Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
179/10.3GBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
Data do Acordão: 10/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OURÉM - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 147º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Na audiência de julgamento, quando se trate não de proceder ao “reconhecimento” do arguido mas à identificação do mesmo pela testemunha como sendo o autor dos factos em discussão, o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do artigo 127º, do C. Proc. Penal, e não a «prova por reconhecimento», a que alude o artigo 147º, do mesmo Diploma Legal.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
           
1. No processo comum singular n.º 179/10.3GBVNO do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, por sentença datada de 10 de Março de 2011, foi decidido condenar o arguido A...:
· pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art.º 143.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a quantia global de €600,00 (seiscentos) euros;
· a pagar ao demandante B... a quantia de €800,00 (oitocentos euros) a titulo de danos morais sofridos com a actuação do demandado acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a notificação do pedido cível ao demandado e até efectivo e integral pagamento;
· a pagar ao demandante B... a quantia de €293,10 (cento e dezoito euros e vinte e oito cêntimos) a titulo de danos patrimoniais sofridos com a actuação do demandado acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a notificação do pedido cível ao demandado e até efectivo e integral pagamento;
· a pagar ao demandante Hospital de WW... EPE a quantia de 111,50€ a titulo de danos patrimoniais sofridos com a actuação do demandado acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a notificação do pedido cível ao demandado e até efectivo e integral pagamento;
· nas custas criminais do processo, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC.

            2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O depoimento da testemunha D..., não é merecedor de qualquer credibilidade, uma vez que está recheado de contradições e é inverosímil face às regras da experiência;
2. O depoimento daquela testemunha, único meio de prova que foi produzido em Audiência de julgamento a respeito das alegadas ofensas corporais, levanta dúvidas insanáveis;
3. Afiguram-se-nos erróneas as conclusões das alíneas a) a i) da matéria de facto dada como provada na douta sentença ora posta em crise;
4. As dúvidas são mais que as certezas, motivo pelo qual o Tribunal recorrido devia ter aplicado o princípio in dubio pro reo e absolvido o arguido, o que não fez;
5. O ónus da prova cabe à acusação e não à defesa e, sendo um direito do arguido manter- se em silêncio sobre os factos de que é acusado, não pode ser prejudicado por esse motivo, como entende que o foi na douta sentença recorrida;
6. Nos termos da alínea a) e b) do n° 3 do art° 412° do Cód. Proc. Penal, deverão ser consideradas como não provadas as alíneas a) a i, dos “factos provados” por ausência de prova credível e segura da sua verificação;
7. Deve o arguido ser absolvido da acusação e, bem assim, dos pedidos cíveis contra si formulados;
8. Subsidiaria e cautelarmente, entende o arguido ser as condenações aplicadas excessivamente severas e desproporcionadas em relação aos factos apurados, à culpa, à sua personalidade e às exigências de prevenção;
9. Deve ser reduzida a pena de multa aplicada para, no máximo, metade do valor, o que permitirá sancionar convenientemente a conduta, bem como acautelar a defesa da sociedade e a prevenção da criminalidade;
10. A douta sentença recorrida considerou um período de incapacidade superior ao que resulta dos “factos provados” pelo que, incorreu na nulidade prevista no art° 379°, n° 1, alínea b), do Cód. Proc. Penal, o que se invoca com legais consequências;
11. Subsidiaria e cautelarmente deve a quantia arbitrada a título de danos morais ser reduzida, no máximo, para metade daquela que foi aplicada na douta sentença recorrida por tal ser adequado e proporcional às reduzidas consequências que terão resultado da acção do arguido;
12. Ainda subsidiaria e cautelarmente deve ser reduzida para, no máximo, o valor de 106,58
€ a quantia atribuída a título de danos patrimoniais
pois, apenas resultou provado um
período de incapacidade para o trabalho (baixa) de 8 dias;

13. Existe erro notório na apreciação da prova;
14. A sentença, embora douta, foi incorrectamente julgada;
15. Para além do mais violou, entre outras, as seguintes disposições legais – artigo 143°, n° 1 do Cód. Penal; art°s 126°; 379°, n° 1, alínea b) e 410°, n° 2, alínea b) e c), do Cód. Proc. Penal.
TERMOS EM QUE, NOS DEMAIS E MELHORES DE DIREITO
QUE V. EXCIAS MERETISSIMOS JUIZES DESEMBARGADORES
HÃO-DE SUPRIR, DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO E JULGADO PROCEDENTE E, EM

CONSEQUÊNCIA, SER:
A) O ARGUIDO ABSOLVIDO DA PRÁTICA DO CRIME DE
OFENSAS CORPORAIS SIMPLES E DOS PEDIDOS DE
INDEMNIZAÇÃO CIVEIS, COM BASE NO PRÍNCIPIO
IN
DUBIO PRO REO,

B) CAUTELARMENTE E, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SER
A PENA DE MULTA E O VALOR DA INDEMNIZAÇÃO POR
DANOS NÃO PATRIMONIAIS REDUZIDAS PARA, NO MÁXIMO,
METADE DOS RESPECTIVOS VALORES E A INDEMNIZAÇÃO
POR DANOS PATRIMONIAIS FIXADA EM QUANTIA NÃO
SUPERIOR A 106,38
€»,

            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, defendendo o sentenciado.
  
4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 164-166, aderindo à argumentação do Colega de 1ª instância, peticionando a final a total improcedência do recurso.

            5.
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.
           
            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
 1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir prendem-se com o seguinte:
a)- existe a nulidade da sentença prevista no artigo 379º/1 b) do CPP?
b)- houve ou não erro de julgamento quanto à factualidade a) a i) do rol de factos provados?
c)- foi violado o princípio do «in dubio pro reo»?
d)- houve erro notório na apreciação da prova?
e)- a pena de multa foi exagerada?
f)- é recorrível a decisão cível?

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA
            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):
a) No dia … de 2010, cerca das 09 horas e 30 minutos, quando se encontravam junto à Rotunda …, área desta comarca, gerou-se um desentendimento entre o ofendido B… e o arguido.
b) Na sequência desse desentendimento, o arguido, com as suas mãos, empurrou o ofendido, tendo este se desequilibrado e caído contra o solo, onde bateu com a cabeça, com a face e com o punho direito.
c) Ao actuar da forma supra descrita o arguido provocou, de modo directo e necessário, ao ofendido, que é o beneficiário n.º 095185812 da Segurança Social, ferida do lábio superior com 0,5 cm de comprimento, dor no punho direito com edema, cefaleias na região frontal direita e traumatismo do punho direito.
d) Lesões essas que determinaram ao ofendido, pelo menos, um período de 10 [dez] dias para a cura, 5 [cinco] dos quais, com afectação da capacidade de trabalho geral, e 8 [oito] com afectação da capacidade para o trabalho profissional.
e) O arguido bem sabia que com o seu comportamento acima descrito molestava fisicamente o ofendido e lhe causava ferimentos, dores e padecimento, objectivo que logrou alcançar e quis fazê-lo.
f) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente.
g) Bem sabendo que o seu comportamento era e é proibido e punido por lei penal.
h) O demandante sofreu fortes dores e incómodos com a agressão física perpetrada pelo demandado.
i) Em consequência da agressão o demandante ficou de "baixa" num período de 22 dias.
j) O subsídio de doença que o demandante recebeu foi de € 17,65/ dia.
k) Face à agressão o demandante foi tratado no Hospital, tendo pago € 8,40.
l) Na sequência da agressão, o ofendido foi transportado de ambulância para o Hospital tendo pago aos Bombeiros Voluntários de Fátima a quantia de € 30,60.
m) Na sequência dos factos referidos supra B... recebeu tratamento hospitalar no Hospital de WW... EPE.
n) O tratamento efectuado importa na quantia de €111,50.
o) Do CRC do arguido nada consta.
Mais se provou que:
p) Aquando do referido em b) o ofendido estava em cima de uma bicicleta.
q) O ofendido auferia o salário médio mensal de cerca €1000,00.
r) O arguido está desempregado, vive com os pais».

2.2. Quanto A FACTOS NÃO PROVADOS, temos o seguinte, com interesse para a sorte deste recurso:
«1. O demandante, em média, auferia mensalmente, pelo menos, € 1 400,00».

2.3. Para formar a sua convicção, argumentou assim o tribunal «a quo», na parte que interessa à economia decisória deste recurso:
«O tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados:
- nas declarações de D..., que assistiu aos factos descritos na acusação e que em audiência, e após ter visualizado o arguido, não teve duvidas em lhe atribuir a autoria dos mesmos.
- tiveram-se em conta as declarações de F..., mulher do queixoso e que não obstante esta qualidade depôs com isenção e credibilidade e que descreveu das lesões e consequências a nível pessoal e patrimonial que o acto perpetrado pelo arguido (ao qual não assistiu) teve para o seu marido.
Mencionou do salário médio mensal auferido por este.
Considerou-se o Exame médico-legal de fls. 53 e ss que atesta as lesões padecidas pelo ofendido.
Documentos de fls. 75, 80 e 81, 82, 83 a 85, 86 e 87, que atestam, respectivamente o seguinte: valor do tratamento prestado ao ofendido; período de incapacidade para o trabalho sofrido pelo ofendido; percentagem de remuneração paga ao ofendido no período de incapacidade; retribuições mensais recebidos pelo ofendido, pagamento pelo ofendido de taxa de urgência; pagamento do transporte aos bombeiros voluntários de Fátima;                                                           No que diz respeito à ausência de antecedentes criminais, o tribunal atendeu ao CRC de fls.113.
            Relativamente á situação económica do arguido teve-se em conta o declarado para a concessão do apoio judiciário junto a fls. 40.  
Posto isto, e relativamente ao período de cura importa dizer que parece estarmos perante uma contradição entre a perícia médica e os certificados de incapacidade para o trabalho juntos aos autos. Ora, a este propósito importa dizer que, se é certo que a perícia revelou uma incapacidade profissional inferior, não podemos descurar que tendo em conta que a mesma foi realizada cerca de um mês e meio após a data dos factos e que a mesma tem por base uma estimativa face aos ferimentos apresentados, cremos que será de considerar a incapacidade para o trabalho que foi atribuída pelo médico que certificou os documentos juntos a fls. 80 e 81 que consultou o ofendido e não teve dúvidas em constatar a incapacidade do mesmo para trabalhar durante 22 dias».

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            3.1. Vem o arguido interpor recurso da sentença em que foi condenado pela prática de:
· de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º nº 1 do CP, na pena de 120 dias de multa, à taxa de € 5.
Impugna, pois, a factualidade tida como ocorrida em 23/5/2010, recorrendo da parte criminal e da parte civil dessa condenação.
Quanto ao RECURSO CÍVEL, diga-se desde já o seguinte:
A condenação cível foi do seguinte teor:
- foi condenado o arguido/demandado a pagar ao demandante a quantia de € 1093,10, sendo € 800 a título de danos não patrimoniais (morais) e € 293,10 a título de danos patrimoniais.
No que diz respeito aos princípios gerais atinentes à tramitação dos recursos ordinários, adianta o artigo 400°, n.° 2 do CPP  que «o recurso da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada», sendo tais requisitos cumulativos.
Ora, a alçada dos tribunais da 1ª instância era (e mantém-se), à data da formulação do pedido cível (8/10/2010[2]), de € 5.000,00[3] (artigo 24.°, n.° 1, da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro, e redacção decorrente do Decreto-Lei n.° 303/07, de 24 de Agosto).
Ao pedido cível deduzido nos autos foi atribuído o valor de € 1677,22, tendo o demandado sido condenado a pagar ao demandante a quantia global de € 1093,10.
Ou seja, conjugando-se tais disposições legais, a sentença proferida mostra-se insindicável, no que tange à condenação no pedido cível, por intermédio de recurso ordinário.
De facto, o valor do pedido não chega aos € 5000 e a condenação não atinge os exigíveis € 2.500, um dos 2 requisitos em causa.
Em conclusão, e sem necessidade de mais considerações, há que concluir que tal parte da sentença é irrecorrível[4].
Improcedem, pois, as conclusões 11ª e 12ª.

3.2. NULIDADE DA SENTENÇA
Começa o arguido por arguir a nulidade da sentença pelo facto de ter havido uma condenação por factos diversos dos narrados na acusação, o que consubstancia uma alteração não substancial de factos, não tendo sido feita a comunicação a qual alude o artigo 358º do CPP, o que acarreta a nulidade do artigo 379º/1 b) do mesmo diploma.
E é por aí que começaremos.
Na tese do recorrente, a sentença recorrida considerou um período de incapacidade superior ao que resulta dos “factos provados” pelo que incorreu na nulidade prevista no art° 379°, n° 1, alínea b), do CPP, o que se invoca com legais consequências.
É verdade que, a este propósito, o tribunal recorrido dá como provados dois factos:
1º FACTO - d)- Lesões essas que determinaram ao ofendido, pelo menos, um período de 10 [dez] dias para a cura, 5 [cinco] dos quais, com afectação da capacidade de trabalho geral, e 8 [oito] com afectação da capacidade para o trabalho profissional (facto oriundo da acusação);
2º FACTO – i)- Em consequência da agressão o demandante ficou de "baixa" num período de 22 dias (facto oriundo do pedido de indemnização civil).
Ora, o 1º facto, o d) é o que consta da acusação, apenas se tendo acrescentado o «pelo menos».
O 2º facto, o i), tem interesse para a condenação cível, intocável face à irrecorribilidade da sentença nesse particular.
Acontece que o facto d) é suficiente para a condenação do arguido como autor do crime de ofensa contra a integridade física, na medida em que se seguirá o entendimento consignado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 18/12/1991, segundo o qual este crime está consumado, ainda que a vítima não «sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho».
Como tal, não estaremos perante qualquer «alteração não substancial de factos», tal como o define o artigo 358º do CPP, assente que o facto i) releva do PIC e não da acusação.
Recordemos conceitos.
Dada a estrutura acusatória basicamente acusatória integrada pelo princípio da investigação judicial do nosso processo penal, o tribunal está vinculado ao thema decidendum definido pela acusação – princípio da vinculação temática – como forma de assegurar a plenitude da defesa, garantindo ao arguido que apenas tem que defender-se dos factos acusados, e não de outros, e que apenas poderá ser condenado pelos factos acusados, e não por outros.
Daí que a lei fulmine com nulidade a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e condições previstos nos arts. 358º e 359º do C. Processo Penal (art. 379º, nº 1, b), do mesmo código).
Mas, em certas circunstâncias, e no que à fase do julgamento respeita, pois só esta agora releva, o Código de Processo Penal possibilita o conhecimento de novos factos e a condenação do arguido por eles.
Assim, se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver – isto é, quando os novos factos conhecidos na audiência não excedem o âmbito do objecto do processo, tal como foi definido na acusação – o tribunal pode deles conhecer, desde que, oficiosamente ou a requerimento, comunique tal alteração ao arguido e lhe conceda, se requerido, o prazo necessário para a preparação da respectiva defesa, salvo se os novos factos tiverem sido alegados pela defesa (art. 358º, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal).
Aqui chegados, só poderemos concluir que:
- não estamos perante qualquer facto novo que apenas tenha surgido por ocasião da audiência (já constando o documento em causa desde o inquérito, referido até no próprio pedido de indemnização cível do demandante – artigo 6º), tendo nós como assente que se exige que os novos factos, para efeitos do artigo 358º do CPP, terão de resultar efectivamente indiciados na sequência de prova produzida na audiência;
- não é tal facto relevante para a decisão criminal da causa, de todo em todo (poderia considerar-se o arguido como autor do crime em causa sem prova concreta dos dias exactos de baixa médica).
Além disso, dir-se-á que, mesmo considerando que são novos factos, e que estamos perante uma alteração não substancial dos mesmos, não haveria nunca necessidade de fazer a comunicação a que alude o artigo 358º/1 do CPP – de facto, apenas se fez uma RESTRIÇÃO – em vez de baixa por 10 dias, escreveu-se baixa de, pelo menos[5], de 10 dias - na sentença relativamente à MATÉRIA FACTUAL que constava da acusação, sendo certo que esta restrição não consubstanciou qualquer alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido.
Como tal, improcede a arguição de nulidade nos termos expostos, não ocorrendo qualquer supressão dos direitos da defesa, por violação do comando constitucional do artigo 32º/5 da CRP (já que não se vislumbra em que é que foi o recorrente prejudicado no seu legal direito ao contraditório), improcedendo, assim, a conclusão 10ª.

3.3. RECURSO DE FACTO
a)- É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer do RECURSO DE FACTO pela seguinte ordem:
· primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada;
· e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal (a chamada impugnação restrita ou revista alargada da matéria de facto).
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

b)- O erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados[6].
            A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acordãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.

c)- A este propósito, sempre se dirá que as conclusões do recurso do arguido não primam pela perfeição processual no que tange à elaboração das CONCLUSÕES.
Incidindo este recurso sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe ao recorrente o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Sobre este último requisito importa ainda referir que ao recorrente é exigível que quando efectue a indicação concreta da sua divergência probatória, fazendo-o para os suportes onde se encontra gravada a prova, faça a remissão para os concretos locais da gravação que suportam a tese do recorrente (neste sentido, de forma claríssima cf. o Ac desta Relação de 24.02.2010, e Relação do Porto de 14.02.2000 in www. dgsi.pt). É essa imposição que decorre do artigo 412º, nº 4 do Código de Processo Penal refere que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º”.
 O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
Convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
Ora, no nosso caso, apenas na motivação faz o recorrente uso do ónus de impugnação especificada, não o fazendo nas conclusões.
Ao estabelecer que o recorrente tem que indicar as provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto o legislador quer sublinhar que «o recurso não é um novo julgamento, [mas] sim um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada. É que houve um julgamento em 1ª instância. E do que aqui se trata é de remediar o que de errado ocorreu em 1ª instância. O recurso como remédio jurídico (conforme se refere no Ac. RC de 3.2.2010, relator Gomes de Sousa).
No nosso caso, não nos ancoraremos em argumentos formais e ouviremos a prova gravada (A TESTEMUNHA D...), SEM QUALQUER CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DAS CONCLUSÕES.
E tal faremos até ancorados em recente e sábia decisão do STJ, datada de 1/7/2010 (Pº 241/08.2GAMTR.P1.S1).
Nesse aresto, assim se escreveu:
«O Tribunal da Relação, perante as falhas que apontou ao recurso quanto à impugnação da matéria de facto por confronto com as provas produzidas na audiência e documentadas em acta, falhas essas que revelariam um alegado mau cumprimento do disposto nos n.°s 3 e 4 do art.° 412.° do CPP, deveria ter mandado aperfeiçoar as conclusões do recurso antes de se pronunciar, como tem sido jurisprudência constante deste STJ e do Tribunal Constitucional, para permitir um segundo grau de recurso em matéria de facto.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar inconstitucional, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento (cfr. Acs de 26-9-01, proc. n.° 2263/01, de 18-10-01, proc. n.° 2374/01, de 10-4-02, proc. n.° 153/00, de 5-6-02, proc. n.° 1255/02, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17-2-05, proc. n.° 4716/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 2951/05-5).
Assim decidiu que “(5) se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.° 3 e especialmente do nº 4 do art. 412º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431º do CPP. (6) Este último artigo, como resulta do seu teor, não toma partido sobre o endereçar ou não do convite ao recorrente, em caso de incumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos nos n. s 3 e 4 do art. 412º, antes vem prescrever, além do mais, que a Relação pode modificar a decisão da 1ª instância em matéria de facto, se, havendo documentação da provei, esta tiver sido impugnada, nos termos  do artigo 412º, n.º 3,  não fazendo apelo, repare-se, ao n.º 4 daquele artigo, o que no caso teria sido infringido. (7)- Saber se a matéria de facto foi devidamente impugnada à luz do n.º  3 do art. 412º é questão que deve ser resolvida à luz deste artigo e dos princípios constitucionais e de processo aplicáveis, e não à luz do art. 431º, al. b), cuja disciplina antes pressupõe que essa questão foi resolvida a montante. (8) Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é “a improcedência”, por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. (Acs de 7-11-02, proc. n.º 3158/02-5 e de 15-5-03, proc. n.º 985/03-5)”.
E que, face à declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.°, n.° 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas als. a), b) e e) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (Ac. n.° 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002), não pode manter-se a decisão da Relação que decidiu não tomar conhecimento dos recursos no que se refere à decisão de facto, por não terem os recorrentes dado cumprimento ao imposto nos n.° 3 e 4 daquele art. 412.°.
Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações e ordenar, se for caso disso, a notificação do recorrente para corrigir/completar as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos. (Acs. de 12-12-2002, proc. n.° 4987/02-5, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17- 2-05, proc. n.° 47 16/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Só não será assim se o recorrente não tiver respeitado, de todo, as especificações a que se reporta a norma legal em causa, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação (cfr. os Acs. do STJ de 11-1-01, proc. n.° 3408/00-5, de 8-1 1-01, proc. n.° 2453/01-5, de 4-12-03, proc. n.° 3253/03-5 e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Mas, se o recorrente, como é o caso dos autos, tendo embora indicado os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa, com a indicação, nomeadamente, das testemunhas cujos depoimentos incidiram sobre tais pontos, que expressamente indicou (v.g., falta de vestígios de sangue na roupa, hora cm que ocorreu o homicídio e permanência do arguido no local de trabalho entre determinadas horas), só lhe faltando indicar “as concretas passagens das gravações em que funda a impugnação que imporia decisão diversa”, não se pode dizer que há uma total falta de especificações, mas, quanto muito, uma incorrecta forma de especificar. Tanto mais que, se o recorrente tem o ónus de indicar as concretas passagens das gravações, o tribunal tem o dever de atender a outras que considere relevantes para a descoberta da verdade (art.° 412.°, n.° 6, do CPP), sob pena do recorrente “escolher” a passagem que mais lhe convém e omitir tudo o mais que não lhe interessa, assim se defraudando a verdade material.
A Relação, ao proceder da forma como transcrevemos, não conheceu da impugnação da matéria de facto, já que a rejeitou por razões meramente formais e não deu oportunidade ao recorrente de corrigir os pequenos desvios em que, alegadamente, incorreu.
Portanto, omitiu pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que se reportam os art.°s 379.°, n.° 1, al. e) e 425.°, n.° 4, do CPP».

d)- Vejamos, então, os vários pontos de facto invocados na motivação de recurso do arguido, quanto ao invocado erro de julgamento.
Entende ele que os factos A a I não poderiam ter sido dados como provados, face ao titubeante depoimento gravado da testemunha D... – para si, não foi feita prova bastante de que tenha sido o arguido o autor desta agressão.
O tribunal recorrido explicou-se desta forma quanto à agressão:
«O tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados:
- nas declarações de D..., que assistiu aos factos descritos na acusação e que em audiência, e após ter visualizado o arguido, não teve dúvidas em lhe atribuir a autoria dos mesmos».

Entende o recorrente que não foi feita prova da agressão, apontando pretensas contradições no depoimento da testemunha D..., a única ocular.
Recorde-se que o arguido não prestou declarações em julgamento.
Ora, a verdade é que temos a palavra da testemunha em causa, assente que o próprio ofendido faltou ao julgamento por ausência no estrangeiro.
Que disse ela?
Depôs de forma escorreita e absolutamente convincente.
Referiu que conhece de vista o ofendido B… e que viu, no dia referenciado, cerca das 9/9h30m da manhã, «um tipo» de bicicleta num determinado local, apercebendo-se depois que esse «tipo» era o B….
A testemunha assistiu à ofensa em causa – um empurrão - por parte de uma pessoa que ia a atravessar a estrada, sendo vítima o dito B....
Em julgamento, referiu que a pessoa em causa era o arguido dos nossos autos, tendo-o reconhecido no julgamento.
A testemunha referiu não ter quaisquer dúvidas que o arguido tinha sido o agressor, a instâncias da Exmª Juíza.
É verdade que, em inquérito, esta testemunha referiu que não seria capaz de reconhecer o agressor, já «que não conhecia o indivíduo».
Contudo, constata-se que, afinal de contas, acabou por conseguir fazer essa identificação em julgamento, tendo inclusivamente dito que já o reconhecera no dia do julgamento, quando o encontrou no átrio do foro, sendo até ameaçado por ele.
É perfeitamente razoável que alguém tenha dito que não seria capaz de reconhecer no futuro uma determinada pessoa que não conhecia antes, e que, mais tarde, com ele confrontado, tenha identificado afinal a dita pessoa.
Não vislumbramos aqui qualquer contradição – no inquérito, fez um juízo de valor de suposição («não serei capaz de o identificar no futuro»); no julgamento, viu o arguido e não teve dúvidas de que ele era o agressor dos autos (esse a certeza do momento que faz cair por terra a suposição de outrora).
Como tal, não vislumbramos motivos para duvidar deste veemente depoimento, sujeito a um aceso contraditório, não estando «recheado de contradições» e não sendo «inverosímil face às regras da experiência».

e)- E não se diga que foi um reconhecimento não legal aquele que a testemunha fez do arguido no dia da audiência.
O reconhecimento de pessoas é um dos meios de prova previstos no C.P.P cuja finalidade é apurar o responsável pelo crime, ou seja, identificar a pessoa que foi vista a praticar o facto criminoso, ou que tenha sido vista antes ou depois do facto, em circunstâncias fortemente indiciadoras de ter sido o seu autor.
É óbvio que o resultado probatório positivo, com o reconhecimento do arguido como autor dos factos criminosos em investigação, a traduzir já uma forte suspeição da sua culpabilidade, impõe ao legislador que prudentemente e de forma cuidadosa assegure as necessárias condições de genuinidade e seriedade do acto, impondo a observância de regras através das quais minimize o risco de precipitação ou de falta de rigor.
«Em suma, dada a relevância que na prática assume para a formação da convicção do tribunal, e os perigos que a sua utilização acarreta, um reconhecimento tem necessariamente que obedecer, para que possa valer como meio de prova em sede de julgamento, a um mínimo de regras que assegurem a autenticidade e a fiabilidade do acto.” – Ac TC n.º 452/05 de 25 de Agosto de 2005.
Assim, quanto ao procedimento a que deve obedecer o reconhecimento de pessoas, dispõe o art. 147º, do C.P.P:
N.º 1 – Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.
Nº 2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
 Nº 3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
 Nº 4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.
N.º 4 do artigo 147.º alterado pelo artigo 1.º do Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 15.º alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (DR 29 Agosto).
Redacção anterior
Vigência: 15 Setembro 2007
Nº 5 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.
N.º 5 do artigo 147.º aditado pelo artigo 1.º do Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 15.º alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (DR 29 Agosto).
Vigência: 15 Setembro 2007
Nº 6 - As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.
N.º 6 do artigo 147.º aditado pelo artigo 1.º do Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 15.ª alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (DR 29 Agosto).
Redacção anterior
Vigência: 15 Setembro 2007
Nº 7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.
De notar que a prévia descrição da pessoa a reconhecer permite verificar se a pessoa que o sujeito descreve corresponde ao identificando, avaliar a capacidade perceptiva e de memorização de quem faz a descrição e fixar os parâmetros físicos para a escolha das pessoas que devem entrar na cena cognitiva, o que permite o controlo da credibilidade do reconhecimento e, consequentemente, da sua efectiva atendibilidade.
Convém não esquecer que a pessoa a identificar deve ser colocada ao lado dos figurantes e sempre que possível deve apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento.
Do respeito pelo rigor imposto à respectiva disciplina resultará o valor da diligência como meio de prova, sempre a apreciar livremente pelo tribunal.
No reconhecimento podemos distinguir três modalidades:
a)- o reconhecimento por descrição,
b)- o reconhecimento presencial e
c) - o reconhecimento com resguardo.
O reconhecimento por descrição, previsto no nº 1 daquele artigo, consiste em solicitar à pessoa que deve fazer a identificação que descreva a pessoa a identificar, com toda a pormenorização de que se recorda, sendo-lhe depois perguntado se já a tinha visto e em que condições e sendo, finalmente, questionada sobre outros factores que possam influir na credibilidade da identificação.
Em regra, esta modalidade de reconhecimento funciona como acto preliminar dos demais, e nele não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes ou seja, entre a pessoa que deve fazer a identificação e a pessoa a identificar.
O reconhecimento presencial, previsto no nº 2 do mesmo artigo, tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal – e ela só o será se «satisfizer o critério probatório da fase processual em que o reconhecimento teve lugar» (Prof. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 416).
Esta modalidade de reconhecimento obedece aos seguintes passos:
- Na ausência da pessoa que deve efectuar a identificação, são escolhidos, pelo menos, dois cidadãos, que apresentem as maiores semelhanças possíveis – físicas, fisionómicas, etárias, bem como, de vestuário – com o cidadão a identificar;
- Depois, este é colocado ao lado daqueles outros cidadãos e, se possível, apresentando-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que deve proceder ao reconhecimento [tal só não será possível no caso de uma alteração fisionómica irreversível];
- É então chamada a pessoa que deve efectuar a identificação que, depois de ficar diante do grupo onde se encontra o cidadão a identificar e portanto, depois de ter observado os seus elementos, é perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual, sendo perguntas e respostas – estas e qualquer outra que porventura, tenha sido efectuada, registada no auto respectivo.
O reconhecimento com resguardo, previsto no nº 3 ainda do art. 147º, tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento. Trata-se pois, de uma forma de protecção da testemunha.
Esta modalidade de reconhecimento obedece à sequência descrita para o reconhecimento presencial, mas agora a pessoa que vai efectuar a identificação deve poder ver e ouvir o cidadão a identificar mas não deve por este ser vista. Normalmente, o que sucede é que a pessoa que deve efectuar a identificação é colocada numa divisão distinta daquela onde se encontra o grupo que inclui o cidadão a identificar, separadas por um vidro polarizado que permite que aquela aviste, sem ser vista, o grupo [esta modalidade de reconhecimento não vale para a audiência].
O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos que ficaram expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu (nº 7, do art. 147º, do C. Processo Penal).
Estamos pois perante uma proibição de prova, isto é, o reconhecimento é inválido e não pode, por isso, ser usado no processo designadamente, para fundamentar a decisão [há quem entenda que se trata de uma nulidade - cfr. art. 118º, nº 3, do CPP - embora, ao nível do processo, a utilização de uma prova proibida tenha o mesmo efeito da nulidade do acto ou seja, a prova é nula e por isso não pode servir para fundamentar a decisão (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 126].
A questão fundamental a discutir é a de saber se também se aplicam as regras gerais ao acontecimento ocorrido na audiência destes autos, em que a testemunha, ao confrontar-se com o arguido na sala de audiências, soube identificar este como sendo o autor dos factos que tiveram o queixoso B... como vítima, não ficando ao Tribunal qualquer dúvida quanto à boa sustentação daquela mesma identificação.
Antes da Reforma de 2007, a jurisprudência maioritária entendia que “os requisitos do artigo 147º CPP apenas se aplicam à instrução e inquérito e não à audiência de julgamento” - cf. Acórdãos do STJ de 01-02-96 CJ IV-I-198; de 11-05-2000, BMJ 497-293; de 2-10-96, BMJ 460-534; Acórdão da Relação de Évora de 07-12-2004, proc. 25/03-1; Acórdão da Relação de Lisboa de 11-02-2004, proc. 928/2004-3; Acórdão da Relação de Coimbra de 06-12-2006, proc. 146/05.9GCVIS.C1; Acórdão da Relação de Guimarães de 31-05-2004, proc. 2415/03-1; Acórdão da Relação do Porto de 22-01-2003, proc. 0240877; in www.dgsi.pt).
No entanto, foram surgindo soluções discordantes de forma que a jurisprudência se foi dividindo quanto à natureza dos reconhecimentos em audiência de julgamento:
- certa jurisprudência considerava que este tipo de reconhecimento consubstanciaria prova atípica, admissível nos termos do disposto no artigo 125º CPP (“são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”), valorada nos termos do artigo 127º CPP (livre apreciação da prova). A subjacente interpretação no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo CPP foi julgada inconstitucional por Acórdão nº137/2001, processo nº778/00 do Tribunal Constitucional.
- outra sensibilidade jurisprudencial entendia que o reconhecimento em audiência de julgamento integrado no relato de uma testemunha, não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem prejuízo dos direitos do arguido, na medida em, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o Princípio do Contraditório. Assim sendo, devia o referido “reconhecimento” ser livremente apreciado, nos termos do artigo 127º CPP (cf. neste sentido de que “o reconhecimento de um arguido na audiência de julgamento é prova testemunhal e não prova por reconhecimento” os Acórdãos do STJ de 06-09-2006, proc. nº06P1392; da Relação do Porto de 19-01-2000, proc. nº 9940498 e de 07-11-2007, proc. 0713492).
Já o acórdão do Tribunal Constitucional nº425/2005, proc. 425/05, distingue o reconhecimento propriamente dito, do impropriamente designado reconhecimento, que não passa de “uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas” e submete este às regras de apreciação da prova testemunhal e aquele à disciplina do art. 147º do CPP.
E esclarece muito bem a diferença das situações:
“Assim sendo, nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente – mas que não ocorreu nos autos – é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa, tida como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter de precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido”.
Gomes de Sousa, relator do Acórdão da Relação de Coimbra de 5-05-2010[7] (Pº 486/07.2GAMLD.C1) evidencia que o regime normativo da audiência de julgamento se mostra de difícil compatibilidade com o formalismo previsto no artigo 147º do Código de Processo Penal, claramente pensado para a fase de inquérito ou instrução.
De todo não deixa de assinalar que a questão da realização de um reconhecimento em audiência de julgamento com o cumprimento dos requisitos previstos no nº 2 do artigo 147º do Código de Processo Penal só se coloca se inexistir reconhecimento realizado em inquérito ou instrução por inércia das entidades investigadoras, por nulidade processual ou nulidade probatória do acto praticado em fase de inquérito ou instrução. Acrescenta que, nestes casos, se impõe uma tomada de posição do tribunal no sentido de considerar necessária e adequada a realização de um “reconhecimento”, ao qual será atribuída uma específica e autónoma força probatória.
Após as alterações introduzidas no art 147º do CPP pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não restam quaisquer dúvidas de que um reconhecimento efectuado sem o cumprimento dos requisitos contidos nos artigos 147º, 148º e 149º do Código de Processo Penal “não tem valor como meio de prova”, seja qual for a fase do processo em que ocorreu, tal como se estatui nos artigos 147º, nº 7, 148º, nº 3 e 149º, nº 3, do CPP.
Ponto é que o tribunal tenha decidido realizar o reconhecimento previsto no art. 147º do CPP ou que não tendo assim decidido, quando tal se revelava necessário, tenha optado por alcançar o respectivo resultado, no âmbito do depoimento da testemunha ou do ofendido.
No caso dos autos, o reconhecimento de pessoas tal como foi feito, em sede de inquérito, foi declarado nulo pois “na data da realização de tal acto constante do auto de fls. 7,  (16 de Março de 2009) o arguido era menor de idade (nasceu em 10 de Maio de 1991) e não foi assistido por defensor, algo que obrigatoriamente deveria ter ocorrido, sob pena de nulidade insanável [arts. 64º/n.º 1-c) e 119º-c) C.P.P.].”
De facto, a Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, com as alterações que introduziu na redacção do artº 147º do CPP, tornou o reconhecimento, enquanto meio de prova, sujeito a um mais apertado formalismo.
Contudo, tal assim é apenas no caso do reconhecimento stricto sensu, como modo de chegar ao conhecimento de alguém até então não conhecido nem identificado.
No caso dos autos, a identificação do arguido por uma testemunha em audiência não configura um estrito acto de reconhecimento, o que aliás nem sequer foi pedido pelo tribunal a quo.
Na acta nada consta – ou seja, não foi o tribunal que pediu um reconhecimento processual, enquanto meio de prova autónomo, assim mesmo considerado pela disciplina do nosso Código de Processo Penal.
Já se decidiu em aresto do STJ, que «um reconhecimento em audiência, para valer como meio de prova, terá de ser presidido pelo tribunal, e não, ser levado a efeito, durante o depoimento duma testemunha, mediante pedido do magistrado do MP para que esta, de entre vários arguidos, indique aquele a quem se refere».
No fundo, o que ali aconteceu foi uma mera identificação que de comum com o referido reconhecimento apenas tem a – incorrecta - nomenclatura.
Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 7.11.2007 (in www.dgsi.pr/jtrp, “o simples acto de uma testemunha na audiência identificar o arguido como o autor dos factos em julgamento insere-se no âmbito da prova testemunhal e não no âmbito da prova por reconhecimento”.
Não é esse o espírito da lei.
E mesmo percebendo à evidência que as alterações introduzidas o tenham sido de modo apressado, quiçá por pressão de casos assaz mediáticos, mesmo assim não têm nem a dimensão nem o alcance que lhe atribui o arguido.
«De outro modo estaria achada a fórmula de anular qualquer prova testemunhal pois bastaria que a testemunha perante a pergunta de saber se reconhecia o arguido, se virasse, olhasse ou apontasse para ele, para de imediato deixar de se poder valorar o seu depoimento» (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/3/2009 (Pº 1109/08-1).
A adição, pela lei nova, de um novo número ao art. 147.º do CPP, com a redacção atrás revelada, não se traduz numa qualquer novidade na disciplina do reconhecimento, apenas vindo dizer que, quer no inquérito, quer na instrução, quer no julgamento[8], o meio de prova que é o reconhecimento tem de obedecer ao formalismo enunciado naquele artigo.
Isto é, a lei nova não veio introduzir um novo meio de prova ou definir de maneira diferente o valor probatório daquele meio de prova - apenas veio dizer de forma inequívoca aquilo que já era suposto (e que muitas vezes se fazia na prática dos tribunais ) na lei antiga : que o meio de prova “reconhecimento” só o seria válido e eficaz se obedecesse ao formalismo do .º 2 do art. 147.º.
No domínio da lei antiga entendia-se (falamos do entendimento da jurisprudência e da prática dos tribunais) que o reconhecimento do arguido ou de alguém, feito por uma testemunha na audiência de julgamento, não tinha sempre de obedecer ao formalismo prescrito pelo art. 147.º CPP, pois este preceito legal só tinha aplicação nas fases de inquérito e de instrução (Ac STJ, de 2-10-1996, BMJ, 460.º-525; Ac STJ, de 1-2-1996, CJ/STJ, ano IV, t. I, p. 198 ; Ac STJ, de 11-5-2000, proc. n.º 75/2000, SASTJ, 41.º-76 ; Acs STJ de 11-05-2000, proc. n.º 75/2000, e de 17-02-2005, proc. n.º 4324/04 ; Ac STJ, de 2-10-1996, proc. N.º 96P728, www.dgsi.pt ; Ac STJ, de 6-9-2007, proc. n.º 06P1392, www.dgsi.pt ),
Esse entendimento e a prática correspondente não deverão sofrer abalo no âmbito da lei nova quando se trate não de proceder ao “reconhecimento“ do arguido mas à identificação do mesmo pela testemunha como sendo o autor dos factos em discussão. Isto por se entender (como antes se entendia) que em tais casos o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do artigo 127.º do CPP, e não a «prova por reconhecimento» a que alude o artigo 147.º do mesmo diploma.
Entendia-se que esta interpretação do artigo 147.º não violava o princípio das garantias de defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, ou qualquer outra norma constitucional, como decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 425/2005, de 25-08-2005 (proc. n.º 452/05, publicado no DR n.º 195, II Série, de 11-10-2005, pp. 14574 a 14579).
No caso em apreço, na audiência houve lugar à identificação do arguido pela TESTEMUNHA D..., meio de prova submetido ao princípio do contraditório (artigo 327.º, 2, do CPP), não tendo sido sentida pelo tribunal a necessidade de recorrer ao meio probatório autónomo intitulado de «Reconhecimento de pessoas».
Logo trata-se de uma prova não proibida, a valorar de harmonia com o referido princípio da livre convicção (cfr. artigo 355.º CPP).
Em suma, nem o tribunal recorrido estava inibido de valorar a identificação feita nos autos como simples prova testemunhal, de acordo com o princípio da livre valoração da prova, o mesmo acontecendo agora com este tribunal de recurso.
Por exemplarmente se referir a estas questões, aqui se deixa parte considerável do Acórdão do STJ de 3/3/2010 (Pª 886/07.8PSLSB.L1. S1)[9], publicado já depois da revisão do CPP de 2007:
«A questão fundamental que se coloca quanto ao reconhecimento em sede de audiência de julgamento é a da conformação que o mesmo acto deve assumir quando suceda em audiência.
A recente alteração introduzida pela Lei 48/2007 pretendeu esclarecer as divergências pré-existentes na jurisprudência, afirmando que as regras inscritas para o reconhecimento em sede de inquérito igualmente têm aplicação na fase de audiência, ou seja, a sua inobservância implica a proibição da sua valoração como prova.
Colocada perante a questão a tendência jurisprudencial anterior àquela Lei era maioritária no entendimento de que os requisitos do artigo 147º CPP apenas se aplicavam à instrução, e inquérito, e não à audiência de julgamento (28). Argumentava-se que este tipo de reconhecimentos consubstanciava uma prova atípica que seria admissível nos termos do disposto no artigo 125º CPP, devendo ser valorada nos termos do preceituado no artigo 127º do mesmo diploma.
Tal entendimento foi objecto de apreciação no Acórdão do Tribunal Constitucional 137/2001 que se pronunciou no sentido de inconstitucionalidade, referindo que é inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas no nº 1 do artigo 32º da Constituição, a norma constante do artigo 127º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo artigo 147º do Código de Processo Penal.
Num sentido convergente também se argumentava que o reconhecimento em audiência de julgamento corresponde ao relato de uma testemunha e não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem que tal consideração prejudique os direitos do arguido, na medida em, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o princípio do contraditório.
Desenhado os caminhos seguidos pela jurisprudência anteriormente á Lei 48/2007 é importante que se diga agora que a alteração pela mesma introduzida, querendo resolver tudo o que concerne á questão, acaba por não resolver nada. Na verdade, subsiste a questão fundamental da indefinição da natureza da prova por reconhecimento o que tem subjacente a precisão sobre a sua finalidade.
Pressuposto básico da resolução de tal questão é o de que estamos perante a prova por reconhecimento quando não esteja identificado o agente do crime, sendo necessária a sua determinação. Constitui algo de absolutamente distinto a situação de confirmação como agente do crime em relação a alguém previamente identificado, investigado e assumido como sujeito processual com todo o catálogo de direitos inscritos como tal a qual se traduz numa íntima comunicabilidade e interacção entre os diversos intervenientes processuais envolvidos no julgamento.
Imporá salientar aqui a aparente aporia em que se evolveu o legislador pretendendo tratar uniformemente situações que, de todo, não são susceptíveis de equiparação. Na verdade, em sede de audiência de julgamento rege o principio da publicidade e não se vislumbra como é que se possa evitar que neste acto, ou, previamente, e a partir do momento em que é pública a identidade do arguido, se possa evitar o eventual contacto ou uma possível identificação num espaço publico, ou privado, ou até a própria interpelação na abertura da audiência.
Na verdade, a questão fundamental não consiste em saber se o formalismo deve, ou não, ser observado em audiência de julgamento. Que não pode ser realizado, a não ser através de uma ficção, ou simulacro é, quanto a nós, um dado adquirido, pois que as regras que regulam a audiência de julgamento são incompatíveis com essa observância. A não ser que se interrompa a audiência para ir realizar o acto processual a uma esquadra de polícia o que, para além de ser ridículo e um desperdício de tempo, é desaconselhável e inútil.
Aliás, sendo desadequada tal prática é desaconselhável pois que o arguido, em fase de julgamento – antes mesmo da audiência – está publicamente exposto e já foi visto (ou pode ter sido visto) por todos os intervenientes processuais o que é uma mera decorrência da característica de publicidade dessa fase processual. Daí que um reconhecimento realizado, pela primeira vez, em audiência de julgamento seja substancialmente injusto, pois que já exposto o arguido aos olhares das testemunhas que o irão reconhecer. E aqui basta a mera possibilidade de tal já ter ocorrido. Desaconselhável, também, por ser já um dado adquirido por estudos em psicologia da memória que o “reconhecimento” deve ser realizado o mais próximo possível da data do evento.
“O tempo é um importante factor na determinação da fidelidade da identificação e o número de correctas identificações declina à medida que o intervalo de tempo entre o crime e o procedimento de identificação aumenta”. (30) Admitir um reconhecimento realizado pela primeira vez em audiência de julgamento é, além do exposto, uma clara violação do due process of law, na medida em que, na audiência, o arguido está exposto publicamente.
Sintetizando o exposto pode-se afirmar que a questão que legitimamente se coloca, desde logo, é a de saber até que ponto será exequível aplicar as regras do reconhecimento previstas no artigo 147º do CPP à audiência de julgamento em que há um inevitável contacto directo entre ofendidos e arguidos, não apenas na própria sala de audiências, como nos corredores do tribunal ou no simples acto de chamada para o processo realizada pelo funcionário judicial. Em todo o caso, mesmo que se considere possível, com as devidas adaptações, o cumprimento em audiência de julgamento das regras do artigo 147º, sempre ficará necessariamente excluída a possibilidade de ocultação do identificante a que alude o nº 4 do aludido preceito legal.
Na verdade, para além daquilo que constitui, quanto a nós, uma impossibilidade material temos por adquirido que o pensamento do legislador foi obliterado pela confusão entre prova testemunhal e prova por reconhecimento. Omitiu-se o pressuposto fundamental de que a prova por reconhecimento pressupõe a indeterminação prévia do agente do crime.
Assim, é, quanto a nós, linear que a situação em que a testemunha, ou a vítima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção não se configura um acto processual, consubstanciando o reconhecimento pessoal. Pelo contrário, tal confirmação da identidade de alguém que se encontra presente, e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal.
Como refere Medina de Seiça o acto de reconhecimento visual de uma pessoa, na medida em que implica uma reevocação de uma percepção ocular anterior, apresenta profun­das similitudes com o processo mental próprio do depoimento testemunhal. Na verdade, «têm em comum o fundo: memórias empíricas» que, por meio da recordação podem emergir como informação disponível. Sustentados, pois, na complexa actividade mnemónica, ambos os meios de prova são par­ticularmente vulneráveis a múltiplos factores de distorção e engano que ocor­rem ao longo de todo o itinerário da cognição, da memorização e da evocação. Esta similitude, porém, não elimina as diferenças estruturais existentes entre as duas formas de percepção e recordação.
Numerosos estudos psicológicos têm posto em evidência que no teste­munho o depoente organiza a recordação mediante referentes de espaço e tempo, causa e efeito. Deste modo, as informações prestadas são apreensíveis com facilidade pelos destinatários, pois recondutíveis aos esquemas usuais da comunicação verbal. A situação é diversa quando se trata de efectuar um reconhecimento: dizendo-o com Cordero, aqui trabalha-se sobre uma maté­ria completamente alógica, que se presta aos «curtos-circuitos» de sensações racionalmente insondáveis.
 Por outro lado, em face de uma identificação visual feita por uma pes­soa, os meios de controle são muito mais limitados do que perante um tes­temunho. Neste último, o processo de composição da recordação pode ser aprofundado, vigiado e submetido a verificação, sobretudo no decurso da audiência mediante contra-interrogatório. Muito embora a pessoa que efec­tua o reconhecimento deva ser também ela objecto de interrogatório, em ordem a fiscalizar o mais possível o contexto em que terá ocorrido a sua percepção originária e a possibilidade de factores de erro entretanto ocorri­dos, certo é que o acto recognitivo em sentido estrito escapa a um efectivo controle.
Estamos, assim, reconduzidos ao postulado inicial do presente excurso e, consequentemente, levados a perfilhar o entendimento já expresso pelo Tribunal Constitucional quando refere que Não há dúvida de que entre a "prova por reconhecimento" e a "prova testemunhal" existem diversos "pontos de contacto" (cf. Nicola Triggiani, "La ricognizione personale: struttura ed efficacia", cit., p. 775 e Massimo Ceresa Gastaldo, "La ricognizione personale "attiva" all’esame della Corte Costituzionale: facoltà di astenzione o incompatibilità del coimputato", in Rivista italiana di diritto e procedura penale, 1, 1995, p. 264).
Desde logo, pode dizer-se que um testemunho, enquanto "juízo" de imputação fáctica, implica sempre um "reconhecimento" de um determinado sujeito – recte, uma individualização concretizadora ou um acto de identificação directa [cf. Nicola Triggiani, "La ricognizione personale: struttura ed efficacia", cit., p. 773, n. 173; v. também Daniela Vigoni, "La ricognizione personale", cit., p. 183; Giovanni Conso/Vittorio Grevi, Commentario breve al Nuovo Codice di Procedura Penale, Pádua, 1994, pp. 213 e ss.; Tommaso Rafaraci, "Ricognizione informale dell'imputato e (pretesa) fungibilità delle forme probatorie" – nota a Cass. sez. II pen. 28 febbraio 1997 – in Cassazione Penale, n.º 6, 1998, pp. 1739-1747].
Contudo, não podem olvidar-se as diferenças qualitativo-funcionais entre estes dois domínios probatórios.
De tal pressuposto arranca também a mesma decisão na declaração do pressuposto de que importa ter presente o pressuposto específico – que autonomiza o reconhecimento e o erige como meio de prova – traduzido num inequívoco juízo de necessidade, direccionado, como se disse, ao esclarecimento de uma situação de incerteza subjectiva, em termos de a ele se recorrer apenas "quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa" (v. Alberto Medina de Seiça, "Legalidade da prova e reconhecimentos "atípicos" em processo penal., cit., p. 1413).
E se este juízo permite distinguir a valoração autónoma deste meio de prova daqueloutra relativa à prova testemunhal qua tale, também não é menos verdade que, por ele, se devem circunscrever à esfera da prova testemunhal os "reconhecimentos testemunhais", onde não se autonomize e onde não releve a necessidade de esclarecimento de uma qualquer situação de incerteza quanto à autoria dos factos e à identificação do agente.
De facto, a identificação subjacente a um depoimento testemunhal esgota a sua eficácia – e a possibilidade de o juiz o valorar – no âmbito de um meio probatório não direccionado ao reconhecimento de uma pessoa e, assim, qualquer "individualização" ou "reconhecimento" – em sentido impróprio, diga-se – que aí se faça não pode deixar de ter como pressuposto uma situação de determinação subjectiva, e, por isso, só poderá ser valorada dentro da esfera probatória de onde emerge – a prova testemunhal –, não lhe podendo ser reconhecido um valor probatório autónomo e separado.
Ou seja, por outras palavras, não estando implicada na produção e valoração deste meio de prova uma necessidade de se afastar uma situação de incerteza quanto à identificação de um sujeito, a funcionalidade e a finalidade inerentes a um acto de "reconhecimento" – de imputação – que se produza neste contexto terá sempre uma função exógena da que é cumprida pelo reconhecimento em sentido próprio – v. g. aferir da credibilidade e consistência do depoimento –, não podendo aquele ser autonomamente valorado para responder às situações onde se justifique a autonomização de um verdadeiro acto de reconhecimento».
O reporte testemunhal ao acto processual praticado no inquérito ou a afirmação de que o arguido foi o autor dos factos incursos em tipicidade criminal concretiza-se no conceito de prova testemunhal e não de prova por reconhecimento.
Validada esta identificação, no âmbito da prova testemunhal, improcede a argumentação do recurso, inexistindo qualquer erro na apreciação da prova.
Como tal, também a nós nos mereceu inteira credibilidade este depoimento da testemunha em causa, que não tem nada contra o arguido e que foi capaz de o identificar, apesar de ter dito em inquérito que não seria capaz de o fazer – afinal, conseguiu!
Desta forma, e ouvida a prova gravada nos excertos referidos, não vislumbramos motivo para alterar a convicção criada pelo julgador de Ourém, quanto à real ocorrência da agressão e à atribuição da autoria ao arguido.

f)- Resta a outra impugnação de facto – a possibilidade de recurso que resulta da restrita aplicação estabelecida no artigo 410º nº 2 referente à correcção dos vícios aí referenciados por simples referência ao texto da decisão recorrida.
Esses VÍCIOS são de conhecimento oficioso.
Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
· A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
· A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
· Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Vejamos o nosso caso.
Lendo a decisão recorrida, fácil é de concluir que a mesma está elaborada de forma muito equilibrada, lógica, encadeada e assaz fundamentada.
O Tribunal valorou devidamente a prova para concluir pela culpabilidade do arguido no que tange ao domínio do facto criminoso.
E, portanto, provou, para além de qualquer dúvida razoável, pelas circunstâncias da acção provada, que a intenção do arguido não poderia ser outra senão aquela provada.
  Melhor do que isto não se pode pedir.
  Tudo bate certo, tudo estando devidamente explicado e elucidado.
  O registo da sentença é encadeado e lógico.
            Desta forma, inexistem vestígios de erros notórios na apreciação da prova (improcedendo, assim, a Conclusão 13ª).
  Ou de qualquer um dos outros vícios do artigo 410º do CPP.
  O tribunal decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a devidamente.

g)- Quanto à livre apreciação da prova, diremos ainda o seguinte:
O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
            Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
            A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
            Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
            Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

h)- Uma palavra sobre o princípio «in dubio pro reo».
No fundo, o que o recorrente pretende, nos termos em que formula a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que ele próprio entende que deveria ter sido a retirada da prova produzida.
O recorrente limita-se a divulgar a sua interpretação e valoração pessoal das declarações e depoimentos prestados e da credibilidade que devem merecer uns e outros, exercício que no entanto é irrelevante para a sindicância da forma como o tribunal recorrido valorou a prova.
Não se evidencia qualquer violação das regras da experiência comum, sendo certo que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do CPP - o que, manifestamente, não é o caso - o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir, eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância, não se procurando encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso.
Decidiu-se, no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 9/9/2009 (Pº 564/07.8PAVCD.P1) o seguinte:
«Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum».
 Na realidade, ao tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.
«Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Portanto, a prova produzida foi coerentemente valorada.
Se há duas versões dos factos (mesmo que uma delas tenha dois veículos), não é uma maioria matemática que faz escolher a versão verdadeira.
O facto de haver duas afirmações opostas, não conduz necessariamente a uma “dúvida inequívoca”, por força do princípio in dubio pro reo.
Não está em causa a igual valoração de declarações ou depoimentos, mas a valoração de cada um dos meios de prova em função da especial credibilidade que mereçam.
As declarações e depoimentos produzidos em audiência são livremente valoráveis pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereçam.
Voltamos ao Acórdão de 9/9/2009:
«Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida insanável. Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, indicando clara e coerentemente as razões que fundaram a convicção do tribunal.».
Sabemos que o julgador deve manter-se atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal.
Se a primeira ainda é susceptível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição do gravado (e foi o que se fez nesta sede de recurso), fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar aquela.
Deste modo, quando a opção do julgador se centra em prova oral, o tribunal de recurso só estará em condições de a sindicar se esta for contrária às regras da experiência, da lógica, dos conhecimentos científicos, ou não tiver qualquer suporte directo ou indirecto nas declarações ou depoimentos prestados.
E repetimos: o juiz pode formar a sua convicção com base em apenas um testemunho (ou numa só declaração), desde que se convença que nele reside a verdade do ocorrido.
Não basta que o recorrente diga que determinados factos estão mal julgados.
É necessário constatar-se esse mal julgado face às provas que especifica e a que o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
Atente-se que o art.º 412/3 alínea b) do CPP fala em provas que imponham decisão diversa.
Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
Ao reapreciar-se a prova por declarações, o tribunal de recurso deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido desde que o seu juízo seja compatível com os critérios de apreciação devidos.
Quer isto significar que não vemos que deva ser alterada a decisão de facto.
Decorre do princípio «in dubio pro reo» que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, «será dado como não provado se desfavorável ao arguido, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa».
O princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido.
Não ficou o Tribunal de Ourém em estado de dúvida.
E este tribunal de recurso também não, assente que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Por tal razão, não faz sentido fazer aqui valer e funcionar o princípio constitucional in dubio pro reo.

i)- Por todos estes motivos, mantém-se na íntegra o elenco dos factos provados e o elenco dos não provados, só havendo agora que subsumir os factos ao Direito tido por aplicável, porque a fundamentação da sentença é suficiente para a condenação decretada.
Improcedem, assim, as conclusões 1ª a 7ª.



3.4. RECURSO DE DIREITO
Resta a medida concreta da pena de multa, pois só teremos de validar a incriminação legal pela qual veio a ser condenado o arguido.
Foi ela exagerada?
O tribunal «a quo» começou por escolher a modalidade da pena a aplicar ao arguido, tendo escolhido a pena de MULTA, afastando a pena de prisão, o que também não vem contestado no recurso.
Há, somente, divergência quanto à MEDIDA das penas aplicadas ao arguido, quer em sede principal, quer em sede acessória.
O tribunal condenou em 120 dias – poderia ter ido até os 360 dias - de multa, à taxa diária de € 5.
Entende o recorrente que o tribunal deveria ter sido menos severo, pedindo a final a pena de 60 dias de multa.
QUID IURIS?
            O artigo 71º, n.º 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena...
Ora, no caso vertente, o dolo é directo.
            No que concerne às exigências de prevenção especial, há que considerar o facto de o arguido ser primário em termos desta criminalidade ou de qualquer outra.
            Entende o recorrente que a pena devia ser menos severa pois ele é primário, está desempregado e a viver com os pais, ter bom comportamento anterior e posterior aos factos, sendo estes episódicos na sua vida.
Ora, apenas resultou apurado não ter o recorrente antecedentes criminais, o que não é o mesmo de ter sempre um bom comportamento anterior e posterior aos factos (não foram ouvidas testemunhas abonatórias em julgamento, apenas se tendo provado o facto o).
O facto de estar desempregado e a viver com os pais relevou para a medida do dia de multa (nos mínimos), pouco relevando para a moldura da culpa.
Como tal, parece-nos que a pena de 120 dias de multa é adequada a esta condenação por facto nitidamente ilícito e censurável, ASSENTE QUE ESTAMOS ATÉ ABAIXO DO LIMITE MÉDIO DA MOLDURA PENAL ABSTRACTA.
Como tal, não merece provimento o recurso intentado pelo arguido na medida em que não iremos tocar nos dias de multa.
Improcedem, assim, as conclusões 8ª e 9ª.



            III – DISPOSITIVO
           
1. Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em julgar não provido o recurso intentado por A..., mantendo na íntegra a sentença recorrida.

            2. Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs [artigos 513º/1 do CPP revisto pelo DL 34/2008 de 26/2 e 8º/5 do RCP, já aplicável a este autos, este remetendo para a Tabela III).


Paulo Guerra (Relator)
 Cacilda Sena


[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[2] Correspondente ao momento em que os direitos do demandante ficaram definidos, atendendo ao seu estatuto de lesado civil.
[3] Esta revisão do valor da alçada dos tribunais de 1ª instância é aplicável já aos autos, sendo certo que o processo inicia-se após o dia 1/1/2008 (em 15/9/2008 – cfr. fls 1), não estando, pois, pendente à data da entrada em vigor dessa revisão operada em 2007 (em 1/1/2008) - cfr. artigo 12º do DL 303/2007.
Note-se que o valor anterior de tal alçada era de € 3.740,98 (artigo 24º/1 da Lei 3/99 de 13/1 e DL 323/01 de 17/12).
[4]Não se deixará de dizer que, se se concluir que o recurso criminal terá de proceder, absolvendo-se o arguido, então, teremos de retirar consequências civis, nos termos do artigo 403º, n.º 3 do CPP.
[5] Preparando assim o facto i), só relevante para efeitos de condenação cível.
[6] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp.
[7] Acórdão este que poderia ter o seguinte sumário:
1. O reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída” a ser examinada em audiência de julgamento, nos termos dos artigos 355º, nº1, in fine, nº 2 e artigo 356º, nº 1, b) do Código de Processo Penal, não lhe sendo aplicável o disposto nos seus nºs 2 e 3.
2. Caso já tenha sido realizado um reconhecimento em inquérito, torna-se desnecessário repeti-lo em audiência de julgamento.
3. A realização de um reconhecimento em audiência de julgamento com o cumprimento dos requisitos previstos no nº 2 do artigo 147º do Código de Processo Penal só se coloca se inexistir reconhecimento realizado em inquérito ou instrução, ou se realizado, enfermar de nulidade processual ou nulidade probatória.
4. O artigo 147º do Código de Processo Penal não determina a repetição de reconhecimentos, limitando-se a impor ao tribunal que, se entender adequado proceder a um reconhecimento em audiência de julgamento, este deverá observar o formalismo ali previsto.
5. A ineficácia da prova contida no nº 7 do artigo 147º do Código de Processo Penal não é uma nulidade processual em sentido restrito nem uma “inexistência”, mas sim uma proibição de valoração da prova.

 
[8] A questão que legitimamente se coloca, desde logo, é a de saber até que ponto será exequível aplicar as regras do reconhecimento previstas no artigo 147º do CPP à audiência de julgamento em que há um inevitável contacto directo entre ofendidos e arguidos, não apenas na própria sala de audiências como nos corredores do tribunal ou no simples acto de chamada para o processo realizada pelo funcionário judicial. Em todo o caso, mesmo que se considere possível, com as devidas adaptações, o cumprimento em audiência de julgamento das regras do artigo 147º, sempre ficará necessariamente excluída a possibilidade de ocultação do identificante a que alude o nº 4 do aludido preceito legal.
[9]Sufragam a nossa tese outros arestos dos vários tribunais da Relação deste país.