Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3398/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. COELHO DE MATOS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 01/20/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CIVEL
Decisão: NÃO CONFIRMADO
Legislação Nacional: ART. 279º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; 119.º N.º 4 DO CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL
Sumário:
Nada obsta que o juiz, louvando-se no artigo 279º n.º 1 do Código de Processo Civil, suspenda a acção executiva se, nas concretas circunstâncias e no respeito pelo princípio da economia processual, for aconselhável o seu prosseguimento em função do desfecho duma acção pauliana em curso.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. S..., S.R.L. demandou, em acção executiva, na comarca de Alcanena, Emídio R..., por dívida de 11.248.613$00, titulada por letras alegadamente do seu aceite. Alegado pela exequente e constatado nos autos, verifica-se que:
- Em 23 de Outubro de 1997 foi efectuada a penhora de um imóvel urbano inscrito na respectiva Conservatória do Registo Predial a favor do executado.
- Só em 6 de Abril de 2000 o tribunal emitiu e lhe remeteu a certidão do termo de penhora:
- A 4 de Outubro de 2000 requereu a junção aos autos da certidão de ónus ou encargos, onde consta o registo da penhora do imóvel;
- E requereu também que se procedesse à venda por propostas em carta fechada;
- Sobre este requerimento não incidiu nenhum despacho;
- Quando foi averbado o registo da penhora já estava inscrita, provisoriamente, a aquisição do imóvel a favor da sociedade Bento & Raposo, Lda.
- Por isso foi dado cumprimento ao disposto no artigo 119º n.º 1 do CRP, tendo a sociedade Bento & Raposo, Lda declarado que o imóvel lhe pertencia;
- Foi então dado cumprimento ao disposto no n.º 4 do mesmo artigo, remetendo-se os interessados para os meios processuais comuns;
- Na consequência, a exequente intentou, na mesma comarca, a acção de impugnação pauliana com o número 41/2001, da única secção de processos;
- Em 27/02/2003, a fls. 201 dos autos, foi proferido despacho a declarar interrompida a instância, por o processo se encontrar parado há mais de um ano por inércia da exequente, nos termos do artigo 285º do CPC.
- Em 02/04/2003 (fls. 211 e 212) a exequente requer a venda do imóvel ou, caso assim se não entenda, que se suspenda a acção executiva até ser decidida a acção de impugnação pauliana, nos termos do artigo 279º, n.º 1 do CPC.
- A exequente alega e já alegava que não são conhecidos ao executado outros bens penhorados;
- Em 07/04/2003 (fls. 215 e 216) é proferido despacho a indeferir o requerimento de 02/04/2003, com os argumentos de que havia já transitado o despacho que interrompeu a instância e que a suspensão não está prevista nas normas que regulam a suspensão da instância executiva;
- Mais se refere no despacho que, remetidas as partes para os meios comuns, nos termos do artigo 119º, n.º 4 do CRP, não podia a execução prosseguir relativamente ao imóvel penhorado.

2. É deste despacho que vem o presente agravo da exequente, que conclui assim:
1) Nos termos do disposto no artigo 286º do Código de Processo Civil a interrupção cessa se o autor requerer algum acto do processo de que dependa o andamento dele.
2) A interrupção da instância cessou, pois, com o requerimento da exequente de fls. 211 a 212.
3) O único bem conhecido do executado é o imóvel que foi penhorado nestes autos.
4) A remessa das partes para os meios comuns em cumprimento do disposto no artigo 119.º n.º 4 do Código do Registo Predial e a consequente interposição pela exequente de acção pauliana só pode ter uma consequência: a suspensão da execução até trânsito em julgado da sentença proferida na referida acção.
5) A acção pauliana interposta pela exequente contra o executado e a sociedade Bento & Raposo, Lda. corre termos no próprio Tribunal a quo (processo n.º 41/2001) tribunal que tem uma única secção e um único juiz.
6) A pendência da acção pauliana é, pois, um facto de que o tribunal a quo tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções pelo que não carece de alegação pela exequente (cfr. artigo 514º n.º 2 do C.P.C.).
7) Nos termos do disposto no artigo 279.º n.º 1 do Código de Processo Civil é fundamento de suspensão da instância a pendência de outra causa já proposta de que dependa a decisão da primeira ou quando ocorrer outro motivo justificado.
8) Tendo as partes sido remetidas para os meios comuns nos termos do artigo 119.º n.º 4 do Código do Registo Predial, e tendo a exequente intentado contra executado e a sociedade Bento & Raposo, Lda. acção pauliana, enquanto esta não for definitivamente decidida não pode a execução prosseguir com a venda do imóvel, repete-se, o único bem conhecido do executado cuja penhora foi possível efectuar.
9) Reside, pois, aqui, o fundamento para a suspensão da instância executiva nos termos do disposto no artigo 279.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
10) Ao decidir em contrário, violou o douto despacho recorrido a disposição do artigo 279.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
11) Deverá, pois, o douto despacho recorrido ser revogado e suspensa a execução.

3. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi proferido despacho a confirmar e manter o decidido. Estão colhidos os vistos. Cumpre decidir, considerando a factualidade descrita no ponto 1. supra.
Em suma, a questão é esta: nesta acção executiva foi declarada interrompida a instância por despacho que transitou; a agravante entende que essa interrupção deveria cessar, nos termos do artigo 286º do Código de Processo Civil, porque requereu a venda, ou, em alternativa, a suspensão da instância; e no caso de não poder ordenar-se a venda, então, cessada a interrupção, se suspenda a instância, porque existe uma acção pendente de cujo desfecho depende a prossecução da execução.
Por conseguinte, não está em causa saber se foi bem ou mal decidida a interrupção, mas, a manter-se, e perante o facto de nada mais haver a requerer para que a exequente impulsione a execução, uma vez que não existem outros bens a penhorar, então só temos de admitir que se seguirá a extinção da instância executiva, por deserção, decorridos dois anos sobre a interrupção (artigos 291º, n.º 1 e 287º, al. d) do Código de Processo Civil), se até lá não estiver resolvida a acção de impugnação pauliana, cuja procedência tem como efeito o poder-se executar o bem na titularidade do adquirente.
Não é esta a acção para onde remete o n.º 4 do artigo 119º do Código de Registo Predial, uma vez que está aí em causa saber se o direito é do titular inscrito, dado que não é ele o executado, a quem o exequente atribui a titularidade do bem penhorado.
O certo é que a exequente só propôs a acção pauliana e se obtiver ganho de causa vai poder executar o imóvel, ainda que o titular inscrito não seja o executado. Se esta execução, então, estiver já extinta por deserção, a executada terá de propor outra e repetir todos os actos, incluindo a penhora e o respectivo registo. E fa-lo-á em nome de nada e unicamente para respeitar o valor do formalismo processual, colocando-o acima de outros princípios, como sejam o da economia processual e o da prioridade dos interesses substantivos, que a lei adjectiva deve servir.
É também certo que a natureza da acção executiva e a norma expressa no artigo 882º, n.º 1 do Código de Processo Civil induz ao entendimento de que nesta espécie processual não há lugar à suspensão da instância fora da hipótese aí contemplada, retirando-a do regime geral da suspensão previsto e regulamentado nos artigos 276º e seguintes. É um entendimento que já vem de longe, muito antes da actual redacção do artigo 882º.
Mas então pergunta-se: será que as razões invocadas para retirar a acção executiva da âmbito do regime geral da suspensão têm por legítima a exclusão do caso dos autos? Ou não será antes legítimo admitir (o que a lei não exclui) que a acção executiva pode ser suspensa por determinação do juiz, se entender que o justifica o efeito da decisão a proferir numa acção declarativa, entretanto, a decorrer?
Uma resposta afirmativa teria perfeito acolhimento na norma do artigo 279º, n.º 1 do Código de Processo Civil. E no caso dos autos, evitando o efeito perverso da interrupção da instância, teria o condão de fazer prosseguir a execução no imóvel penhorado, caso a exequente obtivesse ganho de causa na pauliana. Teria a inegável vantagem de aproveitar tudo o que de útil já se fez na acção executiva, apenas em preterição do interesse formal, sem qualquer conteúdo útil. E teria também a inegável vantagem de entender o direito como um instrumento ao serviço dos interesses do homem, que para isso mesmo o criou, e não um meio de (o direito) se valorizar a si próprio.
Assim vistas as coisas, não descortinamos qualquer ofensa ao direito se aceitarmos como apto para fazer cessar a interrupção da instância o requerido a fls. 211 e 212; não para fazer prosseguir a execução com a venda do bem penhorado, mas para propor a suspensão da execução, já que só lhe restaria fazê-la prosseguir noutros bens que o executado não tem (tendo como boa esta informação, que nunca foi contestada).
Nada obsta, pois, que o juiz, louvando-se no artigo 279º, n.º 1 do Código de Processo Civil, suspenda a acção executiva se, nas concretas circunstâncias e no respeito pelo princípio da economia processual, for aconselhável o seu prosseguimento em função do do desfecho duma acção pauliana em curso.
Aconselhável está, pois, que se suspenda a instância executiva até que se decida a acção pauliana n.º 41/2001, sem esquecer que a secção está em condições de informar e que a exequente deve impulsionar o andamento do processo.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juizes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido e declarando suspensa a instância até que se decida a acção n.º 41/2001 da secção única da mesma comarca.
Sem custas (artigo 2º, n.º 1, al. o) do Código das Custas Judiciais).
Coimbra,