Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
621/09.6TBMLD.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: ASSOCIAÇÃO
ASSEMBLEIA GERAL
DELIBERAÇÃO
ANULABILIDADE
LEGITIMIDADE
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DECISÃO SURPRESA
Data do Acordão: 04/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 167, 175 CC, 3, 668 CPC
Sumário: 1. O direito dos associados participarem nas Assembleias Gerais duma associação afere-se pelos direitos conferidos aqueles e da interpretação do que a esse respeito se estabelece nos respectivos estatutos.

2. O associado que não tem direito de participar nas deliberações das Assembleias Gerais não tem legitimidade para invocar a anulabilidade destas.


3. O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.


4. Decisão surpresa é aquela que comporta uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo.

Decisão Texto Integral:             Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

            I- RELATÓRIO

            1. Os AA. JM (…), CM (…), FJ (…), CF (…), CS (…), AG (…), AJ (…) e JC (…) , instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumária, contra o R. Grupo de Caça Associativa (…), formulando os seguintes pedidos:

            a) A anulação da deliberação de 03.07.2004, que aprovou o Regulamento Geral da Ré, por não ter sido convocada nos termos legais, nomeadamente, através da convocação de todos os sócios da Ré, mormente, os AA;

            b) Consequentemente, a anulação de todos os actos subsequentes que com base nesse regulamento foram praticados, em especial, a exigência de uma sobretaxa adicional aos associados não naturais, não residentes ou que não possuam terrenos rústicos dentro da associativa, pagarão uma sobretaxa adicional a determinar todos os anos pela direcção;

            c) A anulação da deliberação de 10.06.2009, que aprovou a alteração dos Estatutos, por não ter sido convocada nos termos legais, nomeadamente, através da convocação de todos os sócios da Ré, mormente, os AA., com todas as legais consequências;

            d) Consequentemente, a anulação de todos os actos subsequentes que com base nessa deliberação foram praticados, em especial, a escritura celebrada em 15.06.2009.

            Para tanto alegam, em síntese, que em 15.02.1990, foi constituída por escritura pública, a associação denominada de “Grupo de Caça Associativa (…)” sem fins lucrativos, tendo sido, no mesmo acto, aprovados os Estatutos da associação, no artigo 4.º dos quais ficou estipulado que “só os associados da Associação Cultural Recreativa dos Caçadores de (..), Clube de Caçadores da freguesia de (…), Clube de Caçadores de (…) e Clube de Caça e Pesca de (…) poderão ser associados do Grupo de Caça Associativa (…) Coimbra ”; em Assembleia-Geral para a qual não foram convocados os AA., todos eles associados da Associação Cultural Recreativa dos Caçadores (…) que se terá realizado no dia 03.07.2004, foi aprovado um regulamento interno, tendo, no artigo 3.º deste, sido estabelecido que “a Assembleia-Geral será constituída pela reunião de todos os elementos dos órgãos administrativos dos clubes e associações filiados nesta associação,” o que – na sua óptica – colide com o supra citado artigo 4.º dos Estatutos iniciais da R., bem como ao disposto no art.º174.º, que impõe que da Assembleia façam parte todos os associados; além disso, consideram os AA. que os artigos 36.º e 45.º do regulamento interno são nitidamente discriminatórios na medida em que fazem uma clara distinção entre os associados, considerando como zona de influência Sargento-Mor, Adões, Trouxemil, Barcouço, Vil de Matos e Antuzede, deixando de fora as localidades de Fornos e Cioga, impondo, ainda, o artigo 45.º do mesmo regulamento o pagamento de uma sobretaxa adicional aos associados não naturais, não residentes ou que não possuam terrenos rústicos dentro da associativa, sendo que, segundo os AA., sempre as localidades supra excluídas sempre fizeram parte da zona de influência, constituindo tal uma violação do art.º176.º do Código Civil e desde 1990 e até à presente data, sempre os AA. pagaram a taxa como pertencendo à zona de influência; só a partir de 17.09.2009 começaram alguns dos sócios a receber cartas da direcção a informar do que consta do supra citado artigo 45.º e a exigir o pagamento da sobretaxa, sendo que, em 15.06.2009, a R., e dando cumprimento ao deliberado na Assembleia-Geral de 10.06.2009, alterou todos os Estatutos, considerando os AA. tal alteração inválida, por não terem sido convocados para aquela.

            Pugnam, então, pela anulabilidade da deliberação que aprovou o Regulamento interno, pois o mesmo deveria ter sido aprovado em Assembleia-Geral regularmente convocada e a de 03.07.2004 – na sua óptica – não o foi.

            Do mesmo modo, e pela mesma razão, pugnam pela anulabilidade da deliberação de 10.06.2009, que alterou os Estatutos.

            2. Citada regulamente, contestou a R., invocando a ilegitimidade dos AA. com base em que são associados da R. as quatro Associações que a fundaram – (…) e não os AA.; caso se viesse a entender que os AA. são efectivamente sócios da R., invoca a prescrição da possibilidade de aqueles poderem exercer o seu direito, pois intentaram a presente acção 5 anos e 6 meses após a data do ato que pretendem ver anulado; no mais, impugnam a pretensão dos AA. alegando que não houve qualquer discriminação em relação aos mesmos, nem colisão ou incompatibilidade alguma quer com o Regulamento interno, quer com os Estatutos.

            Pugna, então, pela procedência das excepções invocadas e pela improcedência da acção.

            3. Em resposta à contestação, vieram os AA. manter  a sua pretensão, reafirmando a convicção de que são associados da R., pugnando, em consequência pela improcedência da excepção de ilegitimidade e, quanto à prescrição, referem que não é verdade que esta se tenha verificado pois trata-se de deliberação tomada em assembleia não convocada, logo, nula e a caducidade do direito só ocorre com as deliberações anuláveis, sendo estas referidas nos art.ºs174.º, n.º2 e 177.º, ambos do Código Civil, sendo as deliberações nulas invocáveis a todo o tempo.

            Terminam pedindo a condenação do R. como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor dos AA.

            4. Na apreciação dos pressupostos processuais, foi decidida, no sentido da respectiva procedência, a excepção de ilegitimidade activa invocada pela R. e determinada a absolvição desta da instância.

            5. Inconformado com o assim decidido, interpuseram recurso os AA., na procedência do qual veio este Tribunal da Relação a proferir acórdão no sentido da revogação da decisão que julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa.

            6. Volvidos os autos ao tribunal de 1ª instância onde prosseguiram, veio a ser afirmada a validade da instância e elaborado despacho saneador, nele se fixando os factos assentes e controvertidos, após censura.

            7. Procedeu-se à realização do julgamento com observância do legal formalismo.

            8. Proferida sentença veio nela a decidir-se a total improcedência da acção e a absolvição da R. do pedido.

9. Inconformados com o assim decidido, recorreram os AA. (…) encerrando o recurso de apelação interposto com as seguintes conclusões que, assim, se transcrevem:

(…)

            10. Nas contra-alegações que apresentou a R. rematou as mesmas com as seguintes conclusões que igualmente se transcrevem:

            (…)

            11. Ordenada a remessa dos autos à 1ª instância para apreciação das nulidades da sentença invocadas em sede de recurso, veio o Mmo. juiz a quo a pronunciar-se no sentido do respectivo indeferimento.

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.



II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), são as seguintes as questões a decidir:

I- saber se a sentença padece da nulidade elencada no Art. 668º Nº1 d) do CPC [ e não na alínea c) de tal normativo legal como, por manifesto lapso vem referido no corpo das alegações e nas conclusões do recurso] por ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento.

II- saber se a decisão recorrida constitui uma decisão-surpresa, violadora do disposto no Artº 3º nº 3 do Cod. Proc. Civil.

III- saber se na qualidade de associados da R. tinham os AA. o direito de participar nas assembleias gerais da R. onde foram tomadas as deliberações impugnadas.

III- saber se os AA. têm legitimidade para invocar a anulabilidade das deliberações impugnadas.

III- Saber se se verifica a caducidade do direito dos autores para a invocação da anulabilidade de tais deliberações.

III – FUNDAMENTAÇÃO

A) De Facto

Da 1ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:

            1. Nos termos do documento de fls.13 a 20, cujo teor se dá por reproduzido, no dia 15 de Fevereiro de 1990, foi constituída, por escritura pública outorgada no então 3.º Cartório Notarial de Coimbra, uma associação denominada “Grupo de Caça Associativa (…)”, agora R. – [Facto assente em A)];

            2. Nessa mesma data, nos termos do documento dado por reproduzido em A), foram também aprovados os Estatutos da dita Associação, ora R. – [Facto assente em B)];

            3. Consta do artigo 4.º dos Estatutos aludidos em B) que “só os associados da Associação Cultural Recreativa dos Caçadores (…), Clube de Caçadores da freguesia (…), Clube de Caçadores de (…)o e Clube de Caça e Pesca de (…) poderão ser associados do Grupo de Caça Associativa do (…).” – [Facto assente em C)];

            4. Até à vigência do Regulamento de 2004 [aludido em E), vide infra], vigorava o Regulamento Interno datado de 05 de Julho de 1990, regulamento este constante de fls.123 a 133 dos autos, documento este que se dá por reproduzido.

            Do mesmo constava, sob artigo 3.º, que “a Assembleia-Geral será constituída pela reunião de todos os elementos dos órgãos administrativos dos Clubes e Associações filiados nesta Associação.”

            O artigo 34.º do mesmo Regulamento prescrevia, sob a epígrafe “Admissão de sócios” que “podem auferir direitos associativos, indivíduos de ambos os sexos, associados nos Clubes e Associações de caçadores, filiados nesta associação, sendo na 1.ª fase, todos aqueles que se encontravam já associados aquela data e, posteriormente, fica condicionada a fatores cinegéticos dentro da zona de caça associativa, sendo, neste caso, a sua admissão competência da Direção.”

            O artigo 36.º do mesmo Regulamento fazia constar que “não serão admitidos, sem estudo prévio por parte da Direção, elementos que não sejam proprietários, naturais ou residentes na zona de influência da Associativa” e o artigo 37.º estabelecia, ainda, que “considerando o artigo anterior, considera-se zona de influência, as freguesias de Barcouço, Vil de Matos, Antuzede e ainda os lugares de Sargento-Mor, Adões e Trouxemil.”

            O artigo 45.º do mesmo Regulamento dispunha que “os associados não naturais, não residentes ou que não possuam terrenos rústicos dentro da Zona de Caça Associativa, pagarão uma sobretaxa adicional a determinar todos os anos pela Direção.” – [Facto assente em D)];

            5. Em Assembleia-Geral de 03 de Julho de 2004, de fls.221 a 223, foi aprovado um novo Regulamento Interno da citada Associação R., com a mesma data, regulamento este constante de fls.21 a 33 dos autos, documento este que se dá por reproduzido.

            Consta do artigo 3.º do Regulamento interno que “a Assembleia-geral será constituída pela reunião de todos os elementos dos órgãos administrativos dos clubes e associações filiados nesta Associação.”

            O artigo 34.º do Regulamento, sob a epígrafe “Admissão de sócios” dispõe que “podem auferir direitos associativos, indivíduos de ambos os sexos, possuidores de documentação necessária para o exercício da atividade venatória, previamente associados nos Clubes e Associações de caçadores filiados nesta Associação, sendo numa 1.ª FASE, todos aqueles que se encontrem já associados à data da formação desta associação, e numa 2.ª FASE, fica condicionada a fatores cinegéticos ou outros, sendo neste caso a sua admissão da competência exclusiva da Direção, sob proposta dos Clubes Associados.

            Estas propostas deverão ser analisadas em reunião de Direção marcada para o efeito, devendo ser elaborada a respetiva ata.”

            O artigo 36.º do dito Regulamento de 2004 estabelece como “zona de influência, as povoações de Sargento-Mor, Adões, Trouxemil, e freguesias de Barcouço, Vil de Matos e Antuzede.”

            O artigo 45.º do mesmo Regulamento dispõe que “os associados não naturais, não residentes ou que não possuam terrenos rústicos dentro da zona de Caça Associativa, pagarão uma sobretaxa adicional a determinar todos os anos pela Direção” – [Facto assente em E)];

            6. Para a Assembleia de 03.07.2004, procedeu a R. às convocatórias através das missivas subjacentes aos documentos de fls.72 a 75, nada tendo informado diretamente aos AA., na qualidade de associados da Associação Cultural Recreativa de Caçadores de Adões – [Facto assente em F)];

            7. Os AA (…) em 12 de Março de 2005, por ata n.º54 da Associação Cultural, Desportiva e Recreativa dos Caçadores de (…) tomaram posse como elementos dos órgãos sociais desta instituição, tendo inclusivamente (…) sido ali indigitado para fazer parte da direção da R., conforme consta do documento de fls.76 a 77, que se dá por reproduzido – [Facto assente em G)];

            8. O que veio a acontecer, exercendo na R. o cargo de Secretário, conforme Ata n.º12, de 01 de Abril de 2005 da R., conforme consta do documento de fls.78, que se dá por reproduzido – [Facto assente em H)];

            9. No dia 15 de Junho de 2009, (…)respetivamente, Primeiro Secretário, Presidente, Vice-Presidente e Tesoureiro da Direção, em representação da associação R. e dando cumprimento ao deliberado na Assembleia-Geral de 10 de Junho de 2009, constante de fls.226 a 228, alteraram todos os Estatutos da associação supra citada, dando-lhes nova redação, conforme consta do documento de fls.34 a 40, que se dá por reproduzido – [Facto assente em I)];

            10. Para a Assembleia de 10.06.2009, procedeu a R. às convocatórias através das missivas subjacentes aos documentos de fls.72 a 75, nada tendo informado diretamente os AA. na qualidade de associados da Associação Cultural Recreativa de (…) – [Facto assente em J)];

            11. Desde 1990 até hoje, sempre os AA. pagaram taxa como pertencendo à zona de influência – [Facto assente em L)];

            12. Só a partir de 17 de Setembro de 2009 é que começaram alguns sócios a receber cartas da Direção a informar do que consta do art.º45.º do Regulamento Interno e a cobrar a dita sobretaxa, pois em momento anterior nunca antes os AA. tinham sido confrontados pela própria R. com a questão de Fornos e Cioga estarem excluídos da zona de influência, conforme documentos de fls.41 a 44 – [Facto assente em M)];

            13. A condição de associados da ré decorre da circunstância de os AA. serem associados da Associação cultural, desportiva e recreativa dos caçadores de Adões – [Facto 1) da base instrutória];

            14. Os restantes AA. (que não (…)) apenas em 17 de Setembro de 2009, e não antes, tiveram conhecimento da existência do Regulamento Interno aludido em E) – [Facto 5) da base instrutória];

            15. Os restantes AA. (que não (…)) apenas em 17 de Setembro de 2009, e não antes, tiveram conhecimento da existência da alteração dos Estatutos aludida em I) – [Facto 6) da base instrutória].

            - Com interesse para a decisão da causa, considera-se, ainda, assente a seguinte factualidade:

            16. Consta do artigo 13.º dos Estatutos aludidos em B) que “No que estes estatutos sejam omissos rege-se pelo regulamento interno aprovado em Assembleia Geral “.

            17. Consta do artigo 13º do Regulamento Interno datado de 05 de Julho de 1990, constante de fls.123 a 133 dos autos, que “ Compete à Assembleia Geral:

            1º - ( ... )

            2º - Discutir, aprovar ou modificar os Estatutos ou o Regulamento Interno.

            (... )

            18. Consta do artigo 39º do referido Regulamento Interno datado de 05 de Julho de 1990, o seguinte:

            “ Direitos dos Associados

            Os associados com a sua quotização em dia teêm os seguintes direitos:

1. Praticar o acto venatório legal dentro da respectiva ZCA, desde que munidos da respectiva credencial ou distintivo próprio de identificação ( braçadeiras, coletes, etc.), fornecidos por esta Associação aquando do pagamento da quota da época venatória em curso.

2. Reclamar por escrito à Direcção desta Associação, sempre que se julgue lesados nos seus direitos.

3. Tomar parte em todas as sessões desportivas e recreativas realizadas por esta Associação.

4. Frequentar qualquer tipo de diversão cultural, desportiva ou recreativa, realizadas por esta Associação, sendo estes direitos extensivos ao cônjuge e filhos do sócio.”

            IV- Fundamentação

            b) De Direito:

            I- Nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

            Pretendem os recorrentes que a sentença proferida nos autos enferma de nulidade por ter conhecido de questão que não podia conhecer porque não foi alegada pelas partes e não é de conhecimento oficioso.

            Tal causa de nulidade da sentença vem prevista no Art. 668º Nº 1 d) 2ª parte do CPC, embora por manifesto lapso os recorrentes se lhe refiram como contemplada na alínea c) do mesmo normativo legal.

            Como é sabido, a nulidade cominada na 2ª parte da al. d) do n.º1 do art. 668º constitui a sanção para a violação, pelo julgador, da também 2ª parte do n.º 2 do art. 660º do mesmo CPC.

            Este preceito veda ao juiz o conhecimento de quaisquer questões que não tenham sido suscitadas pelas partes (princípio do dispositivo), mas logo ressalva aquelas em que a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso, pois que assim o impõem as razões de ordem pública subjacentes aos vícios de nulidade.        

            O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. (cfr. o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 49 e ss”; o Prof. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, págs. 672/673”; o Prof. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 143”; o Prof. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pág. 670”), e Ac. do STJ de 06/02/1992, in “BMJ, 414 – 415”).

            Constituiu hoje entendimento pacífico que as “questões” referidas no normativo acima citado são as respeitantes ao pedido ou à causa do pedido.

            Na verdade, vem sendo dominantemente entendido, que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir - vide, neste sentido, Ac. da Rel. de Coimbra, e 10-01-2006, disponível em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele citada. 

            Ora, basta atentar nos pedidos de tutela judiciária que os autores formularam, na causa de pedir em que os fizeram assentar, na decisão final proferida pelo tribunal a quo e na fundamentação que precedeu essa parte dispositiva, para facilmente se concluir não ter incorrido aquele tribunal em qualquer excesso de pronúncia.

            De facto, como ressalta daquilo que se deixou exarado no relatório, os autores fundamentam a sua pretensão na circunstância de serem associados da R. e desta ter deliberado a aprovação do Regulamento Interno e a alteração dos Estatutos, em Assembleias Gerais convocada para 03.07.2004 e 10.06.2009, respectivamente, para as quais não foram convocados todos os sócios, designadamente os AA., Assembleias Gerais essas nas quais foram aprovadas deliberações cuja anulabilidade pretendem ver decretada pelo tribunal com o fundamento de que as mesmas foram tomadas em violação da lei e dos estatutos e para o que se arrogam estar legitimados por nenhum deles ter sido convocado nem ter estado presente nessas Assembleias Gerais.

            Analisando os fundamentos de direito aduzidos na decisão recorrida, colhe-se desta que na mesma se reconheceu aos AA. a qualidade de associados da R., com os direitos inerentes a essa qualidade e previstos taxativamente no Art. 39.º do Regulamento Geral Interno inicial, concomitante da fundação da R., constante de fls.123 a 133, direitos esses dos quais se entendeu na mesma decisão recorrida não fazer parte o de participar em assembleias-gerais, mas apenas o da possibilidade de, dentro de certas condições, solicitar a sua realização, com base em que se concluiu na sentença que os AA. carecem de legitimidade substantiva para invocarem a anulabilidade das deliberações tomadas nas assembleias gerais por eles postas em causa na presente acção, visto que tal Regulamento Interno, para o qual remetem os Estatutos da R., não estabelece o direito de os AA. participarem em tais assembleias gerais, não se impondo, por isso, que para as mesmas fossem os mesmos individualmente convocados.

            Do que vem dizer-se, bem se vê que para decidir os pedidos formulados na acção o tribunal a quo atendeu à qualidade de associados dos AA. e aos direitos destes emergentes da referida qualidade, que mais não é do que a causa de pedir por eles invocada com base na qual se arrogam o direito de ver anuladas as deliberações em discussão nos autos.

            E, ao concluir, como concluiu o tribunal recorrido, no sentido de que os AA., não obstante terem a qualidade de associados da R., não têm o direito de participar nas Assembleias Gerais e por isso não se impunha que para estas fossem individualmente convocados, carecendo, por isso, os AA. de legitimidade para invocar a anulabilidade das deliberações tomadas em tais Assembleias Gerais, mais não fez o tribunal da 1ª instância do que atender à causa de pedir em que os AA. estribam os pedidos que formulam na acção. 

            Daí que, a nosso ver, se mostre patente não ocorrer vício apontado à sentença, capaz de conduzir à nulidade da sentença, previsto no Art. 668º Nº1 d) do CPC.

           

II- Pretendem ainda, os AA. recorrentes que a questão com base na qual foi decidida a presente acção é absolutamente inovadora nos presentes autos, pelo que a decisão recorrida se trata de uma decisão-surpresa, violadora do disposto no Artº 3º nº 3 do Cod. Proc. Civil.

Esgrimem, para tanto os recorrentes que nunca nenhuma das partes suscitou a questão de os autores sendo associados do R., não terem direito de participar nas assembleias gerais, pois para a R. os AA. não eram associados seus e para os AA., eles eram associados do R. de pleno direito, pelo que nunca nenhuma das partes, nem o julgador suscitaram a questão de os AA serem associados sem direito de participação nas assembleias gerais, com base no que veio a acção a ser decidida.

            Nos termos do preceituado no Art. 3 nº 3, do CPC, o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre ele elas de pronunciarem”.

            Visou o legislador, com a introdução de tal norma aquando da Reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, aprofundar ainda mais o exercício do direito do contraditório, enquanto princípio estruturante do processo civil, o qual se encontra, inclusive, ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no Artº 20, nº 1, da CRP, princípio esse que surge como uma garantia de uma discussão dialéctica entre as partes, visando evitar “decisões-supresa”, ou seja, baseadas em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes.

            Radicado na ideia de que num Estado de Direito o processo deve ser equitativo e leal, o legislador contemplou no ordenamento jurídico processual civil tal princípio, estipulando nele que se deva conceder às partes a possibilidade de nele fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão, mesmo relativamente àquelas questões que delas pode conhecer oficiosamente. E isso têm a ver com o próprio direito de defesa das partes, que ambas devem exercer em condições de igualdade – vide, neste sentido e sobre o tema, Ac. do STJ de 15/10/2002, in www dgsi.pt/jstj, o Ac. TC de nº 177/2000, in “DR, II S, de 27/10/2000 e o Prof. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. 1º, págs. 6 a 10.

            Como bem salienta, Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.10, “ quer o direito de acção, quer de defesa, assentam numa determinada qualificação jurídica dos factos carreados para o processo, que as partes tiveram por pertinente e adequada quando procederam à respectiva articulação. Deste modo qualquer alteração do módulo jurídico perfilhado, designadamente quando assuma um grau particularmente relevante, é susceptível de comprometer a posição das partes…e daí a proibição imposta pelo nº3”.

            Como vem sendo entendido jurisprudencialmente, a lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir dela as decisões que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, apenas importando que os termos da decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstractamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspectivado como sendo possível.

            Daí que apenas estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito.

            A propósito do que se deixa dito, cfr. Acs. do STJ de 29.09.1998 e de 14.05.2002, Ac. da Relação de Lisboa de 04.11.2010, Ac. da Rel. de Coimbra de 25-09-2012, todos disponíveis im www.dgsi.pt.

            No entendimento de Abílio Neto, in ob. cit, pag. 10, o Artº 3º nº3 do CPC não retira ao tribunal a liberdade de dizer o direito, o que constitui uma das essentialia da função jurisdicional. E sendo verdade que os advogados das partes devem conhecer o direito, uma vez na posse dos factos, devem prever todas as qualificações jurídicas de que os mesmos são susceptíveis, pelo que só a alteração particularmente relevante do módulo jurídico perfilhado pode ter a virtualidade de se subsumir em tal segmento normativo.

            Como bem referem os recorrentes nas conclusões do recurso, as versões que em confronto se dirimem nos autos assentam, na versão dos AA. em que estes são associados da R. e de pleno direito, e, na versão da R., em que os AA. não são seus associados.

            Ao decidir-se na sentença recorrida que os AA., embora sendo associados da R., não têm direito de participar em assembleias-gerais e por isso carecem de legitimidade substantiva para invocarem a anulabilidade das deliberações tomadas nas assembleias gerais para as quais não foram individualmente convocados, apreciou questões que se compreendem na causa de pedir invocada pelas partes.

            Daí que, ao contrário do pretendido pelos apelantes, não se mostra violado o princípio do contraditório, resultando, pois, inverificada a nulidade da sentença invocada com base nessa violação.

           

III- Passemos, agora, à apreciação da questão suscitada nas conclusões do recurso a respeito do direito que assiste aos AA. de participarem nas assembleias gerais da R. onde foram tomadas as deliberações por eles impugnadas nos autos pelo facto de serem associados da R., direito esse que na sentença recorrida foi decidido não lhes assistir, embora reconhecendo-se nela que os AA. têm a qualidade de associados da R., e, ainda, da questão da legitimidade dos AA. para invocarem a anulabilidade de tais deliberações.

            A qualidade dos AA. como associados da R. é uma questão que no presente recurso não importa apreciar, visto que ela deflui da matéria de facto considerada assente na sentença recorrida que não foi objecto de impugnação por nenhuma das partes.

            Assim sendo, vejamos se essa qualidade de associados da R. confere aos AA. o direito de impugnar as deliberações em discussão nos autos, as quais foram tomadas em assembleias gerais para as quais os mesmos não foram convocados individualmente.

            A apreciação de tal questão passa a nosso ver, desde logo, por saber quais os direitos dos AA. enquanto associados da R.

            A respeito de tal questão, não poderemos deixar de sufragar o entendimento expendido da sentença recorrida quando nela se refere que de acordo com o estatuído no Regulamento Interno da R., por remissão dos respectivos Estatutos, não se inclui no elenco dos direitos dos associados AA. o direito de serem convocados para integrarem as assembleias-gerais, mas apenas os direitos de: praticar o acto venatório legal dentro da respectiva Zona de Caça Associativa (…); reclamar, por escrito, à Direcção, sempre que se julgue lesado nos seus direitos; tomar parte de todas as sessões desportivas ou recreativas realizadas pela Associação; e, frequentar qualquer tipo de diversão cultural, desportiva ou recreativa, realizadas pela Associação, sendo estes direitos extensivos ao seu cônjuge e filhos”, conclusão que no entender da sentença recorrida e que merece acolhimento por parte deste tribunal de recurso se retira do disposto no Art 39.º do citado Regulamento Interno.

            Insurgem-se os recorrentes contra tal entendimento, alegando que o mesmo contraria a lei, designadamente, o disposto no Art. 175º nºs 1 e 2 do CC, uma vez que tal normativo legal refere sempre a necessidade de presença dos associados, não admitindo que sejam discriminados, sufragando, assim, a tese de que basta a qualidade de associado para os AA. terem direito a integrar e participar nas assembleias gerais da R., independentemente desse direito lhes não ser reconhecido nos respectivos Estatutos.

            Afigura-se-nos que um tal entendimento não poderá ser sufragado, pois que assenta num puro critério formal, que faz tábua rasa do clausulado nos Estatutos da R. e da natureza jurídica das associações e das finalidades subjacentes à sua constituição e composição.

            Como bem ensina Manuel Vilar de Macedo, in As Associações no Direito Civil, Coimbra Editora, pág. 12, “ A constituição de uma associação é um acto de vontade dos seus constituintes, que se reúnem (associam) com o fim de exercer uma actividade de mera fruição, por oposição às actividades lucrativas prosseguidas pelas sociedades. Para exercer essa actividade, os associados constituintes acordam entre si na constituição de uma entidade autónoma, que é distinta das pessoas que a integram, sendo objecto de direitos e deveres próprios que não se confundem com os dos associados”.

            Sobre o acto de constituição e dos estatutos das associações rege o Art. 167º do CC, segundo o qual:

            “ 1.O acto de constituição da associação especificará os bens ou serviços com que os associados concorrem para o património social, a denominação, fim e sede da pessoa colectiva, a forma do seu funcionamento, assim como a sua duração, quando a associação se não constitua por tempo indeterminado.

            2. Os estatutos podem especificar ainda os direitos e obrigações dos associados, as condições da sua admissão, saída e exclusão, bem como os termos da extinção da pessoa colectiva e consequente devolução do seu património. “

            Em anotação a tal normativo legal, dizem Pires de Lima/Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pag. 170 que o “ Nº 1 do mesmo tem carácter imperativo; indica-se nele aquilo que deve constar dos estatutos. O Nº 2 atribui uma faculdade; indica-se o que pode constar dos estatutos, aliás, exemplificadamente. O acto constitutivo e os estatutos são duas peças fundamentais criadoras do substrato da associação, que podem, aliás, reunir-se no mesmo instrumento jurídico. O primeiro lança as bases da associação; os estatutos fixam a sua regulamentação, traçam o seu regimento. Um e outros hão-de exprimir a vontade unânime dos associados “.

            Sobre a liberdade das associações a respeito da elaboração dos seus estatutos, refere o mencionado autor Manuel Vilar de Macedo, in ob. cit, pag. 24, que as associações gozam da liberdade de “ elaborar os seus estatutos em conformidade com as normas constitucionais e legais: a fixação das condições de admissão dos associados. Podem as associações, dentro daqueles limites, reservar a condição de associado a certos indivíduos, por ex. em função da idade (e. g. associações juvenis), ou de determinada condição (como os residentes de um determinado local, nas associações de moradores). É lícita a recusa da qualidade de associado a quem não reúna as condições requeridas pelos estatutos em função dos fins prosseguidos pela associação. Importa, contudo, que esta recusa não se consubstancie numa discriminação – cfr. o artigo 13.º n.º 2 da CRP”.

            A propósito da constituição da Assembleia Geral dispõe-se no Art. 3.º do Regulamento Interno, para o qual remetem os Estatutos nos casos omissos - conforme resulta do Art. 13º destes -  que “a Assembleia-Geral será constituída pela reunião de todos os elementos dos órgãos administrativos dos Clubes e Associações de Caçadores filiados nesta Associação.”

            De tal regulamentação, não poderá deixar de resultar que por vontade unânime dos associados foi fixado que apenas os elementos dos órgãos administrativos dos Clubes e Associações de Caçadores filiados na R. constituiriam a Assembleia Geral, vontade essa que ficou estatutariamente estabelecida, da mesma forma que também ficou estatutariamente fixada, por remissão para o referido Regulamento Interno, a forma de convocação dessa Assembleia Geral, pois que, consta do Art. 7º do referido Regulamento Interno que “a Assembleia Geral será convocada pelo Presidente da Mesa, através de convocatória individual, enviada com antecedência mínima de 10 dias.”

            Do que vem de dizer-se, não pode deixar de concluir-se em face da interpretação que se impõe fazer da regulamentação estatutária da R. que os AA., embora sendo associados desta, não integram a Assembleia Geral, sendo esta apenas constituída pela reunião de todos os elementos dos órgãos administrativos dos Clubes e Associações de Caçadores filiados na R.

            Tal entendimento, ao contrário do propugnado pelos recorrentes, não viola o disposto no Art. 175º do CC, pois, a interpretação deste normativo legal carece de ser conjugada com os estatutos da R. a respeito dos direitos dos seus associados.

            Estipula-se no Artigo 175º do CC, a respeito do funcionamento da Assembleia Geral, que:

            « 1. A assembleia não pode deliberar, em primeira convocação, sem a presença de metade, pelo menos, dos seus associados.

            2. Salvo o disposto nos números seguintes, as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes.

            3. As deliberações sobre alterações dos estatutos exigem o voto favorável de três quartos do número dos associados presentes.

            4. As deliberações sobre a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva requerem o voto favorável de três quartos do número de todos os associados.

            5. Os estatutos podem exigir um número de votos superior ao fixado nas regras anteriores.  »

            A interpretação que tal preceito legal comporta não passa pelo entendimento - que parece ser o dos recorrentes quando dizem que o mesmo discrimina os associados - de que todos os associados de cada associação têm o direito de participar nas deliberações que têm lugar nas Assembleias Gerais e quiçá que todos eles têm iguais direitos, mas antes o de que nessas deliberações com o funcionamento ali definido, participam os sócios que, de acordo com os direitos estatutariamente definidos, têm esse direito, pois que só estes têm direito de voto e a responsabilidade de formar a vontade do colectivo.

             Tal dispositivo legal não impõe que cada associado independentemente dos direitos que os estatutos lhe conferem tenha direito de participar nas deliberações, exercendo o seu direito de voto, nas Assembleias Gerais, o que impõe é que estas funcionem nos moldes nele contemplados, ou seja, deliberando em primeira convocação, com a presença de metade, pelo menos, dos seus associados com direito de voto, aprovando as deliberações nelas tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes com direito de voto, mediante a exigência do voto favorável de três quartos do número dos associados presentes com direito de voto para as deliberações sobre alterações dos estatutos, e mediante a exigência do voto favorável de três quartos do número de todos os associados com direito de voto sobre as deliberações que respeitem à dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva.

            Donde resulta que os direitos conferidos a cada um dos associados depende do que a esse respeito se mostre estipulado nos estatutos de cada associação em particular, pois só assim, se compreende que no normativo legal contido no citado Art. 167º do CC, se contemple a possibilidade dos estatutos poderem especificar os direitos e obrigações dos seus associados, nada obstando a que esses direitos sejam diferentes em relação aos vários associados, bem podendo de acordo com esses estatutos alguns dos associados serem portadores de direitos e deveres na responsabilidade de formação da vontade do colectivo da associação e outros desses associados não, entendimento que não viola o disposto no Art. 175º do CC.

            Bem andou, pois, a sentença recorrida ao considerar que aos AA., apesar de associados da R., não assistia o direito de participar nas Assembleias Gerais, para as quais, por isso, também se não impunha a respectiva convocação individual.

            A solução dada a esta questão, atentos os pedidos formulados nos autos pelos AA., surgia como prévia em relação à questão verdadeiramente substantiva, qual seja a de saber se as deliberações impugnadas se apresentavam viciadas.

            Daí que, igualmente se mostra acertado o entendimento sufragado na sentença recorrida no sentido de que os AA. carecem de legitimidade para invocar a anulabilidade das deliberações tomadas em tais assembleias gerais que através da presente acção se aprestaram a impugnar.

            Com efeito, só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece (artigo 286º, nº 1, do Código Civil), donde, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit. página 264. “Não basta ter interesse na anulação para legitimar a intervenção da parte que a invoca. … exige-se que seja a pessoa no interesse do qual a lei estabelece a anulabilidade”.

Não merece, pois, e em face do que fica exposto, qualquer reparo a sentença recorrida,m a qual, por isso se mantém, mostrando-se prejudicada a apreciação da excepção de caducidade do direito dos autores para a invocação da anulabilidade de tais deliberações, ultima das questões suscitadas nas conclusões do recurso.

            IV- Sumário ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

            1. O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.

            2. Decisão surpresa é aquela que comporta uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo.

            3. O direito dos associados participarem nas Assembleias Gerais duma associação afere-se pelos direitos conferidos aqueles e da interpretação do que a esse respeito se estabelece nos respectivos estatutos.

            4. O associado que não tem direito de participar nas deliberações das Assembleias Gerais não tem legitimidade para invocar a anulabilidade destas.


***

            V- Decisão

            Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

            Custas pelos apelantes.

Maria José Guerra ( Relatora)                        

Albertina Pedroso

Carvalho Martins