Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
900/22.7T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: MOTORISTA INTERNACIONAL DESTACADO NO ESTRANGEIRO
DESCANSOS E FERIADOS NO ESTRANGEIRO
TRABALHO SUPLEMENTAR
DESPESAS
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CLÁUSULA 47.ª- A, ALS. A) E B), DO CCTV, DE 08-03-1980, ARTIGOS 476.º E 395.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO E 2.º DA CONSTITUIÇÃO
Sumário: I – O motorista internacional destacado no estrangeiro, como qualquer outro trabalhador destacado no estrangeiro, tem de gozar os descansos e os dias feriados no estrangeiro, só devendo ser considerado trabalho suplementar, aquele que efetivamente é prestado nesses dias.

II – Por via de regra, o reconhecimento do direito à retribuição por trabalho suplementar pressupõe a alegação e prova de dois factos, que dele são constitutivos: - a prestação efetiva de trabalho suplementar; - a determinação, prévia e expressa, de tal trabalho por banda da entidade patronal ou, pelo menos, a sua efetivação com conhecimento (implícito ou tácito) e sem oposição dessa entidade.

III – O incumprimento da cláusula 47.ª- A, als. a) e b), do CCTV, de 08-03-1980, só por si, não determina qualquer pagamento ao trabalhador por despesas que não pôde comprovar, por não as ter realizado.

IV – Deste modo, apenas a título de responsabilidade civil contratual, cumprindo o imposto pelo art.º 798.º do Código Civil, pode o trabalhador ter direito a qualquer quantia por violação da referida cláusula.

V – Não suscita adequadamente a inconstitucionalidade a parte que discorda da decisão por esta alegadamente violar princípios constitucionais, sem questionar e pedir a desaplicação da norma (ou aplicação com uma determinada interpretação) que supostamente viola a Constituição.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Tribunal Judicial da Comarca de Leiria

Juízo do Trabalho de Leiria - Juiz 2

Proc. 900/22.7T8LRA.C1

Acordam na 6ª Secção (Social) do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

AA intentou ação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra T..., S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de €45.144,45, acrescida dos juros moratórios à taxa legal a contar de 15/11/2011, até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese:

-Foi admitido ao serviço da ré como motorista de veículos pesados com ADR nos transportes rodoviários de mercadorias perigosas, em 28-02-2018, conduzindo por vários países europeus.

-A ré não lhe pagava as refeições à fatura nem lhe fazia os adiantamentos para alimentação e para a dormida antes da saída para as viagens, pagando-lhe uma “diária” de €55,00 que baixou para €50,00 e, depois, para €40,00.

-Tendo prestado toda a sua atividade de motorista internacional na Bélgica, tem direito, de acordo com a Diretiva comunitária 96/71/CE, a auferir a remuneração mínima garantida da Bélgica, reclamando as diferenças salariais que entende serem-lhe devidas.

-A ré transferiu para o autor toda a responsabilidade com as despesas inerentes ao repouso das 45 horas estabelecidas de 15 em 15 dias, nunca tendo pago ao autor qualquer dormida em hotel, justificando-se com o facto deste nunca lhe ter dado qualquer fatura a pagar.

-Tem direito às diferenças salariais referentes aos dias de descanso (sábados, domingos e feriados) trabalhados.

-Tem ainda direito ao pagamento dos valores que reclama em cada ano por não ter gozado férias.

-Quando se deslocava a Portugal para gozar os descansos, a ré pagava a viagem de avião, entregando, de início, os bilhetes e, depois, €75,00 por cada viagem, o que era insuficiente até porque não dava o transporte desde a base de ... até ao aeroporto de Bruxelas e não pagava a deslocação desde o aeroporto de Lisboa até à residência do autor, na ..., e também não pagava as diárias de € 55,00 para os alimentos nos dias das viagens de ida e volta Bélgica/Portugal.

-Quanto ao valor das “diárias”, a ré resolveu baixar o valor que pagava ao autor, pelo que reclama as diferenças e reclama ainda os valores que não foram integralmente liquidados em alguns meses.

-Resolveu com justa causa o contrato de trabalho reclamando o pagamento de uma indemnização.

A ré contestou, invocando, essencialmente, que não assistia ao autor o direito de resolver o contrato de trabalho com justa causa e que o mesmo não tem direito às quantias que reclama, excetuados os créditos (embora divirja quanto aos montantes) referentes à formação profissional e às deslocações entre o aeroporto de Lisboa e a sua residência.

Deduziu reconvenção, peticionando a condenação do autor a pagar-lhe uma indemnização no valor de €1.466,14 correspondente à falta de aviso prévio.

O autor respondeu à contestação-reconvenção, pugnando pela improcedência da reconvenção e pronunciou-se quanto aos documentos juntos pela ré.

Realizou-se audiência de julgamento.

Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e procedente a reconvenção e, em consequência:

Foi a ré condenada a pagar ao autor:
a) a quantia de €588,15, a título de despesas de deslocação entre o aeroporto de Lisboa e a sua residência, na ..., e vice-versa, bem como a título de crédito de formação profissional, acrescida de juros de mora, a contar da citação, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a ré do demais peticionado pelo autor, na presente ação.
Foi o autor condenado a pagar à ré:
b) A quantia de €1.466,14, a título de indemnização pela denúncia do contrato de trabalho, sem aviso prévio, e uma vez que improcede a verificação da justa causa da resolução do contrato.

O autor interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“A - Quanto aos Dias de Descanso:

a) - O A. pediu a condenação da Ré a pagar-lhe as diferenças entre as quantias que efectivamente pagou pelos dias de descanso trabalhados e o que devia ter pago em cumprimento dos normativos legais.

b) - Ora a decisão proferida a este respeito não se pode manter uma vez que como consta a pág. 30 da sentença, último parágrafo ela fundamenta a improcedência do pedido no facto do A. não ter provado que passou no estrangeiro esses dias de descanso e que tinha trabalhado nesses dias que nenhuma relação tem com o pedido deduzido pelo A.

No entanto

c) - Em relação ao pedido deduzido nos arts. 67 a 70 da p.i., fundamentados nos recibos juntos como Doc. nº8 a 26 no total de 5.378,68 € tal deve ser julgado procedente por provado

d) - Quanto ao pedido relativo aos dias de descanso pagos pela Ré no período de 28.02.2018 a 31.10.2018 nos arts. 71 a 74º não tem o A. documentos que provem os dias de descanso trabalhados, mas como não restam dúvidas que o A. trabalhou efectivamente em dias de descanso nesse período, e que a Ré, como confessou, lhe pagava esses dias em singelo, deve a Ré ser condenada no que se vier apurar no respectivo incidente de liquidação.

B - Quanto às Férias Não Gozadas

e) - O “Aditamento ao Contrato de Trabalho” onde além do mais ficou acordado que o gozo de férias poderia coincidir no todo ou em parte com os períodos do gozo dos descansos compensatórios é nulo, quer por violar o disposto no art.º 476º do C. do T. quer por falta de autonomia de vontade do A. à data em que foi celebrado.

f) - Assim, colocando em primeiro lugar, o gozo dos descansos compensatórios, durante os períodos que o A. veio a Portugal para os gozar nenhum dia restou que pudesse ser imputado a título de gozo de férias, pelo que

g) - Deve declarar-se que o A. tem a receber a título de férias não gozadas dos anos de 2.018 e 2.019 o total de 2.179,54 € e revogar-se a sentença na parte em que decidiu que o A. nada tinha a receber a título de férias.

C – DA INDEMNIZAÇÃO PELA NÃO DORMIDA EM UNIDADES HOTELEIRAS

h) - À data da celebração do Contrato Individual de Trabalho estava em vigor o CCTV de 08.03.980 que na Clª 47-A determina o direito dos trabalhadores deslocados no estrangeiro a receberem das empresas um adiantamento em dinheiro, para todas as possíveis despesas de viagem a efectuarem com eles próprios. ORA

i) Na Clª 4ª nº4 do Contrato Individual de Trabalho, ficou estipulado que as despesas com o alojamento do A. em unidade hoteleira durante a pausa horária de 45 horas seriam suportadas pelo A. e reembolsado depois pela Ré, contra a apresentação do respectivo recibo. ORA

j) - Este acordo firmado nesta Clª 4ª nº4 do contrato estabelece condições muito mais desvantajosas para o A. do que as plasmadas na Clª 47-A do CCTV de 08.03.980 pelo que não podem elas ser aplicadas a esta relação laboral, devendo ser consideradas nulas por violação ao disposto no art.º 476º do C. do T.. Aliás

l) - Entende-se que não é o A. que tem que provar que não pernoitava nos hotéis porque a Ré não lhe dava os adiantamentos, mas que, em vez disso é a Ré e só ela que tem que provar ter cumprido a obrigação que a lei lhe impunha de adiantar o dinheiro necessário para que o A. pudesse dormir, nas pausas horárias de 45 horas, em estabelecimento hoteleiro. Aliás,

m) - Nesta parte da sentença, ao não se dar cumprimento ao disposto no art.º 476º aparelhado à protecção jurídica dos trabalhadores, violou-se duma forma arbitraria as expectativas do A. assentes no Princípio da Confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, assim se violando o art.º 2º da C.R.P. que aqui se invoca nos termos e para os efeitos futuros previstos no art.º 75-A nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional.

E, finalmente,

D – A INDEMNIZAÇÃO PELA RESOLUÇÃO DO CONTRATO COM JUSTA CAUSA

n) - Ao arrepio do que foi decidido na sentença e conforme ao que foi alegado neste recurso, a Ré não pagava ao A. os dias de descanso trabalhados no montante legal, não lhe pagou as férias não gozadas nos anos de 2.018 e 2019, não lhe adiantava as quantias necessárias para as dormidas obrigatórias em estabelecimentos hoteleiros durante as pausas horárias de 45 horas conforme ao estabelecido no Reg. (CE) nº 561/2006, nem lhe pagava os montantes do Expresso nas deslocações entre o aeroporto de Lisboa e a residência do A., pelo que a justa causa para a resolução do contrato estava amplamente verificada.

A MMª Juiz ao decidir o contrário violou o disposto no art.º 394 nº1 e 4º do C. do T. devendo em consequência revogar-se a decisão nesta parte e substituir-se por outra que reconheça ao A. o direito a receber a indemnização peticionada de 3.023,58€ e, em consequência

o) - Revogar-se a decisão que condenou o A. a pagar à Ré, a quantia de 1.466,14€ com fundamento na ausência de justa causa para a denúncia do contrato, declarando nada ter o A. a pagar a este título.

Conforme todo o alegado

p) - Resulta da sentença que violados foram por esta as Clªs 47-A al. b) e 41 nº1 e 6 do CCTV de 08.03.980, as Clªs 51 nº1 do CCT de 15.09.2018 e 50 nº1 do CCTV de 08/12/2019, art.º 394 e 396 nº1 e 476 todos do C. do T. e art.º 2º da C.R.P.

Nestes termos e, invocando, ainda, o douto suprimento de V. Excias, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença na parte recorrida, em conformidade com as antecedentes conclusões, como é de direito e de JU S T I Ç A”

A ré contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.

O recurso foi admitido.

Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no sentido da improcedência da apelação.

Não houve qualquer resposta ao parecer.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são a seguintes:
1.     Retribuição dos sábados, domingos e feriados passados no estrangeiro.
2.     Nulidade do aditamento introduzido em 2018 ao contrato de trabalho.
3. Férias não gozadas.                                                   
4. Indemnização pela não entrega prévia das quantias para dormir nas unidades hoteleiras.
5. Violação do principio da proteção da confiança.
6. Indemnização pela resolução do contrato com justa causa.
7. Pedido reconvencional- indemnização pela denúncia do contrato de trabalho, sem aviso prévio.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Da 1ª instância vem assente a seguinte factualidade:

“1- Factos provados:

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão:

1) A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte público rodoviário de mercadorias.

2) Por contrato de trabalho a termo certo, celebrado em 22 de Fevereiro de 2018, e pelo período de três meses, com início em 28 de Fevereiro de 2018 e termo em 27 de Maio de 2018, renovável automaticamente por igual prazo, o Autor foi admitido ao serviço da Ré para exercer, sob a sua autoridade e direcção, as funções inerentes à categoria profissional de motorista de veículos pesados de 1º escalão com ADR, nos transportes rodoviários de mercadorias perigosas.

3) De acordo com o ponto 1 da Cláusula Segunda do contrato, a Ré obrigou-se a pagar ao Autor a retribuição base mensal de €580,00.

4) Tendo ficado consignado no ponto 2 da Cláusula Segunda do Contrato de Trabalho que sempre que se encontrasse deslocado no estrangeiro, para além da retribuição base, o Autor teria direito a: “- Prestação da Cláusula 74, nº 7 do CCT que regula actividade.

- Ajuda de Custo/Prémio TIR: Euros 105,75

- Prémio ADR – Euros 107,36

- Ao pagamento do trabalho prestado em dias de feriado e dias de descanso semanal.

- Pagamento de Ajuda de Custo / diária até ao limite máximo de €55.00”.

5) De acordo com os pontos 4 e 5 da Cláusula Quarta do contrato de trabalho, após cada período de 6 semanas de trabalho o Autor gozava 2 semanas de descanso em Portugal e, de quinze em quinze dias, o repouso de 45 horas estabelecido pelo Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, publicado em 15 de março de 2006, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 1073/2009, de 4 de Dezembro, quando coincidisse com a estada do veículo pesado em França e na Bélgica, a respectiva dormida teria de ser efectuada obrigatoriamente em hotel/hospedaria à escolha do trabalhador, aqui Autor, privilegiando a rede de hotéis Fórmula 1 e IBIS, ficando o trabalhador obrigado a entregar à Ré o recibo de pagamento da dormida em hotel de forma a ser reembolsado.

6) Na Cláusula Décima Primeira do contrato de trabalho ficou a constar o seguinte:

“Para complemento dos elementos informativos determinados pelo Art.º 106 do Código do Trabalho, consigna-se o seguinte:

a) A duração das férias do TRABALHADOR é determinada segundo as regras dos art.ºs 238º a 245º do Código do Trabalho.

b) Que o gozo do período de férias é interpolado respeitando-se o critério estabelecido no n.º 8 do Art.º 241 do Cod. do Trabalho

(…)”.

7) Consta dos autos um documento intitulado “Aditamento ao contrato de trabalho”, com a indicação de ter sido outorgado em 2018, com a assinatura do Autor e do representante da Ré, e do qual consta o seguinte:

«1.ª Da Retribuição

A retribuição base mensal do TRABALHADOR é fixada na quantia bruta de 630 €, ficando sujeita a todos os descontos legalmente previstos;

Sempre que deslocado no estrangeiro, para além da retribuição acima indicada, o trabalhador tem direito a:

a) Um Complemento salarial de 63 € cfr. Clª 45 do CCT que regula a actividade (CCT entre ANTRAM E FECTRANS – pub. In BTE, n.º 34 de 15/09/2018).

b) À prestação da Clª 61º do CCT que regula a actividade (…)

c) Ajuda de Custo/Prémio TIR:130€

d) Subsídio de Trabalho nocturno –63€

e) Prémio ADR – (variável consoante o número de dias que presta serviço no transporte ADR)

f) Ao pagamento do trabalho prestado em dias feriado e dias de descanso semanal

g) Pagamento de Ajuda de Custo /diária até ao limite máximo de 55€

O prémio ADR só é pago ao TRABALHADOR quando este realize o transporte de mercadorias perigosas sujeitas e não isentas ao cumprimento do acordo ADR em vigor, tendo, então, direito ao subsídio de risco ADR, por cada dia que preste este trabalho efectivo.

2ª – Das Despesas de Deslocação

Caso o serviço de motorista não se inicie nem termine em Portugal, a empresa T... assegura o pagamento dos custos da viagem de avião referente à deslocação do trabalhador outorgante de Portugal (onde reside) para o local onde vai iniciar o serviço de motorista e do local onde termina o serviço de motorista para Portugal. As demais despesas de deslocação, designadamente do aeroporto para a residência e da residência para o aeroporto, não são custeadas pelo empregador T..., não tendo o trabalhador outorgante direito a reclamar o reembolso de qualquer despesa de deslocação neste contexto.

3ª – Das Férias

1. A duração das férias do trabalhador é determinada segundo as regras dos art.ºs 238 a 245 do Código do Trabalho, ficando já estabelecido que o gozo de férias é interpolado, respeitando-se o critério estabelecido no nº 8 do art.º 241 do Código do Trabalho.

2. O gozo de Férias pode coincidir em parte ou no seu todo com os períodos de descanso compensatório em Portugal estabelecidos no número 4 da Cláusula Quarta. Neste caso, esses períodos não serão contabilizados para efeito de contagem de períodos de descanso compensatório.

8) O horário do Autor era de 40 horas semanais, sendo 8 horas por dia útil, de 2ª a 6ª

feira, sendo os sábados e os domingos os dias de descanso complementar e obrigatório, respectivamente.

9) A Ré não pagava ao Autor as refeições à factura.

10) Nem antes da saída para as viagens lhe fazia os adiantamentos para a alimentação e para a dormida.

11) Em vez disso, pagava-lhe, no início, uma “diária” de €55,00 que denominava, nos recibos, no “código 34” a título de “ajudas de custo-estrangeiro-motorista” e que depois baixou, primeiro para €50,00 e, após, para €40,00.

12) O Autor recebeu da Ré as seguintes retribuições:

Nos anos de 2018 e 2019:

- De Fevereiro a Setembro de 2018: Retribuição base: €580,00€; Clª 74 nº 7: €326,26; Prémio TIR: €105,74€; prémio ADR: €107,36;

- de Outubro de 2018 a Dezembro de 2019: retribuição base: €630,00; Prémio TIR (ajudas de custo TIR): €130,00; cláusula 61: €326,82; subsídio nocturno: €63,00; complemento salarial: €63,00; prémio ADR: €7,50/dia;

No ano de 2020:

- retribuição base: €700,00; Prémio TIR (ajudas de custo TIR): € 135,00; cláusula 61:€352,80; subsídio nocturno: €70,00 e complemento salarial: €35,00; subsídio de operações -€2,50/dia, sem ADR e € 4,17/dia com ADR.

13) O Autor efectuou, por conta da Ré, viagens apenas no estrangeiro, entre a cidade ..., na Bélgica, que funcionava como base e vários outros países europeus, nunca incluindo Portugal.

14) O Autor nunca carregou nem descarregou mercadoria na base de ....

15) A actividade de transporte de mercadorias desenvolvida pela Ré tinha como maior incidência operações de carga e descarga de mercadorias na França, Bélgica, Holanda, Alemanha e Luxemburgo.

- Ficam inalteradas e permanecem em pleno vigor as demais cláusulas do contrato de trabalho naquilo que não colidirem com o disposto no presente instrumento de aditamento

(…)»

16)  Para tal, a Ré dispunha de uma base logística, em ..., da empresa F..., face à cooperação empresarial existente entre ambas, uma vez que a empresa F... adjudica serviços de transporte de mercadorias à Ré, a qual, por sua vez, fornece o serviço de transporte de mercadorias à empresa F....

17) A Ré dispunha do parque para os seus camiões TIR, na referida cidade ..., onde aparcavam durante o fim de semana, parque este que é vedado e vigiado, com acesso condicionado.

18) E onde os motoristas da Ré, designadamente o Autor, podiam dispor dos espaços sanitários, balneários e cozinha.

19) Nos fins de semana (sábados e domingos) passados pelo Autor na Bélgica, em que não tinha serviço atribuído, o mesmo podia ausentar-se do camião que lhe estava atribuído, podia ausentar-se da base quando desejasse e pelo tempo que bem entendesse.

20) Os veículos da Ré, nesses sábados e domingos, ficavam aparcados na base de ..., dias em que o Autor não conduzia a viatura como não ficava obrigado à sua guarda e vigilância.

21) As ordens relativas às operações de carga e descarga eram transmitidas ao Autor, pela Ré, o qual recebia as instruções de carga e descarga no aparelho de ATX existente a bordo dos veículos da Ré.

22) Nos fins de semana de descanso do Autor no estrangeiro, estes ocorreram, por norma, na base logística de ..., tendo permanecido ainda, em alguns fins de semana, em áreas de serviço por outros países, nomeadamente em França.

23) O Autor trabalhava 6 semanas no estrangeiro, vindo 2 semanas a Portugal, para gozar os descansos compensatórios, saindo do aeroporto de Bruxelas e regressando, após 2 semanas, à Bélgica, ao mesmo aeroporto de Bruxelas.

24) A Ré, relativamente a tais viagens, sempre pagou a viagem de avião, entregando, inicialmente, esses bilhetes ao Autor e, por fim, pagava-lhe € 75,00 por cada viagem.

25) A Ré garantia ainda ao Autor o transporte desde a base de ... para o aeroporto de Bruxelas, e vice-versa, mas não pagava a deslocação do Autor desde o aeroporto de Lisboa, onde chegava, até à ... onde o Autor tinha a sua residência, e vice-versa.

26) O Autor, quando chegava ao aeroporto de Lisboa, utilizava o Metro para Sete Rios e daí vinha de Expresso até à ....

27) O preço de cada viagem na rede Expressos, entre Sete Rios e a ... custa €12,00.

28) O Autor, durante a relação laboral, deslocou-se a Portugal pelo menos 6 vezes.

29) O Autor não trabalhou em todos os Sábados e Domingos correspondentes às seis semanas passadas no estrangeiro.

30) Sempre que o Autor trabalhou para a Ré em Sábados e Domingos, esta procedeu ao respectivo pagamento sob a rubrica “Hora de Trabalho Suplem. Sáb., Dom., Fe” nos montantes que constam dos documentos juntos, que se reportam aos seus recibos de remuneração, que se dão integralmente por reproduzidos nos seus precisos termos.

31) A Ré pagou ao Autor a título de “Hora Trabalho Suplementar Sá. Dom., Fe, os seguintes valores:

- No ano de 2018: Abril - €60,24; Maio - €170,28; Junho - €104,42; Julho - €100,40; Agosto - €104,42; Setembro - €104,42; Outubro - €115,50.

- No ano de 2019: Janeiro - €277,20; Fevereiro - €92,40; Março - €184,80; Abril - €138,60; Maio - €207,90; Junho - €184,80; Julho - €207,90; Agosto - €231,00; Setembro - €92,40; Outubro - € 231,00; Novembro - € 92,40; Dezembro - €184,80.

- No ano de 2020: Janeiro - €98,00; Fevereiro - €196,00; Março - €196,00; Abril - €269,50; Maio - €220,50.

32) De acordo com os recibos de remunerações, todos os dias passados pelo Autor no estrangeiro, quer correspondessem a dias de trabalho ou a dias de descanso, a Ré pagava ao Autor a importância referente à rubrica “Ajudas de custo Estrang.-Motorista”, no valor de €55,00/dia, que a partir de Janeiro de 2020 passou a € 50,00/dia sob a rubrica “Ajudas Custo Clausula 58 CCTV” e a partir de Maio desse ano passou a ser de € 40,00.

33) No mês de Agosto de 2019 a Ré pagou ao Autor duas rubricas de ajudas de custo, 21 dias a € 55,00/dia e 10 dias a € 85,00/dia.

34) No mês de Setembro de 2019 a Ré pagou ao Autor duas rubricas de ajudas de custo, 7 dias a € 55,00/dia e 10 dias a € 85,00/dia.

35) Nos 10 dias de cada um destes meses de Agosto e Setembro, a Ré pagou ao Autor € 85,00 e não os € 55,00 a título de ajudas de custo pelo facto deste ter acordado com a Ré não vir gozar o período de duas semanas a Portugal.

36) Em comunicação datada de 20/4/2020, a Ré informou o Autor que, a partir do mês de Maio de 2020, o valor da ajuda de custo diária passaria a ser de € 40,00/dia.

37) O Autor nunca apresentou à Ré qualquer recibo relativo a dormidas em hotel.

38) Na base da Ré, em ..., o Autor optava por dormir no camião uma vez que a Ré não dispunha aí de quartos.

39) O Autor gozou férias em alguns dos períodos de 2 semanas que vinha a Portugal.

40) No ano de 2018 o Autor gozou 20 dias de férias nos seguintes períodos:

- De 23/04 a 30/04 – 5 dias, tendo viajado para Portugal no dia 18/04 e regressado à Bélgica no dia 03/05;

- De 04/10 a 16/10 – 8 dias, tendo viajado para Portugal no dia 03/10 e regressado à Bélgica no dia 17/10;

- De 29/11 a 07/12 – 7 dias, tendo viajado para Portugal no dia 28/11 e regressado à Bélgica no dia 12/12.

41) No ano de 2019 o Autor gozou 22 dias de férias nos seguintes períodos:

- De 20/03 a 02/04 – 10 dias, tendo viajado para Portugal no dia 19/03 e regressado à Bélgica no dia 03/04;

- De 15/05 a 28/05 – 10 dias, tendo viajado para Portugal no dia 14/05 e regressado à Bélgica no dia 29/05;

- De 04/09 a 05/09 – 2 dias, tendo viajado para Portugal no dia 03/09 e regressado à Bélgica no dia 18/09.

42) No ano de 2020, o Autor não gozou férias tendo estas sido inicialmente agendadas para os períodos de 19/02 a 03/03 e de 15/04 a 30/04, tendo o Autor prescindido do período de 19/02 a 03/03, tendo ainda solicitado à Ré que lhe desse trabalho neste período.

43) Tendo em Abril de 2020 sido declarada a pandemia Covid 19, o Autor acabou por não gozar as férias nos períodos que estavam marcados e, posteriormente, entrou de baixa médica, tendo permanecido ininterruptamente nesta situação desde 31/08/2020 até 09/11/2021.

44) Tendo a Ré pago ao Autor, com o recibo das contas finais, conforme recibo de remuneração de Novembro de 2021, a título de férias não gozadas, o total de €2.272,80.

45) A Ré não ministrou formação profissional ao Autor.

46) O Autor enviou à Ré uma carta registada, datada de 15/11/2021, pela qual comunicou o seguinte:

«Venho pela presente e atento o disposto no artigo 394.º da Lei 7/2009 de 12/02, rescindir o meu contrato de trabalho com a vossa firma com os seguintes fundamentos:

«a) Por não me serem pagas as quantias legalmente devidas e relativas à totalidade dos dias de descanso (sábados, domingos e feriados) passados no estrangeiro ao serviço da firma

b) Por ultimamente me terem dito que iam deixar de entregar os bilhetes de avião para as viagens Portugal/Bélgica, como sempre foi prática da firma, passando esta a entregar-me 75,00€ por cada viagem.

c) Por não me serem pagas as deslocações de expresso entre o Aeroporto de Lisboa e a minha casa em Vale de ...

d) Por a firma, unilateralmente, me ter baixado o valor das Ajudas de Custo diárias, primeiro de 55 para 50 e depois de 50 para 40€

e) Por a firma não me dar os adiantamentos para dormir nos hotéis, nas pausas horárias de 45 horas

f) Por a firma me ter deslocado durante todo o contrato para a Bélgica, onde tinha a sua base na cidade ... e não me pagar o salário mínimo vigente na Bélgica acrescida das Ajudas de Custo

g) Por a firma nunca me ter dado as férias a gozar pois apenas me dava as duas semanas que após seis de trabalho na Bélgica vinha a Portugal gozar os descansos compensatórios desses dias trabalhados.

h) Por a firma na sua base de ... não ter condições para os trabalhadores poderem pernoitar e descansar, pois não tem dormitórios sendo os trabalhadores obrigados a dormir nas cabines dos veículos.

Nestes termos, e porque a gravidade, reiteração e consequências dos referidos factos me impedem de continuar a trabalhar para essa firma tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, rescindo o meu contrato de trabalho, com efeitos imediatos a partir desta data.

(…)»

47) À relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré aplicou-se, até Setembro de 2018, o contrato colectivo de trabalho para as empresas de transportes rodoviários de mercadorias, publicado no BTE n.º 9, 1.ª série de 08/03/80, com as revisões publicadas no BTE n.º 16, 1.ª série de 29/04/82 e n.º 18, 1.ª série de 15/05/83, após Outubro de 2018, o contrato colectivo de trabalho para as empresas de transportes rodoviários de mercadorias, publicado no BTE n.º 34, 1.ª série de 15/09/2018 e PE publicada no BTE n.º 40 de 17/09/2018 e, a partir de Janeiro de 2020, o contrato colectivo de trabalho para as empresas de transportes rodoviários de mercadorias, publicado no BTE n.º 45, 1.ª série de 08/12/2019 e a PE publicada no BTE nº 49/2020 de 26/02.

2- Factos Não Provados

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para decisão final deste processo, para além ou em contradição com os factos dados como provados, nomeadamente que:
a) Na base de ... encontrava-se também instalada a titular da base, a empresa F..., com os seus escritórios, as suas oficinas, os seus tractores, semi-reboques e trabalhadores.
b) Todo o serviço de transportes, de cargas e descargas, era dirigido pela F..., cujos funcionários entregavam ao Autor, como aos outros motoristas da Ré, todos os documentos relativos às viagens, incluindo os ..., donde constava como transportador principal “F... S.A.” e a Ré como transportadora sub-contratada.
c) O Autor só não pernoitava nos hotéis, porque a Ré não lhe dava os adiantamentos para esse efeito.
d) A Ré nunca deu a gozar ao Autor qualquer dia de férias.
e) Quando vinha a Portugal, o Autor apenas gozava as duas semanas de descansos compensatórios.
Quanto aos restantes artigos dos articulados das partes, não se responde aos mesmos por não corresponderem a matéria de facto controvertida, mas antes a matéria de direito, conclusiva, irrelevante ou repetitiva, pelo que o Tribunal não pode (nem deve) pronunciar-se nesta sede sobre os mesmos.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1ª QUESTÃO: Retribuição dos sábados, domingos e feriados passados no estrangeiro

O autor pediu a condenação da ré a pagar os dias de descanso (sábados, domingos e feriados) passados no estrangeiro, independentemente de estar ou não a trabalhar, com acréscimo de 200% até 30/09/2018 com base na Clª 41ª, n.º 6 do CCTV de 08/03/1980, e com a entrada em vigor do CCTV de 15/09/2018 e do CCTV de 08/12/2019, com base nas cláusulas de salvaguarda 89.º, n.º 1 e 82.º, n.º 1 que garantem ao trabalhador os direitos anteriores quando superiores, no total de € 12.580,93.

Na sentença recorrida considerou-se:

“A questão que se coloca (uma vez que o Autor, o que pretende é o pagamento dos sábados, domingos e feriados em que esteve no estrangeiro como se tivesse prestado trabalho, uma vez que estava na disponibilidade da Ré) é a de saber se esta cláusula se aplica ao Autor, deslocado no estrangeiro, quando nos dias de descanso e feriados esteve efectivamente a trabalhar ou se também será de aplicar no caso em que embora estivesse no estrangeiro, gozava esses dias de descanso, ou seja, não trabalhava nesses dias.

No caso em apreço o Autor, por força do contrato de trabalho que celebrou com a Ré, trabalhava 6 semanas no estrangeiro, vindo 2 semanas a Portugal, para gozar os descansos compensatórios e férias.

(…).

Como se referiu, todas as viagens que o Autor efectuou ao serviço da Ré foram feitas no estrangeiro. Não estamos na presença de um caso em que o trabalhador viajasse de Portugal e aqui regressasse e que em função da actividade para a qual foi contratado tivesse de permanecer no estrangeiro, ocasião em que tivesse a carga e o veículo à sua guarda e vigilância.

O que sucede é que o Autor, nos fins de semana e feriados em que não trabalhava, podia aparcar a viatura na base situada em ..., que era vigiada, e podia ausentar-se da base quando desejasse e pelo tempo que bem entendesse.

Daqui concluímos que o Autor não tem direito à remuneração de 8 horas em cada sábado, domingo e feriado – que estão incluídos nas 6 semanas passadas no estrangeiro – nos quais não desempenhou qualquer actividade por conta da Ré.

(…).

Importa, finalmente, referir que o Autor, relativamente a esta concreta questão, não provou que passou no estrangeiro os sábados, domingos e feriados que alega, nem que tendo passado tais dias no estrangeiro, tenha prestado trabalho para a Ré.

(…)

Improcede, pois, nesta parte, o pedido.”

Sustenta o recorrente que a improcedência o pedido no facto de o autor não ter provado que passou no estrangeiro esses dias de descanso e que tinha trabalhado nesses dias não tem nenhuma relação com o pedido deduzido pelo A.

O autor pediu a condenação da ré a pagar-lhe as diferenças entre as quantias que efetivamente pagou pelos dias de descanso trabalhados e que devia ter pago em cumprimento dos normativos legais. Em relação ao pedido deduzido nos arts. 67 a 70 da p.i., fundamentados nos recibos juntos como Doc. nº8 a 26 no total de 5.378,68 € tal deve ser julgado procedente por provado. Quanto ao pedido relativo aos dias de descanso pagos pela Ré no período de 28.02.2018 a 31.10.2018 nos arts. 71 a 74º não tem o autor documentos que provem os dias de descanso trabalhados, mas como não restam dúvidas que o autor trabalhou efetivamente em dias de descanso nesse período, e que a Ré, como confessou, lhe pagava esses dias em singelo, deve a Ré ser condenada no que se vier apurar no respetivo incidente de liquidação (Conc. a) a d)).

Respondeu a recorrida, dizendo que o que o autor reclamou é que lhe fossem pagos 14 dias de descanso referente a novembro e dezembro de 2018, 94 dias de sábados, domingos e feirados no ano de 2019 e 42,50 dias no ano de 2020. Ora, tendo o autor reclamado o pagamento de dias de descanso alegando que a ré lhe pagou esses dias de descanso, mas por valor inferior àquele que é devido. E a ré em sede de sua contestação vem dizer que desconhece onde vai o autor buscar esses dias, que dias de descanso são esses pois não os discrimina e que os 10,40/hora pagos pela ré ao autor, nos meses de fevereiro a setembro de 2018, reportam-se ao pagamento da hora de condução efetiva e outros trabalhos, prestada pelo autor em dia de sábado, domingo ou em dia e feriado e não lhes pagou esse valor pelo simples de facto desses dias serem dias de descanso. Impunha-se ao autor a subsequente prova das viagens efetuadas que coincidiram com os dias de descanso semanal e feriados a que reporta a sua pretensão e a discriminação desses dias, pois não pode ser considerado assente por acordo, que a ré lhe pagou 94 dias de sábados, domingos e feriados no ano de 2019 e 42,50 dias no ano de 2020 e 14 dias de descanso nos meses de novembro e dezembro de 2018. Pelo que o Tribunal de 1ª Instância conheceu da questão suscitada pelo autor, tendo considerado os factos por este alegados, concluindo, porém, que o autor efetivamente não os provou, não provou que passou no estrangeiro os sábados domingos e feriados que alega (94 dias no ano de 2019, 42,50 no ano de 2020 e 14 dias nos meses de novembro e dezembro de 2018), nem que tendo passado estes dias no estrangeiro tenha prestado trabalho para a ré (cf. artigos 14º a 18º das contra-alegações de recurso).

Vejamos:

A questão que agora incumbe apreciar respeita ao estipulado na Clª 41ª do CCTV aplicável, a qual prescreve o seguinte:

(Retribuição do trabalho em dias de descanso e feriados)

“1- O trabalho prestado em dias feriados ou dias de descanso semanal e ou complementar é remunerado como a créscimo de 200% (…)

2- Qualquer período de trabalho prestado nos dias feriados de descanso semanal e ou complementar será pago pelo mínimo de cinco horas, de acordo com os nºs 1 e 2.

(…)

6- Por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro o trabalhador, além do adicional referido nos nºs 1 e 2 desta cláusula, tem direito a um dia de descanso complementar, gozado seguida e imediatamente à sua chegada”.

Da factualidade provada a este propósito apurou-se o seguinte:

- Após cada período de 6 semanas de trabalho o autor gozava 2 semanas de descanso em Portugal e, de quinze em quinze dias, o repouso de 45 horas (facto 5).

-O horário do autor era de 40 horas semanais, sendo 8 horas por dia útil, de 2ª a 6ª feira, sendo os sábados e os domingos, os dias de descanso complementar e obrigatório, respetivamente (facto 8).

-O autor efetuou, por conta da ré, viagens apenas no estrangeiro, entre a cidade ..., na Bélgica, que funcionava como base e vários outros países europeus, nunca incluindo Portugal (facto 13).

-A atividade de transporte de mercadorias desenvolvida pela ré tinha como maior incidência operações de carga e descarga de mercadorias na França, Bélgica, Holanda, Alemanha e Luxemburgo (facto 15).

-Para tal, a ré dispunha de uma base logística, em ..., da empresa F..., face à cooperação empresarial existente entre ambas, uma vez que a empresa F... adjudica serviços de transporte de mercadorias à Ré, a qual, por sua vez, fornece o serviço de transporte de mercadorias à empresa F... (facto 16).

-A ré dispunha de um parque para os seus camiões TIR, em ..., onde estes aparcavam durante o fim de semana, parque este que é vedado e vigiado, com acesso condicionado (facto 17).

-Onde os motoristas da ré, designadamente o autor, podiam dispor dos espaços sanitários, balneários e cozinha (facto 18).

-Nos fins de semana (sábados e domingos) passados pelo autor na Bélgica, em que não tinha serviço atribuído, o mesmo podia ausentar-se do camião que lhe estava atribuído, podia ausentar-se da base quando desejasse e pelo tempo que bem entendesse (facto 19).

-Os veículos da ré, nesses sábados e domingos, ficavam aparcados na base de ..., dias em que o autor não conduzia a viatura como não ficava obrigado à sua guarda e vigilância (facto 20).

-Nos fins de semana de descanso do autor no estrangeiro, estes ocorreram, por norma, na base logística de ..., tendo ainda permanecido ainda, em alguns fins de semana, em áreas de serviço por outros países, nomeadamente em França (facto 22).

-O autor trabalhava 6 semanas no estrangeiro, vindo 2 semanas a Portugal para gozar os descansos compensatórios (facto 23).

-O autor não trabalhou em todos os sábados e domingos correspondentes às seis semanas passadas no estrangeiro (facto 29).

-Sempre que o autor trabalhou para a ré, em sábados e domingos, esta procedeu ao respetivo pagamento sob a rubrica “Hora de Trabalho Suplem. Sáb., Dom., Fe” nos montantes que constam dos documentos juntos pelo Autor, que se reportam aos seus recibos de remuneração (facto 30).

-A ré pagou ao autor a título de “Hora Trabalho Suplementar Sá. Dom., Fe, os seguintes valores:

No ano de 2018: abril - € 60,24; maio - €170,28; junho - €104,42; julho - €100,40; agosto - €104,42; setembro - €104,42; outubro - €115,50.

No ano de 2019: janeiro - €277,20; fevereiro - €92,40; março - €184,80; abril - €138,60; maio - €207,90; junho - €184,80; julho - €207,90; agosto - €231,00; setembro - €92,40; outubro - €231,00; novembro - €92,40; dezembro - €184,80.

No ano de 2020: janeiro - €98,00; fevereiro - €196,00; março - €196,00; abril - €269,50; maio - €220,50 (facto 31).

-De acordo com os recibos de remunerações, todos os dias passados pelo autor no estrangeiro, quer correspondessem a dias de trabalho ou a dias de descanso, a ré pagava ao autor a importância referente à rubrica “Ajudas de custo Estrang.-Motorista”, no valor de €55,00/dia, que a partir de Janeiro de 2020 passou a € 50,00/dia sob a rubrica “Ajudas Custo Clausula 58 CCTV” e a partir de Maio desse ano passou a ser de € 40,00 (facto 32).

No caso em apreço o autor não se encontrava deslocado no estrangeiro, mas sim por força do acordo estabelecido com o empregador foi destacado para trabalhar no estrangeiro (passando o seu local de trabalho a ser na Bélgica – ...), tendo sempre trabalhado 6 semanas no estrangeiro, vindo 2 semanas a Portugal, para gozar os descansos compensatórios. Ou seja, o autor acabou por prestar trabalho, sob a autoridade, direção e fiscalização de uma empresa portuguesa, estabelecida em Portugal, que presta a sua atividade no território de outro Estado – cfr. arts.º 6º e 8.º do CT.

“O motorista internacional destacado no estrangeiro, como qualquer outro trabalhador destacado no estrangeiro, tem de gozar os descansos e os dias feriados no estrangeiro, só devendo ser considerado trabalho suplementar, aquele que efetivamente é prestado nesses dias, tal como resulta do teor da cláusula 41.ª n.ºs 1 e 2 do CCT aplicável.

Efetivamente foi o que sucedeu, o autor nos fins-de-semana e feriados nos quais não prestou trabalho efetivo pode dispor livremente do seu tempo, não estando obrigado a observar o dever de vigilância e de guarda da viatura que conduzia, não tendo efetivamente prestado qualquer trabalho, nem esteve disponível para o prestar.

Situação diferente e não equiparável é a do trabalhador deslocado no estrangeiro que por razões de organização da entidade empregadora tem de passar os dias de descanso no estrangeiro, sem que possa regressar a casa, devendo em tal situação ser encarada como prestação efetiva de trabalho, dado que o motorista está disponível para o fazer, mantendo as obrigações de verificação e vigilância e manutenção da viatura que lhe está atribuída. O que não se verificou no caso em apreço.

Em suma o motorista deslocado no estrangeiro, por força das circunstâncias e pela natureza da sua atividade está em permanente disponibilidade ao serviço do empregador, enquanto o motorista destacado no estrangeiro, por força do acordado com o empregador, tem necessariamente de usufruir dos descansos no estrangeiro, dispondo dos tempos de descanso como bem entende.

De tudo isto resulta que apenas nos dias de descanso e feriados em que o autor prestou efetivamente a sua atividade por conta do empregador terá direito ao pagamento da respetiva prestação. E isto significa que o direito ao pagamento da compensação pelo trabalho prestado nesses dias exige a alegação e subsequente prova de que foi prestado efetivamente trabalho em dia de descanso ou feriado, incumbindo o ónus da prova ao autor.”[1].

Podemos assim afirmar que por via de regra, o reconhecimento do direito à retribuição por trabalho suplementar pressupõe a alegação e prova de dois factos, que dele são constitutivos: - a prestação efetiva de trabalho suplementar; - a determinação, prévia e expressa, de tal trabalho por banda da entidade patronal ou, pelo menos, a sua efetivação com conhecimento (implícito ou tácito) e sem oposição dessa entidade.

Ora, não tendo a autor logrado provar que tivesse trabalhado, para além daqueles dias de descanso em que foi compensado pela ré, não tem direito ao pagamento que reclama.

2ª QUESTÃO: Nulidade do aditamento introduzido em 2018 ao contrato de trabalho

Sustenta o recorrente que o aditamento ao contrato de trabalho, onde além do mais ficou acordado que o gozo de férias poderia coincidir no todo ou em parte com os períodos de gozo dos descansos compensatórios é nulo, quer por violar o disposto no artigo 476º do CT, quer por falta de autonomia de vontade do autor à data em que foi celebrado. Assim, colocando em primeiro lugar, o gozo dos descansos compensatórios, durante os períodos que o autor veio a Portugal para os gozar nenhum dia restou que pudesse ser imputado a título de gozo de férias, pelo que deve declarar-se que o autor tem a receber a título de férias não gozadas dos anos de 2018 e 2019 o total de €2.179,54 (alíneas e), f) e g) das conclusões de recurso).

Respondeu a recorrida, dizendo que esta questão de nulidade do “aditamento ao contrato de trabalho” nunca foi suscitada pelo autor em 1ª instância, pelo que estamos agora perante uma questão nova, que este tribunal não pode conhecer, porque não se trata de uma questão de conhecimento oficioso.

De harmonia com o disposto no artigo 286º do Código Civil, a nulidade pode ser declarada oficiosamente, pelo que este tribunal pode e deve conhecer da questão suscitada- nulidade da cláusula 3ª do aditamento ao contrato de trabalho

Resulta da factualidade dada como provada:

-Na Cláusula Décima Primeira do contrato de trabalho ficou a constar o seguinte:

“Para complemento dos elementos informativos determinados pelo Art.º 106 do Código do Trabalho, consigna-se o seguinte:

a) A duração das férias do TRABALHADOR é determinada segundo as regras dos art.ºs 238º a 245º do Código do Trabalho.

b) Que o gozo do período de férias é interpolado respeitando-se o critério estabelecido no n.º 8 do Art.º 241 do Cod. do Trabalho

(…)” (facto 6).

Consta dos autos um documento intitulado “Aditamento ao contrato de trabalho”, com a indicação de ter sido outorgado em 2018, com a assinatura do autor e do representante da ré, e do qual consta o seguinte:

(…).

3ª – Das Férias

1. A duração das férias do trabalhador é determinada segundo as regras dos art.ºs 238 a 245 do Código do Trabalho, ficando já estabelecido que o gozo de férias é interpolado, respeitando-se o critério estabelecido no nº 8 do art.º 241 do Código do Trabalho.

2. O gozo de Férias pode coincidir em parte ou no seu todo com os períodos de descanso compensatório em Portugal estabelecidos no número 4 da Cláusula Quarta. Neste caso, esses períodos não serão contabilizados para efeito de contagem de períodos de descanso compensatório (facto 7).

Ficam inalteradas e permanecem em pleno vigor as demais cláusulas do contrato de trabalho naquilo em que não colidirem com o disposto no presente instrumento de aditamento (…).

Decorre ainda deste aditamento junto com a contestação que o mesmo foi motivado pela entrada em vigor da CCT celebrada entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicada no BTE nº 34, de 15-09-2018., com a PE publicada no BTE nº 40 de 17-09-2018.

O recorrente alega dois motivos para que o aditamento seja considerado nulo:

-O contrato inicial estava abrangido pela proteção da convenção coletiva aplicável ao tempo em que foi celebrado, pelo que as suas disposições só podiam ser alteradas se estabelecessem condições mais favoráveis para o trabalhador, nos termos do artigo 476º do CT.

-O autor quando assinou o aditamento fê-lo numa situação de dependência económica, pelo que lhe faltava a autonomia da vontade como fundamento “sine qua non” para a validade desse acordo.

O princípio do tratamento mais favorável em matéria de IRC consta do art.º 476º, o qual estabelece que “as disposições de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador”.

Refere Luís Gonçalves da Silva[2] que “não existem dúvidas que estando em causa o confronto entre o contrato de trabalho e a convenção colectiva se poderá dizer que um elemento especialmente relevante é o interesse individual do trabalhador (perspetiva individual). Na verdade, tratando-se de contrato de contrato de trabalho, em que releva particularmente o elemento de pessoalidade, será natural que se devea atender aos interesses individuais da parte trabalhadora, em detrimento dos colectivos (perspetiva colectiva) para identificar o tratamento mais favorável.

(…)

Parece-nos claro que os resultados da maior favorabilidade devem ser aferidos de acordo com as condições particulares do trabalhador em causa, recusando-se, assim, um perigoso paternalismo que visaria defender o trabalhador dos seus próprios actos, o que ignoraria que, quando estão em causa valores essenciais da ordem jurídica, o legislador tem o poder de conferir natureza imperativa à norma, nas suas mais diversas variações.

(…), o mesmo é dizer que se deve atender às exactas condições em que aquela pessoa se encontra para poder concluir pela existência ou não de um tratamento mais favorável; é esta, aliás a posição que melhor se adequa ao objetivo do legislador de permitir que a autonomia individual possa modelar, de acordo com os interesses (individuais) do trabalhador, a autonomia coletiva, recusando-se, assim, uma “certidão de menoridade” deste. Permitir-se-á, deste modo, que o trabalhador “mantenha no contexto da relação laboral a própria identidade ou o “próprio projeto pessoal de vida, podendo optar pelo que considera a melhor regulação da situação laboral, notando, uma vez mais, que está em causa a preferência da autonomia individual face à autonomia colectiva. E, por isso, consideramos que caberá ao trabalhador, em regra, pessoa que contém toda a informação e que será autora e destinatária dos efeitos da negociação colectiva, apurar se a situação é ou não mais favorável.

(…). Na verdade, dificilmente se poderia compreender que o legislador tivesse pura e simplesmente coartado a liberdade individual de cada trabalhador em analisar e decidir qual a opção que considera mais adequada aos seus interesses, amputando a sua autonomia individual, valor que, como vimos, tem relevância constitucional (v.g. artigo 26º), recordando-se que “o livre desenvolvimento da personalidade permite ao ser humano, sabendo que cada instante e cada sítio abrem diversos caminhos, decidir o futuro do seu próprio ser. E, portanto, na esteira do que atrás referimos, a apreciação deve cingir-se a assegurar que o trabalhador realizou a sua opção de forma livre e esclarecida, sendo verosímil a escolha feita; não se trata, reiteramos, de um “paternalismo decisório” e de defender o trabalhador de si próprio, posição que é incompatível com o espaço de liberdade que deve ser reconhecido a cada pessoa, mas sim de realizar uma apreciação de veracidade e razoabilidade (mínima) face à posição adoptada. Não poderá, assim, o tribunal substituir-se ao trabalhador e decidir, mesmo contra a sua vontade (livre e esclarecida), o que é melhor para ele. A função do tribunal será, portanto, reiteramos, controlar se o trabalhador decidiu de forma livre e esclarecida, assegurando a autenticidade da decisão, respeitando a sua opção; em suma e como atrás referimos: deixar o mérito de opção para o trabalhador.

Admitir que a maior favorabilidade pudesse ser livremente apurada pelo tribunal, significaria impedir o trabalhador de tomar a posição que, de acordo com os seus parâmetros pessoais, considera a mais adequada; por outro lado, tal posição harmoniza-se mal com o sistema laboral em que a “maioridade” decisória é, amiúde, reconhecida ao trabalhador (v.g. artigos 129º, nº 1, alínea f), 205º, 208º-A)”.

No caso em apreço, não se vislumbra que a cláusula individual desrespeite o regime convencional relativo a férias, sendo certo que o recorrente não especificou qual o artigo da convenção coletiva aplicável que foi violado e em que medida.

A cláusula relativa a férias do “aditamento” não violou qualquer norma imperativa prevista na lei ou) na convenção.

O recorrente alegou a sua dependência económica como justificação para a sua falta de autonomia da vontade. Ora, esta alegação sem mais factos, não é por si só suficiente para se concluir que a vontade do autor, ora recorrente não foi não foi livre e esclarecida quando deu o seu assentimento em relação à cláusula em causa.

                  Pelo exposto, decide-se não ser nulo o aditamento ao contrato de trabalho.[3]

3ª QUESTÃO: Férias não gozadas

O autor reclama, a título de férias não gozadas, nos anos de 2018 e 2019 o total de €2.179,54.

Decorre da factualidade dada como provada que:

No ano de 2018 o autor gozou 20 dias de férias nos seguintes períodos:

- De 23/04 a 30/04 – 5 dias, tendo viajado para Portugal no dia 18/04 e regressado à Bélgica no dia 03/05;

- De 04/10 a 16/10 – 8 dias, tendo viajado para Portugal no dia 03/10 e regressado à Bélgica no dia 17/10;

- De 29/11 a 07/12 – 7 dias, tendo viajado para Portugal no dia 28/11 e regressado à Bélgica no dia 12/12 (facto 40).

No ano de 2019 o autor gozou 22 dias de férias nos seguintes períodos:

- De 20/03 a 02/04 – 10 dias, tendo viajado para Portugal no dia 19/03 e regressado à Bélgica no dia 03/04;

- De 15/05 a 28/05 – 10 dias, tendo viajado para Portugal no dia 14/05 e regressado à Bélgica no dia 29/05;

- De 04/09 a 05/09 – 2 dias, tendo viajado para Portugal no dia 03/09 e regressado à Bélgica no dia 18/09 (facto 41).

Na sentença recorrida entendeu-se que em face da factualidade provada, não se vislumbra que assista razão ao autor, pelo que julgou improcedente o pedido relativamente a férias não gozadas.

Sustenta o recorrente o seguinte: colocando-se em primeiro lugar, o gozo dos descansos compensatórios, durante os períodos que o autor veio a Portugal para os gozar nenhum dia restou que pudesse ser imputado a título de gozo de férias, pelo que deve declarar-se que o autor tem a receber a título de férias não gozadas dos anos de 2018 e 2019 o total de €2.179,54 (alíneas e), f) e g) das conclusões de recurso).

Os períodos de descanso em Portugal foram não apenas em gozo dos descansos compensatórios, mas também em gozo de férias, contrariamente ao alegado pelo recorrente.

Com efeito, o autor gozou os dias referidos na sentença.

A decisão proferida pela 1ª instância é, assim, de manter.

 4ª QUESTÃO: Indemnização pela não entrega prévia das quantias para dormir nas unidades hoteleiras
O autor pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de (pelo menos) €5.000,00 uma vez que não cumpriu a obrigação de adiantar ao autor as quantias necessárias para o cumprimento do descanso das 45 horas em unidade hoteleira, tendo-se o mesmo visto forçado a suportar a incomodidade e o sacrifício de ter de dormir na cabine do camião, em todas as pausas que se venciam de 15 em 15 dias.
Na sentença recorrida considerou-se que a cláusula 4ª, nº 5 do contrato de trabalho é válida atento o disposto no artigo 476º do Código do Trabalho. Refere ainda que o autor nunca apresentou à ré qualquer recibo relativo a dormidas em hotel e que também não se provou que o autor só não pernoitava nos hotéis porque a ré não lhes dava os adiantamentos para esse efeito. Concluiu, que improcede, nesta parte, o pedido.
Sustenta o recorrente que a cláusula 4ª, nº 5 do contrato individual de trabalho deve ser considerada totalmente nula e aplicar-se a cláusula 47ª do CCTV de 8.03.980.
Da factualidade provada a este propósito apurou-se o seguinte:
-De acordo com os pontos 4 e 5 da cláusula quarta do contrato de trabalho, após cada período de 6 semanas de trabalho, o autor gozava 2 semanas de descanso em Portugal e, de quinze em quinze dias, o repouso de 45 horas estabelecido pelo Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, publicado em 15 de março de 2006, alterado pelo Regulamento (CE) nº 1073/2009, de 4 de dezembro, quando coincidisse com a estada do veículo pesado em França e na Bélgica, a respetiva dormida teria que ser efetuada obrigatoriamente em hotel/hospedaria à escolha do trabalhador, aqui autor, privilegiando a rede de Fórmula 1 e IBIS, ficando o trabalhador obrigado a entregar à ré o recibo de pagamento de dormida em hotel de forma a ser reembolsado (facto 5).
-Nem antes da saída para as refeições lhe fazia os adiantamentos para a alimentação e para a dormida (facto 10).
-A ré dispunha do parque para os seus camiões TIR, na referida cidade ..., onde aparcavam durante o fim de semana, parque este que é vedado e vigiado, com acesso condicionado (facto 17).
-E onde os motoristas da ré, designadamente o autor, podiam dispor dos espaços sanitários, balneários e cozinha (facto 18).
-Nos fins de semana de descanso do autor no estrangeiro, estes ocorreram, por norma, na base logística de ..., tendo permanecido ainda, em alguns fins de semana, em áreas de serviço por outros países, nomeadamente em França (facto 22).
-O autor nunca apresentou à ré qualquer recibo relativo a dormidas em hotel (facto 37).
-Na base da ré, em ..., o autor optava por dormir no camião uma vez que a ré não dispunha aí de quartos (facto 38).
Não resultou provado que o autor só não pernoitava nos hotéis, porque a ré não lhe dava os adiantamentos para esse efeito (alínea c)).
Dispõe a cláusula 47º-A do CCTV de 8-03-1980:
“Os trabalhadores deslocados no estrangeiro têm as seguintes condições:
a) Direito ao pagamento das despesas efectuadas com as refeições (pequeno almoço, almoço, jantar e ceia), mediante factura;
b) A empresa prestará um adiantamento em dinheiro e em quantidade suficiente para fazer face a todas as possíveis despesas de viagem que terá de efectuar com a viatura e consigo mesmo.
No âmbito deste CCTV não se mostrava fixada qualquer quantia mínima para a realização deste tipo de despesas no estrangeiro.
Vejamos, então, se o disposto na cláusula 4.ª, n.º 5, do contrato celebrado entre as partes prevê uma situação mais desfavorável do que o disposto na cláusula 47.ª- A, als. a) e b), do CCTV, de 08-03-1980.

Dispõe tal cláusula que: “De 15 em 15 dias quando o repouso de 45 horas estabelecido pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, publicado em 15 de Março de 2006 alterado pelo Regulamento (CE) n.º 1073/2009 de 4 de Dezembro, quando coincida com a estada do veículo pesado em França e na bélgica, a respectiva dormida tem de ser efetuada obrigatoriamente em hotel/hospedaria à escolha do TRABALHADOR, privilegiando a rede de hotéis Formula 1 e IBIS; Este fica obrigado a entregar ao 1.º Outorgante o recibo de pagamento da dormida em hotel de forma a ser reembolsado”.

A questão em apreciação já foi decidida em acórdãos deste Tribunal. Cita-se, a título exemplificativo, o Ac. de 17-01-2020[4]: “Está provado que a ré antes da saída para as viagens não lhe fazia os adiantamentos previstos na Clª 47-A do CCTV (facto 7), designada e concretamente, os adiantamentos relativos a despesas que o trabalhador tenha que efectuar consigo mesmo, nas quais se incluem, estamos em crer, as despesas com alojamento.

Mas já não se encontra provado, conforme alega o recorrente, que este não tivesse gozado os repousos semanais nos hotéis, ou seja, fora dos veículos que conduzia, porque a Ré não lhe tivesse feito esses adiantamentos.

Por outro lado, estipulou-se contratualmente que “o repouso regular de 45 horas, quando coincida com a estada do veículo pesado em França ou na Bélgica tem de ser efetuada obrigatoriamente em hotel à escolha do trabalhador, privilegiando a rede de Hotéis Fórmula 1 e IBIS, ficando o trabalhador obrigado a apresentar o recibo de pagamento da dormida de forma a ser reembolsado” nº 5 da Clª.4º do contrato de trabalho.

Esta cláusula contratual, salvo melhor opinião, não consagra, no nosso entendimento, um regime menos favorável, no que às dormidas concerne, do que aquele que resulta do CCTV pois este apenas determina que deve haver aditamentos não especificando o local ou locais onde devam ser gozadas as pernoitas nos dias de descanso.

Acresce que, no caso, nem sequer se provou (ónus que recaía sobre o autor) que a falta dos adiantamentos fosse a causa das pernoitas não terem sido passadas em hotel.

Por isso mesmo, entendemos que, a dita cláusula contratual é válida atento o disposto no art.º 476 do CT.

Ora, como o autor não apresentou o recibo de pagamento de dormidas em hotel/hospedaria, não tem direito à quantia que reclama.”

Escreveu-se no Ac. do TRE, de 9-02-2023[5] “como se pode ver do CCTV, de 08-03-1980, tal incumprimento, só por si, não determina qualquer pagamento ao Autor por despesas que, aliás, não comprovou, por não as ter realizado.

Deste modo, apenas a título de responsabilidade civil contratual, cumprindo o imposto pelo art.º 798.º do Código Civil, poderia o Autor ter direito a qualquer quantia por violação da referida cláusula. Porém, para que o Autor tivesse direito a qualquer tipo de indemnização, para além de se provar a violação de determinada obrigação por parte do devedor, presumindo-se de imediato a sua culpa nos termos do art.º 799.º, n.º 1 do Código Civil, igualmente teria de se provar a existência de danos causados ao credor em virtude desse incumprimento.

Ora, na situação que nos ocupa, resulta provado o incumprimento por parte da Ré da cláusula 47.ª- A, als. a) e b), do CCTV, de 08-03-1980, pelo que inexiste necessidade de o Autor provar que aquela agiu com culpa. Porém, não consta da matéria provada a existência de qualquer dano patrimonial na esfera do Autor resultante do incumprimento da cláusula 47.ª- A, als. a) e b), do CCTV, de 08-03-1980, por parte da Ré”.

No Ac. 27-11-2020 acima citado, também se entendeu numa situação semelhante que “os factos provados não permitem concluir no sentido de que se encontram preenchidos estes dois pressupostos da responsabilidade civil contratual.

Por um lado, fica sem se perceber a razão pela qual o autor não teria usufruído das dormidas em questão, em especial se foi por qualquer conduta ativa ou omissiva da ré que consubstancie o facto ilícito a que se aludiu.

Não pode, pois, afirmar-se um facto ilícito cometido pela ré.

Por outro lado, desses mesmos factos não resultam concretos danos materiais ou morais suportados pelo autor por causa da circunstância de não ter usufruído das dormidas ora em apreço: desses factos não resulta que o autor tenha suportado um qualquer prejuízo empobrecedor da sua esfera jurídico-patrimonial, ou que nesta não tenha ingressado um qualquer ganho que teria permitido o correspondente enriquecimento do autor, ou ainda que o autor tivesse suportado quaisquer danos de natureza imaterial

Importa, pois, considerar que não se provou que o autor: i) não tivesse pernoitado em hotéis porque a ré não lhe tivesse feito os correspondentes adiantamentos pecuniários; ii) tenha dormido em hotel/hospedaria em alguma noite; iii) tivesse entregado à ré os recibos de pagamento referidos na cláusula 4ª/5 supratranscrita.
                                                                      
5ª QUESTÃO: Violação do principio da confiança

Considera o recorrente que a sentença, ao não dar cumprimento ao disposto no artigo 476º aparelhado à proteção jurídica dos trabalhadores, violou de uma forma arbitrária as expectativas do autor assentes no principio da confiança, ínsito na ideia do Estado de Direito Democrático, assim se violando o artigo 2º da CRP.

Dispõe o artigo 2º da CRP, sob a epígrafe “Estado de direito democrático): “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”.

Segundo Jorge Reis Novais[6] “… mesmo que a Constituição não consagre referências expressas à segurança jurídica e à protecção da confiança, esses são princípios essenciais da Constituição material do Estado de Direito, enquanto factores imprescindíveis a uma estruturação da vida social em paz jurídica e, na perspectiva dos particulares, tais princípios são condição da previsibilidade da actuação estatal enquanto pressuposto de autonomia individual na conformação de planos de vida próprios”.

(…)

Enquanto elemento essencial a um Estado de Direito e, nesse sentido, pacificamente dedutível, entre nós, do artigo 2º da Constituição, este princípio da segurança jurídica projecta exigências diferenciadas dirigidas ao Estado, que vão desde as mais genéricas de previsibilidade da actuação estatal, de certeza, clareza e densidade normativa das regras jurídicas e de publicidade e transparência dos actos dos poderes públicos, designadamente os susceptíveis de afectarem negativamente os particulares, até às mais específicas de observância concreta e pontual dos direitos, expectativas e interesses individuais legítimos dignos de protecção.

Por sua vez, a protecção da confiança relativamente à acção dos órgãos estatais, igualmente dedutível da ideia de Estado de Direito, é um elemento essencial, não apenas da segurança da ordem jurídica, mas também da própria estruturação do relacionamento entre Estado e particulares, todos concebidos como pessoas jurídicas igualmente sujeitas ao Direito. Sem a possibilidade, juridicamente garantida, de poder calcular e prever os possíveis desenvolvimentos da actuação dos poderes públicos susceptíveis de repercutirem na sua esfera jurídica, o indivíduo converter-se-ia, em última análise, com violação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, em mero objecto do acontecer estatal.

A tutela da confiança dos particulares relativamente à continuidade das garantias e limites que a ordem jurídica estabelece, bem como à prática de actos em conformidade aos precedentes estabelecidos pela actividade estatal pretérita é, se quisermos, o lado subjectivo da garantia mais geral de segurança jurídica inerente ao Estado de Direito.

Na sua dimensão objectiva, o princípio da segurança jurídica vale para todas as áreas da actuação estatal, desdobrando-se por exigências especialmente dirigidas à Administração (veja-se a relevância do chamado caso decidido), ao poder judicial (a estabilidade assegurada ao caso julgado ou a importância dos acórdãos de uniformização da jurisprudência), mas também ao legislador democrático”.

Chegados aqui, diremos que o recorrente discorda simplesmente da decisão judicial, dos seus fundamentos e interpretação. O que a recorrente defende é que, na decisão recorrida, não respeitou nem a lei ordinária, nem a Constituição. Poderia a recorrente entender que o tribunal a quo aplicou uma norma que, interpretada em certo sentido, viola normas constitucionais. Mas, para isso teria de suscitar expressamente a inconstitucionalidade da(s) norma(s) aplicada(s), o que não fez, sendo certo que também não estamos perante um caso de recusa de aplicação de uma norma jurídica com fundamento na sua inconstitucionalidade- artigos 280º da CRP e 70º, nº 1, als. a) e b), da Lei do Tribunal Constitucional.

“O objeto desta apreciação é sempre a (in) constitucionalidade de uma norma e não de uma decisão judicial. O juízo incide apenas sobre a norma aplicada ou não-aplicada no processo.”[7].

Em suma: a decisão recorrida não padece de qualquer inconstitucionalidade.

6ª QUESTÃO: A indemnização pela resolução do contrato com justa causa
Na sentença recorrida entendeu-se que o autor não tinha motivo para resolver com justa causa o contrato de trabalho.
Defende o recorrente que a ré não pagava ao autor os dias de descanso trabalhados no montante legal; não lhe pagou as férias não gozadas nos anos de 2018 e 2019; não lhe adiantava as quantias necessárias para as dormidas obrigatórias em estabelecimentos hoteleiros durante as pausas horárias de 45 horas conforme ao estabelecido no Reg. (CE) nº 561/2006; nem lhe pagava os montantes do expresso nas deslocações entre o aeroporto de Lisboa e a residência do autor pelo que a justa causa para a resolução do contrato estava amplamente verificada. Deve assim reconhecer-se ao autor o direito a receber a indemnização peticionada de €3.023,58 (alínea n) das conclusões de recurso).
O art.º 394º/1 do CT/2009 dispõe que “Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.”, prescrevendo o nº 2 desse mesmo normativo que “Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.”.
Como é sabido, a resolução com justa causa pode concretizar-se numa de duas modalidades tipicamente previstas, a saber: a) a fundada em justa causa subjetiva, porque derivada de um comportamento ilícito e culposo do empregador – constituem exemplos de situações integradoras da justa causa subjetiva aquelas que estão enunciadas no art.º 394º/2 do CT/2009; b) a fundada em justa causa objetiva, porque derivada de circunstâncias objetivas atinentes ao trabalhador ou relacionadas com a prática de atos lícitos pelo empregador – estão aqui em causa as situações previstas no nº 3 do art.º 394º do CT/2009.
O nº 4 desse mesmo dispositivo estabelece que a justa causa relevante para efeitos de fundada resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador é apreciada nos termos do nº 3 do art.º 351º com as necessárias adaptações.
Neste normativo (art.º 351.º, n.º 3), por sua vez, prevê-se que, “Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.”
Assim, é necessário que, além da verificação do elemento objetivo e subjetivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral.
Debruçando-se sobre a aferição em concreto da justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, refere Maria do Rosário Palma Ramalho[8] que a «jurisprudência tem acentuado a necessidade da presença de três requisitos para que se configure uma situação de justa causa subjetiva para a resolução do contrato:
i) um requisito objetivo, que é o comportamento do empregador, violador dos direitos e garantias do trabalhador,
ii) um requisito subjetivo, que é a atribuição desse comportamento ao empregador a título de culpa. Contudo, no que se refere ao requisito da culpa, é de presumir a sua verificação, uma vez que estamos no âmbito da responsabilidade contratual, ou seja, por aplicação da regra geral do art.º 799º do CC. Desta presunção decorre uma inversão do ónus da prova, cabendo ao empregador demonstrar que a situação subjetiva de justa causa alegada pelo trabalhador não procedeu de um comportamento culposo.
iii) um terceiro requisito, que relaciona aquele comportamento com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo (ou seja, em termos comparáveis aos da justa causa subjacente ao despedimento disciplinar)”.
Importa não perder de vista, ainda, que cabe ao trabalhador o ónus da prova dos fundamentos que invoca para a resolução do contrato de trabalho com justa causa subjetiva para o efeito, na justa medida em que estão em causa factos constitutivos do direito à resolução que pretende ver reconhecido (art.º 342º/1 do CC)[9].
De harmonia com o disposto no artigo 395º, nº 1, do CT “O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”.
Os fundamentos invocados pelo autor na carta de resolução foram:
a) o não pagamento da totalidade dos dias de descanso (sábados, domingos e feriados) passados no estrangeiro ao serviço da firma.
b) Que vão deixar de entregar os bilhetes de avião para as viagens Portugal/Bélgica, como sempre foi prática da firma, passando a entregar-lhe €75,00 por cada viagem.
c) Não pagamento das deslocações de expresso entre o Aeroporto de Lisboa e a sua casa em Vale de ....
d) Redução unilateral do valor das ajudas de custo diárias, primeiro de 55 para 50 e depois de €50 para €40.
e) Não entrega dos adiantamentos para dormir nos hotéis, nas pausas horárias de 45 horas.
f) Por ter sido deslocado durante todo o contrato para a Bélgica, onde tinha a sua base na cidade ... e não me pagar o salário mínimo vigente na Bélgica acrescida das ajudas de custas.
g) Por nunca lhe ter sido férias a gozar, apenas lhe dando as duas semanas que após seis semanas de trabalho vinha a Portugal gozar os descansos compensatórios desses dias trabalhados.
h) Por a firma na sua base de ... não ter condições para os trabalhadores poderem pernoitar e descansar, pois não tem dormitórios sendo os trabalhadores obrigados a dormir nas cabines dos veículos.
Relativamente aos fundamentos das alíneas a), d) e), f) e g),  o Tribunal de 1ª instância não reconheceu os direitos invocados pelo autor, tendo improcedido os pedidos formulados pelo autor. Os fundamentos constantes das alíneas a), e) e g) foram também apreciados por este tribunal, que confirmou o decidido na 1ª instância. Já os fundamentos das alíneas d), f) não foram objeto de impugnação.
Quanto ao fundamento da al. c), o Tribunal a quo reconheceu que assiste ao autor o direito a haver a quantia de €144,00 (12 x €12,00), a que acrescerão juros, à taxa legal, contados da citação, até efetivo pagamento. Concorda-se assim com a sentença recorrida quando afirma: “Volvendo à alínea em apreço diremos, em primeiro lugar, que falamos de uma quantia pouco substancial (a título destas deslocações), irrisória, quando comparada com a remuneração global auferida pelo Autor. Por outro lado, não há conhecimento que alguma vez o Autor tivesse abordado a Ré no sentido de que lhe fossem pagas tais deslocações.
Por fim, cumpre dizer relativamente ao fundamento da al. b) que resultou provado relativamente às viagens Bélgica-Portugal-Bélgica para gozar os descansos compensatórios, a ré sempre pagou a viagem de avião, entregando inicialmente esses bilhetes ao autor e, por fim, pagava-lhe €75,00 por cada viagem”. Concorda-se também com a sentença recorrida quando refere que “Não constitui o motivo indicado na alínea b) justa causa para a resolução do contrato”.
Também não podemos deixar de concordar com a sentença referida quando abordou o fundamento da alínea h): “Finalmente, em relação à alínea h), vale aqui a mesma argumentação. O Autor não alegou e, consequentemente, não provou que da circunstância de a base de ... não ter condições para os trabalhadores poderem pernoitar e descansar, por não haver dormitórios, decorresse a impossibilidade de manter o vínculo laboral quando é certo que se provou que o Autor é que optava por dormir no camião uma vez que a Ré não dispunha aí de quartos, nunca tendo apresentado à Ré qualquer recibo relativo a dormidas em hotel”.

A tudo acresce que dos factos provados não resulta que: i) concretas consequências se terão verificado na esfera pessoal e patrimonial do autor e do seu agregado familiar em resultado da situação de incumprimento da ré; ii) na pendência dos contratos de trabalho a ré tenha sido confrontada com qualquer circunstância que a devesse ter alertado para as situações de incumprimento em que se encontrava, persistindo a ré, apesar disso e agora de modo intencional, nesses incumprimentos; iii) alguma vez o autor tenha dirigido à ré qualquer interpelação no sentido de cessarem as situações de incumprimento a que se vem aludindo.
No enquadramento decorrente do antecedentemente referido, é nosso entendimento que os factos provados e o crédito reconhecido ao autor não evidenciam uma situação de incumprimento contratual por parte da ré de tal gravidade que fosse inexigível para o autor a manutenção do seu contrato de trabalho[10].
Improcede, assim essa pretensão.

7ª QUESTÃO: Pedido reconvencional- indemnização pela denúncia do contrato de trabalho, sem aviso prévio

Na sentença recorrida considerou-se que “Como se alcança do já exposto, o Autor não resolveu o contrato com justa causa, tendo denunciado o contrato sem aviso prévio, de onde resultará a obrigação do pagamento de uma indemnização à Ré.

Essa indemnização ascende ao valor de € 1.466,14 (€ 733,07 x 2 meses) – v. arts. 400º e 401º do Código do Trabalho), dado que o Autor, face à sua antiguidade na Ré, deveria ter denunciado o contrato de trabalho com uma antecedência de dois meses, o que não fez, pelo que deverá proceder o pedido reconvencional.

Uma vez que improcedeu o pedido de resolução do contrato de trabalho com justa causa, a ré tem direito a ser indemnizada, tal como se decidiu na sentença recorrida.


Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC):
(…)
           

DECISÃO
Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pelo apelante, atendendo ao seu vencimento- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC.
                                                                                                    Coimbra, 12 de maio de 2023
Mário Rodrigues da Silva- relator
Felizardo Paiva- adjunto
Paula Maria Roberto- adjunta


Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original



([1]) Ac. do TRG, de 17-12-2020, proc. 1257/19.9T8BCL.G1, relatora Vera Sottomayor, www.dgsi.pt.
([2]) Da Eficácia da Convenção Colectiva, Vol. II, 2022, pp. 1499, 1501, 10502 e 1503.
([3]) Cf. neste sentido, o Ac. do TRC, de 24-06-2022, proc. 1070/20.0T8CLD.C1, relator Felizardo Paiva, www.dgsi.pt.
([4]) Proc. 46/19.5T8CTB.C1, relator Felizardo Paiva, www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Ac. do TRC, de 27-11-2020, proc. 2356/19.2T8LRA.C1, relator Jorge Manuel Loureiro www.dgsi.pt.


([5]) Proc.  568/19.8T8STB.E1, relatora Emília Ramos Costa, www.dgsi.pt.

([6]) Princípios Estruturantes do Estado de Direito, 2022, pp. 215, 216, 217, 218, 219.
([7]) Ac. do TRG, de 7-10-2021, proc. 1782/20.9T8BRG.G1, relatora Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso,
www.dgsi.pt.

([8]) Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2014, pp. 1092 e 1093.
([9]) Ac. do TRC, de 6-12-2019, proc. 1313/18.0T8FIG.C1, relator Jorge Loureiro, www.dgsi.pt e a jurisprudência aí citada.
([10]) Cf. Ac. do TRC, de 6-12-2019, proc. 1313/18.0T8FIG.C1, relator Jorge Loureiro, www.dgsi.pt.