Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
458/07.7TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
SUA INVOCAÇÃO COMO EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
CONDENAÇÃO QUID PRO QUO(CONDENAÇÃO NUM CUMPRIMENTO SIMULTÂNEO)
BENFEITORIA
LOCATÁRIO
Data do Acordão: 09/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 493º, Nº 3 DO CPC; 754º, 1046º, Nº 1, E 2091º, Nº 1 DO CCIV.
Sumário: I – O direito de retenção (artigo 754º do CC), quando feito actuar na dinâmica de um processo como excepção peremptória, obsta à concretização imediata do pedido do autor – pedido de entrega de uma coisa (artigo 1311º, nº 2 do CC) –, mas já não obsta a que o réu seja condenado, projectivamente, a cumprir essa prestação (entrega da coisa) quando o autor cumpra a sua (satisfação das benfeitorias).

II – Poderemos chamar à fórmula decisória assim gerada – através da actuação de um direito (real) de retenção da coisa oposto à obrigação de entrega desta e referido a despesas (benfeitorias) com essa mesma coisa – “condenação quid pro quo”, “condenação num cumprimento simultâneo” ou “condenação a prestar em troca da contraprestação”.

III – Embora este tipo de condenação produza alguma relativização do acertamento do direito na Sentença, justifica-se o uso da mesma com base nas mesmas razões de economia processual presentes no artigo 662º, nº 2, alínea a) do CPC, aplicado por analogia à situação. condenação num cumprimento simultâneo” ou “

IV – Em matéria de benfeitorias o arrendatário é, por via do nº 1 do artigo 1406º do CC, equiparado ao possuidor de má fé, tendo, nos termos dos artigos 1273º e 1275º do CC, direito a ser indemnizado quanto às benfeitorias necessárias que haja introduzido no locado, perdendo, sem ressarcimento algum, as benfeitorias voluptuárias, assistindo-lhe quanto às benfeitorias úteis o direito a levantá-las, desde que não haja detrimento para a coisa; não sendo o levantamento possível é o arrendatário de acordo com as regras do enriquecimento sem causa;

V – À ideia da recuperação pelo arrendatário, em valor, das benfeitorias não passíveis de levantamento preside a mesma lógica subjacente à obrigação de indemnizar fundada em enriquecimento sem causa por prestação (artigo 473º e ss. do CC): dar resposta a situações em que, por motivos de alterações domoniais, ocorrem transferências de valores entre patrimónios distintos.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Em 5 de Julho de 2007[1], J… e mulher, M…, A… e marido, C…, O…, B… e marido, D…, E… e H… (AA., Reconvindos e Apelantes), demandaram as sociedades W…, Lda. (1ª R., Reconvinte e Apelante) e T…, Lda. (2ª R.) invocando a propriedade de um prédio sito em Tondela, cujo R/C foi dado de arrendamento, em 01/03/1980, à 1ª R., por uma fiduciária (M…), a quem esse prédio havia sido deixado por testamento elaborado em 1963 e concretizado no seu conteúdo em 1967[2].

            Com efeito – e assim se caracteriza o direito aqui feito valer pelos AA. –, nesse testamento, a testadora (L…) instituiu sua herdeira a indicada fiduciária (M…), estabelecendo uma substituição fideicomissária [artigo 2286º do Código Civil (CC)] em favor dos sobrinhos dela (testadora), os ora AA. (fideicomissários). Entretanto, tendo falecido a fiduciária em 14/07/2006, operou-se a devolução dos bens integrantes da herança aos fideicomissários (aos AA.)[3], designadamente do sobredito prédio, sendo que o indicado arrendamento sobre o mesmo incidente – o qual foi abrangido, entretanto, por uma cessão de exploração efectuada à 2ª R. – caducou nos termos do artigo 1051º, alínea c) do CC.

            Em função destas incidências, recusando-se os RR. a proceder à entrega do locado, formulam os AA. os seguintes pedidos:
“[…]
a) Declarar-se que os AA., após 14/07/2006, são co-titulares (co-herdeiros) da herança aberta por óbito de L… que ainda se encontra indivisa e
b) Condenarem-se as RR. a assim o reconhecerem;
c) Declarar-se que o prédio identificado no […] artigo 8º é um dos bens que constituem o acervo da mesma herança e
d) Condenarem-se as RR. a assim o reconhecerem;
e) Declarar-se a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre a fiduciária M… e a 1ª R. e seus efeitos, por caducidade ocorrida em 14/07/2006;
f) Condenarem-se os RR. a restituir à mesma herança a parte do dito prédio que ocupam, melhor identificada no […] artigo 13º, livre e devoluta de pessoas e bens;
g) Condenar-se a 1ª R. a pagar à herança, a título de indemnização pela privação da fruição integral do prédio identificado no artigo 8º, o quantitativo de €1.000,00 por mês desde 15/07/2006 à entrega efectiva; ou, quando assim se não entender,
h) Condenar-se a 1ª R. a pagar à herança €1.568,04 a título de indemnização correspondente ao valor das rendas desde 15/07/2006 até 15/01/2007, e de €522,67 por cada mês em mora na restituição após 15/01/2007 e até ao momento da restituição efectiva da parte do prédio à herança; ou outra que se julgue mais equitativa;
[…]”
            [transcrição de fls. 6/7 vº]

            1.1. Contestaram em conjunto as duas RR. (fls. 52/70), deduzindo, concomitantemente, reconvenção. Reconhecendo a caducidade do arrendamento, invocou a 1ª delas (a R. W…, Lda.) estar a exercer, com a recusa de entrega do locado aos herdeiros, o direito de retenção que invoca, enquanto garantia do pagamento da indemnização por benfeitorias por ela introduzidas no locado[4]. Concluem as RR. este articulado (contestação/reconvenção) nos seguintes termos:


“[…]
[D]evem os pedidos das alíneas f), g), h) e i) da petição ser julgados não provados e improcedentes.
Deve, porém, julgar-se provada e procedente a reconvenção da R. W…, Lda. e os AA. Reconvindos condenados:
a) A reconhecer que a R. W…, Lda. realizou licitamente e de boa fé no local reivindicado as benfeitorias discriminadas nos artigos 27º a 50º deste articulado;
b) Que as mesmas benfeitorias eram necessárias à prossecução do fim do arrendamento sub judice;
c) A pagar à R. o valor no montante de €107.995,00, ou outro [que] se vier a apurar, deduzindo-se no mesmo:
1. o valor das rendas no montante de 3.000$00 mensais (€14,96) desde 15 de Julho de 2006;
2. o valor do preço da cessão de exploração recebido e que venha a receber até à entrega do local.
[d)] Deve também ser provada e procedente a reconvenção da [2ª] R. T…, Lda. e os AA. Reconvindos condenados a pagar a indemnização de €26.817,08.[[5]]
[…]”
            [transcrição de fls. 69/70]

            1.1.1. Na réplica (consta ela de fls. 80/87), em vista do pedido reconvencional formulado pelas RR., invocaram os AA. a nulidade das cláusulas 4ª e 5ª do contrato de arrendamento celebrado pela fiduciária com a 1ª R.[6], atribuindo a estas disposições contratuais a virtualidade de implicarem uma oneração não autorizada do bem objecto do fideicomisso (artigos 2290º e 2291º e 294º do CC).

            1.2. A culminar a fase de julgamento foi proferida a Sentença de fls. 343/362esta constitui a decisão objecto do presente recurso – cujo pronunciamento decisório (já corrigido em função do despacho de fls. 446/447[7]) foi o seguinte:
“[…]
A.
Julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
1. Declaro os AA. co-titulares da herança aberta por óbito de L…, condenando as RR. a assim o reconhecerem.
2. Declaro que o prédio urbano, sito à Rua …, inscrito na matriz sob o artigo …, constituiu o acervo da referida herança, condenando as RR. a assim o reconhecerem.
3. Declaro cessado o contrato de arrendamento celebrado entre a fiduciária M… e a 1ª R. «W…, Lda.», por caducidade ocorrida em 14/7/2006.
4. Condeno a R. «W…, Lda.» a restituir à herança a parte do dito prédio que ocupa, livre e devoluta de pessoas e bens, conquanto esteja satisfeita a indemnização pelas benfeitorias ali realizadas.
5. Condeno a R. «T…, Lda.» a restituir à herança a parte do dito prédio que ocupa, livre e devoluta de pessoas e bens.
6. Absolvo as RR. dos demais pedidos formulados.
B.
Julgo parcialmente procedente a reconvenção deduzida pela R/Reconvinte «W…, Lda.» e, em consequência:
1. Declaro que a R. «W…, Lda.» realizou licitamente e de boa fé no local reivindicado benfeitorias, as quais eram necessárias à prossecução do fim do arrendamento, condenando os AA./Reconvindos a assim o reconhecerem.
2. Condeno os AA./Reconvindos a pagar à R./Reconvinte «W…, Lda.» a quantia de €22.685,24, a título de indemnização pelas benfeitorias ali realizadas, deduzindo-se ainda quaisquer valores ou frutos que esta venha a receber até à efectiva entrega do local.

*
Atendendo às pretensões formuladas pelas partes e ao resultado do litígio, o tribunal considera apropriada a seguinte repartição de responsabilidades tributárias:
- as custas da acção serão suportadas na proporção de 70% para os AA. e 30% pelas RR. (a responsabilidade das RR. é solidária);
- as custas da reconvenção deduzida pela R. «W…, Lda.» serão suportadas por si e pelos autores na proporção do decaimento; e
- as custas da reconvenção deduzida pela R. «T…, Lda.» serão por si integralmente suportadas (a decisão de fls. 325 nada diz neste particular).
[…]”
            [transcrição de fls. 360/361]

            1.3. Inconformados, interpuseram tanto os AA. como a 1ª R., visando esta Sentença, recursos de apelação que foram admitidos e que vieram a ser motivados, respectivamente, a fls. 372/398 (os AA.) e a fls. 404/411 (a 1ª R.).

1.3.1. Rematando o seu recurso, formularam os AA. as seguintes conclusões:
“[…]

            1.3.2. A 1ª R., por sua vez, formulou as conclusões que aqui se transcrevem:
“[…]


II – Fundamentação


            2. Relatados os passos que conduziram o processo até esta instância, cumpre assinalar, como ponto de partida na apreciação de ambos os recursos, que os dois blocos de conclusões transcritas nos dois anteriores itens operaram a fixação do objecto temático de cada uma das apelações, como decorre da conjugação dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC).

            Não sendo os factos emergentes do julgamento realizado na primeira instância objecto de discussão em qualquer dos dois recursos[8], temos por definitivamente fixado o respectivo elenco.


            2.1. Identificando por alíneas sequenciais os fundamentos de cada um dos recursos, começando pelo de apelação dos AA. (sublinha-se a considerável dificuldade em identificar questões específicas num acervo conclusivo estruturado sem grande preocupação de condensar os fundamentos do recurso), temos – cremos ter, aliás –, como primeira questão suscitada (a), a da legitimidade processual dos próprios AA. para serem reconvencionalmente demandados a respeito das benfeitorias introduzidas no locado (conclusões 1. a 3.).

Como segunda questão (b), parecem suscitar os AA., através da imputação à decisão de diversos desvalores e no que respeita à questão das benfeitorias, a referenciação a eles (AA.), enquanto fideicomissários, das cláusulas 4ª e 5ª do contrato de arrendamento celebrado em 1980 pela fiduciária. Constrói-se este segundo fundamento em torno da imputação à decisão, como desvalores processuais da Sentença, de um alegado vício de ausência de fundamentação e de oposição entre os fundamentos e o decidido (nulidades do artigo 668º, nº 1, alíneas b) e c) do CPC) e, enquanto desvalor substantivo, da responsabilização dos AA. pela actuação de cláusulas de um contrato ao qual são estranhos (valeria a tal respeito o artigo 406º, nº 2 do CC) e que consideram (as ditas cláusulas), em função do efeito diacrónico que induziram, serem nulas, por traduzirem uma oneração, de elevado significado patrimonial, de um bem sujeito a fideicomisso (artigos 2290º, 2291º e 1446º do CC) – corresponde este fundamento, nas suas diversas vertentes, às conclusões 5. a 28.

Como terceira questão (c) suscitada no recurso dos AA. aparece-nos a crítica à decisão de incluir na indemnização pelas benfeitorias o valor do IVA, o que traduziria – dizem estes Apelantes – a nulidade da Sentença (por condenação além do pedido) prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 668º do CPC (conclusões 29. a 31.).

Finalmente, como quarto fundamento deste recurso (d), criticam os AA. a repartição do encargo das custas (70% para eles) fixado na Sentença (conclusões 32. a 34.).

No que respeita à outra apelação aqui em causa, ao recurso da 1ª R., W…, Lda., assenta esta num único fundamento (e): na crítica ao desconto no valor da indemnização respeitante às benfeitorias dos valores atribuídos a esta R. (pela 2ª R.), durante o respectivo exercício do direito de retenção, como contrapartida da cessão de exploração do estabelecimento à 2ª R. – tratar-se-ia com esse desconto, di-lo esta Apelante, de uma responsabilização dela (da 1ª R.), contra a propugnada alocação aos AA. do ónus da prova respeitante a um pagamento que não se apurou que tenha sido efectuado (ocorreria, assim, a indemonstração do que constituía a tese da R., devendo suportar esta a consequência dessa indemonstração).

São estes, pois, repartidos pelas duas apelações aqui em causa, os cinco fundamentos que se apresentam a esta instância de recurso.

2.1.1. Preambularmente à discussão em concreto desses mesmos fundamentos importará reter algumas incidências que emergiram da discussão e do julgamento da causa na instância precedente. Tratam-se de dados relevantes que condicionam e determinam – alguns deles, pelo menos – a ulterior apreciação das questões colocadas nas duas apelações e que aqui haverá que pressupor, relativamente às questões suscitadas nos dois recursos.

2.1.1.1. Existe na Sentença apelada, no pronunciamento respeitante à restituição à herança da parte do prédio objecto do arrendamento entretanto caducado – e este constitui o primeiro aspecto que aqui sublinhamos –, um elemento condicionador da restituição própria da adjectivação reivindicatória aqui visada, implicitamente referido ao direito de retenção da coisa reivindicada[9], traduzido na condenação da 1ª R. a restituir à herança a parte do prédio, “[…] conquanto esteja satisfeita a indemnização pelas benfeitorias ali realizadas” (fls. 361, sublinhado aqui acrescentado).

Trata-se aqui da actuação do direito de retenção da 1ª R., invocado que foi por esta e expressamente reconhecido na Sentença, reportado às benfeitorias introduzidas no locado pela mesma R.[10]: conforme determinado na Sentença, a entrega processar-se-á mediante o (prévio) pagamento da indemnização por essas benfeitorias também fixada na mesma decisão.

Vale a este respeito a configuração do direito de retenção, quando feito actuar na dinâmica de um processo, enquanto excepção peremptória (artigo 493º, nº 3, in fine do CPC), como excepção modificativa: obsta ela à concretização do pedido dos AA. (que aqui corresponde a um pedido de entrega da coisa), mas já não obsta – quer-nos parecer – a que a R. seja condenada, projectivamente, a cumprir essa prestação quando os AA. cumpram a sua. Poderemos chamar a esta condenação – para fugir à discussão em torno da possibilidade, no nosso direito processual, de uma “condenação condicional” – uma condenação quid pro quo (uma coisa pela outra), ou, numa importação algo livre da expressão do Código Civil alemão no §322, “condenação num cumprimento simultâneo” (verurteilung zur leistung zug-um-zug)[11] que aqui poderíamos assimilar a uma “condenação a prestar em troca da contraprestação”[12]. Trata-se neste caso, portanto, referindo-nos à actuação do direito de retenção, de uma excepção peremptória modificativa dilatória (no sentido em que poderemos caracterizá-la como temporária), sendo que o réu é condenado – é efectivamente condenado na sentença – a cumprir no futuro, se a contraparte cumprir a prestação a que, por seu turno, está obrigada e que a própria sentença fixa.

Reconhece-se que esta construção pressupõe, de alguma maneira, a admissão, com certa latitude, da categoria das sentenças condicionais – foi inútil fugir à questão –, algo que – concedemos – está longe de ser indiscutível[13]. A alternativa – e cremos que representaria uma alternativa menos conseguida – passaria aqui pela absolvição da R. do pedido de entrega do locado, enquanto não estivesse satisfeito o valor da indemnização referido às benfeitorias, não obstante a integração (então, mas em termos já passíveis de concretização) dos pressupostos do facto gerador da obrigação de proceder a essa entrega. Funcionaria, assim, numa ulterior acção (que os AA., na falta de entrega voluntária, sempre teriam de intentar visando a restituição do locado), quanto ao alcance do caso julgado formado na anterior acção, a regra do artigo 673º do CPC: “[a] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga; se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”[14].

É por referência a esta disposição, na qual há quem veja uma opção do nosso legislador de afastar, como regra, condenações condicionais, que a nossa doutrina tende a encarar a actuação de uma excepção modificativa com a incidência da aqui em causa. É o entendimento que João de Castro Mendes justificava, em 1968, nos seguintes termos:
“[…]
Quid juris se o autor formular um pedido puro, e o réu excepcionar que a pretensão material respectiva está sujeita a condição?
Esta pode ser suspensiva ou resolutiva.
Se o autor formular um pedido puro (declarem que sou proprietário, que sou credor) e o réu lhe opuser a alegação duma condição suspensiva (só o é se o navio vier da Ásia), somos de parecer que o tribunal deve absolver o réu do pedido. Baseamos esta opinião em dois argumentos: primo, no artigo 673º; secundo, na circunstância de o artigo 662º parecer contemplar apenas a hipótese de inexigibilidade por falta de decurso de um prazo, e não por falta de verificação de uma condição. Aliás, o adquirente sob condição suspensiva não é titular de direito algum, mas de uma mera expectativa jurídica; o seu direito é meramente futuro, eventual, não actual, não chega portanto para fundamentar a sua legitimidade.
[…]”

            E, citando Guasp, acrescentava o Professor Castro Mendes:
“[…]
«A sentença, como os restantes actos processuais, foge, em geral, de condicionamentos que põem em incerteza a decisão do litígio, comprometendo por isso uma das finalidades básicas do processo civil: a certeza das relações que compõem o sistema jurídico privado».
[…][15]

Todavia, embora concedendo que existirá assim algum tipo de relativização do acertamento do direito, estamos em crer que se justifica, numa situação como a que aqui se configura – de actuação de um direito (real) de retenção da coisa, oposto à obrigação de entrega desta e referido a despesas (benfeitorias) com essa mesma coisa, direito este expressamente concretizado na sentença[16] –, cremos que aqui se justifica, dizíamos – ou que, pelo menos, não há razão para inviabilizar –, o tipo de condenação adoptado na decisão ora apelada. Com efeito, poderemos referir essa opção a uma aplicação analógica do regime do artigo 662º, nº 2, alínea a) do CPC, assentando esse entendimento na verificação das mesmas “razões de economia processual” que estão presentes no nº 2 do referido artigo 662º, conforme referem Maria de Lurdes Pereira e Pedro Múrias[17]. Não nos quer parecer, com efeito – e este argumento vale em apoio do recurso à analogia –, que a falta de uma previsão legal expressa de uma condenação condicionada à realização da prestação com efeito bloqueador, como sucede nesta situação com a actuação do direito de retenção, se deva a uma opção deliberada do legislador de excluir totalmente essa possibilidade[18]. Funciona aqui, comparativamente à opção referente à inexigibilidade da obrigação (a expressa no artigo 662º, nº 2 do CPC), um muito significativo argumento de identidade de razão – as tais idênticas “razões de economia processual” – que nos parece justificarem o tipo de condenação seguida na Sentença, podendo ver-se nesta opção uma correcção teleologicamente fundamentada do referido artigo 662º, correspondente, em concreto, a uma “extensão teleológica” do seu âmbito[19]. Aliás, sintomaticamente, ambas as partes, designadamente os AA., não dirigem uma crítica expressa e directa a tal opção.

Aceitamos, pois, a forma como a Sentença apelada articulou a actuação do direito dos AA. a reaverem o locado após a caducidade do arrendamento e o efeito da 1ª R. a reter a coisa reivindicada até que, quid pro quo, lhe seja satisfeita a indemnização respeitante às benfeitorias. A especial feição modificativa desta excepção foi correctamente equacionada e feita actuar neste caso.

2.1.1.2. Ainda no quadro preambular acima enunciado no item 2.1.1., importará pressupor, não obstante constituir um elemento consensual, o dado respeitante à caducidade do arrendamento celebrado pela fiduciária, enquanto consequência da extinção dos poderes com base nos quais foi construída, em 1980, essa situação contratual[20]. Vale a este respeito a alínea c) do artigo 1051º do CC[21], dela decorrendo a obrigação de entrega da coisa por parte de quem a detém (da 1ª R.), sendo certo estarmos no quadro adjectivo da reivindicação (v. nota 10, supra) no qual “[o] proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence” (artigo 1311º, nº 1 do CC). Ora, sendo certo que, “[h]avendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei” (é o que determina o artigo 1311º, nº 2 do CC), funciona aqui o direito de retenção (artigo 754º do CC), como “caso previsto” obstaculizador ou condicionador dessa entrega.

Referindo-se este direito de retenção à indemnização pelas benfeitorias devida à 1ª R., trataremos da caracterização desta questão, adiante, no quadro do segundo fundamento do recurso da R. ora Apelante [item 2.3.(b), infra].

2.2. (a) Apreciando agora, directamente, os fundamentos dos dois recursos (seguindo o elenco traçado acima no item 2.1.), começaremos pela primeira questão suscitada no recurso dos AA.: a da legitimidade processual dos próprios AA. para serem reconvencionalmente demandados a respeito das benfeitorias, face à falta do também herdeiro fideicomissário, L… (que não figura como A., cfr. fls. 14).

É sabido que a herança indivisa já aceite (como aqui sucede, v. a habilitação de fls. 13/15) não tem personalidade judiciária por extensão, contrariamente ao que sucede com a herança jacente (v. artigo 6º, alínea a) do CPC; retira-se desta norma, a contrario, que a herança já aceite não tem sequer personalidade jurídica[22]), sendo necessário, por conseguinte, a intervenção de todos os herdeiros, activa ou passiva, para exercício dos direitos respectivos. Vale aqui o regime decorrente do artigo 2091º,nº 1 do CC: “[…] os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”[23], sendo neste sentido que se fala, relativamente à herança indivisa, de litisconsórcio necessário activo ou passivo de todos os herdeiros[24].

            Importará ter presente que a questão da legitimidade suscitada pelos AA. – suscitada só agora, nota-se, já em sede de recurso, e sem esquecer que foram os próprios AA. que se apresentaram neste conjunto de fideicomissários a reivindicar o bem e não suscitaram, quando confrontados com a reconvenção, qualquer questão de legitimidade própria –, a questão de legitimidade suscitada, dizíamos, apresenta aqui a particularidade de se referir à legitimidade para ser demandado reconvencionalmente, face ao pedido de entrega da coisa formulado pelos AA. e em função da integração da facti species da alínea b) do nº 2 do artigo 274º do CPC: “[a] reconvenção é admissível […] [q]uando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”.

            Ora, tendo presente esta especificidade (legitimidade face ao pedido reconvencional), importará ter presente que valeria, quanto a eventuais herdeiros fideicomissários que não propuseram a acção, a regra do nº 4 do artigo 274º do CPC: “[s]e o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respectiva intervenção principal provocada, nos termos do disposto no artigo 326º”. Não tendo as RR. usado esta faculdade e não tendo os AA. suscitado a questão da legitimidade – e poderiam tê-lo feito na réplica –, estamos perante uma questão ultrapassada na dinâmica processual ulteriormente gerada, não tendo sentido prático algum fazer o processo, agora depois de estar decidido, voltar à “estaca zero” em função de uma incidência conhecida desde o início e que as partes optaram por desconsiderar. Considerá-la agora, por iniciativa dos AA., que a induziram e fizeram perdurar, porque aos mesmos AA. desagradou o resultado da acção, configurar-se-ia como um verdadeiro abuso de direito,  sem reflexo substancial sério na materialidade subjacente, sendo certo que a posição do herdeiro Luís Manuel Andrade Ramos, tem que ver neste momento, exclusivamente, com a extensão subjectiva (a esse herdeiro) do caso julgado aqui formado.

            Entende-se assim como não operante a questão da legitimidade dos AA. face ao pedido reconvencional, não esquecendo, aliás, serem eles que reivindicam o bem e ser em função dessa incidência (que só estes AA. em concreto optaram por exercer) que o direito a benfeitorias e o direito de retenção funcionam.

            Improcede, pois, este primeiro fundamento do recurso dos AA.

            2.3. (b) Refere-se este segundo fundamento à questão das benfeitorias, no sentido da imputação aos fideicomissários das cláusulas-chave do contrato de arrendamento respeitantes às benfeitorias (as cláusulas 4ª e 5ª, transcritas na nota 7, supra).

            2.3.1. (b) Numa primeira aproximação referida a este fundamento, importa afastar, por não traduzir um argumento pertinente, a possibilidade de que esta Sentença enferme de qualquer dos desvalores (nulidades da própria Sentença) indicados na motivação do recurso (alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 668º do CPC), sendo evidente que a decisão apelada especifica os respectivos fundamentos de facto e de direito e não assenta num raciocínio viciado nos seus pressupostos, por qualquer contradição lógica intrínseca. Os Apelantes (os AA.) confundem as críticas que dirigem ao julgamento, os erros que apontam a esse julgamento, com vícios intrínsecos do acto de julgar (os que correspondem a nulidades), esquecendo que os erros de julgamento não geram nulidades da sentença, configurando-se antes, quando relevantes, como fundamentos de alteração do decidido.

            Não existe, pois, qualquer nulidade da Sentença.

            2.3.2. (b) Reduzindo este fundamento do recurso dos AA. à sua dimensão substantiva, importa considerar primeiramente o argumento expresso na conclusão 8 acima transcrita, quanto à suposta externalidade (efeito sobre terceiros não partes no contrato de arrendamento) da decisão de os condenar a satisfazer o valor de benfeitorias que representariam – dizem-no os AA. – uma projecção de cláusulas desse contrato, contra o que resultaria do artigo 406º, nº 2 do CC: “[e]m relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei”.

            Esquecem os AA., todavia, que não tendo eles sido parte no contrato de arrendamento que gerou as benfeitorias aqui em causa, já o são na relação subsequente de liquidação desse contrato, resultante da actuação da caducidade, sendo que essa relação, aqui directamente referenciada aos AA., se expressa na consideração das transferências patrimoniais para eles (AA., e não para quem celebrou o contrato), dessas benfeitorias, decorrentes da cessação da relação contratual. Esquecem os AA., enfim, que a liquidação do contrato projectou neles, paradoxalmente, esse mesmo contrato, na medida em que induziu a transferência para eles de determinadas utilidades geradas no seio da relação contratual aqui liquidada: em rigor estamos a tratar de uma relação entre os AA. e a R.

            Não são os AA., pois, terceiros relativamente a essa relação de liquidação do contrato aqui feita valer (corresponde ela a uma relação que se trava – só se trava – entre eles e a R.), funcionando o direito da R. a ser indemnizada, no momento da cessação do contrato, pelas benfeitorias introduzidas no locado, e se quisermos colocar o problema por referência ao teor do contrato de arrendamento (adiante veremos que as coisas nem sequer se colocam assim), como um verdadeiro caso especialmente previsto na lei relativamente à projecção de um contrato face a um terceiro, considerando os AA. como tal (artigo 406º, nº 2 do CC)[25].

            2.3.3. (b) A projecção relativamente aos AA. do direito da 1ª R. a ser indemnizada pelas benfeitorias que introduziu no locado, em vista da finalidade da locação e durante a vigência desta, colocou-se de diversas formas na dialéctica da presente acção. Uma dessas referências prende-se com o entendimento das indicadas cláusulas 4ª e 5ª enquanto encargos ditos ilegítimos estabelecidos pela fiduciária para os fideicomissários (v. os artigos 2290º, 2291º e 1446º do CC).

            Consideramos que a Sentença equacionou e resolveu correctamente este problema (designadamente o da legitimidade da fiduciária para arrendar), sem necessidade de aqui repetirmos argumentos já suficientemente explicitados e que são notoriamente acertados.

            Limitar-nos-emos a sublinhar, assim, que as indicadas cláusulas 4ª e 5ª do contrato de arrendamento celebrado entre a fiduciária e a 1ª R., não traduzem o desvalor que lhes apontam os AA., não contendo um regime contratual que, no que tange à recuperação de benfeitorias pelo arrendatário no momento da cessação do contrato, possamos considerar substancialmente distinto do regime que já decorreria, na ausência de estipulação de cláusulas como essas, da actuação das normas legais que essa situação sempre convocaria[26].

            Com efeito, em matéria de benfeitorias, o arrendatário é, por via do nº 1 do artigo 1046º do CC, equiparado ao possuidor de má fé, tendo, nos termos dos artigos 1273º e 1275º do CC, direito a ser indemnizado quanto às benfeitorias necessárias que haja introduzido no locado, perdendo, sem ressarcimento algum, as benfeitorias voluptuárias, assistindo-lhe quanto às benfeitorias úteis o direito a levantá-las, desde que não haja detrimento para a coisa; não sendo o levantamento possível é o arrendatário ressarcido de acordo com as regras do enriquecimento sem causa[27]. Aliás, à ideia da recuperação pelo arrendatário em valor das benfeitorias não passíveis de levantamento, preside fundamentalmente a mesma lógica básica subjacente ao enriquecimento sem causa por prestação (artigos 473º e ss. do CC): dar uma resposta a situações em que, por motivos de alterações dominiais, ocorrem transferências de valores entre patrimónios distintos.

            Ora, tendo presente a definição legal da natureza dos tipos de benfeitorias que nos é dada pelo nº 3 do artigo 216º do CC, olhando à caracterização das obras realizadas pela 1ª R. e incorporadas no locado (correspondem elas aos factos 8. a 20.), estamos claramente face a benfeitorias que oscilaram entre a necessidade e a utilidade para o bem agora transferido para os AA. Estamos, pois, perante benfeitorias necessárias e úteis. Tendo presente, quanto a estas últimas, ocorrer uma exclusão prática da possibilidade do seu levantamento sem detrimento da coisa (e sem possibilidade de aproveitamento por quem a realizou), não deixaremos de notar que o sentido evidente da cláusula 5ª do contrato celebrado pela fiduciária[28] acaba por ser perfeitamente redundante relativamente ao regime legal decorrente da qualificação das benfeitorias introduzidas no locado como necessárias ou como úteis (quanto a estas últimas quando não é possível o seu levantamento): dão sempre lugar à atribuição de uma indemnização ao arrendatário benfeitorizante (artigo 1273º do CC).

Vale esta constatação, enfim, por afirmar – o que exclui as críticas dos AA. ao sentido das referidas cláusulas quando referidas a eles próprios – que estas, designadamente a cláusula 5ª, nada de inovador introduz na relação de liquidação do arrendamento promovida pelos AA., que não resultasse já do simples funcionamento das regras legais, concretamente do artigo 1273º do CC. Com efeito, com ou sem essas cláusulas – e é o que aqui interessa –, à 1ª R. sempre seria atribuída, caducando o contrato, uma indemnização por benfeitorias com o conteúdo da considerada na Sentença apelada, sendo irrelevante a existência destas duas cláusulas e aquilo que estes Apelantes chamam de efeito diacrónico das mesmas: sem esse efeito e sem essas cláusulas, pagariam os Apelantes o mesmo a título de benfeitorias.

Improcede, pois, igualmente, este segundo fundamento do recurso dos AA.

2.3.4. (c) Há que apreciar, agora, o terceiro fundamento da apelação dos AA. Refere-se este à soma, na indemnização pelas benfeitorias do valor respeitante ao IVA, entendendo estes Apelantes traduzir isto uma condenação que exorbitaria do valor do pedido (o que traduziria a nulidade da alínea e) do nº 1 do artigo 668º do CPC).

A indemnização em causa foi fixada na Sentença em €22.685,24, sendo evidente estar ela bem longe de extravasar do pedido formulado pela 1ª R. (€107.995,00, cfr. fls. 70), tanto bastando para demonstrar a inconsistência do argumento destes Apelantes. O acrescento do IVA traduz, tão-só, a aplicação de um determinado método de cálculo da indemnização correspondente às benfeitorias (como se explicita na fundamentação das respostas no primeiro parágrafo de fls. 339), sendo que este Tribunal da Relação considera totalmente adequado esse método.

Com efeito, trata-se – tratou-se na decisão apelada – de determinar o acréscimo de valor introduzido pelas benfeitorias (em bruto, é a utilidade presente correspondente a esse acréscimo que será transferida para os AA.) e de ficcionar, para efeito de quantificação desse valor, a aquisição (uma espécie de “compra”) dessa utilidade acrescida pelos AA., como se fossem estes a realizar, no momento presente, essa benfeitorização com o alcance que isso subsistentemente apresenta (ou seja, descontando aquilo que o desgaste do tempo e do uso retirou a essas benfeitorias). Ora, nesta operação ficcional, referente ao que custaria no presente aos AA. realizar aqueles melhoramentos na coisa que vão receber, não poderíamos deixar de incluir o valor do IVA, sendo certo que sempre estaria em causa nessa operação aqui ficcionada a satisfação deste imposto, nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea a) do Código do IVA, para efeito de introdução na coisa dessas benfeitorias.

É nestes termos que a opção da Sentença a respeito do cálculo da indemnização com o acrescento do valor do IVA nos parece inteiramente justificada.

2.3.5. (d) E resta-nos apreciar, esgotando aos fundamentos do recurso dos AA., a questão da repartição do encargo das custas devidas pelo julgamento realizado na primeira instância.

Sendo evidente o acerto da divisão do encargo tributário correspondente às reconvenções[29], também aceitamos a repartição (v. o artigo 446º, nº 1 do CPC) do mesmo encargo (70% para os AA., 30% para as RR.) na consideração do resultado complexo da acção (dos AA. contra as RR.) quanto à reivindicação, aferindo-se este resultado pelas particulares condições em que as pretensões ligadas a esse efeito (restituição da coisa) foram atendidas ou, como aqui sucedeu, foram atendidas condicionadamente. Ora, sendo certo que a pretensão básica dos AA. esbarrou com o reconhecimento da validade do direito das RR. (rectius da 1ª R.) de obstarem à entrega da coisa reivindicada nos moldes pretendidos pelos AA., pode falar-se – e a percentagem da condenação em custas reflecte essa realidade – num triunfo percentualmente significativo da contra-pretensão das RR. face à pretensão dos AA. Significa isto – e é o que aqui interessa sublinhar – que concordamos com a condenação em custas.

Valem todas as antecedentes considerações, pela afirmação da improcedência de todos os fundamentos do recurso dos AA.

2.4. (e) Abordamos agora a apelação da 1ª R., sendo que esta se restringe, como adiantámos no final do item 2.1., à questão do desconto no valor da indemnização respeitante às benfeitorias dos valores atribuídos à 1ª R., pela 2ª R., durante o exercício do direito de retenção pela primeira, como contrapartida da cessão de exploração do estabelecimento à segunda.

Interessam a este fundamento do recurso os seguintes trechos da Sentença:
“[…]
Como é sabido, nos termos do artigo 759.º n.º 3 [CC], até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações.
Ou seja, caducado o contrato de arrendamento, não há que falar em rendas vencidas ou vincendas, importando sim apurar os direitos das partes, e o certo é que a R/Reconvinte tinha (e tem) o direito de reter a coisa até que lhe seja paga a indemnização pelas obras ali realizadas; uma vez satisfeita esta indemnização, é que passam os AA. a ter o direito de exigir uma qualquer indemnização por uma hipotética ocupação indevida do imóvel – é nisto que se traduz o direito de retenção.
Um dos deveres do retentor é então, por força do artigo 671.º a) [CC], o de guardar e administrar, como um proprietário diligente, a coisa retida, respondendo pela sua existência e conservação, o que significa que os valores entretanto recebidos pela R. «W…, Lda.» deverão ser deduzidos no valor da indemnização (ver também o art. 672.º n.º 1 [CC]).
O tribunal sabe que, em 1 de Junho de 2006, a 1.ª e a 2.ª RR. acordaram em conceder à 2.ª R., até 1 de Junho de 2008, a exploração do restaurante, pelo preço total de €28.200,00, sendo que, no primeiro ano, as prestações mensais seriam de €1.150,00, passando a €1.200,00 a partir de 1 de Junho de 2007 (cfr. fls. 72); estes valores estão até dentro do mais que foi apurado, ou seja, que o espaço poderia ser arrendado por uma renda de cerca de €1.000,00 mensais
A herdeira fiduciária faleceu em 14 de Julho de 2006, o que, em conformidade com o art. 1051.º al. c) [CC], provocou a imediata caducidade do contrato de locação, ficando a arrendatária obrigada a restituir o prédio, nos termos do art. 1053.º [CC], decorridos que estivessem seis meses, ou seja, em 14 de Janeiro de 2007 – nesta data, nasce o já mencionado direito de retenção.
Mais se apurou que a 1.ª R. não entregou qualquer quantia à herança aberta pelo óbito de L… a partir da data do falecimento da herdeira fiduciária, havendo desde logo que deduzir então o valor equivalente a seis meses de renda, num total de €89,76 (€14,96 x 6).
Após 15 de Janeiro de 2007, o tribunal desconhece se a R./Reconvinte «W…, Lda.» apenas recebeu o montante de €575,00, conforme alega no artigo 67º da contestação, cabendo a esta o ónus de provar que assim foi (ver agora a resposta negativa ao ponto 18º da base instrutória), pelo que tem plena aplicação o contrato de concessão de exploração.
Assim sendo, temos que a R./Reconvinte «W…, Lda.» recebeu os seguintes valores (ou frutos da coisa):
− em 2007, um montante de €13.575,00 (½ de Janeiro + €1.150,00 x 4 meses + €1.200,00 x 7 meses);
− em 2008, um montante de €6.000,00 (€1.200,00 x 5 meses).
A partir de 1 de Junho de 2008, data do fim do contrato de concessão de exploração, não existe qualquer referência a eventuais frutos recebidos, subsistindo porém o referido direito de retenção.
Somando as três parcelas, obtemos um valor a deduzir de €19.664,76, o que significa que o valor da indemnização a pagar se situa nos €22.685,24 (€42.350,00 – €19.664,76), ficando prejudicados todos os demais pedidos.
Como é óbvio, deverão ainda ser objecto de dedução quaisquer valores ou frutos que a 1ª R. venha a receber até à efectiva entrega do local.
[…]”
            [sublinhado acrescentado]

A crítica a este entendimento – que, como se vê, originou o desconto no valor calculado das benfeitorias (€42.350,00) de €19.664,76 –, tal crítica, dizíamos, é equacionada pela R. ora Apelante em termos de desrespeito da regra de decisão induzida pela correcta alocação do ónus da prova (defende a Apelante que a regra aplicável é a do nº 1 do artigo 342º do CC), relativamente à compensação das despesas da 1ª R. com o recebimento por esta do que aqui equivale a frutos civis: os valores que eram devidos pela cedência da exploração da coisa retida à 2ª R.

Sendo certo que não se provou o efectivo e exacto pagamento à 1ª R. da contrapartida da cedência do restaurante pela cessionária 2ª R., entre 15/01/2007 (início do direito de retenção) e 01/06/2008 (data do fim do contrato de cedência de exploração; v. a resposta negativa ao quesito 18º), não cremos que se deva carregar o ónus da prova desse facto – que, aliás, foi invocado pela 1ª R. na sua contestação[30] – aos AA., expressando tal facto uma realidade que lhes é (a eles AA.) exterior e de prova muito difícil muito difícil para eles[31].

Aliás, afirmando a Reconvinte o seu direito às benfeitorias, é a integralidade do valor destas, sem o encontro do que se pagou e do que se recebeu, resultante da actuação do artigo 672º, nº 1 do CC[32] (aplicável ex vi do disposto no artigo 759º, nº 3 do CC), é a integralidade do valor das benfeitorias sem descontos, dizíamos, o que corresponde ao exacto conteúdo do direito afirmado pela Reconvinte. A compensação tem aqui sede legal (resulta directamente do mencionado artigo 672º, nº 1) e integra, por isso mesmo, o conteúdo do direito da Reconvinte a receber integralmente, face ao exercício (por ela Reconvinte) de um direito de retenção, as benfeitorias que venham a ser calculadas, sem o encontro de “deve e haver” decorrente do mesmo artigo 672º, nº 1.

Com efeito, em função da aplicação ao direito de retenção do regime do penhor, extrai-se quanto a frutos da coisa (incluindo os frutos civis, como aqui devem ser vistas as contrapartidas da cedência do locado) o seguinte regime:
 “[…]
[R]esulta do artigo 672º, nº 1 [CC], que a lei atribui também na prática um poder de fruição ao credor pignoratício ao permitir-lhe haver os frutos da coisa, que serão encontrados nas despesas feitas com ela, e nos juros vencidos, devendo o excesso, na falta de convenção em contrário, ser abatido no capital que for devido. Tal permite ao credor pignoratício em termos práticos a recolha dos frutos, uma vez que pode compensar a obrigação da sua restituição com o crédito que tenha sobre despesas, juros vencidos e capital. Se tiver que restituir os frutos, eles não se considerarão abrangidos pelo penhor (artigo 672º, nº 2 [CC]).
[…]”[33]

A consideração do valor das contrapartidas devidas à 1ª R. pela 2ª R. pela cedência de exploração do estabelecimento situado no locado foi, pois, totalmente correcta.


III – Decisão

            3. Assim, na improcedência de ambas as apelações, decide-se confirmar a Sentença recorrida.

            Custas de cada uma das apelações a cargo do Apelante respectivo (AA. e 1ª R.).


Tribunal da Relação de Coimbra, recurso julgado em audiência na sessão desta 3ª Secção Cível realizada no dia 13-09-2011


(J. A. Teles Pereira)

(Manuel Capelo)

(Jacinto Meca)



[1] Aplica-se ao presente processo, em função do dado de tempo indicado (processo iniciado anteriormente a 01/01/2008), o regime dos recursos prévio à reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 9º, alínea a), 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Note-se que, pela mesma razão, qualquer disposição do Código de Processo Civil citada neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterada pelo DL 303/2007, referir-se-á à versão anterior a este.
[2] A Testadora, L…, faleceu em 27/11/1967, constando o testamento de fls. 19/21.
[3] Vale a tal respeito o nº 1 do artigo 2293º do CC: “[a] herança devolve-se ao fideicomissário no momento da morte do fiduciário”.
[4] Na base instrutória posteriormente elaborada (fls. 123/126) a descrição das benfeitorias introduzidas pela 1ª R. consta dos quesitos 2º a 15º, sendo o valor destas (conforme alegação da Reconvinte) questionado no subsequente quesito 16º.
[5] Este pedido reconvencional ficou sem efeito (v. o despacho de fls. 325, cfr. trecho final do nº 6 do artigo 39º do Código de Processo Civil).
[6] O teor destas cláusulas, que constam do contrato de fls. 22/25, é relevante para a definição da indemnização respeitante às benfeitorias. Aqui damos nota do respectivo conteúdo:
Cláusula quarta
A locatária poderá realizar no local arrendado todas as obras e benfeitorias necessárias ao exercício de qualquer das suas actividades, podendo mesmo modificar a estrutura interna e externa do prédio.
Cláusula quinta
No caso de cessação do contrato a locatária terá direito a ser indemnizada do valor que resultar da avaliação das benfeitorias úteis e necessárias que possam ser levantadas e a senhoria compensada pelo valor das deteriorações eventuais de culpa da locatária.
[7] Ficou assim, depois da correcção introduzida no despacho que apreciou as nulidades da Sentença e mandou subir o processo a esta Relação, resolvida (suprida) a concreta nulidade apontada pelos AA./Apelantes à Sentença na conclusão 4 do respectivo recurso (está esta transcrita no item 1.3.1. infra). Note-se que, embora consideremos correcta essa alteração, decorria do contexto da condenação que a 2ª R. também estava abrangida pelo caso julgado formado pela decisão de restituição do locado aos AA.
[8] Aliás, como se alcança da acta de julgamento a fls. 330, prescindiram aí as partes da gravação da audiência de julgamento que anteriormente haviam requerido.
[9] Como correctamente se indica na Sentença, a restituição do prédio resultante da caducidade do arrendamento opera, agora (no quadro legislativo emergente do NRAU), através da acção de reivindicação, não existindo actualmente norma equivalente ao artigo 55º, nº 2 do RAU (v. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 3ª ed., Coimbra, 2007, p. 116).
[10] A situação cai, directamente, na previsão do artigo 754º do CC: “[o] devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados” (v., especificamente sobre o direito de retenção do locatário respeitante às benfeitorias indemnizáveis, Jorge Alberto Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 5ª ed., Coimbra, 2000, p. 317; genericamente sobre os pressupostos positivos e negativos do direito de retenção, v. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, Coimbra, 2006, pp. 244/247).
[11] Este é o título do §322 (1) do BGB, disposição respeitante à condenação no caso de actuação, nos contratos bilaterais, da excepção de não cumprimento: “[s]e uma parte propõe uma acção destinada ao cumprimento da prestação devida num contrato bilateral, o exercício do direito correspondente a negar a prestação até ao cumprimento da contraprestação, significa que a outra parte deve ser condenada no cumprimento simultâneo [erfüllung zug-um-zug verurteilung] ” (zug-um-zug expressa a ideia de um “efeito de comboio”, no sentido de algo estar ligado ou aparelhado a outro algo, o que neste contexto corresponde a uma condenação num cumprimento simultâneo ou, como dissemos, quid pro quo).
Note-se que no BGB existe uma norma específica visando o tipo de condenação a proferir, face ao exercício de um direito de retenção. Trata-se do §274 (1) (efeito do direito de retenção – wirkungen des zurückbehaltungsrechts): “[f]ace à pretensão do credor, o exercício do direito de retenção só tem o efeito de o devedor ser condenado à prestação se receber, por sua vez, a prestação que lhe é devida (cumprimento contra a entrega)” (é esta a “condenação zug-um-zug”, v., na Wikipedia alemã, a entrada “zug-um-zug”, no endereço  http://de.wikipedia.org/wiki/Zug_um_Zug).
Trata-se esta forma de condenação, no direito alemão, de uma realidade distinta da que aí é expressamente qualificada como “condenação condicional” (vorbehaltsurteil), no §302 do Código de Processo Civil alemão, e visa o exercício pelo réu da compensação (Aufrechnung).
[12] Estamos a seguir a formulação de Maria de Lurdes Pereira e de Pedro Múrias, a respeito do “direito obrigacional de retenção” (“Os direitos de retenção e o sentido da excepção de não cumprimento”, disponível em http://muriasjuridico.no.sapo.pt/ExceptioVsDtsdeRetencao.pdf, pp. 20/22 e nota 55): “[condenação a prestar em troca da contraprestação] [é] a solução expressa do § 322 (1) do BGB. Entre nós, a possibilidade deste género de condenação adequa-se ao artigo 804º do CPC, que, quando o título executivo seja uma sentença, pressupõe justamente que se tenha condenado a prestar em troca da contraprestação (ou sob condição). A admissibilidade de uma sentença com conteúdo condenatório «condicional» é paralela à dos casos do artigo 662º/2, a) CPC, pelas mesmas razões de «economia processual»” (nota 55).
[13] Num recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [Acórdão de 07/04/2011 (Lopes do Rego), proferido no processo nº 419/06.3TCFUN.L1.S1, disponível, no sitio do ITIJ, directamente, no endereço: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e7b2831cc6d83dc780257872005261a2] afirma-se que a nossa “[…] lei processual não admite em regra, por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, a condenação condicional […]”; “[…] ou seja, a sentença judicial em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão da causa – particularmente nos casos em que o facto condicionante sempre exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção e a efectividade da tutela alcançada pelo demandante”. 
[14] Esta questão é tratada por José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, em anotação ao artigo 662º do CPC (Código de Processo Civil anotado, 2ª ed., Coimbra, 2008, pp. 687/688), num trecho que aqui transcrevemos:
“[…]
Não estando verificada a condição suspensiva, a solução é outra, pois é difícil sustentar que a lei admite a figura da condenação condicional, isto é, da condenação em que o direito reconhecido fica dependente da verificação de determinada condição, ainda não ocorrida à data do encerramento da discussão de facto. O artigo 673º prevê, como fundamento de absolvição do pedido, a situação em que o facto condicionante do direito não está verificado, declarando-a impeditiva da constituição do caso julgado que obste à renovação do pedido quando a condição se verifique: O mesmo estatui para o caso em que o réu seja absolvido do pedido por não ter decorrido um prazo; mas, nesta parte, o preceito tem de ser entendido com ressalva do disposto no nº 1 do artigo [662º], aplicando-se em casos em que o decurso do prazo não é pressuposto da exigibilidade duma obrigação (ex: acção de reivindicação de coisa própria, proposta contra o usufrutuário ou o superficiário ainda na pendência do direito de usufruto a prazo certo, ou acção de despejo por denúncia de arrendamento sem se ter completado um ano sem casa própria ou arrendada na localidade: artigos 1439º CC e 1476º- a CC; artigos 1524º CC e 1536º-1-c CC; artigo 1102º-1-b CC) ou, sendo-o, é pressuposto duma sentença constitutiva (assim na acção de execução específica de contrato-promessa com prazo certo, ainda não decorrido: ac. do STJ de 29/09/98, CJ/STJ, 1998, III, p. 45). Compreende-se que, sendo o facto futuro (condição ou acto a praticar, também previsto no artigo 673º) de verificação incerta, o regime legal difira do aplicável aos casos em que é de verificação certa, mas dependente de prazo. Equipara, porém, o regime da condição ao do termo, admitindo a sentença de condenação condicional […]”.
[15] Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Lisboa, s.d., mas de 1968, pp. 324/325.
[16] O que nos parece não deixará de traduzir um acertamento dos direitos relacionados, quid pro quo, pela condenação.
[17] Estudo e local citados na nota 12, supra.
[18] Opção que, a existir, excluiria a configuração da situação como lacuna e, consequentemente, o recurso à analogia (v. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 5ª, ed., tradução de José Lamego da 6ª edição alemã, Lisboa, 2009, p. 533).
[19] “Uma […] «extensão teleológica» aproxima-se, de resto, muito, nos seus efeitos, a uma analogia. Em ambos os casos se estende uma regulação a uma situação de facto que não é abrangida segundo o seu sentido literal possível. Em ambos os casos se trata da plena realização do fim da regra legal e de evitar uma contradição de valoração que não é justificável […]” (Karl Larenz, Metodologia…, cit., p. 566).

[20] Embora sem aplicação ao contrato aqui em causa, celebrado que foi em 1980, o artigo 3º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 160/2006, de 8 de Agosto, introduziu a obrigação do contrato mencionar “[a] natureza do direito do locador, sempre que o contrato seja celebrado com base num direito temporário ou em poderes de administração de bens alheios”.
[21] Que determina a caducidade da locação, “[q]uando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado” (v., sobre este fundamento de caducidade, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, cit., pp. 110/111).
[22] O uso do advérbio “sequer” vale aqui relativamente à afirmação implícita de que a herança não dispõe de personalidade jurídica (v. José de Oliveira Ascensão, Direito Civil Sucessões, 5ª ed., Coimbra, 2000, p. 397), não dispondo da susceptibilidade de ser parte (personalidade judiciária) com essa base (v. artigo 5º, nº 2 do CPC), só por extensão, ou ficção, podendo ser demandada, quando ainda jacente (artigo 6º, alínea a) do CPC). É neste sentido que a herança que já não é jacente, porque já foi aceite (v. artigo 2046º do CC), nem sequer dispõe de personalidade judiciária, que o mesmo é dizer, de susceptibilidade de ser parte (v. artigo 5º, nº 1 do CPC).
[23] Tendo em vista o trecho inicial da mesma norma – “[f]ora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078º […]” –, tenha-se presente que se não configura aqui (indemnização por benfeitorias a suportar pela herança) nenhuma dessas excepções de legitimação específica (as contidas nos artigos 2088º, 2089º e 2090º do CC) e que não estamos, claramente, no domínio da petição da herança que nos reconduziria à facti species do artigo 2078º do CC. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, anotando este mesmo artigo 2078º: “[u]ma coisa – um lado da situação – é a relação de contitularidade entre os diferentes co-herdeiros; e outra coisa é a relação singular de cada co-herdeiro com os terceiros possuidores ou meros detentores dos bens hereditários, em que a lei confere legitimidade, através da petição de herança, para cada um deles agir em nome ou no interesse de todos os demais” (Código Civil anotado, Vol. VI, Coimbra, 1998, p. 134).
[24] V. José Martins da Fonseca, “Herança Indivisa – Sua Natureza Jurídica. Responsabilidade dos Herdeiros pelas Dívidas da Herança”, in Revista da Ordem dos Advogados, 1986/II, pp. 580/584; João António Lopes Cardoso, Augusto Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, 5ª ed. revista, adaptada e actualizada, Coimbra, 2006, pp. 15/16.
[25] E isto sem esquecer as grandes limitações à afirmação absoluta da relatividade dos créditos (v. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, tomo I, Coimbra, 2009, pp. 348 e ss.).
[26] Como se indicou na Sentença, apenas poderíamos lançar um olhar aparentemente mais reservado sobre a cláusula 4ª, ao autorizar previamente a realização de obras que importassem a alteração da estrutura interna e externa do edifício. Todavia, mesmo essa autorização prévia, pode ser vista no quadro normal de permitir um uso adequado à funcionalidade do arrendamento, sendo que poderemos ver nessa disposição, igualmente, a concessão antecipada daquilo que, caso a caso, a senhoria sempre poderia autorizar. 
[27] V. António Menezes Cordeiro, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, 3ª ed., Coimbra, 2000, pp. 127/128.
[28] “No caso de cessação do contrato a locatária terá direito a ser indemnizada do valor que resultar da avaliação das benfeitorias úteis e necessárias que possam ser levantadas e a senhoria compensada pelo valor das deteriorações eventuais de culpa da locatária”.
O que esta cláusula diz, na prática, é que as benfeitorias úteis não serão levantadas, gerando, também elas, direito a uma indemnização, não existindo qualquer fundamento para a interpretação propugnada pelos AA. nas conclusões 23 a 28 do recurso.
[29] Relativamente à reconvenção da 1ª R./Reconvinte, pediu esta €107.995,00 e recebeu €22.685,24, sendo essa a percentagem de vencimento o decaimento a considerar aqui, como se determina na Sentença.
[30] O quesito 18º incluía a alegação de um facto pela 1ª R., enquanto facto que favorecia o seu direito a receber, integralmente e sem descontos, o valor das benfeitorias calculadas.
[31] Envolve o cumprimento pontual de um contrato entre outros sujeitos (ambas as RR.).
[32] Determina este que “[o]s frutos da coisa empenhada serão encontrados nas despesas feitas com ela e nos juros vencidos, devendo o excesso, na falta de convenção em contrário, ser abatido no capital que for devido”.
[33] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, cit., pp. 203/204.