Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
232/08.3YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
DIVÓRCIO
DECRETADO EM ESTADO-MEMBRO DA COMUNIDADE
SUA REVISÃO EM PORTUGAL
FALTA DE INTERESSE EM REQUER TAL REVISÃO NOS TRIBUNAIS DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 11/20/2008
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: ABSOLVIÇÃO DO REQUERIDO
Legislação Nacional: ARTS. 1094º E 1095º DO CPC
Legislação Comunitária: ART.º 21º, Nº 1, DO REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003 DO CONSELHO, DE 27/11/2003
Sumário: I – A nossa ordem jurídica confere aos Tribunais da Relação a necessária competência para revisão de sentenças estrangeiras, a qual se adjectiva através de um processo especial previsto nos artºs 1094º e segs. do CPC.

II – O artº 1094º do CPC excepciona da necessidade de revisão todas as situações que estejam estabelecidas em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais (…).

III – O Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003, entrou em vigor no dia 1/08/2004 e, com excepção das matérias vertidas nos artºs 67º, 68º, 69º e 70º, é vinculativo em todos os seus elementos e directamente aplicável nos Estados –Membros, em conformidade com o tratado que institui a Comunidade Europeia, a partir de 1/03/2005.

IV – O reconhecimento e execução de uma decisão proferida por um Estado-Membro tem por base o princípio da confiança, aplicando-se o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho às decisões de divórcio, de separação e anulação do casamento, excluindo as questões relativas às causas de divórcio e aos efeitos patrimoniais do divórcio, proferidas em datas posteriores à sua entrada em vigor – artº 72º.

V – A questão que objecta a que o Tribunal da Relação conheça do pedido de revisão de sentença estrangeira de divórcio proferido em Estado-Membro da Comunidade enquadra-se no pressuposto processual de falta de interesse em agir, falta de interesse que se manifesta através da existência de norma regulamentar comunitária – artº 21º, nº 1 – que vincula o Estado-Membro a reconhecer uma decisão proferida por outro Estado-Membro sem qualquer formalidade, bastando que o pedido seja dirigido ao Tribunal de Comarca/Família e Menores.

Decisão Texto Integral:

Decisão sumária[1]

            1. Relatório       

A… veio requerer revisão de sentença estrangeira contra ….

            No essencial alegou que requerente e requerido contraíram casamento, sem convenção antenupcial, em 5 de Agosto de 1964, casamento que foi dissolvido por sentença de divórcio proferida pelo Tribunal de Grande Instância de Creteil, sentença que já transitou em julgado.

            Concluiu pela concessão de revisão e confirmação da sentença decretada.


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            Juntou assento de casamento nº 419, através do qual se confirma que requerente e requerido casaram, sem convenção antenupcial, no dia 5 de Agosto de 1964; juntou sentença que decretou divórcio, datada de 13 de Dezembro de 2006, a qual transitou em julgado – folhas 4 a 15.

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            Citado o requerido não deduziu oposição.

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            Ordenada a notificação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1099º do CPC, considerou nas suas doutas alegações ser este Tribunal incompetente para declarar o reconhecimento solicitado, escorando-se para o efeito no Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003.

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            2. Cumpre decidir

            Em matéria de competência deste Tribunal, não podemos deixar de chamar à colação o disposto no 1095º do CPC que determina: para a revisão e confirmação é competente a Relação do distrito judicial em que esteja domiciliada a pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, observando-se com as necessárias adaptações o disposto nos artigos 85º a 87º.

A nossa ordem jurídica confere aos Tribunais da Relação a necessária competência para revisão de sentenças estrangeiras, a qual – revisão – se adjectiva através de um processo especial previsto nos artigos 1094º e seguintes do Código de Processo Civil. O artigo 1094º do mesmo diploma legal excepciona da necessidade de revisão, todas as situações que estejam estabelecidas em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais (…) como sucede na situação em análise.

Isto para dizermos que, ao invés do defendido pelo Exmo. Procurador-geral Adjunto, a questão que se nos coloca não se enquadra na falta de competência deste Tribunal – como vimos situações existem em que se torna necessária a revisão de sentenças estrangeiras, atribuindo a lei a competência, para tal, aos Tribunais da Relação – mas antes se desenha como uma real e efectiva desnecessidade de recurso ao quadro processual que disciplina a revisão de sentença estrangeira, desnecessidade que resulta da disciplina legal ínsita ao Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003.

Como tivemos a oportunidade de referir está em causa uma sentença proferida por um Tribunal Francês que decretou o divórcio entre a requerente e requerido, sentença datada de 13 de Dezembro de 2006 – folhas 12.

O Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003 entrou em vigor no dia 1 de Agosto de 2004 e, com excepção das matérias vertidas nos artigos 67º, 68º, 69º e 70º (que entraram em vigor naquela data)[2], é vinculativo em todos os seus elementos e directamente aplicável nos Estados-Membros, em conformidade com o tratado que institui a Comunidade Europeia, a partir de 1 de Março de 2005.

Assim, não existe a mais leve dúvida quanto ao facto de estarmos em presença de uma sentença de divórcio proferida por um Estado-Membro da União Europeia – cf. nºs 1, 3 e 5 do artigo 2º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003 – e daí que este Regulamento – a alínea a) do nº 1 do seu artigo 1º – se aplique, independentemente da natureza do tribunal, às matérias cíveis relativas ao divórcio, separação e anulação do casamento, Regulamento que, em matéria de reconhecimento e execução das decisões proferidas por um Estado-Membro, vincula o outro Estado-Membro (o da execução – nº 6 do artigo 2º), a reconhecer a sentença de divórcio sem quaisquer formalidades – nº 1 do artigo 21º do Regulamento – em particular, e sem prejuízo do disposto na secção 4 do presente capítulo, não é exigível nenhuma formalidade para a actualização dos registos do estado civil de um Estado-Membro com base numa decisão de divórcio, separação ou anulação do casamento, proferida por outro Estado-Membro e da qual já não caiba recurso, segundo a legislação desse Estado-Membro.

            Como se constata da leitura desta norma, o reconhecimento e execução de uma decisão proferida por um Estado-Membro tem por base o princípio da confiança, que se evidencia no facto de terem sido reduzidos ao mínimo os fundamento de não reconhecimento, aplicando-se o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003 às decisões de divórcio, de separação e anulação do casamento, excluindo as questões relativas às causas de divórcio e aos efeitos patrimoniais do divórcio, proferidas em datas posteriores à sua entrada em vigor – artigo 72º.

            Defende e bem o Exmo. PGA que o pedido de declaração de reconhecimento e executoriedade da decisão de divórcio proferida por um Estado-Membro da União Europeia – artigo 68º do Regulamento – deve ser apresentado ao Tribunal da lista comunicada por cada Estado-Membro à Comissão, nos termos do artigo 68º, sendo que em Portugal são os Tribunais de Comarca, os Tribunais de Família e, em caso de recurso, os Tribunais da Relação os competentes para declarar o reconhecimento – Jornal Oficial da União Europeia do dia 17 de Fevereiro de 2005[3].

Todavia, a questão que objecta a que este Tribunal conheça do pedido de revisão de sentença não se escora na sua falta de competência, uma vez que nos termos da lei processual – artigo 1095º do CPC – é o competente para conhecer da revisão e confirmação de sentenças estrangeiras, mas antes se enquadra no pressuposto processual de falta de interesse em agir da requerente, falta de interesse que se manifesta através da existência de norma regulamentar comunitária – artigo 21º, nº 1 – que vincula o Estado-Membro a reconhecer uma decisão proferida por outro Estado-Membro sem qualquer formalidade, bastando que o/a requerente dirija o pedido a que se reporta o nº 1 do artigo 21º ao Tribunal que as autoridades portuguesas, no cumprimento do artigo 68º do Regulamento (CE) nº 2201/2003, indicaram à Comissão – Tribunal de Comarca/Família e Menores.

            Neste sentido partilhamos com o Exmo. Desembargador Teles Pereira[4], que se não trata de uma questão de falta de competência do Tribunal da Relação, mas antes corresponde o pedido de revisão a uma situação de falta de interesse em agir por parte da requerente, já que a lei regulamentar comunitária coloca ao seu dispor um mecanismo que torna completamente desnecessário o recurso ao quadro legal vazado nos artigos 1094º e seguintes do CPC.

            Tal como vem sendo acolhido pela nossa doutrina[5] a falta de interesse em agir, embora não esteja tipificado na nossa lei adjectiva (artigo 494º do CPC), é caracterizada como excepção dilatória – nº 2 do artigo 493º do CPC – de conhecimento oficioso – artigo 495º do CPC – e que verificada determina a absolvição da instância. Assim, sendo completamente desnecessário o uso do mecanismo reportado nos artigos 1094º e seguintes do Código de Processo Civil, resta-nos considerar que estamos em presença de uma excepção dilatória inominada da falta de interesse em agir da requerente, cuja procedência determina a absolvição da instância do requerido.


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            Decisão

            Em face do todo e exposto e verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir por parte da requerente absolve-se o requerido da instância.


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Custas pelo requerente, fixando-se à acção o valor tributário de € 5.000,00 – artigo 6º, nº 1, alíneas a) e p) do CCJ – artigo 24º, nº 1 da Lei nº 3/99, de 13.1 na redacção que lhe foi dada pelo artigo 5º do DL nº 303/2007, de 24.8; artigo 12º, nº 1 do DL nº 303/2007, de 24.8

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            Notifique.

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            Coimbra, 20 de Novembro de 2008

                            (Jacinto Remígio Meca)


[1] Artigo 705º aplicável ex vi do disposto no artigo 749º e 1099º, nº 2, todos do CPC. Embora tenhamos ordenado, indevidamente, a notificação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1099º, nº 1 do CPC.
[2] 1 de Agosto de 2004.
[3] O Jornal Oficial da União Europeia n º C40 de 17 de Fevereiro de 2005 que publica a lista 1 – lista dos tribunais e das vias de recurso comunicadas à Comissão pelos Estados-Membros nos termos do artigo 68º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27.11.2003, indicada que os pedidos previstos nos artigos 21º e 29º devem ser apresentados no que a Portugal respeita «ao Tribunal de Comarca ou ao Tribunal de Família e Menores.
[4] Decisão Sumária – Inédita – proferida no âmbito do processo nº 480/07.3 YRCBR e que analisou idêntica questão à luz do Regulamento (CE) nº 1347/2000 do Conselho de 29 de Maio de 2000, Regulamento este que veio a ser revogado pelo Regulamento (CE) nº 2201/2003.
[5] Exmo. Juiz Jorge Augusto Pais de Amaral – Direito Processual Civil, 2ª edição Almedina, escreve a folhas: embora a lei não lhe faça referência directa, o interesse processual constitui também um dos pressupostos processuais (…) Existe interesse processual quando se puder dizer que o autor tem necessidade de instaurar e fazer seguir uma acção para tutela do seu direito. Sr. Prof. Remédio Marques – Acção Declarativa à Luz do Código Revisto – Coimbra Editora, pág. 170. Sr. Prof. Manuel de Andrade – Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 79. Escreveu este Mestre: Consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo.