Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
199/08.8TBSRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO - ESTRADA
BRISA
CONCESSIONÁRIO
CULPA
Data do Acordão: 10/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.483, 487, 493, 500, 562, 570, 571, 572, 799 CC, 3 E 24 CE, DL Nº 294/97 DE 24/10, LEI Nº 24/2007 DE 18/7
Sumário: 1 - Tendo ocorrido um embate entre automóveis imputável à presença de perfis, tipo PMP, na faixa de rodagem da auto-estrada, se a concessionária não alegar ter tomado medidas destinadas a evitar a deslocação dos perfis para a faixa de rodagem e que a deslocação deles foi o resultado de actuação dolosa de terceiros ou de força maior, não ilide a presunção de culpa estabelecida no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho.

2 - Se o condutor do veículo A segue na auto-estrada à retaguarda do veículo B e embate na traseira deste ultimo, porque este travou e diminuiu a velocidade ao verificar que havia perfis tipo PMP na faixa de rodagem, o condutor do veículo A também deve ser responsabilizado por ter contribuído em parte para a produção do acidente, ainda que não se conheça a velocidade a que seguia e a distância que o separava do veículo B quando este diminuiu a velocidade.

3 - Nesta vertente causal do embate, este é imputável ao condutor A, em alternativa ou em conjunção por excesso de velocidade do veículo A, nos termos definidos na parte final do n.º 1 do artigo 24.º do Código da Estrada, conjugado com a regra de prudência relativa à distância entre veículos em circulação, constante do artigo 18.º do mesmo diploma; distracção do condutor do veículo A, também causal e censurável face ao disposto no n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código e ao conceito de negligência pressuposto no artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil, ou a ambas as causas conjugadas.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

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Recorrente (Autora)M (…) S. A., melhor identificada nos autos.

Recorrida (Ré)…………Brisa – Auto-Estradas de Portugal, S. A., melhor identificada nos autos.

Intervenientes acessórios passivos

………Companhia de Seguros F (…), S. A., melhor identificada nos autos.

……….P (…), S. A., melhor identificada nos autos.

……    T (…) S. A., melhor identificada nos autos.

……….Companhia de Seguros A (…) a, S. A., melhor identificada nos autos.


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I. Relatório.

a) O presente processo teve origem num acidente de viação ocorrido no dia 23 de Maio de 2005, no qual foram intervenientes o veículo com a matrícula ...ZV, pertença da Autora, e o veículo matrícula ...-SR, propriedade da (…), Lda., os quais circulavam na auto-estrada A1, ambos no sentido Porto-Lisboa, em ultrapassagem a um outro veículo pesado.

Ao quilómetro 171,815 o veículo da Autora embateu na traseira do veículo SR, o que ocorreu devido ao facto do condutor deste veículo, que seguia à frente, ter travado bruscamente, ocorrência esta que se ficou a dever ao facto do seu condutor ter notado a presença de perfis de plástico, tipo PMP, em plena via, mas não sinalizados com antecedência, aí existentes por estarem a decorrer trabalhos no separador central da auto-estrada.

A Autora atribuiu a causa e a culpa do acidente à Ré Brisa – Auto-Estradas de Portugal, devido ao facto de esta não ter tomado os cuidados devidos destinados a evitar acidentes e, por isso, pediu a condenação da mesma a pagar-lhe os danos sofridos, isto é, as despesas com a reparação do veículo, desvalorização sofrida por este, dado que era um veículo novo, bem como derivados da privação do seu uso, tudo nos termos discriminados na petição inicial, no total de €5 848,60 euros e, ainda, juros de mora desde a citação.

A Ré Brisa contestou os factos relativos à dinâmica do acidente, alegando desconhecimento, mas contestou a inexistência de sinalização, referindo que a presença dos perfis estava devidamente sinalizada.

Por outro lado, o local era uma recta com ampla visibilidade, sendo os perfis visíveis à distância, não havendo razão para qualquer travagem brusca do veículo SR.

Atribuiu, por isso, a culpa do acidente ao facto do condutor do veículo da Autora não circular a distância adequada em relação ao veículo que seguia à sua frente.

Além do exposto, a Ré Brisa requereu a intervenção acessória da Companhia de Seguros (…) com base em eventual direito de regresso, uma vez que tinha celebrado com esta um contrato de seguro destinado a garantir a sua responsabilidade civil em situações como a dos autos.

Pediu também a intervenção das empresas P (…), S.A., ambas responsáveis pelas obras que estavam na ocasião a ser realizadas na via.

Estes chamamentos foram admitidos.

A chamada companhia de Seguros (…) alegou desconhecimento do ocorrido quanto ao sinistro, aderindo à tese da Ré Brisa, alegando que relativamente ao contrato de seguro entre ambas, beneficiava de uma franquia de €748,20 euros.

A chamada T (…)contestou e impugnou a versão do acidente adiantada pela Autora. Além disso, invocou a existência de um contrato de seguro que havia celebrado com a Companhia de Seguros (…), S. A., tendo por objecto danos causados a terceiros no exercício da sua actividade, pelo que solicitou a intervenção desta nos autos, para efeitos previstos no artigo 330.º do Código de Processo Civil, a qual, admitida a intervir, alegou desconhecimento completo dos factos, aderindo ao articulado apresentado nos autos pela empresa T (…).

No final, após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por se ter considerado não existirem factos provados dos quais resulte ter havido culpa das empresas que procediam aos trabalhos, nem da Ré Brisa, na produção do acidente.

b) A Autora recorre, em síntese, por, em seu entender, a Ré Brisa não ter provado factos susceptíveis de afastar a sua responsabilidade.

Concluiu assim:

1- Verificada a ocorrência de acidente de viação em auto-estrada causado pela existência de objectos na faixa de rodagem, cabe à concessionária a prova de ter tomado todas as medidas necessárias a evitar tal presença e que esta se deve a facto de terceiro ou a caso fortuito ou de força maior, não controlável.

2 - No caso concreto dos autos, provado que os danos causados no veículo da Autora resultaram de acidente que teve como causa a presença de perfis móveis plásticos na faixa de rodagem em que circulava, cabia à Ré Brisa provar que tinha actuado previamente de modo a evitar a presença desses objectos na faixa de rodagem.

3 - E que tal presença se ficou a dever a actuação de terceiro, ou a caso de força maior, que não lhe era possível, de algum modo, controlar.

4 - Tratando-se de objectos colocados a delimitar o separador central, no local onde costuma estar uma barra metálica, pelo facto de existirem obras em curso naquele troço da A1, cabia à Ré alegar e provar que tais objectos foram verificados quanto às suas características e comportamento, nomeadamente quanto à sua fixação no local para desempenharem a função que, antes, cabia às barras metálicas.

5 - Ou provar que a sua deslocação se ficou a dever à intervenção de terceiros ou a evento não controlável, apesar da vigilância efectuada.

6 - Devia a Ré alegar e provar qual a concreta actuação exercida no sentido de manter, no local onde haviam sido colocados, tais perfis móveis plásticos.

7 - Os patrulhamentos da Brisa e da GNR, sendo adequados à vigilância do estado da via e à detecção de irregularidades, não o são para prevenir a deslocação de materiais usados no decurso de obras, como os que deram causa ao acidente.

8 - E a actuação da Ré após a verificação da ocorrência - deslocação do funcionário para recolher os perfis - constituindo uma actuação posterior à causa da deslocação daqueles objectos para a faixa de rodagem, não é, contudo, adequada a evitá-la.

9 - A Ré não alegou, nem provou, que tenha - por si ou pelo empreiteiro - verificado se aqueles  objectos eram suficientemente pesados, se estavam devidamente imobilizados, ou, em todo o  caso, seguros, prevenindo a possibilidade de se deslocarem para a faixa de rodagem.

10 - A sentença recorrida ao julgar que os patrulhamentos habituais e a deslocação do funcionário da Ré, depois de verificada existência dos perfis móveis plásticos na faixa de rodagem, constituíram actuação adequada a evitar os perigos causados por tais objectos, não fez uma correcta interpretação e aplicação da previsão contido no art. 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho.

c) Por sua vez, a chamada T (…) contra-alegou argumentando no sentido da manutenção do decidido.

Concluiu nestes termos:

A Ré fez tudo o que estava ao seu alcance no momento em que é detectada a existência de uma situação concreta de perigo, bem como tudo fez para prevenir a situação.

A zona estava devidamente sinalizada provisoriamente pela Interveniente T (…) nos termos do contrato celebrado com a Brisa.

Havia uma equipa de fiscalização da Ré, com vista à certificação de que toda a sinalização necessária estava de facto em vigor.

A zona estava devidamente sinalizada.

A interveniente cumpriu todos os seus deveres enquanto concessionária, nomeadamente cumprindo a sua obrigação de manter a segurança na via.

E provou ter tomado todas as medidas necessárias para evitar a presença dos perfis móveis de plástico e ter actuado previamente de modo a evitar a presença dos referidos objectos na faixa de rodagem.

Os patrulhamentos habituais da GNR e a deslocação de funcionários da Ré, conjugados com toda a sinalização temporária no local, constituem actuação adequada a evitar os perigos causados pelos perfis móveis de plástico e servem o propósito de ilidir a presunção contida no artigo 12.º da Lei 24/2007, de 18 de Julho.

II. Objecto do recurso.

O objecto do recurso consiste no seguinte:

Em primeiro lugar, verificar se em face dos factos provados a Ré Brisa mostrou ter cumprido as obrigações de segurança destinadas, no caso, a impedir que os mencionados perfis (tipo PMP), colocados no lugar das barras metálicas que delimitavam a faixa de rodagem do separador central na auto-estrada, se deslocassem para o interior da faixa de rodagem.

Esta questão passa por determinar a quem incumbe o ónus de provar os factos que integram a responsabilidade da Ré Brisa, designadamente saber se o disposto no artigo 12.º da Lei 24/2007, de 18 de Julho, tem carácter interpretativo.

Em segundo lugar, consoante a resposta dada à questão anterior, será analisado o mérito da acção, que pode implicar manter o decidido ou verificar em que termos procede o pedido da Autora.

III. Fundamentação.

a) Matéria de facto.

1. A Ré BRISA – Auto-Estradas de Portugal, S. A., e a Companhia de Seguros F..., celebraram um contrato de seguro, a que coube a apólice n.º 87/38.299, mediante o qual esta última assumiu a responsabilidade civil da primeira relativamente a indemnizações que, em conformidade com a lei, possam ser-lhe exigidas como civilmente responsável pelos prejuízos e/ou danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da A1, até ao montante de 150.000.000$00 - als. a) e b) dos factos assentes.

2. No âmbito deste contrato de seguro existe uma franquia a cargo da Brisa de €748,20 euros por sinistro - al. c) dos factos assentes.

3. A Ré BRISA – Auto-Estradas de Portugal, S. A., celebrou com as sociedades P (…), S. A. e T (…), S.A., em 25 de Agosto de 2004, um contrato denominado de «Contrato de Empreitada Para as Obras de Beneficiação dos Pavimentos do Sublanço Pombal/Condeixa da A1 – Auto-estrada do Norte» - al. d) dos factos assentes.

4. No art. 15.º do referido contrato, sob a epígrafe «encargos do empreiteiro» ficou escrito:

«1 - Além dos encargos do empreiteiro constantes do presente contrato e dos documentos que dele fazem parte integrante (...) correrá por conta do empreiteiro que será, para o efeito, o único responsável, designadamente: c) – A reparação e a indemnização de todos os prejuízos que, por motivos imputáveis ao Empreiteiro sejam sofridos pela BRISA ou por terceiros, em consequência da natureza, concepção ou do modo de execução dos trabalhos, da actuação do pessoal do Empreiteiro e dos seus subempreiteiros, fornecedores, tarefeiros e montadores e do deficiente comportamento ou da falta de segurança, materiais, e ou equipamentos, nos termos previstos na Base XLIX anexa ao Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro; (…) 2 – O Empreiteiro é o único responsável por todos os acidentes ou danos, quer pessoais quer materiais, que a execução dos trabalhos ou acção dos seus agentes ou operários, subempreiteiros, tarefeiros, fornecedores e montadores possam causar, tanto ao pessoal como a terceiros, incluindo utentes da auto-estrada e a outras empresas que trabalhem na mesma obra, bem como à BRISA e aos seus representantes. 3 - O Empreiteiro é responsável pelas indemnizações e reparações dos prejuízos que, nos termos dos números anteriores, possam, legitimamente, ser exigidos à BRISA. 4 - O Empreiteiro compromete-se a responder, pela BRISA, em todas as acções em que esta for demandada judicialmente por terceiros, em relação a prejuízos causados por actos do Empreiteiro, sendo este totalmente responsável pelos danos morais e materiais que advenham do resultado do processo (…)» - al. e) dos factos assentes.

5. No contrato referido na aliena d) foi pactuado que o regime de responsabilidades perante a Brisa das Empresas que integram o Consórcio (chamadas P (…), S.A. e T (…), S.A.) é de total solidariedade (art. 1.º, n.º 2, alínea e) do Protocolo) - al. f) dos factos assentes.

6. É da responsabilidade do consórcio toda a Sinalização Temporária, incluindo marcas rodoviárias, e demais equipamentos (art. 2.º, números 3, 4, 5 do protocolo) - al. g) dos factos assentes.

7. O Consórcio tem de segurar a empreitada por forma a que fiquem cobertas as responsabilidades derivadas de qualquer causa que ocorra durante a execução dos trabalhos bem como danos causados a terceiros (art. 15.º, n.º 8 e n.º 12 do Protocolo) - al. h) dos factos assentes.

8. Nos termos do art. 23.º das Condições Gerais do Seguro de Responsabilidade Civil celebrado entre a F... e a Brisa «A seguradora, uma vez paga a indemnização fica subrogada, até à concorrência da quantia indemnizada, em todos os direitos, acções e recursos do segurado, contra responsáveis pelo sinistro, obrigando-se o segurado a praticar o que necessário for para efectivar esses direitos (n.º 1)» - al. i) dos factos assentes.

9. A chamada P (…) S.A. foi regularmente citada por contacto pessoal no dia 22 de Setembro de 2008, na pessoa do Sr. Administrador de Insolvência e não deduziu oposição (cfr. fls. 586) - al. j) dos factos assentes.

10. T (…), S.A., interveniente, celebrou com a Companhia de Seguros (…) S. A. um contrato de seguro do ramo «Responsabilidade Civil Exploração-Construção Civil», titulado pela apólice n.º 55.035205 - al. l) dos factos assentes.

11. Nos termos da referida apólice, a responsabilidade civil extracontratual da Interveniente, por eventuais danos causados a terceiros em resultado do exercício da sua actividade (Construção Civil e Obras Públicas) encontra-se transferido para a Companhia de Seguros (…) S. A. - al. m) dos factos assentes.

12. Nos termos da qual a Companhia Interveniente assegurava a cobertura da responsabilidade civil extracontratual da Segurada T (…) no exercício da actividade expressa nas Condições Particulares da Apólice — Construção Civil — legalmente imputável a esta “por danos materiais e/ou corporais causadas a terceiros em resultado do exercício da actividade de construção civil e obras públicas”, etc., sendo o capital seguro de €498.797,9 euros por sinistro e período seguro, com a franquia a cargo da segurada de 10% do valor de cada sinistro com o mínimo de €748,20 euros em danos causados a cabos e/ou condutas subterrâneos e/ou aéreos e €249,40 euros em outros danos - al. n) dos factos assentes.

13. A Autora é uma sociedade comercial anónima que dedica a sua actividade ao comércio e reparação de veículos automóveis novos e usados – quesito 1.º.

14. A Ré é uma sociedade comercial anónima concessionária da Auto-Estrada do Norte (A1), por força da outorga concedida pelo Estado Português – quesito 2.º.

15. Actualmente, é concessionária do Estado para a construção, conservação e exploração das auto-estradas referidas na Base 1 anexa a diploma legal e de entre as auto-estradas ali referidas, conta-se a Auto-Estrada A1, designada Auto-Estrada do Norte, na qual se integra o sublanço Pombal/Condeixa – quesito 3.º.

16. No dia 23 do mês de Maio do ano de 2005, pelas 08,45 horas, ocorreu um acidente de viação – quesito 4.º.

17. Ao quilometro 171,815 da Auto-Estrada A1, sito no concelho de Soure, do distrito de Coimbra – quesito 5.º.

18. No qual foram intervenientes os veículos com matrículas ...ZV (ligeiro de passageiros), pertencente à Autora e conduzido por M (…) e o ...-SR (ligeiro de mercadorias), pertencente à Casa (…) Lda., conduzido por (…)– quesito 6.º.

19. Circulavam ambos os veículos no sentido Norte/Sul – quesito 7.º.

20. Tendo a via duas faixas de rodagem no mesmo sentido, ambos os veículos circulavam pela faixa de rodagem da esquerda – quesito 8.º.

21. A ultrapassar pelo menos uma viatura pesada que circulava pela faixa mais à direita – quesito 9.º.

22. Os condutores do ZR e do SR não contavam com – nem previram – a presença de perfis PMP a ocupar parcialmente a hemifaixa de rodagem da esquerda, atento o sentido de marcha Norte/Sul, tendo sido surpreendidos pela presença dos mesmos no local aludido em 24 – quesitos 10.º, 17.º, 19.º, 22.º e 24.º.

23. Os perfis PMP aludidos em 22 encontravam-se aí devido a obras na A1 – quesito 11.º.

24. Os perfis PMP aludidos em 22 obstruíam parcialmente a faixa de rodagem, destinada aos veículos que circulavam no sentido Norte – Sul, na hemifaixa mais esquerda, no momento em que por aí circularam os veículos intervenientes no acidente (ZV e SR) – quesito 12.º.

25. O condutor do veículo ...-SR accionou o travão e efectuou uma redução brusca da velocidade – quesito 13.º.

26. O condutor do veículo ...ZV que circulava à retaguarda accionou o travão, mas não imobilizou o seu veículo antes de embater no veículo ...-SR – quesito 14.º.

27. A frente do veículo ...ZV colidiu com a traseira do veículo ...-SR – quesito 15.º.

28. A colisão aludida em 27 decorreu da situação dada por provada de 24 a 27– quesitos 16.º e 30.º.

29. Na A1, no sublanço Condeixa-Pombal, neste sentido (Norte-Sul), existia a seguinte sinalização, em virtude de tal troço estar a ser intervencionado, em várias frentes:

…300 metros antes da saída para Condeixa, cerca do quilómetro 181,800, painel indicando obras no troço agora aludido;

…a 750 metros do quilómetro 171, em que ocorreu o acidente, um sinal indicando trabalhos na estrada;

…a 500 metros do quilómetro 171, onde ocorreu o acidente, sinal de perigos vários;

…a 250 metros do quilómetro 171, onde ocorreu o acidente, sinal de limite de velocidade a 80 km/h;

…no local, os perfis PMP tinham sido colocados na semana anterior, a delimitar o separador central, do lado do sentido de marcha Norte-Sul, em que seguiam os ZV e SR, em vez da usual barra de ferro desse lado, que, em situação normal aí estaria – quesitos 18.º e 54.

30. O provado em 22 levou o condutor do SR a travar – quesito 23.º.

31. O condutor do ZV não previu a travagem aludida em 30 – quesito 25.º.

32. Perante a travagem brusca do condutor do veículo ...-SR, o condutor do veículo ...ZV, não conseguiu imobilizar o seu veículo, antes de colidir com aquele – quesito 26.º.

33. O que provocou, no veículo da Autora, a destruição: do pára-choques; das palas lateral e superior; da grelha ventiladora; dos faróis completos da esquerda e da direita; dos piscas completos da esquerda e da direita; dos guarda-lamas da esquerda e da direita; da grelha do radiador; do capot; das chapas de protecção do motor; da caixa de fusíveis; do filtro de ar completo; do radiador e respectivos tubos – quesito 31.º.

34. Foi efectuada peritagem de avaliação de danos e emitido Relatório de Avaliação de Danos — Informação Detalhada, pela D...Peritagem Automóvel, SA – quesito 32.º.

35. Peritagem e Relatório que custou o preço de €71,00 euros, incluído no preço da reparação do veículo infra referido – quesito 33.º.

36. A reparação do veículo implicou a substituição das peças supra referidas, bem como, dos seus acessórios – quesito 34.º.

37. A utilização de serviços de mão-de-obra de chaparia, de mecânica e de pintura – quesito 35.º.

38. Intervenções mecânicas que foram efectuadas pela sociedade comercial M (…), S.A. – quesito 36.º.

39. Reparação ficou por um custo total com IVA incluído de €4.098,60 (quatro mil e noventa e oito euros e sessenta cêntimos) – quesito 37.º.

40. Custo de reparação que a Autora suportou conforme Recibo n.º 20985, emitido em 29 de Julho de 2005, de encontro de contas emitido pela sociedade M (….) – quesito 38.º.

41. A autora utilizava o veículo automóvel ligeiro de passageiros interveniente no acidente, com a matrícula ...ZV, pois que, através de um preço, facturado através da factura n.º 01200000004099, emitida em 19 de Abril de 2005, pela FIAT Distribuidora Portugal, S.A., o pretendeu adquirir para si – quesito 39.º.

42. Veículo de marca Alfa Romeo, modelo GT 2.0, versão coupé – quesito 40.º.

43. Que havia entrado em circulação no mês de Maio do ano de 2005 (portanto, com um mês de circulação) – quesito 41.º.

44. E com apenas 1221 Kms – quesito 42.º.

45. Por causa do embate, sofreu uma desvalorização avaliada em €1.500,00 euros – quesito 43.º.

46. A Autora utilizava o ZV no exercício da sua actividade comercial, tendo por isso ficado privada do uso do mesmo nesse período, não o podendo utilizar para deslocação dos seus administradores e colaboradores, como era por si suposto – quesitos 44.º e 50.º.

47. O veículo ZV ficou imobilizado à altura e por via do acidente ocorrido, ficando disponível para utilização da Autora a partir do dia 27 de Junho de 2005, data em que a reparação do mesmo, iniciada em 7 de Junho, terminou – quesitos 45.º e 49.º.

48. A utilização de um veículo automóvel no comércio custa €10,00 por dia – quesito 51.º.

49. A Ré Brisa tomou conhecimento da existência do sinistro por comunicação, pelas 08.30 horas, para o Centro de Coordenação de Operações, vulgo CCO, onde se encontrava a trabalhar o Operador de Comunicações, entre outros, Sr. (…), pela própria patrulha da Brisa Assistência Rodoviária (BAR), que se encontrava no local Sr. (…) – quesito 52.º.

50. (…), oficial mecânico, estava no local do acidente, no momento em que o mesmo ocorreu, na berma direita da faixa, sentido Norte-Sul, com a carrinha de patrulhamento, aguardando a possibilidade de retirar os perfis PMP da faixa de rodagem, onde estavam, nos termos dados por provado em 22 – quesitos 53.º, 55.º e 60.º.

51. E é uma recta em patamar que se prolonga em mais de um quilómetro atento o sentido dos veículos SR e ZV – quesito 56.º.

52. A auto-estrada é patrulhada pela BRISA e pela GNR/BT, 24 sobre 24 horas por dia, todos os dias do ano – quesito 58.º.

53. No dia do sinistro, os patrulhamentos foram e estavam a ser realizados – quesito 59.º.

54. Dá-se por reproduzido o conteúdo do documento referenciado em 4., de fls. 79 e seguintes dos autos – quesitos 66.º e 68.º.

55. Os intervenientes colocaram no local a sinalização dada por provada em 29, sinalização esta visível em toda a sua extensão aos utentes da A1– quesitos 69.º a 74.º.

b) Apreciação das questões colocadas no recurso.

1 – Primeira questão.

Esta primeira questão respeita à indagação da responsabilidade da Ré na ocorrência do evento.

Como o acidente aconteceu em 23 de Maio do 2005, à partida não teria aplicação ao caso a norma hoje constante do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, uma vez que o acidente ocorreu antes desta lei ter entrado em vigor na ordem jurídica, a qual veio estabelecer que «Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:

a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;

b) Atravessamento de animais;

c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais».

No entanto, a jurisprudência tem entendido que a Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, tem natureza interpretativa ([1]), sendo, por essa razão, imediatamente aplicável face à regra do n.º 1 do artigo 13.º, do Código Civil, onde se determina que a lei interpretativa se integra na lei interpretanda, o que significa que a lei em vigor à data do facto deve ser interpretada de acordo com a lei (interpretativa) entretanto publicada.

Como referiu Batista Machado, «…a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado» e, mais adiante acrescenta que «Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o legislador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. ([2]).

Ora, como é do conhecimento generalizado dos práticos do direito que lidam com estas matérias, verificava-se anteriormente à publicação desta lei que a jurisprudência e a doutrina sustentavam fundamentalmente duas posições: uma delas situava a responsabilidade da concessionária no âmbito contratual e, por isso, entendia, face ao disposto no n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil, que verificado um acidente na auto-estrada a concessionária tinha de provar que não tinha tido culpa na sua produção; outra situava a responsabilidade da concessionária no âmbito da responsabilidade extracontratual, uns subsumindo-a ao artigo 483.º do Código Civil, incumbindo ao lesado a prova da culpa da concessionária na produção do acidente, outros sustentavam que o ónus da prova da ausência de culpa incidia sobre a concessionária, por considerarem que a auto-estrada se enquadrava no conceito de «coisa imóvel perigosa» previsto no artigo 493.º do Código Civil, norma que coloca o ónus da prova a cargo de quem tem o dever de vigiar a coisa perigosa para que esta não produza danos em terceiros.

A Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, interveio nesta questão e colocou um ponto final na discussão quando o acidente tiver origem nas causas que ela seleccionou, declarando que «o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária».

O caso dos autos está coberto pela previsão da nova lei, por ter tido origem numa das causas seleccionadas pela nova lei, isto é, em «objecto existente na faixa de rodagem».

Concluindo, por força do disposto no n.º 1 do artigo 12.º da mencionada lei, aplicada, como se disse, como lei interpretativa, no caso dos autos recai sobre a concessionária o ónus de provar que cumpriu as obrigações de segurança.

Antes de avançar para a averiguação da responsabilidade da Ré, cumpre referir ainda uma outra questão.

Os trabalhos na auto-estrada estavam a ser executados pelas intervenientes P (…)e T (…)por terem celebrado com a Ré Brisa um contrato de empreitada a tal respeito.

Daí que se possa sustentar, num primeiro momento, que dada a autonomia do empreiteiro em relação ao dono da obra, inexistindo entre eles uma relação de comissão ([3]) susceptível de fundamentar a exclusão da responsabilidade do dono da obra face ao terceiro lesado pelo empreiteiro, nos termos do artigo 500.º do Código Civil, pelo que só o empreiteiro responderia perante o lesado pelos danos causados pela sua actuação.

No caso dos autos eram as empreiteiras que realizavam as obras no local, pelo que, nesta perspectiva, só elas seriam as eventuais responsáveis pelas consequências do acidente.

Porém, sendo defensável esta construção em tese geral, no caso dos acidentes em auto-estrada não tem aplicação por duas razões, conjugadas:

Em primeiro lugar, por a Ré Brisa ser, nos termos da al. a), do n.º 1, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, a concessionária da A 1/IP1- Auto-Estrada do Norte, desde Vila Franca de Xira até Carvalhos, sendo ela a entidade que detinha o domínio sobre esta infra-estrutura.

Em segundo lugar, por, nos termos do n.º 2, da Base XXXVI, anexa ao mesmo diplomo, a Ré Brisa ser «…obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem».

Ou seja, independentemente dos meios ou mecanismos, materiais ou jurídicos, que a Ré Brisa utilize para realizar obras na auto-estrada, ela é sempre directamente responsável por danos originados no incumprimento dos deveres que assumiu face à indicada Base XXXVI.

É o que resulta do n.º 2 desta Base, acabada de transcrever.

Conclui-se, por conseguinte, que a Ré Brisa é responsável pelos danos emergentes do acidente, caso se verifiquem os restantes pressupostos.

É de salientar que esta norma do n.º 2 da Base XXXVI tem cariz contratual, pois faz parte do contrato de concessão entre a Brisa e o Estado português, e tem como finalidade assegurar a protecção dos utentes da auto-estrada.

Daí que os utentes a possam invocar em seu benefício quando vítimas de acidentes na auto-estrada, se for de imputar o evento à falta de cumprimento de tais deveres por parte da concessionária.

Sendo assim, como o utente não foi parte no contrato de concessão, a cláusula contratual surge como uma norma com eficácia de protecção para terceiros ([4]), o que, considerando esta perspectiva jurídica, coloca a natureza da responsabilidade da Ré Brisa, face aos utentes, no campo contratual, sujeita à disciplina do já mencionado artigo 799.º do Código Civil ([5]).

Vejamos então se a Ré Brisa cumpriu ou não as respectivas obrigações de segurança.

A resposta, contrariamente ao decidido na sentença sob recurso é em sentido negativo.

Com efeito, o patrulhamento regular da via e a presença de um funcionário da empreiteira no local na altura do acidente, aguardando oportunidade para retirar os perfis da via, que foram tidos como suficientes para assegurar o cumprimento dos aludidos deveres impostos à Ré Brisa, são, na verdade, nas circunstâncias dos autos, medidas insuficientes para preencher o cumprimento cabal dos apontados deveres de cuidado.

É que os deveres de cuidado a ter em conta situavam-se nas acções a levar a cabo no sentido de evitar que os perfis se deslocassem do seu local original para o interior da via.

Isto é, os perfis foram colocados no lugar ocupado pelas travessas metálicas que delimitam a faixa de rodagem do separador central, pelo que, têm de ser colocados por forma a que não saiam desse local e venham ocupar a faixa de rodagem.

É neste aspecto que tem de ser analisada a problemática do cumprimento dos deveres de cuidado impostos pelo n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil, quando determina que a culpa, na falta de outro critério legal, é apreciada tendo como padrão a «diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso».

Vejamos então.

Nas palavras do Prof. Antunes Varela, agir com culpa «significa actuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo» ([6]) e o agente age com culpa, na modalidade de negligência, nos caos «em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar», assim como se compreendem os casos «em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida» ([7]).

O facto que despoletou o acidente consistiu em os mencionados perfis (PMP) se encontrarem na via por onde seguiam os veículos.

Tais objectos encontravam-se aí devido a obras na A1 e a sua função era a de «…delimitar o separador central, do lado do sentido de marcha Norte-Sul, em que seguiam os ZV e SR, em vez da usual barra de ferro desse lado, que, em situação normal aí estaria (quesitos 18.º e 54).

Sendo a função dos ditos perfis a mesma desempenhada pelas barras metálicas que formam habitualmente a linha delimitadora entre o separador central e o leito da via, então os perfis devem permanecer durante todo o tempo do seu uso no lugar primitivamente ocupado pelas barras metálicas entretanto retiradas.

Sendo assim, a Ré Brisa tem de tomar todas as medidas necessárias para que tais objectos, por virtude de forças externas, não se desloquem do seu lugar e invadam a faixa da auto-estrada por onde circulam os veículos.

Não é pensável, como algo adequado, que os mencionados objectos possam sair do local onde devem estar para virem ocupar um lugar na faixa de rodagem.

Com efeito, como os perfis não se movem por si, mas apenas por acção de forças que lhe são exteriores, há que anular as possíveis forças que os possam deslocar.

Por ser assim, a Ré Brisa está obrigada a tomar as medidas necessárias a evitar que quaisquer forças exteriores actuem sobre tais objectos deslocando-os do local onde são colocados para virem ocupar a faixa de rodagem.

Se os perfis passam a ocupar o lugar das barras metálicas é porque estas, estando como estão solidamente fixas umas às outras e ao solo, se transformam em obstáculos à fluidez dos trabalhos executados no interior do separador central.

O que coloca a hipótese de que tais peças serem colocadas no lugar das barras metálicas para permitir uma retirada momentânea rápida e de fácil execução.

Ora, os perfis ao permitirem uma mobilidade rápida e fácil podem criar o risco de se deslocarem para a faixa de rodagem, seja pela acção da deslocação do ar provocada pela circulação próxima de veículos a alta velocidade, ou por alguma colisão entre os veículos e os perfis, que os desloquem do lugar, ou por outra causa.

Porém, se a Ré pretende obter benefícios com a boa mobilidade dos perfis, tem de arcar com a responsabilidade de tomar as medidas necessárias para diminuir as hipóteses de tais peças se moverem do lugar onde foram colocadas.

O que não pode ocorrer, em caso algum, é que a Ré Brisa ao utilizar estas peças não consiga evitar que alguma delas venham a ocupar mais tarde a faixa de rodagem.

Mas se a Ré Brisa não consegue evitar tal facto, então resolve a questão prescindindo ou proibindo o uso deste tipo de peças.

Aliás, afigura-se não ser necessário recorrer a tecnologias sofisticadas para conseguir que as peças não se movam e desloquem parar a faixa de rodagem, pois basta fixar as peças que ficam nas extremidades às barras metálicas fixas que lhe são adjacentes e depois fixar as peças umas às outras através de um mecanismo de fácil engate e desengate, mas só possível de desengatar pela acção do homem, intervalando as peças em causa, se necessário, com outras de cimento de formato semelhante que também são utilizadas comummente para desempenharem funções de separação entre faixas de rodagem.

No caso dos autos a Ré Brisa nada provou no sentido de mostrar que adoptou as medidas de segurança que estavam ao seu alcance.

Com efeito, as medidas adequadas não passavam só pelas acções de patrulhamento, mas também pela adopção de medidas destinadas a fixar fisicamente as peças, por forma a impedi-las de entrar na faixa de rodagem.

E, como se disse, sendo isto impossível, então o dever da Ré Brisa consistia em não as usar ou impedir que fossem usadas.

Afigura-se, pois, contrariamente ao ponderado na sentença sob recurso, que a culpa da Ré Brisa é clara:

Ressalvando casos de acções dolosas ou de força maior, não devem ser colocados perfis, tipo PMP, a substituir as barras metálicas que fazem a delimitação entre o separador central e as faixas de rodagem das auto-estradas, a não ser que a concessionária evite a deslocação de tais perfis para o interior da faixa de rodagem.

Tendo ocorrido um acidente imputável à presença de perfis desse tipo na faixa de rodagem, se a concessionária não alegar ter tomado medidas destinadas a evitar a deslocação dos perfis para a faixa de rodagem e que a deslocação deles foi o resultado de actuação dolosa de terceiros ou de força maior, então não ilide, como se verifica no caso dos autos, a presunção de culpa estabelecida no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho.

2 – Segunda questão.

Vejamos agora em que termos procede o pedido da Autora.
A regra encontra-se estabelecida no artigo 562.º do Código Civil, isto é: «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

A reparação do automóvel importou, com IVA incluído, em €4.098,60 (no qual se incluiu o preço do relatório de peritagem – quesito 33.º); o dano da desvalorização foi avaliado em €1.500,00 euros; verifica-se a existência de um dano relativo à privação do veículo, resultante do facto da Autora o utilizar no exercício da sua actividade comercial e ter deixado de o poder fazer até 27 de Junho de 2005, (quesitos 44.º, 45.º, 49.º e 50.º), sendo que a utilização de um veículo automóvel no comércio custava €10,00 por dia (quesito 51.º).

Estes danos totalizam os €5 848,60 euro pedidos (sendo considerados 25 dias úteis de privação, tal como foi pedido).

Coloca-se, porém, a questão da eventual culpa do condutor do veículo da Autora na produção dos danos, alegada pela Ré a partir dos artigos 12.º e seguintes da contestação, matéria que também é de conhecimento oficioso face ao disposto na 2.ª parte do artigo 572.º do Código Civil.

Com efeito, o local onde ocorreu o embate, ao quilómetro 171,815, configurava-se em recta com mais de um quilómetro.

E existia a seguinte sinalização:

Cerca do quilómetro 181,800, um painel indicando obras no troço em causa;

…a 750 metros do quilómetro 171, um sinal indicando trabalhos na estrada;

…a 500 metros do quilómetro 171, sinal de perigos vários;

…a 250 metros do quilómetro 171, sinal de limite de velocidade a 80 km/h.

O condutor do veículo ...-SR accionou o travão e efectuou uma redução brusca da velocidade ao ver os perfis na via por onde circulava e o condutor do veículo ...ZV que circulava à retaguarda accionou o travão, mas não imobilizou o seu veículo antes de embater no veículo ...-SR.

Face a estes factos é possível concluir que o condutor do veículo ZV também contribuiu com um comportamento culposo para a verificação do acidente?

A resposta deve ser afirmativa com base na argumentação que se passa a indicar.

Temos um facto certo que consistiu no embate do veículo ZV na traseira do veículo SR que seguia à sua frente e este facto ocorreu porque o condutor do veículo ZV não previu a travagem do veículo SR e perante a travagem deste, apesar de ter travado também, não conseguiu imobilizar o seu veículo, antes de colidir.

A partir deste facto podemos tentar estabelecer, ainda que no geral, o processo causal que conduziu a ele, isto é, sabendo-se o resultado (o efeito), pode regredir-se do efeito à causa.

Isto é sustentável na medida em que o modelo de explicação causal, aplicável nas ciências da natureza, admite, senão em todos os casos, pelo menos em grande parte deles, uma certa simetria entre a explicação de um facto e a respectiva previsão.
Ou seja, exemplificando, se explicarmos a rotura de um fio (efeito) afirmando como condições iniciais/causa que o fio tinha uma resistência à tracção de um quilo e que foi pendurado do mesmo um peso de dois quilos, então também podemos prever (prognóstico) que colocando um peso de dois quilos num fio cuja resistência sabemos ser de um quilo, o fio irá partir-se (efeito).

Isto mostra que a estrutura da explicação é semelhante à estrutura da previsão.

Na previsão ainda não conhecemos o efeito, mas conhecemos a causa e as leis que regem o fenómeno, a partir das quais podemos, por dedução, prever o efeito.

Por conseguinte, a diferença entre explicação e previsão depende, em muitos casos, somente de conhecermos ou não o efeito antes de o deduzirmos a partir da causa e das leis que governam a parcela da realidade em questão.

Se já conhecemos o efeito, deduzi-lo a partir de causas e leis servirá para explicá-lo; se não o conhecemos, a dedução servirá para prevê-lo ([8]).

No caso dos autos, conhece-se o facto-efeito, que foi o embate.

Cumpre retroagir ao(s) respectivo(s) facto(s)-causa estabelecendo uma relação de causalidade por forma a concluir que facto-efeito e facto-causa fizeram parte da mesma factualidade histórica no caso do embate.

Cumpre, pois, perguntar que causas poderão, segundo as regras da experiência aplicáveis ao caso, explicar a ocorrência do embate do veículo ZV na traseira do veículo SR que seguia à sua frente.

Face aos factos conhecidos e conjecturáveis a partir destes, apenas se mostram possíveis três causas agindo separadamente ou conjugadas: (1) excesso de velocidade conjugado com a distância a que o veículo da Autora seguia em relação ao veículo da frente, (2) distracção ou (3) irreflexão do condutor face aos estímulos efectivamente percepcionados.

Por excesso de velocidade quer-se significar a velocidade a que se desloca um veículo que não permite ao respectivo condutor fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

Trata-se do conceito estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 24.º, do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto Lei n.º 114/94 de 3 de Maio) ([9]).

Por distracção entende-se, neste caso dos autos, a condução alheia a alguns dos estímulos visuais ou acústicos exteriores ao veículo que podendo e tendo sido percepcionados pelo condutor poderiam tê-lo levado a adoptar a acção que omitiu, a qual teria evitado o evento.

Por irreflexão do condutor quer-se aludir à situação em que o condutor tem percepção dos factos potencialmente perigosos, mas não avalia ou só tardiamente avalia a sua perigosidade e não adopta a acção que a reflexão teria recomendado, a qual também seria adequada a evitar o evento.

Voltando ao caso concreto.

No que respeita ao excesso de velocidade em conjugação com a distância que os veículos devem guardar entre si, a regra da segunda parte do n.º 1 do artigo 24.º, do Código da Estrada, pressupõe a aparição de um obstáculo na trajectória do veículo e, depois, que o condutor queira, e nada o impeça, mas já não possa parar no espaço visível à sua frente que coincide com a distância a que segue o veículo da frente, a qual deve ser de tal ordem que permita ao veículo que segue à retaguarda parar se o veículo da frente diminuir a velocidade ou parar ([10]).

Para efeitos do Código da Estrada neste caso existe excesso de velocidade, ainda que não se conheça em concreto a velocidade a que seguia o veículo.

No caso dos autos, o excesso de velocidade explica cabalmente o embate: o embate só ocorreu porque o condutor do ZV, tendo em atenção as capacidades de travagem deste e a velocidade a que seguia, não guardou em relação ao veículo da SR a distância que lhe permitisse parar antes de o alcançar, caso este último afrouxasse a velocidade ou parasse.

Porém, coloca-se uma objecção: um embate no veículo da frente não significa necessariamente excesso de velocidade ([11]).

Com efeito, o acidente é igualmente explicável fazendo intervir a distracção do condutor do ZV, o que ocorreria se o veículo ZV circulasse a velocidade que permitisse ao seu condutor parar, mal se apercebesse da redução da velocidade do veículo SR ou do acendimento das suas luzes vermelhas de travagem, sucedendo, porém, que, por distracção, o condutor do veículo ZV não se apercebeu deste estímulo visual logo que ele ocorreu, mas apenas um, dois ou três segundos após a sua aparição, por forma que quando travou já não era possível evitar embate.

Esta conduta infringe o dever geral de cuidado previsto no artigo 3.º do Código da Estrada, onde se prescreve que «As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou comodidade dos utentes das vias».

Com efeito, o alheamento do condutor em relação a alguns estímulos exteriores ao seu veículo é um «acto» que compromete a segurança dos restantes utentes da via.

Porém, mesmo que a distracção não se inclua nesta norma do Código da estrada, sempre integraria o conceito geral de negligência já acima referido, com referência ao modelo do «bom pai de família», pois sendo a condução de veículos uma actividade perigosa, como é, a falta de atenção constitui um comportamento do condutor contrário ao dever de estar atento a todos os estímulos que o alertem para a concretização dos perigos inerentes a esta actividade, dever que o «bom pai de família» teria cumprido nas circunstâncias.

Relativamente à irreflexão do condutor, a argumentação é semelhante à da distracção, tratando-se agora de uma distracção mental, isto é, o condutor não reflectiu, não pensou, não interpretou de imediato o significado dos estímulos visuais que percepcionou e, por isso, não previu logo que deveria reduzir a velocidade e aumentar o espaço que o separava do veículo da frente.

O que pode suceder quando, por exemplo, o condutor vê as luzes de travagem do veículo da frente acender, mas não lhe ocorre de imediato, porque tem o pensamento ocupado com outras actividades mentais, que isso significa que o condutor da frente accionou o pedal dos travagem e que o veículo da frente está a perder velocidade e a encurtar o espaço que os separava a ambos.

Ora, todas estas causas explicativas do acidente, actuando isoladas ou conjuntamente, mostram que o embate ocorreu por acção imputável ao condutor do veículo ZV, embora não se saiba ao certo qual delas o causou.

Quando agora se considera que o acidente é imputável ao condutor do veículo ZV quer-se dizer que também lhe é imputável, ou seja, que não é imputável em exclusividade à Ré Brisa, mas também ao condutor do veículo acidentado.

Continuando.

No caso, o embate tanto pode ter-se ficado a dever, por exemplo, ao facto de ter existido efectivamente excesso de velocidade, como ao facto do condutor do ZV seguir distraído e não ter visto de imediato os estímulos visuais (redução de velocidade ou acendimento das luzes de travagem) produzidos que apontavam para a necessidade de também travar ou, tendo-os visto, não ter alcançado de imediato a interpretação do seu significado.

Seja como for, como se disse, a determinação concreta de uma destas causas é indiferente, pois a sua descoberta nunca afastaria a imputação do embate ao condutor do veículo ZV.

Isto é, qualquer uma das ditas causas é sempre uma causa imputável ao condutor do veículo ZV a título de negligência.

Repare-se, para terminar esta parte, que não é conjecturável face aos factos provados qualquer outra hipótese explicativa que exima o condutor do veículo ZV de responsabilidade no embate, pelo que o acidente não pode deixar de lhe ser imputável, em parte, pelas razões que ficaram apontadas.

Por conseguinte, havendo também culpa do próprio lesado na produção do evento lesivo, a indemnização deve ser reduzida, como dispõe o n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil, onde se diz que «Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».

Diz-se que há culpa do próprio lesado porque, face aos factos provados «A Autora utilizava o ZV no exercício da sua actividade comercial, tendo por isso ficado privada do uso do mesmo nesse período, não o podendo utilizar para deslocação dos seus administradores e colaboradores, como era por si suposto» (quesitos 44.º e 50.º), o que permite concluir que na altura o veículo era conduzido por pessoa de quem a Autora se servia para o desempenho do seu objecto social.

Por conseguinte, face ao disposto no artigo 571.º do Código Civil, a culpa imputável a estes repercute-se na esfera jurídica da Autora como se de acto próprio se tratasse.

Prosseguindo.

No que respeita à gravidade de ambas as condutas em concorrência, da Ré brisa e do condutor do veículo da Autora, verificamos que ambas são negligentes e não há elementos que permitam afirmar que uma é mais grave que a outra, pelo que se deve entender que ambas contribuíram em igual medida para a produção do evento danoso.

Isto implica que apenas se conceda à Autora uma indemnização igual a metade dos danos sofridos.
A Autora, nos termos dos artigos 806.º, n.º 1 e 2 e 559.º, n.º 1, ambos do Código Civil tem direito a juros, como pediu, à taxa de 4% ao ano (Portaria n.º 291/03 de 8/4), desde a citação até integral cumprimento, sem prejuízo de outra que venha a ser estabelecida no futuro e antes do pagamento.

IV. Decisão.
Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e condena-se a Ré Brisa – Auto-Estradas de Portugal, S. A., a pagar à Autora M. (…), S. A., a quantia de €2 924,30 euros (dois mil, novecentos e vinte e quatro euros e trinta cêntimos), acrescida de juros à taxa de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento, sem prejuízo de outra que venha a ser estabelecida.

Custas da acção e do recurso na proporção de metade pela Autora, ficando a outra metade a cargo da Ré e Intervenientes quanto às da acção (ressalvando a interveniente P (…) que não interveio); relativamente às custas do recurso essa metade é suportada apenas pela Ré e pela Interveniente T (…) (única que contra-alegou).

A responsabilidade tributária das intervenientes é encontrada de acordo com o disposto no artigo 452.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 13.º, n.º 6 do RCP.


*

 Alberto Ruço ( Relator )

Judite Pires

Carlos Gil


[1] Ac. do STJ de 13 de Novembro de 2007, processo n.º 07A3564 onde se ponderou que «Perante as divergências na doutrina e na jurisprudência relativas à natureza da responsabilidade indemnizatória respeitante aos danos resultantes de acidentes de viação ocorridos nas vias classificadas como auto-estradas, torna-se manifesta a natureza interpretativa da norma constante do art. 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18-07, da iniciativa, aliás, do órgão legislativo nacional próprio (art. 161.º, al. c), da CRP), como meio de pôr termo à patente diversidade de decisões sobre a regra da imputação do ónus da prova em tais circunstâncias» - (extracto do respectivo sumário), em WWW.dgsi. pt.

No mesmo sentido, Acs. do STJ de 9 de Setembro de 2008, no processo n.º 08P1856; de 2 de Novembro de 2010, no processo 7366/03.9TBSTB e de 8 de Fevereiro de 2011, no processo n.º 8091/03.9TBVFR (todos em WWW.dgsi. pt).

[2] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 246/247. Coimbra: Almedina/1989.

[3] «O empreiteiro não é mandatário do dono da obra, agindo, diversamente, com inteira autonomia na respectiva execução, escolhendo os meios e utilizando as regras de arte que tenha por próprias e adequadas para cumprimento da exacta prestação correspondente ao resultado contratado, sem qualquer vínculo de subordinação ou relação de dependência.

Não cabe, por isso, falar-se de relação de comissão entre os sujeitos do contrato de empreitada» - Ac. do STJ de 7 de Abril de 2011 no processo n.º 5606/03.3TVLSB, in WWW.dgsi.pt.
[4] O presente relator sustentou já, em 1996, que esta norma assumia natureza contratual com eficácia de protecção para terceiros (cfr. Sentença do 3.º juízo Cível de Santo Tirso, C.J. ano XXI – II – 303).
[5] Neste sentido, como uma das soluções possíveis face ao direito positivo vigente, Prof. Sinde Monteiro, RLJ ano 132, pág. 95/96.

[6] Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 480, 4.ª Ed.
[7] Prof. Antunes Varela, ob. cit., pág.491 e 492 

[8] «Assim, a estrutura lógica de uma predição científica é a mesma que a da explicação científica, tal como foi descrita em 2.1. Em particular, em toda a ciência empírica, tanto a predição como a explicação implicam a referência a hipóteses empíricas universais.

A distinção corrente entre explicação e predição reside principalmente numa diferença pragmática entre ambas: enquanto no caso da explicação já sabemos que o resultado final ocorreu e há que encontrar as suas condições determinantes, a situação inverte-se no caso da predição. Aqui estão dadas as condições iniciais e devem determinar-se os seus “efeitos”, que nos casos típicos ainda não se produziram» - Carl Hempel, La Explicacíon Científica (tradução castelhana da obra Aspects of Scientific Explanation and Other Essays in the Philosophy of Science), pág. 311/312, Editiones Paidós Ibérica, S.A. (tradução do relator).

[9] O artigo 24.º, n.º 1 do Código da Estrada tem esta redacção: «O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições atmosféricas, à intensidade do tráfego e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente ».

[10] «O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste» - artigo 18.º, n.º 1, do Código da Estrada.

[11] Neste sentido ver o Ac. S.T.J. de 6 de Janeiro de 1987, BMJ n.º 363, pág. 490, onde se ponderou que «O facto de o veículo ter ido chocar com o que o precedia por ter sido devido, por exemplo, a mera inconsideração (falta de reflexão), que não a excesso de velocidade».