Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
68/06.6TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: PRINCÍPIO DISPOSITIVO
RESPOSTAS AOS QUESITOS
ÁRVORE
AUTO-ESTRADA
RESPONSABILIDADE
CONCESSIONÁRIO
Data do Acordão: 05/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO - 1º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 264º, NºS 1, 2 E 3, E 664º DO CPC; 483º, 493º, Nº1, E 799º DO C.CIV.
Sumário: I – O princípio do dispositivo ou da disponibilidade das partes é um dos princípios basilares relativo à prossecução processual que faz recair sobre as partes o dever de formularem o pedido e de alegarem os factos que lhe servem de fundamento e os factos em que estruturam as excepções – artº 264º, nº 1, do CPC.

II – Em coerência com esta regra, o juiz está limitado aos factos alegados pelas partes, possibilitando, contudo, excepcionalmente, aquela norma, no seu nº 2, que se considere, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais e complementares que resultem da discussão da causa, ainda que não tenham sido alegados pelas partes.

III – Para que, nos termos do nº 3 do artº 264º do CPC, o juiz possa ter em consideração tais factos relevantes que complementem ou concretizem outros anteriormente alegados impõe-se, contudo, a verificação de dois requisitos: a) que a parte interessada manifeste, por forma suficientemente clara e inequívoca, a vontade de deles se aproveitar, seja por iniciativa própria e autónoma, seja por sugestão do tribunal; b) que à parte contrária tenha sido facultado um efectivo contraditório quer em relação aos factos propriamente ditos, quer ao seu aproveitamento e/ou à sua relevância.

IV Na decisão da matéria de facto podem ocorrer várias situações, contando-se entre elas a de respostas aos quesitos com conteúdo restritivo ou explicativo.

V – Com uma resposta restritiva considera-se provada apenas parte da matéria quesitada.

VI – Com uma resposta explicativa concretiza-se um facto com utilidade para a decisão da causa, mantendo-se a mesma dentro da pergunta formulada, mas explicitando o seu conteúdo, sem que, no entanto, a mesma amplie a factualidade articulada pelas partes, caso em que não poderá ser considerada por se incorrer em excesso de pronúncia, o que está vedado pelo artº 664º do CPC.

VII – O tribunal pode dar respostas explicativas a quesitos desde que, ao fazê-lo, não amplie indevidamente o conteúdo da pergunta, nem, de forma indirecta, o tema da prova.

VIII – A questão da responsabilização da concessionária pela ocorrência de acidentes em auto-estrada não era decidida de forma unânime até à publicação e entrada em vigor do D.L. nº 24/2007, de 18/07, defendendo uns que se trata de uma responsabilidade de cariz extracontratual, e outros que essa responsabilidade tem natureza contratual.

IX – Independentemente de se considerar que essa responsabilidade é contratual ou extracontratual, incumbe sempre à concessionária a demonstração de que não lhe é imputável a queda de uma árvore sobre um veículo que circule numa auto-estrada concessionada (artºs 483º, 493º, nº 1, e 799º C. Civ.).

X – Situando-se uma árvore em zona da auto-estrada nº 1, na parte do terreno vedado que a margina, a mesma estava localizada em área concessionada à Brisa, nos termos do contrato de concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas, constante do D.L. nº 294/97, de 24/10, pelo que essa árvore encontra-se em poder da Brisa, recaindo sobre ela o dever de a vigiar – artº 493º, nº 1, do C.Civ..

XI – O artº 493º, nº1, do C.Civ. estabelece uma presunção sobre quem tiver em seu poder uma coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar.

XII – Aquele a favor de quem estiver estabelecida tal presunção, em matéria de culpa, apenas tem de alegar e provar o facto que serve de base à presunção, sobrando para o demandado, em tais casos e querendo afastar a sua responsabilidade, a ilisão da presunção de culpa com que a lei o onera.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A Autora intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra B..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 8.204,51, acrescida de juros mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese.
Ø No dia 18.01.2003, pelas 21,00 horas, o veículo de matrícula 08-73-RG, sua propriedade, circulava na A1, no sentido norte - sul, ao km 235, pela hemifaixa direita, quando uma árvore caiu sobre o mesmo, atingindo-o na zona do tejadilho, capot e frente, e causando-lhe sérios estragos.
Ø O tronco da árvore, antes de cair, estava dentro do limite da área de concessão da Ré.
A Ré contestou, defendendo que a árvore em causa nunca, antes da queda, tinha dado qualquer sinal de instabilidade ou insegurança, só tendo tombado para a via de circulação devido a excepcionais e imponderáveis condições climatéri­cas – chuvas muito fortes e persistentes e fortíssimas rajadas de vento.
Também, nesse articulado, invocando a celebração de um contrato de seguro que garante a sua responsabilidade pelos danos causados a terceiros, até ao montante de € 748.195,50, deduziu o incidente de intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros C...
Concluiu pela admissibilidade do incidente e improcedência da acção.

Na sequência da admissão do incidente a Ré C...., contestou, excepcionando existência de uma franquia a cargo da B...de € 748,20; a exclusão da cobertura da apólice dos danos sofridos pela Autora na medida em que teriam tido a sua origem por motivo de força maior – cláusula 4ª, nº 1, alínea m) das condições gerais da apólice; a exclusão da cobertura da apólice dos danos resultantes de paralisações de qualquer espécie - cláusula 4ª, nº 3, alínea e), das referidas condições gerais da apólice.
Conclui pela sua absolvição do pedido.

A Autora, na resposta, manteve a posição assumida na petição inicial.
                                            
Procedeu-se a julgamento, tendo vindo a ser proferida sentença que jul­gou a causa nos seguintes termos:
Julgo, pelo exposto, a presente acção procedente, por provada, e, em consequência, condeno a Ré B... e a chamada Companhia de Seguros C...., solidariamente, a pagarem à A. A..., a quantia de € 6.326,70, acrescida de juros mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento.
Condeno, ainda, a Ré B...., a pagar à A. a quantia de € 1.838,24, acrescida de juros mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento.
Absolvo a Ré e a chamada do restante pedido deduzida.

                                             *

Inconformadas com esta decisão dela recorreram as Rés, apresentando as seguintes conclusões:
I – Brisa:
(…)
Conclui pela procedência do recurso.

II – Ré C...:
(…)
Conclui pela procedência do recurso.

A Autora apresentou contra-alegações, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
                                             *
1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­gações das recorrentes, cumpre apreciar as seguintes questões:
a) As respostas dadas aos quesitos 26º, 51º e 52º, formulados na Base Ins­trutória, são excessivas?
b) As respostas dadas aos quesitos 33º, 34º, 35º, 36º, 40º, 41º, 42º, 51º, 52º, 53º e 57º, formulados na Base Instrutória, devem ser alteradas?
c) A base instrutória deve ser ampliada de molde a comportar os factos alegados pela Ré B...nos art.º 138º a 150º da sua contestação?
d) Dos factos provados resulta que o acidente não pode ser imputado à Ré B...a título de culpa?
                                             *
2. Da impugnação da matéria de facto
2.1. Das respostas dadas aos quesitos 26º, 51º e 52º
Defendem as recorrentes que as respostas dadas aos quesitos 26º, 51º e 52º, excedem os limites permitidos pela lei.
É a seguinte a formulação destes quesitos:
26º – A árvore caiu por a Ré não ter o cuidado de abater as árvores que por idade, doença ou fragilidade do solo, possam constituir risco de queda sobre as faixas de rodagem?
51º – Chuvas muito fortes ocorridas antes da queda do pinheiro impreg­naram de água o solo de sustentação deste?
52º – Tal quantidade anormal de água impregnada no solo de sustentação do pinheiro provocou o seu amolecimento e diminuiu a solidez dessa sustentação?
Aos mesmos foi dada a seguinte resposta conjunta:
Quesitos 26º, 51º e 52º – provado, apenas, que a árvore caiu devido à fraca consistência do solo (arenoso), agravada pela ocorrência de chuvas contínuas no Inverno de 2003, e pela existência de uma vala com água a cerca de 40 centíme­tros do local onde estava implantada, vala esta construída no talude da auto-estrada para drenagem das águas de algumas nascentes situadas a cerca de 25/30 metros de distância da árvore em questão, nascentes que ficaram a céu aberto em consequência dos desaterros/escavações feitos aquando da construção da auto-estrada.
Na decisão da matéria de facto podem ocorrer várias situações, contando-se entre elas a de respostas aos quesitos com conteúdo restritivo ou explicativo.[1]
Com uma resposta restritiva considera-se provada apenas parte da matéria quesitada.
Com uma resposta explicativa concretiza-se um facto com utilidade para a decisão da causa, mantendo-se a mesma dentro da pergunta formulada, mas explicitando o seu conteúdo, sem que, no entanto, a mesma amplie a factualidade articulada pelas partes, caso em que não poderá ser considerada por se incorrer em excesso de pronúncia, o que está vedado pelo art.º 664º, do C. P. Civil.
O tribunal pode dar respostas explicativas a quesitos desde que, ao fazê-lo, não amplie indevidamente o conteúdo da pergunta, nem, de forma indirecta, o tema da prova.
No que respeita à primeira parte da resposta – a árvore caiu devido à fraca consistência do solo (arenoso) agravada pela ocorrência de chuvas contínuas no Inverno de 2003 –, entendemos que a mesma se contem perfeitamente dentro dos limites da matéria que integrava os referidos quesitos e que se reportava às causas da queda.
Nesta parte da resposta restringiu-se a factualidade quesitada, indicando-se como causa da queda da árvore a fragilidade do solo (o que é equivalente à sua pouca consistência), agravada pela ocorrência de chuvas contínuas no Inverno de 2003. Eram factos que constavam dos quesitos respondidos, tendo-se apenas expli­cado que a fragilidade do solo resultava deste ser arenoso. Este dado é uma mera explicação para a fragilidade considerada provada, que se contém dentro da temática dos quesitos, não constituindo uma ampliação da sua matéria, revelando-se útil para a percepção e compreensão da mesma.
Assim, este segmento da resposta conjunta impugnada é uma res­posta simultaneamente restritiva e explicativa, não excedendo os limites dos respectivos quesitos, não se revelando, por isso, excessiva.
Já da análise da parte restante da resposta dada – (a árvore caiu devido à fraca consistência do solo (arenoso) agravada) pela existência de uma vala com água a cerca de 40 centíme­tros do local onde estava implantada, vala esta cons­truída no talude da auto-estrada para drenagem das águas de algumas nascentes situadas a cerca de 25/30 metros de distância da árvore em questão, nascentes que ficaram a céu aberto em consequência dos desaterros/escavações feitos aquando da construção da auto-estrada -, no confronto com aquilo que estava quesitado, resulta que a mesma é manifestamente excessiva.
Na verdade, em nenhum dos quesitos respondidos se referia a existência da referida vala e a sua influência na queda da árvore, pelo que a sua inclusão na resposta como factor de agravamento da fraca consistência do solo que determinou aquela queda corresponde ao aditamento de um facto novo, sobre o qual as partes não tiveram oportunidade de produzir prova.
O princípio do dispositivo ou da disponibilidade das partes é um dos princípios basilares relativo à prossecução processual que faz recair sobre as partes o dever de formularem o pedido e alegarem os factos que lhe servem de fundamento e os factos em que estruturam as excepções – art.º 264º, nº 1, do C. P. Civil. E, em coerência com esta regra, o juiz está limitado aos factos alegados pelas partes, possibilitando, con­tudo, excepcionalmente, aquela norma, no seu n.º 2, que se considere, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais e complementares que resultem da discussão da causa, ainda que não tenham sido alegados pelas partes [2].
Para que, nos termos do n.º 3, do art.º 264º, do C. P. Civil, o juiz possa ter em consideração tais factos relevantes que complementem ou concretizem outros ante­riormente alegados impõe-se, contudo, a verificação de dois requisitos:
a) que a parte interessada manifeste, por forma suficientemente clara e inequívoca, a vontade de deles se aproveitar, seja por iniciativa própria e autónoma, seja por sugestão do tribunal;
b) que à parte contrária tenha sido facultado um efectivo contraditório quer em relação aos factos propriamente ditos, quer ao seu aproveitamento e/ou à sua relevância.
Mesmo que se considere que o facto novo aditado na resposta aos quesi­tos 26º, 51º e 52º era complementar dos factos já constantes destes quesitos e que o mesmo resultou do depoimento de algumas testemunhas na audiência de julga­mento, da análise dos autos não se constata que tenha sido observado o formalismo prescrito pelo art.º 264º, n.º 3, do C. P. Civil, o qual se destina a assegurar a possibi­lidade do exercício do contraditório, pelo que a possibilidade excepcional de serem considerados factos que apenas resultaram da discussão da causa em audiência, não se verifica neste caso.
Assim, ao ter sido dado como provada a factualidade constante desta parte da resposta, violou-se o dis­posto no art.º 664º, do C. P. Civil.
Tal violação determina a eliminação da matéria fáctica provada do seg­mento da resposta aos quesitos 26.º, 51º e 52º, em que se considerou provada a existência de uma vala com água a cerca de 40 centímetros do local onde estava implantada, vala esta construída no talude da auto-estrada para drenagem das águas de algumas nascentes situadas a cerca de 25/30 metros de distância da árvore em questão, nascentes que ficaram a céu aberto em consequên­cia dos desaterros/escavações feitos aquando da construção da auto-estrada.

                                             *
2.2 Da impugnação da matéria de facto
(…)
                                             *
3. Da ampliação da base instrutória

(...)
Não se admitindo a ampliação da Base Instrutória, improcede este fun­damento do recurso.

                                             *
4. Dos factos
São os seguintes os factos provados:
          (…)
                                             *
5. O Direito Aplicável
A Autora intentou a presente acção declarativa, visando com a sua proce­dência a condenação das Rés a pagarem-lhe a indemnização que peticiona, corres­pondente aos prejuízos que lhe advieram da queda, em cima de um veículo automó­vel que lhe pertencia, de uma árvore implantada na área que margina a auto-estrada A-1 concessionada à Brisa, quando aquele circulava nesta auto-estrada.
 A sentença recorrida julgou procedente a acção, considerando que a Ré para ilidir a presunção de culpa que recai sobre ela teria que demonstrar que a queda da árvore ocorreu por razões que não lhe são imputáveis, o que não conseguiu fazer.
As Ré seguradora, discordando quer da caracterização como contratual da obrigação de indemnizar, quer da aplicabilidade do art.º 12º, da Lei n.º 24/2007, pugna pela revogação da decisão proferida, por entender que não ficou provada a culpa da Ré B...na queda da árvore, competindo o respectivo ónus de prova à Autora.
A questão da responsabilização da B...pela ocorrência de acidentes em auto-estrada até à publicação e entrada em vigor do DL 24/2007, de 18.7, não era decidida de forma unânime, defendendo uns que se trata de uma responsabilidade de cariz extra - contratual [3] e, outros que essa responsabilidade tem natureza contratual [4].
No que respeita à distribuição do ónus da prova, as diferenças inerentes aos referidos tipos de responsabilidade civil adoptado são evidentes.
Na tese da responsabilidade extra-contratual, defende-se que a concessio­nária tem apenas um contrato com o Estado e, consequentemente, o ónus da prova da culpa da concessionária na ocorrência de qualquer acidente, nos termos do art.º 487º, n.º 1, do C. Civil, recai sobre o lesado, salvo se, no caso concreto, for aplicável a responsabilidade de danos provocados por coisas, prevista no art.º 493º, n.º 1, do C.C., hipótese em que recairá sobre a concessionária uma presunção de culpa.
Para aqueles que defendem, nomeadamente por causa do pagamento da portagem, a existência de um contrato específico entre o utente e a concessionária, cair-se-á num cenário obrigacional, cabendo então à concessionária ilidir a presun­ção de culpa derivada do art.º 799º, n.º 1, do C. Civil.
Para o caso sub iudice é indiferente o caminho jurídico trilhado. Indepen­dentemente de se considerar que a responsabilidade é contratual ou extracontratual, incumbirá sempre à Ré a demonstração que não lhe é imputável a queda da árvore sobre o veículo da Autora.
Na verdade, caso se considere que a responsabilidade é contratual, por incumprimento dos deveres de vigilância resultantes para a B...do contrato de concessão celebrado com o Estado, por força de um efeito externo daquele acordo ou por se considerar que estamos perante a figura de um contrato a favor de terceiro, o art.º 799º, do C. Civil, faz incidir sobre a B...uma presunção de culpa que esta terá que ilidir.
Caso se considere que a responsabilidade é extracontratual, é necessária a demonstração da ocorrência de um evento ilícito imputável ao Réu, num juízo de culpa, e a existência de prejuízos causados por esse evento, num nexo de causalidade adequada.
O evento foi a queda da árvore em cima do veículo propriedade da Autora.
Esse evento foi ilícito porque violou o direito de propriedade da Autora sobre esse veículo automóvel.
Do mesmo resultou a danificação do bem propriedade da Autora, pelo que se verificaram prejuízos causados pelo referido evento ilícito, num nexo de causalidade adequada.
Relativamente à culpa, apesar do princípio geral ser o de que é ao lesado que com­pete provar a culpa do autor da lesão – art.º 487º do C. Civil –, há casos em que a lei estabelece presunções de culpa, invertendo esse princípio probatório.
Neste caso provou-se que o evento ilícito e danoso consistiu na queda de uma árvore situada na zona marginal da auto-estrada A1, em área concessionada à Ré Brisa, na faixa de rodagem, atingindo um veículo automóvel que, no momento, ali circulava.
Estamos perante um dano provocado por uma coisa imóvel – art.º 204º, n.º 1, c).
Situando-se essa árvore em zona da auto-estrada A1, na parte do terreno vedado que a margina, a mesma estava localizada em área concessionada à Ré Brisa, nos termos do contrato de concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas, constante do Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, pelo que essa árvore encontrava-se em poder da Brisa, recaindo sobre ela o dever de a vigiar.
Dispõe o artigo 493º, n.º 1, do C.C. que quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar…responde pelos danos que a coisa… causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa da sua parte.
O estabelecimento desta presunção, introduzida no C. Civil de 1966, em detrimento da presunção de culpa do proprietário que constava do art.º 2394º, do Código de Seabra, teve como pressuposto que quem tem a coisa à sua guarda deve tomar as medidas necessárias para evitar o dano, estando em melhor situação que o prejudicado para fazer a prova relativa à culpa, visto que tinha a coisa à sua disposi­ção e, por isso, deve saber como ninguém, se realmente foi cauteloso na guarda exercida [5].
Aquele, a favor de quem estiver estabelecida tal presunção, em matéria de culpa, apenas tem de alegar e provar o facto que serve de base à presunção, isto é, ao lesado compete a prova de que os danos foram produzidos por uma coisa detida pelo demandado com o dever de a vigiar, sobrando para este, querendo afastar a sua responsabilidade, a ilisão da presunção de culpa com que a lei o onera. Esta presun­ção de culpa apenas pode ser ilidida pelo detentor obrigado à vigilância pela prova do contrário – da inexistência de culpa – ou de que os danos se teriam sempre produzido, mesmo que não houvesse culpa da sua parte.
Daqui resulta que, independentemente, da posição que se adopte quanto ao tipo de responsabilidade que resultou da queda da árvore sobre o veículo da Autora, a responsabilidade da B...só será afastada se esta lograr demonstrar que não teve qualquer culpa na ocorrência deste evento.
Refira-se que o disposto no art.º 12º, n.º 1, da  recente Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, que veio definir os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classifica­das como auto-estradas concessionadas, não tem aqui aplicação.
Dispõe este preceito:
Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de roda­gem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
Independentemente dos problemas de aplicação no tempo desta norma, entendemos que a mesma nunca seria aplicável ao caso em análise, uma vez que a situação ocorrida não se integra em nenhuma das transcritas alíneas.
Nestas prevêem-se hipóteses de acidentes causados por coisas (objectos, animais e líquidos) que não estão em poder da concessionária e sobre os quais esta não tem um dever de vigilância, recaindo apenas esse dever sobre o local onde essas coisas se encontram, enquanto nesta situação o acidente é causado por uma coisa (árvore) em poder da Ré e sobre a qual esta tem um dever de vigilância.
Resta, pois, verificar se da matéria fáctica provada resulta que a B...não teve culpa na queda da árvore, de modo a poder concluir-se pela ilisão das referidas presunções – art.º 799.º ou 493º, n.º 1, do C.C..
Tendo-se provado que a queda da árvore ocorreu devido à fraca consis­tência do solo (arenoso), agravada pela ocorrência de chuvas contínuas no Inverno de 2003, a presunção de culpa da Ré B...não só não é ilidida como se confirma.
A mera culpa assenta na omissão de um dever de diligência, isto é, no dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não verificação do facto ou o dever de ter previsto e ter tomado as providências necessárias para o evitar, e afere-se pelo grau de diligência exigível a um homem normal, medianamente sagaz, prudente, avisado e cuidadoso, o designado bonus pater famílias [6].
Ora, atentas as características do solo em causa, as quais a B...tinha obrigação de conhecer, por se situar em área que lhe estava concessionada, e sendo previsível a existência na região onde ocorreu o acidente (norte de Portugal) de Invernos muito chuvosos em que os solos ficam saturados de água, as regras da prudência aconselhavam a que um pinheiro medindo 15 a 18 metros de altura não se encontrasse implantado nesse tipo de solo, a 5,5 metros do início do alcatrão da estrada.
Considerando a pouca consistência estrutural do solo e a possibilidade de num período particularmente chuvoso este ficar saturado de água, agravando aquela falta de consistência, existia o risco de um pinheiro, medindo mais de 15 metros de altura, cair pela mera acção do vento, pelo que a B...nunca deveria ter mantido uma árvore deste tipo a uma curta distância da faixa de rodagem, atenta a possibili­dade desta cair e atingir os veículos que nela circulassem.
Não tendo actuado preventivamente, retirando o pinheiro daquele local, a B...violou um dever de cuidado, agindo negligentemente, pelo que a queda da árvore sobre o veículo da Autora é-lhe imputável, a título de culpa.
O facto de se ter provado que a B...em regra adopta comportamentos de segurança destinados a evitar a ocorrência deste tipo de acidentes não é suficiente para afastar a sua culpa neste caso em que se constatou que esses comportamentos de segurança não actuaram relativamente à arvore lesante.
Verificada a existência duma situação de culpa efectiva da Ré pela verifi­cação do sinistro, mostra-se preenchido o requisito da responsabilidade civil ques­tionado nos recursos interpostos, pelo que importa julgar estes improce­dentes, confirmando-se a sentença recorrida.
*
Decisão
Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos interpostos pelas Rés e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas dos recursos pelas recorrentes.


[1] Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, pág. 211, da edição de 1997, da Livraria Almedina, e Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 630, da edição de 2001, da Coimbra Editora.
[2] Remédio Marques, in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, pág. 151, edição de  2007, Coimbra Editora.
[3] Neste sentido:
Ac. STJ 12.11.1996, BMJ n.º 461, p. 411;
Ac. STJ 20.5.2003, acessível em www.dgsi.pt;
Ac. STJ 14.10.2004, acessível em www.dgsi.pt;
Ac. STJ 3.3.2005, acessível em www.dgsi.pt;
António Menezes Cordeiro, in Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas – Estudo de Direito Civil Português, Almedina, 2004, pág. 51 a 53 e,
Carneiro da Frada, “Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em auto-estradas”, R.O.A., Ano 65, Vol. II, Setembro 2005, p. 407;

[4] Neste sentido:
Ac. STJ de 17.2.2000,  relatado por Miranda Gusmão, CJSTJ, Ano VIII, Tomo I , pág.. 107;
Ac. STJ de 22.6.2004, relatado por Afonso Coreia, acessível em www.dgsi.pt, proc. 04A1299;
Sinde Monteiro, in Acidentes na auto-estrada – natureza e regime de responsabilidade da concessionária”, R.L.J., Ano 133.º, pág. 29 e seg.,
Armando Triunfante, in Responsabilidade civil das concessionárias das auto-estradas,  Direito e Justiça, Vol. XV, Tomo 1, 2001, pág. 73 e seg.;
J. Cardona Ferreira, in Acidentes de viação em auto-estradas – Casos de Responsabilidade Civil Contratual?”, Coimbra Editora, 2004, pág. 88;
Américo Marcelino, in Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil”, 7.ª Edição, Petrony, 2005, pág. 115 e seg.

[5] Vaz Serra, em Responsabilidade pelos danos causados por coisas ou actividades, no B.M.J. nº 85, pág. 365.
[6] Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 593, 9ª edição, Almedina.