do n.º 1 estaria afastada nos casos previstos no n.º 6, estaria também desde logo afastada a concordância do juiz para a suspensão, o que a nosso ver estaria em desconformidade com o determinado nos art.ºs 32.º, n.º 4 e 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Importa ainda referir que não se vê como poderia o legislador prescindir do pressuposto dos pressupostos previstos nas al.s b. e c..
No primeiro caso, poderia acontecer que os antecedentes criminais correspondessem precisamente à prática de crimes do tipo daquele que estava em causa no processo em que se pretendia a suspensão provisória e no segundo caso estaria o Estado a demitir-se da sua obrigação de proteger a sociedade e o próprio arguido da perigosidade deste.
Também não se vê como ultrapassar a al. d. uma vez que uma culpa que não seja diminuta não pode sustentar uma suspensão e a al. e., visto que se se prever que o cumprimento das injunções não produzirá o efeito de prevenção pretendido, não faz sentido a aplicação do instituto.
Não de somenos importância é o facto de a interpretação do recorrente levar a que em crimes públicos como são os previstos no art.º 152.º do Código Penal, a opção de suspender o processo ficasse na dependência da vontade da vítima e o Ministério Público, o titular da acção penal, apenas a pudesse contrariar se a situação do próprio requerente, por qualquer razão, o justificasse.
Em suma, embora reconhecendo que a letra da lei não é muito clara, diremos que a expressão “sem prejuízo do disposto no n.º 1” tem o sentido de “para além da verificação dos pressupostos previstos no n.º 1”.
Se assim não fosse e vingasse a tese do recorrente de que os n.ºs 1 e 6 do art.º 281.º são autónomos, estariam abrangidas situações em que, sem a concordância do juiz e por mero requerimento da vítima e também sem que fossem impostas quaisquer injunções ou regras de conduta, se suspenderiam provisoriamente processos referentes a crimes puníveis com prisão de 3 (três) a 10 (dez) anos, em que o arguido tivesse antecedentes criminais por crimes abrangidos pelo n.º 6 e em tivesse agido com culpa grave ou então que exigisse a aplicação de uma medida de segurança de internamento.
Não pode ter sido esta a vontade do legislador!
Com a interpretação que em nossa opinião se compagina com a letra da lei e a “mens legislatoris”, a possibilidade de requerimento da vítima não é mais do que a extensão da legitimidade a alguém que sem a norma do n.º 6 não poderia intervir dado que o crime é público, pelo que o Ministério Público, após a sua recepção
- examinará a situação do requerente,
- recolherá a concordância do arguido,
- verificará se este não tem antecedentes criminais e não lhe foi ainda aplicada medida similar por infracção da mesma natureza
- ponderará se não haverá lugar a medida de segurança de internamento
- aquilatará da existência de uma culpa diminuta e
- avaliará se o cumprimento das injunções e regras de conduta responde suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
Se considerar que todos os pressupostos se verificam, opõe injunções e regras de conduta ao arguido e apresenta a proposta de suspensão ao juiz para que ele dê (ou não) a sua concordância.
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No caso dos autos o juiz “a quo” entendeu que não podia concordar com a proposta uma vez que o arguido tinha antecedentes criminais.
Interpretou devidamente a lei.
Por isso nada há a censurar na decisão recorrida.
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Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso.
*
Sem custas.