Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7266/07.3TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RECURSO CÍVEL
ALEGAÇÕES
PRAZO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
CONTAGEM DO PRAZO PROCESSUAL PARA O EFEITO
Data do Acordão: 11/18/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Legislação Nacional: ARTº 698º, NºS 2 E 6, DO CPC
Sumário: I – Dispõe o artº 698º, nº 2, do CPC, que o prazo para as alegações de recurso é de 30 dias contados da notificação do despacho de recebimento, podendo o recorrido responder, em idêntico prazo, contado da notificação da apresentação da alegação da apelante.

II – Estabelece o nº 6 do artº 698º do CPC um acréscimo de 10 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada.

III – Quando o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, o prazo é único (40 dias), devendo contar-se de forma contínua (artº 144º, nº 1, CPC), tanto mais que o acto processual praticado pela parte é também um só.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1.1. - A requerente - A..., com sede na Avenida João XXI, 63, Lisboa – requereu na Comarca de Leiria, em processo especial, a declaração de insolvência dos requeridos - B... e mulher C....
Alegou, em resumo:
A requerente é credora dos requeridos no montante de € 3.095.518,00, crédito emergente de várias operações bancárias melhor descritas na petição inicial.
Os requeridos, que são casados um com o outro no regime da comunhão geral de bens, não têm bens suficientes para garantir o pagamento das mencionadas quantias e têm dissipado o seu património, pelo que, face ao valor elevado das dívidas, ao incumprimento generalizado e à falta de património penhorável, se encontram numa situação de insolvência.

1.2. - Os requeridos, após citação, deduziram oposição ( fls.172), alegando, em síntese:
Nunca foram interpelados com vista ao pagamento da dívida alegada, sendo que parte dos créditos da requerente estão sujeitos a condição suspensiva e as penhoras que oneram os bens dos requeridos incidem sobre créditos litigiosos
Por outro lado, são titulares de património suficiente para solver as suas dívidas.

1.3. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença em 29/4/2008 ( fls.1011 a 1042) a decretar a insolvência dos requeridos.

1.4. - Inconformados, os requeridos interpuseram recurso ( fls.1106), que foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo ( fls.1113) e apresentaram alegações ( em 8 de Julho de 2008) ( fls.2 e segs.) com as conclusões que se resumem:
1º) - Com base em erro notório na apreciação da prova, impugnam a matéria de facto constante das respostas aos quesitos 14º, 27º, 28º, 29º, 30º, 36º, devendo ser julgados como provados.
2º) - Devem considerar-se provado que para além das fracções autónomas identificadas no art.30º da Base Instrutória, a EMPOLIS é também proprietária de mais vinte e sete lugares de estacionamento, correspondentes a 27/113 da fracção autónoma designada pela letra B, do prédio descrito na Conservatória do registo Predial da Marinha grande, sob o nº8027, cujo valor actual de mercado ascende a € 148.000,00.
3º) – Devem considerar-se não provados a resposta ao quesito 10º da base Instrutória e a alínea X) dos Factos Assentes.
4º) – Não se verificam os pressupostos legais para a declaração de insolvência.
5º) – A sentença violou o disposto nos arts.762 nº2 e 334 do CC, arts.3 nº1, 11, 20 nº1 b) e d) do CIRE.

Contra-alegou a requerente (fls.404), pugnando pela improcedência do recurso.

1.5. – Os requeridos requereram ( fls.302 ) que se sanasse o lapso na contagem do prazo pela Secretaria e se ordenasse a emissão das guias para pagamento da multa, nos termos do art.145 nº5 do CPC.

1.6. - Por despacho de fls.317, decidiu-se:
a) - Indeferir o requerimento de fls.302, quer na parte em que se invoca a nulidade da notificação do despacho que admitiu o recurso, quer na parte em que se requer a emissão de guias para pagamento da multa prevista no art.145 nº2 do CPC.
b) - Ordenar o desentranhamento, atenta a extemporaneidade da alegação junta a fls.2 e segs.
c) - Julgar deserto, por falta de apresentação da respectiva alegação no prazo legal, o recurso interposto a fls.1107 dos autos principais da sentença que declarou a insolvência dos recorrentes.

1.6. - Os requeridos interpuseram recurso deste despacho – na parte em que julgou deserto o recurso de apelação - que foi admitido como de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo ( fls.335 ) – com as seguintes conclusões:
1º) - Considerando que a notificação do despacho que admitiu o recurso de apelação foi remetida à respectiva mandatária em 20 de Maio de 2008, o prazo regra de 30 dias ( art.698 nº2 do CPC ) iniciou-se em 23 de Maio ( 3º dia posterior ao do registo) e terminou em 23 de Junho de 2008.
2º) - Uma vez que o art.144 nº2 do CPC estabelece que quando o prazo para a prática do acto terminar em dia que os tribunais estiverem encerrados – o que se verificou aqui – o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, dúvidas não podem subsistir acerca do dia em que se verificou o termo do prazo “ regra” de 30 dias para a apresentar as alegações – 23 de Junho.
3º) - Como os recorrentes impugnaram a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, deve atender-se ao prazo adicional ou suplementar de 10 dias, previsto no nº6 do art.698 do CPC.
4º) - O entendimento defendido no despacho recorrido, no sentido de que existe apenas um único prazo de quarenta dias não tem acolhimento na letra na lei, e se fosse essa a intenção do legislador tê-lo-ia dito de forma expressa.
5º) - A norma do art.148 do CPC não sustenta o entendimento do tribunal de que estamos perante um prazo único de quarenta dias.
6º) - Tendo o prazo “regra” de 30 dias terminado em 23 de Junho, o prazo “suplementar” iniciou-se em 24 de Junho e terminou no dia 3 de Julho de 2008.
7º) - Remetidas as alegações em 8 de Julho de 2008 ( terceiro dia útil), praticaram o acto dentro do prazo do art.145 nº5 do CPC
8º) - A norma constante do nº6 do art.698 do CPC, interpretada com o sentido que lhe é dado pelo tribunal a quo é manifestamente inconstitucional, não só por violar o art.18 nº2 e 3, em conjugação com o art.26 da CRP, mas também por negar as recorrentes o acesso à justiça, consagrado no art.20 da CRP.

Contra-alegou a requerente (fls.464), preconizando a improcedência do recurso.
II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – O recurso de Agravo tem por objecto o despacho de fls.317 que julgou deserto o recurso de apelação, por falta de alegações no prazo legal.
Procedendo o agravo, ficará prejudicado o conhecimento da apelação da sentença que decretou a insolvência.




2.2. - Para a decisão do agravo, relevam os seguintes elementos:
a) - O despacho que admitiu o recurso de apelação ( fls.1113) foi notificado à mandatária dos recorrentes por cata expedida em 20 de Maio de 2008 ( fls.1116).
b) - Em 8 de Julho de 2008, os recorrentes remeteram ao tribunal, através de fax, as alegações de recurso ( fls.2 e segs.), em cujas conclusões, pedem, além do mais, a reapreciação da prova gravada em audiência de julgamento.
b) - Na mesma data, requereram a emissão de guias da multa, prevista no art.145 nº5 do CPC.

2.3. - Dispõe o art.698 nº2 do CPC que o prazo para as alegações de recurso é de 30 dias contados da notificação do despacho de recebimento, podendo o recorrido responder, em idêntico prazo, contado da notificação da apresentação da alegação do apelante.
Estabelece o nº6 do art.698 do CPC um acréscimo de 10 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada.
Este prazo adicional destinava-se a facilitar o cumprimento do ónus de transcrição, imposto no art.690-A do CPC/95, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação (cf. LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, pág.473, TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág.528 ), mas afastado o ónus de transcrição, com a nova redacção dos nº2 e 3 do art.690-A pelo DL nº138/2000 de 10/8, apesar de as partes terem de ouvir a gravação para poderem indicar os depoimentos por referência ao assinalado na acta ( art. 522-C nº2 do CPC ), o prazo suplementar carece hoje de justificação, havendo mesmo quem proponha a sua eliminação de lege ferenda ( cf. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., pág.180, nota 374 ).
O que legitima o alargamento do prazo das alegações por dez dias, não é o anúncio, mas a circunstância do recurso interposto ter efectivamente por objecto a reapreciação da prova gravada ( cf., por ex., Ac STJ de 20/4/2004, em www dgsi.pt ).
Como os apelantes pretendem a reapreciação da prova gravada, não há dúvida de que beneficiam do acréscimo de dez dias, previsto no nº6 do art.698 do CPC.
Discute-se, porém, se se trata de um único prazo ( tese do tribunal a quo ) ou se são dois prazos distintos ( tese dos agravantes), sendo este o verdadeiro cerne da questão.
Para os agravantes devem contar-se como dois prazos distintos ou autónomos, em virtude de o acréscimo dos dez dias se traduzir num prazo adicional, mas esta interpretação não tem consistência jurídica.
O prazo judicial ou processual é um período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual, sendo estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz ( art.144 nº1 do CPC ).
O prazo para apresentação das alegações é de natureza processual, imposto por lei, peremptório e contínuo.
Quando o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, o prazo é único (40 dias), devendo contar-se de forma contínua ( art.144 nº1 do CPC), tanto mais que o acto processual praticado pela parte é também um só, logo não faz sentido a cindibilidade de prazos.
De resto, se para a hipótese da sucessão de prazos de natureza diferente ( dilatório seguido de peremptório ), a lei ( art.148 do CPC ) impõe que os dois prazos se contem como um só, por maioria de razão se deve entender neste caso, já que estamos perante um prazo de natureza peremptória.
No sentido de que o acréscimo de 10 dias ao prazo de 30 dias reveste a natureza de um prazo único de 40 dias para alegar, cf. Ac do STJ de 9/2/2006 ( Araújo de Barros) proc. nº05B3592, Ac RC de 24/5/2005 ( Artur Dias ), proc. nº1488/05, disponíveis em www dgsi.pt.
Refere-se no Ac do STJ 9/2/2006 – “ Na verdade, o acréscimo de 10 dias determinado pelo nº6 do art.698 ao prazo de 30 dias constante do respectivo nº2, não pode deixar de traduzir a concessão ( tanto mais quanto é certo que entre o terminus dos 30 dias e o início dos acrescidos 10 não existe qualquer solução de continuidade ) de um prazo único de 40 dias sempre que o apelante pretenda impugnar a decisão recorrida sobre a matéria de facto “.
Expedida carta de notificação em 20/5/2008, tem-se por notificada em 23/5/2008 ( art.254 nº3 do CPC).
Iniciando-se o prazo de 40 dias em 24/5/2008, terminou em 2 de Julho.
Os agravante poderiam praticar o acto, sob condição de pagarem a multa, nos primeiros três dias úteis seguintes subsequentes ( art.145 nº5 do CPC ), ou seja, em 3, 4 e 7 de Julho.
Como as alegações foram entregues, por telecópia, em 8 de Julho de 2008, é por demais evidente que o direito de alegar já tinha precludido ( art.145 nº3 do CPC ), implicando a deserção do recurso de apelação ( art.291 nº2 do CPC), conforme foi decidido.

2.4. – Invocam os agravantes a inconstitucionalidade material do art.698 nº6 do CPC, na interpretação feita pelo tribunal a quo, ou seja, no sentido de que o prazo de 40 dias é único, por violação dos arts.18 nº2 e 3, 20 e 26 da CRP.
Diga-se que não o justificam sequer, limitando-se a apontar com a genérica imputação de que o “sentido restritivo acolhido pelo tribunal a quo é claramente contrário ao direito de defesa e aos interesses em causa”, sendo que a interpretação dos agravantes “ em nada contradiz o princípio da preclusão e da auto-responsabilidade”.
É sabido que o controlo da constitucionalidade tem natureza estritamente normativa e no tocante à fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional admite a possibilidade de os respectivos recursos poderem incidir sobre normas, como reportarem-se a determinadas interpretações normativas, “ em que a norma é tomada, não com o sentido genérico e objectivo plasmado no preceito (ou fonte) que a contem, mas em função do modo como foi perspectivada e aplicada à dirimição de certo caso concreto pelo julgador “ ( cf. LOPES DO REGO, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional“, Jurisprudência Constitucional nº3, Julho/Setembro 2004, pág.7 ).
Sendo, por vezes, difícil a distinção entre o controlo normativo e a decisão judicial, LOPES DO REGO aponta o seguinte critério – “ Como genérica directriz, poderá partir-se da afirmação de que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica – não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro acto de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível o caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do julgador, exclusivamente imputável à latitude própria da conformação interna da decisão judicial “ ( loc. cit., pág.7).
Com o devido respeito, parece que, a coberto da arguição de inconstitucionalidade, os agravantes impugnam o acto de julgamento, ou seja, a concreta aplicação que o despacho recorrido fez do art.698 nº6 do CPC, pois não especificam o critério normativo, genérico e abstractamente concebido, seguido na interpretação do preceito.
Como quer que seja, o Tribunal Constitucional tem dito que não é incompatível com a garantia constitucional do acesso à justiça ( art.20 da CRP) a imposição de ónus processuais às partes, desde que não sejam arbitrários ou desproporcionados, quando confrontada a conduta imposta com a consequência desfavorável em virtude da omissão ( cf., por ex., Ac. nº122/02 de 14/3/02, Ac. nº403/02 de 9/10/02, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Por outro lado, o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais ou à tutela jurisdicional tem sido reafirmado, além do mais, como “um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito) oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras” ( cf., por ex., Ac TC nº86/88 de 13/4/88, BMJ 376, pág.237 ).
Ora, é patente que a interpretação normativa feita pelo tribunal do art.698 nº6 do CPC, no sentido de considerar um único prazo das alegações, não afronta o direito constitucional de acesso aos tribunais.
Com efeito, a garantia judiciária, para além, do direito de acção judicial, abrange também a garantia de um processo equitativo, subordinado aos princípios da igualdade e do contraditório.
Estes valores não foram postos em causa, tanto mais que os recorrentes dispuseram do prazo legal para apresentarem as respectivas alegações e a interpretação acolhida na decisão não viola o princípio da proporcionalidade da cominação, ou seja, a preclusão temporal do exercício de praticar o acto, com a consequente e imperativa deserção do recurso (arts.145 nº3 e 291 nº2 do CPC).
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente o recurso de agravo e confirmar o despacho recorrido.
2)
Declarar prejudicado o conhecimento do recurso de apelação.
3)
Condenar os recorrentes nas custas.
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Coimbra, 18 de Novembro de 2008.