Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2916/08.7TBFIG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
DESPACHO LIMINAR
JUÍZO DE PROBABILIDADE
PROVA TESTEMUNHAL
Data do Acordão: 12/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ- 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 351º Nº 1 E 354º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1) No âmbito do despacho liminar de recebimento ou de rejeição dos embargos de terceiro, o juízo que se pede ao magistrado não é um juízo definitivo, um juízo de certeza, mas sim um juízo de simples probabilidade ou verosimilhança destinado a servir de suporte a uma decisão provisória, interina, com vista a evitar que se recebam embargos inteiramente infundados.
2) Todavia quando a tese do embargante não é susceptível de apenas prova por documentos e subsistindo dúvidas quanto ao respectivo alcance, deverá ser dado o ensejo de aquelas poderem vir a ser eventualmente dissipadas através da produção de prova testemunhal mesmo nesta fase incipiente do processo.
Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

Por apenso aos autos de providência cautelar de arresto instaurados por A.... contra B.... e C...., onde foi decretado o arresto dos bens identificados nesse requerimento inicial no valor de € 79.044,67 e determinada a absolvição da referida C..., veio esta deduzir os presentes embargos de terceiro. Aquela absolvição ficou a dever-se ao facto de na providência cautelar não se haver provado que entre a ali Requerente e então requerida C....se tivesse estabelecido qualquer relação comercial geradora de um direito de crédito relativo à mesma.

Pede agora a C....que os embargos em análise sejam julgados procedentes e que seja ordenado o imediato levantamento da indevida apreensão, alegando, em síntese:

- Que os bens apreendidos pertencem à embargante, conforme resulta dos 8 documentos que junta, os quais, na sua óptica, comprovam que a mesma legitimamente os adquiriu e pagou.

- Que, até à indevida apreensão, a embargante era a sua única e legítima proprietária e que desconhecia que tais bens não teriam sido pagos pelo seu fornecedor a quem este os adquiriu, como continua a desconhecer.

Além dos documentos juntos aos autos pela embargante, tratando-se, alegadamente de quatro facturas e dos respectivos recibos comprovativos da aquisição e do pagamento dos bens em causa, entre 13 e 20 de Março de 2008, pelo valor de € 33.511,44 (de fls. 17 a 24), por despacho de fls. 25, com vista a comprovar-se a sobredita alegação, foi determinada, oficiosamente, a junção aos autos dos documentos de contabilidade da sociedade embargante aí descritos, por se tratar, do meio de prova mais seguro.

Notificada a parte contrária da junção aos autos de tais documentos pela mesma nada foi dito.

Analisada a questão e após se referir que não se vislumbrando que a sociedade C....embargante beneficie de um qualquer direito incompatível com o arresto contra o qual pretende reagir, foi decidido não receber os embargos de terceiro que assim se indeferiram.

Daí o presente recurso de apelação interposto pela embargante a qual no termo do que alegou pediu que se revogue a decisão em crise determinando-se o recebimento dos embargos.

Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) Nos autos de Arresto (de que estes embargos constituem incidente processado por apenso) começou por ser proferida Decisão pela qual (1) a pretensão da Requerente (A....) foi julgada parcialmente procedente, (2) foi decretado o arresto dos bens identificados no requerimento inicial, (3) foi a ora Apelante absolvida do peticionado nos autos (ou seja, do pedido) e foi considerado e decidido que "caso tal sociedade (ora Apelante) possua algum documento válido que justifique a detenção de tais bens, sempre poderá exibir o mesmo no acto...”,

2) O que a ora Apelante imediatamente fez, logo no próprio acto da apreensão e concretização do arresto, exibindo perante o oficial de justiça que o executou e os representantes (o legal representante e a Ilustre Advogada) da Requerente da providência as quatro facturas e os respectivos recibos comprovativos da aquisição dos bens em causa, e depois, como tal não foi atendido pelo referido Sr. Funcionário Judicial, requerendo ao Sr. Senhor Juiz no dia seguinte, 16 de Outubro de 2008, a junção aos autos desses mesmos documentos e o consequente levantamento do arresto e imediata restituição dos bens indevidamente apreendidos - invocando, precisamente, em fundamento dessa pretensão, que tendo feito prova da propriedade, legítima posse e detenção de tais bens, e bem assim do respectivo pagamento, com os únicos documentos por que tal prova podia (pode) ser feita, a dita apreensão não se devia ter concretizado e deveria ser, de imediato, levantada. (Sic).

3) Respondendo a tal requerimento, veio a contra-

parte – a Requerente da providência, quando dele foi notificada – dizer que o meio de reacção certo seria a oposição por embargos de terceiro, aceitando contudo (tacitamente) a junção dos documentos e a sua genuinidade e, por consequência, a força probatória do que visavam demonstrar (a propriedade e legítima posse e detenção pela ora Apelante dos bens apreendidos –  através das quatro facturas - e o pagamento do respectivo preço – através dos quatro correspondentes recibos), como necessariamente resulta da circunstância de não ter deduzido qualquer oposição à junção dos documentos em questão e de não os ter impugnado (quanto à letra ou às assinaturas respectivas), pura e simplesmente nada dizendo sobre esses documentos.

4) Sobre o assim requerido não foi proferida qualquer decisão autónoma.

5) Para além da prova documental indicada, a ora Apelante requereu para confirmação do alegado o depoimento de parte da Requerente e do outro Requerido e prova testemunhal, oferecendo duas testemunhas (entre elas o Técnico Oficial de Contas que elaborou e subscreveu os documentos que Sra. Juíza a quo veio depois a colocar em causa).

6) Os bens identificados nas facturas antes referidas são exactamente os (indevidamente) arrestados nas instalações da ora Apelante; e os recibos respectivos mostram-se assinados pelo Requerido B...., contra quem o Arresto foi decretado.

7) Uma vez mais, a reacção da Requerente da providência, quando notificada destes documentos, foi nada dizer.

8) Para além dos documentos cuja junção lhe foi ordenada pela Sra. Juíza a quo, e sempre no espírito de cooperação para a descoberta da verdade que sempre norteia a intervenção processual da ora Apelante e do advogado signatário, veio a ora Apelante juntar aos autos certificação legal das operações contabilísticas em causa, elaborada pela D... representada pelo ROC Dr. E...., onde se conclui que a sociedade C..., procedeu ao registo contabilístico nos meses de Março e Abril de 2008 de aquisições efectuadas ao seu fornecedor B....., conforme facturas números 127, 128, 129, 130, 131 e 132, por este emitidas com datas de Março e Abril de 2008, bem como a respectiva liquidação, contabilizada pelos recibos nºs 111, 112, 113, 114, 115 e 116 e que o pagamento das facturas referidas no Parágrafo anterior foi efectuado por encontro de contas com saldos devedores titulados em nome de B......

9) Também estes documentos foram notificados à Requerente da providência, que uma vez mais nada disse.

10) A Decisão sob recurso viola o caso julgado decorrente da Decisão que decretou o arresto, absolveu a ora Apelante e decretou que a mesma poderia evitar a apreensão dos bens em causa por exibição de documento válido que justificasse a respectiva detenção, decisão que formou caso julgado relativamente à agora sob recurso nos termos e por força do disposto no artigo 498º do Código de Processo Civil, mostrando-se assim violada a norma do respectivo artigo 671º nº 1.

11) Ainda que assim se não entenda (o que aqui apenas por cautela de patrocínio se equaciona) e que se considere que apenas a relação processual está em causa, sempre se deverá então considerar violado o caso julgado formal resultante dessa primeira Decisão e violada, assim, a norma do artigo 672º nº 1.

12) De acordo com os artigos 476º do Código Comercial e 786º do Código Civil, e com os usos do comércio, que nesta matéria constituem também fonte de direito (cf. artigo 3º do Código Civil e artigo 3º do Código Comercial), a “factura das causas vendidas” e o recibo do prego assinado pelo emitente da factura são documentos válidos fazendo a factura presumir que as coisas em causa foram vendidas a quem nela figura como destinatário delas e o recibo que a obrigação de pagamento do preço foi extinta por quem, ou a favor de quem, a deveria cumprir.

13) Nenhuma dúvida pode subsistir quanto à genuinidade das quatro facturas e dos quatro correspondentes recibos juntos pela ora Apelante, já que a parte contrária (a Requerente da providência) não impugnou tais documentos de modo algum, o que significa necessariamente, perante o disposto na lei processual e na lei substantiva, que os aceitou inapelavelmente e definitivamente como bons, como genuínos e com a virtualidade, por isso mesmo, de plenamente cumprirem a função de meios de prova dos factos por eles documentados.

14) É o que resulta das disposições conjugadas dos artigos 374º e 376º do Código Civil e do artigo 544º do Código de Processo Civil, igualmente violadas na Sentença, por força das quais se não pode deixar de considerar provada a genuinidade da letra e assinaturas de tais documentos e, consequentemente, que os mesmos se revestem de força probatória plena relativamente aos factos que representam: as facturas, constituindo prova plena da venda dos bens em causa à ora Apelante e da transmissão para esta da respectiva propriedade, posse e detenção; os recibos constituindo prova plena do pagamento dos respectivos preços.

15) O simples facto ou circunstância de a parte contrária, a parte contra quem foram apresentados, não ter impugnado estes documentos e, muito menos, ter contrariado ou infirmado a presunção de prova acima aludida a propósito dos artigos 476º do Código Comercial e 786º do Código Civil, obriga a considerar que as facturas e os recibos em causa se revestem de força probatória plena relativamente aos factos neles documentados, impondo, assim, se tivesse dado como absolutamente provada a propriedade, posse e detenção pela ora Apelante dos bens arrestados no seu armazém e que a obrigação de pagamento do preço respectivo foi integralmente cumprida e se mostra integralmente extinta.

16) Concluindo em contrário, violou a Decisão recorrida a Decisão Judicial anterior proferida nos autos principais há muito transitada em julgado (Sentença que decretou o arresto, absolveu a ora Apelante e decretou que a mesma poderia evitar a apreensão dos bens em causa por exibição de documento válido que justificasse a respectiva detenção), para além de violar do mesmo passo todas as normas legais antes citadas e as regras mais básicas de distribuição do ónus da prova que enformam o nosso direito probatório, civil e processual civil.

17) A apontada violação do caso julgado da Decisão inicial, resulta ainda de a Sentença recorrida ter confundido a prova da detenção legítima (resultante das facturas) com a prova do pagamento do preço (resultante dos recibos), sendo certo, todavia, que só a prova da primeira era exigida naquela primeira e assim violada decisão.

Sem prescindir:

18) Se perante os documentos em causa e o respectivo confronto com os documentos internos da contabilidade da ora Apelante, o Tribunal a quo não aderisse ao antes indicado e tivesse dúvidas quanto a terem ou não ocorrido os “ (...) pagamentos (em causa), mesmo por compensação (...) ", e se considerasse importante o esclarecimento de tais dúvidas para legitimar a dedução dos embargos e notificar a contraparte para os contestar, o que então deveria ter feito, nos termos e por força do disposto no artigo 354º do Código de Processo Civil, era realizar as diligências probatórias necessárias para esclarecer tais factos, desde logo as diligências de prova (por depoimento de parte e por testemunhas) indicadas e requeridas pela ora Apelante.

19) O Tribunal decidiu rejeitar liminarmente os Embargos por ter ficado (e apesar de ter ficado) com dúvidas sobre o direito da Embargante e sem ter permitido à Embargante esclarecer tais dúvidas, sem produzir a prova que ela para tanto havia oferecido e requerido.

Violou a norma citada, do artigo 354º do Código de Processo Civil e, em geral, o direito de acesso ao di­reito e aos tribunais, constitucionalmente consagrado (cf. artigo 20º da Constituição da República Portuguesa).

20) Aliás, o Tribunal a quo nem ouviu essa prova, confessional e testemunhal, que lhe havia sido requerido pela ora Apelante que ouvisse, nem se pronunciou sobre a necessidade ou desnecessidade de a ouvir, violando por isso, não só o disposto no artigo 354º já citado, como o dever de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, que culmina tal falta com nulidade.

21) Acresce que a violação do disposto no artigo 354º do Código de Processo Civil resulta da circunstância de a Sra. Juíza ter aparentemente interpretado tal norma – e aparentemente também, de resto, toda a regulação destes incidentes - no sentido de que impenderia sobre o Embargante, não só o ónus de provar os factos constitutivos do direito de que se arroga (como efectivamente é), mas ainda o ónus de o fazer apenas por documentos e logo na fase preliminar, E de que caberia ao Juiz, sem qualquer limitação ou necessidade de justificação, investigar autonomamente e oficiosamente o caso, socorrendo-se dos meios de prova da sua eleição e nem sequer tendo que justificar a rejeição daqueles que as partes lhe indicaram,

22) Tal interpretação não tem na letra ou no espírito da lei qualquer acolhimento, e colocaria a norma em causa em violação do direito de acesso aos tribunais e ao direito consagrado no artigo 20º da Constituição da República e, também, o Estatuto de Igualdade substancial das partes consagrado no artigo 3º-A do Código de Processo Civil – e inerente ao princípio constitucional geral da igualdade e ao direito constitucional de acesso aos tribunais e ao direito antes invocado.

23) Estatuto de Igualdade, ou dever de tratamento igual, das partes que tão pouco foi observado pelo Tribunal quando exigiu à ora Apelante a junção aos autos de documentos relativos à sua contabilidade interna – exigência cujo sentido só agora se consegue perceber radicar na inaceitável tese de que a regra, em sede de Embargos de Terceiro deste tipo o saber se as facturas e recibos apresentados por um comerciante são verdadeiros -, já que à Requerente do Arresto, ora Embargada e Apelada, não foi colocada exigência ou suspeição idêntica, não foi dispensado tratamento idêntico, quando se apresentou a requerer o Arresto e quando este (lhe) foi decretado. Na verdade, a ela, à Requerente A....., não foi sequer exigida qualquer prova – muito menos documental – de que tivesse produzido, como alegou, as 13,836 (treze mil oitocentos e trinta e seis) garrafas de vinho cujo arresto veio pedir e obteve. Muito menos que tivesse pago essa produção: o preço das matérias-primas e os salários respectivos. (sic)

24) Nenhuma razão se verifica justificativa do desigual tratamento a que nestes autos foi submetida a Requerente da providência e a Requerente deste incidente de Embargos de Terceiro, sendo que a tese que nesse sentido havia sido defendida pela Requerente da providência no seu douto requerimento inicial foi julgada improcedente por não provada – por isso e em consequência foi decidido absolver a ora Apelante do pedido – e que os documentos de contabilidade interna da ora Apelante (o balancete analítico de cada mês onde constem movimentos relativos às transacções em causa nos autos (de fls. 17 a 24); os extractos de conta corrente; fotocópia dos documentos que suportem os movimentos financeiros registados na conta corrente; facturas lançadas na conta corrente; fotocópia dos meios de pagamento que constam da conta corrente; declaração de conformidade (nomeadamente de que os documentos em causa são verdadeiros, fazem parte integrante da contabilidade da sociedade embargante e de que não foi omitido nenhum dado relevante) subscrita pelo Técnico Oficial de Contas, autenticada com vinheta emitida pela Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas) confirmam sem margem para quaisquer dúvidas e irrefutavelmente que a ora Apelante adquiriu os bens em causa, que indevidamente foram arrestados no seu armazém. (sic)

25) Nesse aspecto, a Sentença recorrida viola o Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas e o valor que dele resulta para a certificação junta aos autos, que confirma tais aquisições e tais pagamentos de forma absolutamente inequívoca.

26) Nenhuma das omissões e irregularidades apontadas o é de facto ou de direito, sendo incorrectos ou mesmo errados os pressupostos jurídicos e as considerações técnico-contabilísticas de que parte a Sra. Juíza, na página sexta da Sentença.

27) Desde logo, porque a relação da Embargante com o requerido B..., tal como resulta dos documentos juntos, quer dos documentos contabilísticos, como da certificação do ROC, se não subsume de modo algum no contrato de conta-corrente regulado pelos artigos 344º e seguintes do Código Comercial. Trata-se, diferentemente, de uma normal relação comercial de compra de mercadorias, tendo apenas sucedido, de acordo com tais documentos, que a obrigação de pagamento dos preços das mercadorias em causa foi satisfeita por compensação com a extinção de créditos sobre o mesmo B....;

28) Depois, porque a compensação não é um contrato, como resulta da sua própria inserção sistemática no Código Civil, mas uma forma de extinção das obrigações para além do cumprimento e, como tal, não tem que ser ajustada previamente ao negócio propriamente dito, muito menos se exigindo para a validade ou eficácia da compensação um documento formal em que as partes definissem o âmbito e a forma de realização.

29) O facto de o pagamento se não ter verificado de acordo com as condições ou nos termos inicialmente previstos não significa que o mesmo não tenha sido realizado – devendo chamar-se a este propósito a atenção para o facto de estarmos a falar de pagamento em sentido amplo, como uma qualquer forma de extinção de obrigações, incluindo por isso também a compensação.

30) É errada e errónea a afirmação, vertida no penúltimo parágrafo da sexta página da Sentença, de que a compensação só se verificou depois da prolação do despacho a determinar a junção de todos aqueles documentos da contabilidade: a compensação (ou compensações) em causa foi (ou foram) efectuada(s) até Abril de 2008, sendo que o próprio documento contendo a certificação do ROC foi emitido e subscrito em Outubro de 2008, um mês antes do dito despacho.(sic)

31) Todos os documentos concretamente em causa se mostram assinados nos termos em que o devem ser, nenhum se subsumindo em quaisquer das hipóteses das normas que visam evitar e punir as más práticas financeiras e contabilísticas, nomeadamente, no âmbito do branqueamento de capitais.

32) Mostra-se também violado o disposto no artigo 44º do Código Comercial, que prevê e disciplina as situações e os termos em que os assentos lançados nos livros dos comerciantes provam contra os próprios comerciantes, sendo impossível subsumir a situação em causa nestes autos em qualquer das hipóteses previstas na norma.

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir,

                      *

2. FUNDAMENTOS.

Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes,

2.1. Factos.

2.1.1. Em 22/09/2008 a “A.....” intentou providência cautelar de arresto contra B....e C.....”, pedindo o arresto de 13 836 (treze mil oitocentos e trinta e seis) garrafas de vinho de marca “F...” com a capacidade de 0,75 cl cada, produzido pela “A.....” conforme melhor descrito no artº 11 do requerimento de providência cautelar, reproduzido a fls. 10 desse apenso;

2.1.2. Por decisão de 07-10-2008 (fls. 87 e ss apenso A) foi decretado o arresto dos bens identificados nesse requerimento inicial e determinada a absolvição da requerida “ C.....”,

2.1.3. Em 15-10-2008 foi realizada diligência de arresto, de um total de 6458 (seis mil quatrocentos e cinquenta e oito) garrafas daquela natureza, conforme documento de fls. 121 e ss do apenso A-;

2.1.4. Os presentes embargos de terceiro foram deduzidos por petição apresentada em juízo em 18-11-2008 e já antes, por requerimento de fls. 130 (apenso A) destinado a pedir a imediata restituição de tais bens;

2.1.5. A embargante juntou, a instruir, a presente petição inicial os documentos de fls. 17 a 24, facturas e recibos emitidos entre 13 e 20 de Março de 2008, destinados a suportar a alegação da aquisição, a seu favor dos bens arrestados, no valor de € 33.511,44;

2.1.6. Em cumprimento do despacho proferido a fls. 25, juntou a embargante os seguintes documentos:

- O balancete analítico;

- Extractos de conta corrente;

- Facturas lançadas na conta corrente;

- Uma declaração de conformidade de todos estes documentos, subscrita pelo Técnico Oficial de Contas da sociedade embargante, autenticada com vinheta emitida pela Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.

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2.2. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

- Mostra-se violado o caso julgado emergente da decisão proferida na providência cautelar de arresto?

- Do indeferimento liminar dos embargos de terceiro.

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2.2.1. Mostra-se violado o caso julgado emergente da decisão proferida na providência cautelar de arresto?

Vem a embargante referir que não foi proferida qualquer decisão autónoma que recaísse sobre a apresentação de documentos que no acto de arresto e na sequência de notificação para tanto lhe havia sido feita, sendo certo que a outra parte não disse nada sobre a sua letra e assinatura.

Pretende-se que a decisão viola o caso julgado por ter sido referido à ora embargante que poderia obstar à apreensão de bens caso apresentasse documento válido que a evitasse; e ainda que se não entenda que se mostra violado o caso julgado material sempre violado estaria o caso julgado formal.

Decidindo diremos que a reacção à providência consubstancia-se na providência que ora se reaprecia. É neste momento que se vai aquilatar do cabimento da mesma, não tendo havido nem tal era pertinente que o tivesse sido feito em qualquer outro momento decretado que fosse o arresto. Nesta conformidade não tendo havido qualquer decisão não pode falar-se de caso julgado formal ou material.

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2.2.2. Do indeferimento liminar dos embargos de terceiro.

Estatui o artigo 351º nº 1 do Código de Processo Civil que "Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado faze-lo valer, deduzindo embargos de terceiro".

Estamos aqui perante embargos de natureza repressiva sendo que a posição de terceiro é determinada em função da posição processual, i.e. não ser parte da causa em que foi ordenada a diligência processual ofensiva do direito.

Este incidente comporta uma fase preliminar a que se refere o artigo 354º do Código de Processo Civil: realização de diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante; essas diligências destinam-se essencialmente a verificar a condição de terceiro e a dar consistência do direito invocado pelo embargante[1]; todavia o mesmo normativo legal também prevê a possibilidade de indeferimento imediato; é o que se poderá passar em caso de manifesta improcedência ou v.g de excepções dilatórias insupríveis de que o Juiz tenha de conhecer necessariamente.

Perante a Petição Inicial a Sr. Juiz desde logo faz uma exaustiva análise dos vários documentos contabilísticos que foram juntos com a Petição Inicial e conclui haver irregularidades nos mesmos, nomeadamente à luz do que estatuem normas específicas na matéria, nomeadamente a nível do POC e do artigo 115º do CIRC.

De igual modo em resultado da análise que fez, vêm referidas dúvidas quanto ao sentido de certas movimentações que não apontam com clareza para a linear transmissão dos bens para a Sociedade ora embargante.

Ao fim de tudo quanto expõe no seu minucioso despacho conclui que a documentação apresentada na PI sob o ponto de vista material substancial e técnico-com­tabilístico é manifestamente insuficiente para lograr comprovar que os pretensos pagamentos foram efectivamente concretizados face às incorrecções que relata.

Cabe decidir:

Está em causa o recurso de um despacho que indeferiu liminarmente os embargos de terceiro à providência cautelar de arresto deduzidos por “ C....."

No despacho que rejeitou a providência a Sra. Juiz cita o acórdão da Relação de Évora de 23/11/2006 – Processo nº 2016706-3 in www.dgsi.pt. onde se escreve que "no âmbito do despacho liminar de recebimento ou de rejeição dos embargos, o juízo que se pede ao magistrado não é um juízo definitivo, um juízo de certeza, mas sim um juízo de simples probabilidade ou verosimilhança destinado a servir de suporte a uma decisão provisória, interina, com vista a evitar que se recebam embargos inteiramente infundados". É esse também o nosso entendimento, acrescentando-se todavia que isso é tanto mais exacto quanto maior for a tecnicidade das questões envolvidas, a possibilidade de as mesmas poderem ser impugnadas com o contraditório e esclarecidas com a discussão e posterior produção de prova.

 Ora no caso em análise há a notar que muito embora os documentos juntos tenham pertinência, não podemos esquecer que a tese da embargante não é susceptível apenas de prova por documentos e que aqueles que foram juntos não esgotam de modo algum a panóplia dos que eventualmente possam vir a ser oferecidos. Aliás subsistindo dúvidas quanto ao alcance da documentação, tão pouco foi dado o ensejo de as mesmas poderem vir a ser eventualmente dissipadas através da produção de prova testemunhal aliás apresentada.

 Nesta conformidade podemos concluir que estando ainda numa fase incipiente da acção e que na dúvida não devem ser coarctadas as possibilidades de prosseguimento do incidente, inclinamo-nos para a procedência da apelação, devendo o Sr. Juiz ouvir de seguida a prova testemunhal que foi requerida pelo Autor, tomando ulteriormente a posição que entenda adequada.

 

Pode pois concluir-se à guisa de conclusão e sumário o seguinte:

1) No âmbito do despacho liminar de recebimento ou de rejeição dos embargos de terceiro, o juízo que se pede ao magistrado não é um juízo definitivo, um juízo de certeza, mas sim um juízo de simples probabilidade ou verosimilhança destinado a servir de suporte a uma decisão provisória, interina, com vista a evitar que se recebam embargos inteiramente infundados.

2) Todavia quando a tese do embargante não é susceptível de apenas prova por documentos e subsistindo dúvidas quanto ao respectivo alcance, deverá ser dado o ensejo de aquelas poderem vir a ser eventualmente dissipadas através da produção de prova testemunhal mesmo nesta fase incipiente do processo.

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3. DECISÃO.

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação procedente e revogando a decisão em crise, determina-se que o Sr. Juiz oiça de seguida a prova testemunhal que foi requerida pelo Autor, tomando ulteriormente a posição que entenda adequada.

Custas pelos requeridos.


      [1] Cfr. Salvador da Costa "Os Incidentes da Instância" Almedina Coimbra 1999, pags. 196.