Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1422/04.3TBCVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO
ACTO MÉDICO EM ESTABELECIMENTO HOSPITALAR
Data do Acordão: 09/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA COVILHÃ - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 44º Nº1 DO ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (ETAF), DL Nº 288/02, DE 10 DE DEZ., 12º DA LEI Nº 56/79, DE 15 DE SET., 8º Nº3 DO ESTATUTO DO MÉDICO, 22º E 271º Nº1 DA CRP, 2º Nº1 E 3º Nº1 DO DL Nº 48051, DE 21 DE NOV. DE 1967 E 37º Nº2 AL.F) DO CÓD. DE PROC. NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (LEI Nº 15/2002, DE 22 DE FEV.).
Sumário: 1. São actos de gestão pública os prestados no exercício de uma função pública, para os fins de direito público da pessoa colectiva. Insere-se, assim, no âmbito dos actos de gestão pública, o acto ilícito, violador dos direitos de terceiro, de funcionário – nomeado, contratado ou assalariado-, no exercício das suas funções públicas e por causa desse exercício, para os fins de direito público da pessoa colectiva, cabendo, no entanto, no âmbito da gestão privada, o mesmo acto, se praticado fora do exercício da função pública, ou, dentro dela, mas para um fim estranho à mesma.

2. O acto médico, praticado pelo réu, médico do Centro Hospitalar, sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, à data da prática dos factos, é um acto de gestão pública.

3. São da competência dos tribunais administrativos, as acções contra a Administração, relativamente a danos decorrentes de actos de gestão pública. Compete aos Tribunais Administrativos de Círculo, por via de regra, conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa.

4. Os Tribunais Administrativos de Círculo são os tribunais competentes, em razão da matéria, para conhecer da responsabilidade civil extracontratual por actos médicos praticados em estabelecimentos hospitalares oficiais.

5. As acções propostas pelos particulares lesados, por actos ilícitos administrativos geradores de responsabilidade civil extracontratual, praticados por agentes da administração central- no exercício das suas funções e por causa delas -, com vista a obter a reparação dos danos causados, são acções condenatórias, que seguem os termos do processo civil de declaração, na forma ordinária, da competência dos Tribunais Administrativos de Círculo.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A... e B..., residentes na Rua das Cerzideiras, Quinta da Alâmpada, BI.2, r/c, esq., na Covilhã, interpuseram recurso de agravo da decisão que, na acção com processo ordinário que moveram contra o Dr. C..., com domicílio profissional no Centro Hospitalar da Cova da Beira, na Covilhã, em que pedem a sua condenação no pagamento da quantia global de 289278,74€, por alegada imprudência, precipitação e inconsideração do réu, no acto de parto do menor D..., filho dos autores, julgou procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal, declarando que os Tribunais Administrativos são os competentes para dirimir o litígio e, em consequência, absolveu o réu da instância, terminando as suas alegações, onde sustenta a revogação da mesma, formulando as seguintes conclusões:
1ª – O Centro Hospitalar Cova da Beira, à data da ocorrência dos factos enunciados na petição inicial, era uma empresa pública, dado se tratar de uma entidade pública de capital totalmente público de tipo institucional e de substrato empresarial, cujo diploma que regula o sector empresarial do Estado — DL nº 558/99 de 17/12 - dispõe que as empresas públicas (cfr. artigo 3o), regem-se pelo direito privado, competindo nos termos do preceituado no nº 1 do artigo 46 do DL n°260/76 de 8/4, aos Tribunais Judiciais todos os litígios em que seja parte uma empresa pública, incluindo as acções para efectivação da responsabilidade civil por actos dos seus órgãos.
2ª - O agravado não goza, na situação em apreço nos autos, de quaisquer prerrogativas de autoridade, nem pela sua natureza, nem porque as mesmas lhe tenham sido expressamente cometidas, porque a sua actuação se não conforme com a actuação das normas de direito público, tratando-se antes de uma actuação no âmbito de uma relação jurídica privada constituída naquele momento entre dois sujeitos de direito privado.
3ª – O acto praticado pelo agravado não pode ser caracterizado como acto
administrativo, mas sim como acto integrado na esfera do comercio jurídico
privado, cujo contencioso se encontra fora do âmbito da jurisdição dos Tribunais Administrativos, de acordo com o preceituado nos artigos 3º e 4o, al. f) do ETAF.
4ª - Definindo a CRP a competência dos Tribunais Administrativos como relativa à apreciação das relações jurídico-administrativas e excluindo o artigo 4° nº 1 al. f) da jurisdição administrativa a apreciação de actos negociais como questões de direito privado «ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público», não poderá resultar a aplicação na questão sub judice do direito administrativo (Ac. 3/4/01, Proc. N.° 47/374; in AP D.R: de 8/8/03, 2700).
5ª - No caso dos autos, atendendo à factualidade invocada na petição inicial, são os tribunais comuns os materialmente competentes para a acção instaurada por um particular contra o agravado e na situação sub judice é competente o Tribunal Judicial da Covilhã.
Nas suas contra-alegações, o réu defende que deve ser confirmada a decisão recorrida, julgando-se o agravo improcedente.
O Exº Juiz sustentou a decisão questionada, por entender que não foi causado qualquer agravo ao recorrente.
Os factos com interesse relevante para a decisão do mérito do agravo constam, essencialmente, do antecedente relatório.

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Tudo visto e analisado, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
A única questão a decidir no presente agravo, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber qual é o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer da responsabilidade civil por actos médicos praticados em estabelecimentos hospitalares oficiais.

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DA COMPETÊNCIA MATERIAL POR ACTOS MÉDICOS PRATICADOS EM ESTABELECIMENTOS HOSPITALARES OFICIAIS

O Estado, que se inclui entre as pessoas colectivas de direito público, vive conformado e delimitado pela lei, que lhe define as atribuições, os poderes, os órgãos e a autoridade derivada da soberania, que é a autoridade pública, exercendo os poderes e deveres nas relações que estabelece com as demais entidades jurídicas existentes na comunidade política, entre as quais os cidadãos de que se distingue[ Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, T1, 1973, 185 e 186; e Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, T1, 1983, 121 e 122.].
Por outro lado, não se confundem o Estado e os funcionários que actuam ao seu serviço, mas que mantêm uma individualidade humana e jurídica e um património distintos. Se um funcionário age como sujeito privado, é o seu património pessoal que responde pelas dívidas contraídas ou pelos danos causados a outrem, enquanto que se actua, no exercício das suas funções e por causa delas, já é, em princípio, o património do Estado o responsável pelas dívidas assumidas e pelos danos causados[ Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, 1987, 200.].
E, também, não se confundem o Estado e os cidadãos, porquanto os particulares ou administrados são, igualmente, sujeitos de relações de direito administrativo, quer os indivíduos, pessoas físicas, quer as pessoas colectivas de direito privado.
Com efeito, os particulares não têm, necessariamente, que assumir a posição de sujeitos passivos das relações de direito administrativo, podendo apresentar-se na veste de sujeitos activos, como titulares de direitos subjectivos perante o Estado[ Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, I, 1959, 252 e 331. ].
E a imputação de danos ao Estado, em termos de responsabilidade subsidiária ou solidária, juntamente com o órgão ou agente faltoso, é possível quando a actividade do agente público está, intrinsecamente, ligada à função ou serviço em nome da qual age o funcionário, e não apenas, temporal ou espacialmente, tendo procedido, no exercício das suas funções ou atribuições e por causa delas, e não, somente, por ocasião das mesmas funções[ Gomes Canotilho, O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos, 1974, 64 e 65.].
Por isso, em qualquer acção de responsabilidade civil do Estado, órgão ou agente a qualificação do acto é uma questão prévia essencial.
Ora, são da competência dos tribunais comuns os pedidos de indemnização por danos causados a terceiros, pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no exercício de actividades de gestão privada, atento estipulado pelo artigo 501º, do Código Civil.
Por sua vez, são da competência dos tribunais administrativos as acções de indemnização contra a Administração, relativamente aos danos decorrentes de actos de gestão pública, cabendo-lhes conhecer, em primeira instância, nos termos do disposto pelo artigo 44º, nº 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), por via de regra, “de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa”.
Assim sendo, tudo se resolve em saber se o acto médico praticado pelo réu, médico do Centro Hospitalar da Cova da Beira, sociedade anónima de capitais, exclusivamente, públicos, à data da prática dos factos, por força do DL nº 288/02, de 10 de Dezembro, com a nova redacção introduzida pelo DL nº 207/2003, de 12 de Setembro, é um acto de gestão pública ou antes um acto de gestão privada.
Não alegando os autores o exercício de medicina privada, por parte do réu, nas instalações do Centro Hospitalar da Cova da Beira, resulta das disposições combinadas dos artigos 12º, da Lei nº 56/79, de 15 de Setembro (Lei do Serviço Nacional de Saúde), e 8º, nº 3, do Estatuto do Médico, que “…os utentes, em casos de responsabilidade civil, sempre que sejam lesados nos seus direitos pelos órgãos ou pessoal do SNS, têm direito a ser indemnizados pelos danos causados, nos termos da lei reguladora da responsabilidade civil extracontratual do Estado no domínio dos actos de gestão pública”.
Dispõe, a este propósito, o artigo 3º, nº 1, do DL nº 558/99, de 17 de Dezembro [diploma que estatui sobre o Sector Empresarial do Estado e das Empresas Públicas do Estado], que se consideram “…empresas públicas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante, em virtude da….detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto, ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou fiscalização”.
Nestes termos, os actos de gestão pública são os prestados no exercício de uma função pública, para os fins de direito público da pessoa colectiva, sendo o acto praticado, no âmbito deste domínio, quando um funcionário, no exercício das suas funções públicas e por causa desse exercício, para os fins de direito público desta, pratica um acto ilícito violador dos direitos de terceiro, enquanto que se o mesmo for praticado, fora do exercício da função pública, ou, dentro dela, mas para um fim estranho à mesma, já se está no âmbito dos actos de gestão privada.
E não importa que se trate de um funcionário nomeado ou de um contratado ou assalariado, porquanto a razão de ser da norma é sempre a mesma, sendo, portanto, indiferente a questão de saber qual a situação do réu, dentro do quadro médico do Centro Hospitalar da Cova da Beira, adquirido que está que aí exercia funções profissionais oficiais.
Como assim, a actividade médica levada a cabo pelos serviços hospitalares de natureza pública, mesmo sob a forma de gestão empresarial societária, deve ser considerada como actividade de gestão pública, actuando os seus servidores, no exercício das respectivas funções, no desenvolvimento de uma actividade pública, para os fins de direito público da pessoa colectiva e, portanto, no domínio dos actos de gestão pública.
Neste enquadramento, questiona-se o fundamento jurídico da responsabilidade civil da Administração, nos Hospitais Públicos, resultante de danos causados aos respectivos utentes ou terceiros.
Efectivamente, as pessoas admitidas nos hospitais são utentes do serviço público hospitalar, estabelecendo-se uma relação de serviço público entre umas e outros, devendo o serviço hospitalar agir com o zelo e diligência adequados á situação particular dos utentes a que se destina, como obrigação de carácter geral, resultante da lei, porquanto se falta, culposamente, a esse dever, causando danos, por omissão dos seus agentes, o hospital público tem o dever de indemnizar.
Assim sendo, tendo a vinculação do hospital público, perante utentes ou terceiros, a natureza de uma relação de serviço público, a responsabilidade em que incorre assume, necessariamente, carácter extracontratual.
Trata-se, com efeito, de uma responsabilidade de natureza extra-contratual, em que a obrigação de indemnizar nasce da violação de uma disposição legal ou de um direito absoluto, sendo esta, também, a concepção que melhor se adapta à essência dos serviços públicos ou de interesse público, porquanto qualquer pessoa, indistintamente, pode utilizá-los, nas condições gerais e impessoais dos respectivos estatutos e regulamentos, sem possibilidade da sua recusa ou da negociação de cláusulas particulares[ Vaz Serra, Responsabilidade Civil do Estado e dos seus Órgãos ou Agentes, BMJ, nº 85, 476 a 497; Joaquim Silva Carneiro, Responsabilidade da Administração Hospitalar, RDES, Ano XIX, 123 e ss.; STJ, de 7-5-74, BMJ nº 237, 196; RT, Ano 93º, 282.].
Revertendo à situação factual em apreço, importa reter que os autores imputam ao réu, na qualidade de médico, a título de culpa, a pratica de actos lesivos da pessoa do menor, seu filho, de carácter irreversível e incapacitante, ocorridos no momento do parto, e violadores dos seus deveres funcionais.
A hipótese em análise situa-se, como já se disse, no domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por facto ilícito culposo.
Na ordem jurídica portuguesa, a matéria da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública tem assento constitucional, porquanto a responsabilidade das entidades públicas está, expressamente, consagrada no artigo 22º, da Lei Fundamental, ao estatuir que “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
Por sua vez, o artigo 271, nº 1, também da Constituição da República, determina que “os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos...”.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado, no domínio da função administrativa, encontra-se ainda hoje regulada, nuclearmente, pelo DL nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, que define os termos da responsabilidade do Estado e das demais pessoas colectivas públicas, por factos ilícitos culposos, por factos casuais e por factos lícitos.
No que respeita a factos ilícitos, o Estado responde, perante terceiros, pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos, culposamente, praticados, pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos, no exercício das suas funções e por causa delas, em conformidade com o disposto pelo artigo 2º, nº 1, do aludido DL nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, sendo certo que o respectivo artigo 3º, nº 1, se refere à responsabilidade dos próprios titulares do órgão e dos agentes administrativos quando excederem os limites das suas funções, ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido, dolosamente, sendo, neste último caso, a pessoa colectiva, solidariamente, responsável com o titular do órgão ou agente.
E, havendo danos decorrentes da actividade de gestão pública, o Estado e os seus agentes respondem por eles, segundo as normas constantes do DL nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, e perante os Tribunais Administrativos.
Efectivamente, nos termos do disposto pelo artigo 44º, nº 1, do ETAF, compete aos Tribunais Administrativos de Círculo, por via de regra, conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa.
A isto acresce que as acções propostas pelos particulares, para efectivar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por danos resultantes de actos de gestão pública, seguem a forma da acção administrativa comum, em conformidade com o estipulado pelo artigo 37º, nº 2, f), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, resultante da Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, que entrou em vigor, no dia 1 de Janeiro de 2004.
Assim sendo, os autores, enquanto lesados por alegados actos ilícitos administrativos geradores de responsabilidade civil extracontratual, praticados por um médico do Centro Hospitalar da Cova da Beira, podem obter a reparação dos danos causados, por via de acção, da competência dos Tribunais Administrativos de Círculo.
A isto acresce que a competência material dos tribunais civis é aferida, por critérios de atribuição positiva, segundo os quais pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente, civil ou comercial, e de competência residual, segundo os quais se incluem na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum outro tribunal[ Miguel Teixeira de Sousa, A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, 1999, 31 e 32.].
Por isso, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual, a quem pertencem as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, princípio este que se encontra plasmado no texto do artigo 66º, do CPC, quando estabelece que "são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

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Assim, em relação ao réu que, alegadamente, terá praticado actos ilícitos, a coberto de uma relação jurídica de natureza administrativa, considerando que procede a invocada excepção dilatória, em que se traduz a incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal Judicial, por força das disposições conjugadas dos artigos 101º, 102º, nº 1, 103º e 105º, nº 1, do CPC, caberia ao Tribunal Administrativo de Círculo a apreciação da sua responsabilidade.
Por isso, o réu deve ser absolvido da instância, por se verificar, além do mais, a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria.

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CONCLUSÕES:

I - As acções propostas pelos particulares lesados, por actos ilícitos administrativos geradores de responsabilidade civil extracontratual praticados por agentes da administração central, com vista a obter a reparação dos danos causados, são acções condenatórias, que seguem os termos do processo civil de declaração, na forma ordinária, da competência dos Tribunais Administrativos de Círculo.
II – Só tem cabimento o regime legal que afasta o dever de responsabilidade do Estado ou ente público, deixando subsistir a responsabilidade pessoal e directa do agente, quando o excesso do limite das funções implica a pratica, por este, de um acto sem conexão interna ou causal com a função.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar não provido o agravo e, em consequência, confirmam a decisão recorrida, determinando a verificação da excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, em razão da matéria, por a mesma pertencer ao Tribunal Administrativo de Círculo respectivo.

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Custas, a cargo dos autores-agravantes.

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Notifique.