Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10/09.2T2AND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: PROPRIEDADE
ENFITEUSE
POSSE
PRESUNÇÃO
REGISTO PREDIAL
Data do Acordão: 02/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1252, 1259, 1260, 1263, 1265, 1290, 1296 CC, 6, 7, 80 CRP, DL Nº 195-A/76 DE 16/3
Sumário: 1. Na enfiteuse, também designada aprazamento ou aforamento, enquanto direito real, de natureza patrimonial e perpétua, a propriedade apresenta-se desmembrada em dois domínios: o domínio directo (cujo titular se designava senhorio) e o domínio útil (cujo titular se designava foreiro ou enfiteuta).

2. A usucapião do domínio directo pelo enfiteuta dependia da inversão do título da posse, visto ele ser possuidor em nome próprio, mas apenas do domínio útil, e com ela ocorre a confusão dos dois domínios na mesma pessoa, com a consequente extinção da enfiteuse e surgimento do direito de propriedade na titularidade do enfiteuta.

3. Quando a situação contratual se configura como de “cedência temporária” do imóvel, embora a contrapartida se designe de “foro”, tal não traduz enfiteuse, mas sim arrendamento.

4. O registo definitivo proporciona duas presunções registais: a de que o direito existe; e a de que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular. Mas não concede qualquer presunção a respeito dos elementos da descrição, designadamente confrontações ou áreas.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I - Relatório:

(A). Os Autores AA (…) e mulher ME (…) (1ºs); MF (…) e marido CA (…)(2ºs) e AJ (…) e mulher ML (…) (3ºs) e AR (…) e mulher MF (…) (4ºs) propuseram, aos 22.10.2001 ([1]), a presente acção ordinária contra a Ré Freguesia de X..., suscitando a intervenção provocada passiva de C (…), Lda. e pedindo o seguinte:

I- a) Condenação da Ré a reconhecer que os Autores AA (…) e mulher (…) são donos e legítimos proprietários de uma parcela com a área aproximada de 1102m2 que integra a área que a Ré com a escritura pública de rectificação outorgada em 11 de Setembro de 2001 pretende ver incluída no prédio que lhe pertence (o qual está inscrito na matriz rústica da freguesia de X... sob o artigo Y...º, tendo sido posteriormente participada a inscrição do mesmo como sendo o artigo YY...º da mesma freguesia com a área de 3175m2 e ainda mais tarde sido requerida a rectificação desta inscrição para a área de 5829m2;

b) Condenação da Ré a reconhecer que os Autores MF (…) e marido (…)e AJ (…) e mulher (…) são donos e legítimos proprietários de uma parcela com a área aproximada de 720m2 que integra a área que a Ré com a escritura pública de rectificação outorgada em 11 de Setembro de 2001 pretende ver incluída no prédio que lhe pertence e antes identificado;

c) Condenação da Ré a reconhecer que os Autores AR (…) e mulher (…) são donos e legítimos proprietários de uma parcela com a área aproximada de 796m2 que integra a área que a Ré com a escritura pública de rectificação outorgada em 11 de Setembro de 2001 pretende ver incluída no prédio que lhe pertence e antes identificado;

d) Condenação da Ré a abster-se de todos e quaisquer actos turbadores do legítimo exercício do direito de propriedade dos Autores sobre as parcelas identificadas atrás, e

e) Condenação da Ré a reconhecer que o seu prédio confina totalmente do poente com o Autor AA (…) e não com V (…).

II- Deve ser declarada impugnada, e consequentemente, nula a escritura de rectificação de justificação notarial outorgada pela Ré, em 11 de Setembro de 2001.

III- Deve ser declarada nula a rectificação da área requerida pela Ré de 3175m2 para 5.829m2 deferida pela Repartição de Finanças de X....

IV- Deve ser declarada nula a rectificação da sisa requerida pela Interveniente relativamente à área do prédio que se propôs adquirir à Ré de 3175m2 para 5829m2, a qual foi deferida pela repartição de finanças de X....

V- Deve ser ordenado o cancelamento de qualquer registo que tenha sido, ou venha a ser, efectuado a favor da Ré ou de terceiros a que esta transmita o prédio a área, objecto da escritura que se pretende ver impugnada, designadamente, da interveniente, prédio este como tendo o art. rústico Y...º da freguesia de X..., posteriormente participado como sendo urbano, tendo-lhe sido atribuído o art. YY...º da mesma freguesia com a área de 3715m2, e ainda mais tarde, tendo sido requerida a rectificação desta inscrição para a área de 5829m2.

Em acta de audiência final, os AA modificaram os pedidos I-a), b) e c), com o acordo  das restantes partes e tendo logo sido admitida a modificação, para estes termos:

I- a)- Condenação da Ré a reconhecer que os (1ºs) Autores AA (…) e mulher (…)são donos e legítimos proprietários de uma parcela com a área aproximada de 1418m2, identificada na planta de fls. 494 e com a exacta configuração constante desta planta, parcela esta que integra o prédio rústico da freguesia de X... sob o artigo W..., não descrito na C.R.P de X...;

-b)- Condenação da Ré a reconhecer que os (2ºs) Autores MF (…) (e marido, entende-se) são donos e legítimos proprietários de uma parcela com a área de 790m2, identificada na planta de fls. 494 e com a exacta configuração constante desta planta, parcela esta que integra o prédio rústico da freguesia de X... sob o artigo Q..., descrito na C.R.P de X... sob o nº 0 Z...;

-c)- Condenação da Ré a reconhecer que os (4ºs) Autores AR (…) e mulher (…) são donos e legítimos proprietários de uma parcela com a área de 984m2, identificada na planta de fls. 494 e com a exacta configuração constante desta planta, parcela esta que integra o prédio rústico da freguesia de X... sob o artigo V..., descrito na C.R.P de X... sob o nº 0 K....

 Os AA alegaram, para tanto, o seguinte, na petição inicial:

- Por óbito de (…) foi outorgada, em 21 de Junho de 1971, a escritura de partilha e doação mediante o qual foi adjudicado aos Autores AA (…) e mulher o prédio sito no ..., freguesia de X..., com a área de 10.287m2, inscrito na matriz predial sob o art. W...º e omisso na CRP.

- Por óbito de (…)  e mulher (…) foi outorgada a escritura de partilha mediante o qual se adjudicou na proporção de metade para cada um dos casais constituídos pelos Autores MF (…) e marido (…) e AJ (…) e mulher (…) o prédio sito no S..., freguesia de X..., com a área de 9750 m2, inscrito na matriz predial sob o art. Q...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de X... sob o nº 0 Z... e ali inscrita a dita aquisição a favor dos Autores pelas inscrições G-2 e G-3.

- A aquisição do prédio sito no S..., freguesia de X..., com a área de 5690m2, inscrito na matriz predial sob o art. VV...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de X... sob o nº R..., está aí inscrita a favor dos AR (…) e mulher pela cota G-1.

- E a aquisição do prédio sito no S..., freguesia de X..., com a área de 1300m2, inscrito na matriz predial sob o art. V...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de X... sob o nº RR..., está aí inscrita a favor dos Autores AR (…) e mulher, pela cota G-1.

- O prédio identificado atrás, em 1º lugar, confina a poente com o prédio identificado em 2º, este confina a poente com os prédios identificados em 3º e 4º, e todos estes prédios confinam a sul com a estrada que liga X... a ....

- A Ré é dona e legítima proprietária do prédio rústico sito no local do ... ou S..., inscrito na matriz predial sob o art. Y... e omisso na competente Conservatória do Registo Predial, o qual confronta do Norte com ..., do sul com estrada nacional, do nascente com caminho público e do poente com o prédio dos Autores AA (…) identificado atrás em 1º lugar (e não com (…)).

- Face à inexistência de título para efeitos de registo predial, a Ré, por escritura de justificação notarial junta como doc. nº 6 com a petição inicial, datada de 31 de Julho de 2000, procedeu à justificação notarial de aquisição do prédio, por usucapião.

- Posteriormente, a Ré requereu às Finanças de X... a alteração do teor matricial do dito prédio relativamente à área para 3715m2.

- Obtida a dita rectificação, por escritura de rectificação junta como doc. nº7 com a petição inicial, datada de 11 de Setembro de 2001, a Ré procedeu à rectificação da escritura de justificação notarial no sentido de passar a constar que o prédio aí identificado tinha uma área de 5829m2 (e não de 3715m2), dizendo que tal diferença se deveu a erro de medição e que a dita área de 5829m2 já constava da inscrição matricial.

- No entanto, o consignado na dita escritura de rectificação relativamente à diferença de área, a saber: 2618m2, e que a Ré reclamou às Finanças de X... através do processo competente, faz parte integrante dos prédios dos AA.

- Não obstante a dita área ter sido parte integrante do prédio dos Réus, a verdade é que, no ano de 1969, a dita área foi dividida em três parcelas.

- No mesmo ano, a Ré emprazou ou aforou, a favor dos antepossuidores dos 1ºs Autores AA (…) e mulher, o domínio útil de uma parcela com a área aproximada de 1102m2 mediante o pagamento de um foro anual de 40$00; emprazou ou aforou, a favor dos antepossuidores dos 2ºs e 3ºs Autores MF(…) e marido e AJ (…) e mulher, o domínio útil de uma parcela com a área aproximada de 720m2 mediante o pagamento de um foro anual de 30$00; e emprazou ou aforou, a favor dos 4ºs Autores AR (…) e mulher, o domínio útil de uma parcela com a área aproximada de 796m2 mediante o pagamento de um foro anual de 30$00.

- Posteriormente, os emprazamentos em causa foram abolidos, transferindo-se para os Autores ou seus antepossuidores o domínio directo «ope legis» das mencionadas parcelas.

- Desde então e até à presente data, os Autores vêm fruindo de cada uma das suas parcelas como coisas suas, ininterrupta, pública e pacificamente e de boa-fé.

- Há mais de 20 anos o então Presidente da Câmara Municipal de X... solicitou-lhes autorização para aí passarem a ser depositados os lixos domésticos recolhidos no Concelho, uma vez que as ditas parcelas, porque tinham anteriormente sido locais de extracção de saibro, tinham o solo muito desnivelado em relação à estrada, e os os Autores concordaram, por entenderem que dessa forma ficava facilitada a elevação da cota de nível destas.

- A ocupação das parcelas como lixeira ocorreu durante mais de uma dezena de anos, consecutivos. Durante esse tempo, a Ré nunca se opôs à sua ocupação, bem sabendo que as parcelas não lhe pertenciam.

- Depois de desactivar a lixeira, há cerca de cinco anos, a Câmara cobriu os lixos ali depositados com uma camada de terra, após o que os Autores passaram a lavrar as suas parcelas, aí plantando eucaliptos e pinheiros.

- Em 1989, os antepossuidores dos 2ºs e 3ºs Autores MF (…) e marido e (…) e marido procederam à justificação notarial do seu prédio, incorporando neste a área que lhes havia sido emprazada, por escritura outorgada em 30 de Junho, junta como doc. nº 10 com a petição, sem que o acto tenha sido impugnado.

- Em 1994, os 4ºs Autores AR (…) e mulher procederam à justificação notarial do seu prédio, incorporando neste a área que lhes havia sido emprazada, por escritura outorgada em 26 de Junho, junta como doc. nº 11 com a petição, sem que o acto tenha sido impugnado.

- Há cerca de um ano, o 1º Autor, AA (…), procedeu ao pedido de rectificação matricial da área e das confrontações do seu prédio, incorporando neste a área que lhe havia sido emprazada.

- Pelo que a rectificação da área do prédio da Ré para 5892m2, por via da escritura de 11 de Setembro de 2001, ofende o direito de propriedade dos Autores sobre as referidas parcelas.

Os AA justificaram o pedido de intervenção provocada passiva (deduzido na petição inicial!!), alegando que pela Ré foi deliberada a venda do seu prédio à Sociedade (…) Lda. Esta empresa pagou a sisa para aquisição do prédio, de cujo teor constava primitivamente a área de 3175m2. Posteriormente, esta empresa requereu a rectificação da área para 5829m2. Desconhecem, porém, se a dita empresa outorgou a competente escritura de compra e venda com a área de 3175m2. Após a aquisição do prédio, a dita empresa participou a respectiva inscrição matricial como prédio urbano com 3175m2, tendo-lhe sido atribuído, na sequência disso, o art. urbano YY...º. Posteriormente, a empresa requereu a rectificação da área na matriz urbana para 5829m2. Pelo que a dita empresa possui em relação ao objecto da causa um interesse igual e paralelo ao da Ré.

(B). No despacho a fls. 137 foi admitida a intervenção principal provocada da (…) Lda, a qual veio deduzir contestação, a fls. 229 e ss.

(C). Citada, a ré Freguesia de X... deduziu contestação a fls. 158 e ss., defendendo-se por impugnação. Com interesse em relação ao pedido I-a) a e), sustenta a Ré, sucintamente, que as três parcelas em discussão deu-as sim de arrendamento, na condição de os arrendatários deixarem caminho com a largura mínima de quatro metros a fim de dar acesso ao (remanescente) terreno pertencente à Ré, por via das deliberações tomadas pela Ré, no ano de 1969, sendo que da designada “relação de rendas” a cobrar pela Ré (doc. 8 com a contestação) constam os nomes dos antecessores dos arrendatários actuais. Nenhum deles consta da “relação dos foros” (doc. 9) a cobrar pela Ré e também dessa altura. As rendas foram pagas pelos arrendatários, desconhecendo a Ré quando cessou o seu pagamento, mas a ré deixou de as receber, por inércia das partes decorrente do período que se viveu a seguir à Revolução de Abril e, também, por se tratar de terreno (o das 3 parcelas) que vinha sendo usado pelo público para extracção de areias e saibros. Os terrenos dos Autores sempre confrontaram a sul com o terreno da Ré e não com a estrada. Depois de em meados dos anos 80 a Câmara Municipal de X... encerrar o depósito de lixos e terraplenar o respectivo terreno das parcelas, a Ré logo aí plantou eucaliptos. Pelo que a Ré nunca reconheceu os Autores como donos das parcelas,  nem os Autores, na qualidade de arrendatários, poderiam usucapir as ditas parcelas, salvo se ocorresse a inversão do título. Para tanto, não é bastante que cessasse o pagamento das rendas, e tratando-se de um terreno do domínio privado da Autarquia, só se verificaria a sua aquisição por usucapião decorrido o prazo estabelecido na Lei Ordinária acrescido de metade, por força do art. 1º da Lei nº 54 de 16/07/1913. A ré conclui pela improcedência da acção.

(D). Os Autores deduziram réplica, reiterando o alegado na petição.

(E). Foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto e elaboração da base instrutória (fls. 349 a 359), sem reclamação.

(F). A Ré deduziu articulado superveniente nos termos de fls. 411 e ss, que veio a ser admitido na acta a fl. 539.

(G). Por óbito do Autor AR (…), foram julgados habilitados os respectivos (fls. 513).

(H). Na audiência final, os Autores formularam a desistência dos pedidos sob os nºs II), III), IV) e V) – vd. acta a fl. 540 – tendo as restantes partes declarado nada opor à desistência. E na mesma acta foi proferida decisão julgando válida tal desistência e declarando extinto o direito que com tais pedidos os AA pretendiam fazer valer, com custas a cargo dos AA. A audiência, com produção de prova pessoal gravada, culminou nas respostas à base instrutória (fls. 544 a 548), com reclamações que foram atendidas. – ([2])

(I). Foi proferida a sentença, que concluiu decisoriamente: «julgo a presente acção improcedente por não provada, e consequentemente, decido: a)Absolver a Ré Freguesia de X... do pedido. b)Custas a suportar pelos Autores».

(J). Inconformados, recorrem os Autores, concluindo a sua alegação:

1. Os Recorrentes começam as presentes conclusões manifestando a sua mais profunda discordância com o acórdão recorrido, já que o mesmo reproduz uma decisão iníqua, inaceitável e incompreensível para o comum dos cidadãos; de facto

2. O vencimento da tese preconizada pela decisão recorrida, numa situação como a presente e atenta a factologia em análise, constituiria uma inadmissível violência para os Recorrentes. Desde logo,

3. Importa referir que foi a Interveniente (…), Limitada quem se opôs ao alegado pela Recorrida em 54º da sua, aliás douta, contestação, quanto ao facto de as parcelas de reivindicadas pelos Recorrentes constituirem parte integrante do prédio de Recorrida. E,

4. Foi também a Interveniente (…), Limitada que subsequentemente alterou aquela sua posição inicial, acabando por aceitar que a parte da parcela que lhe foi vendida pela Recorrida se situa, afinal, fora das três faixas de terreno de que os Recorrentes se arrogam donos;

5. Nesta circunstância, e perante esta alteração de posição, por parte da Interveniente (…) Limitada, os AA., aqui Recorrentes, desistiram dos pedidos formulados em 2), 3), 4) e 5) do seu petitório inicial.

6. Desistência esta que decorreu, por isso, de facto superveniente da lide imputável à Interveniente (…), Limitada; e por isso,

7. Foi a conduta da Interveniente (…), Limitada que, ao passar a aceitar que a parte da parcela que lhe foi vendida pela Recorrida se situa, afinal, fora das três faixas de terreno de que os Recorrentes se arrogam donos, que fez com que esta matéria deixasse de ser controvertida, assim justificando a desistência operada pelos AA.

8. Assim sendo, porque a sobredita desistência decorre de facto superveniente da lide resultante de facto imputável à Interveniente (…), Limitada, deveria o Tribunal a quo ter imputado a esta o pagamento das respectivas custas;

9. Ao ter decidido de maneira diversa, o Tribunal a quo ofendeu o disposto no art. 447º, in fine, Cód. Proc. Civil, e Assento nº 4 / 77, de 9 NOV 77. Acresce que,

10. Tendo presente a prova produzida, e concretamente a que foi apurada pelos depoimentos prestados pelas testemunhas (…), não poderia o Tribunal a quo ter concluído, como efectivamente concluiu e consta da fundamentação da resposta dada à matéria constante da base instrutória, que só depois de desactivada a lixeira e terraplanado o espaço por esta ocupado é que os Recorrentes passaram a ocupar as parcelas como se fossem os seus proprietários, sem oposição de ninguém.

11. De igual modo, tendo presente a prova produzida, e concretamente a que foi apurada pelos depoimentos prestados pelas testemunhas (…), mas também os que foram prestados pelas testemunhas (…)não poderia o Tribunal a quo ter concluído como concluiu, ou seja, que antes disso, os Recorrentes não praticaram actos de posse na convicção de serem os proprietários das parcelas, subsistindo dúvidas sobre se os actos por estes praticados terão sido sem lesar direitos alheios, uma vez que durante anos o areeiro foi utilizado pela população, indiscriminadamente, como, ainda, durante anos as parcelas terem sido utilizadas como lixeira municipal.

12. Na verdade, tais depoimentos hão-de ter-se por isentos e credíveis em virtude de terem sido prestados por quem nasceu, foi criado e residente nas proximidades das parcelas em questão, denotando conhecer cabalmente a matéria vertente, o que há a concluir é exactamente o oposto do que concluiu o Tribunal a quo;

13. No entanto, apesar da credibilidade e isenção atribuída aos depoimentos das (…) o que é certo é que o Tribunal a quo apenas relevou parte dos mesmos, desconsiderando por completo o que pelos mesmos foi dito em relação à matéria de facto constante dos artigos 5º, 7º, 10º, 11º, 13º da base instrutória.

14. Para além disso, importa evidenciar que da, aliás douta, resposta dada à matéria controvertida, se infere claramente que o Tribunal a quo não analisou, sequer criticamente, o depoimento prestado pelas testemunhas (…).

15. Destarte, é inequívoco que o tribunal a quo valorou mal a prova testemunhal produzida, sendo flagrante a desconformidade da decisão da matéria de facto relativa aos artigos 5º, 7º, 10º, 11º, 13º da base instrutória, com a prova testemunhal produzida. E por isso,

16. A absolvição da Recorrida deve-se a erro nas premissas de que a sentença partiu.

17. É sabido que a livre apreciação da prova significa que esta deve ser feita de acordo com a convicção íntima do juiz; no entanto,

18. Quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, cabe ao Tribunal ad quem exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum. Ora,

19. Da prova testemunhal produzida tal demonstração ocorreu, e de forma inequívoca. Pelo que,

20. Em cumprimento do disposto no art. 712º, nº 1, al. a) Cód. Proc. Civil deve o Tribunal ad quem proceder à análise crítica dos referidos depoimentos, conjugando-a com os restantes elementos de prova documental existente nos autos e recorrendo às regras da experiência comum fixando, relativamente à matéria constante dos artigos 5º, 7º, 10º, 11º e 13º da base instrutória de fls. 354 a 358 dos autos, um percurso lógico na sucessão e contornos dos acontecimentos, que conduza a respostas que considerem integralmente provados os ditos factos.

21. Nesta circunstância, deve a impugnação da decisão desta matéria de facto ser julgada procedente e, em consequência, devem ser alteradas as respostas aos artigos 5º, 7º, 10º, 11º e 13º da base instrutória, nos termos que seguem:

a) artigo 5º da base instrutória: deve ser julgado como provado que pelo menos desde o ano de 1976 que os Recorrentes vêm usando e fruindo das parcelas identificadas no ponto 1) da base instrutória/, como coisas suas, por si e ininterruptamente;

b) artigo 7º da base instrutória: deve ser julgado como provado que desde essa data os Recorrentes praticaram actos de posse na convicção de serem os proprietários das parcelas identificadas no ponto 1) da base instrutória, tendo em conta que foi a própria Junta de Freguesia de X... que se recusou a receber os pagamentos dos foros, referindo que por força da extinção da enfiteuse as mesmas passaram a pertencer aos Recorrentes;

c) artigo 10º da base instrutória: deve ser julgado como provado que há 20 anos, com referência à data de entrada da acção em juízo, a Câmara Municipal de X... passou a depositar lixos/ e outros detritos e resíduos nas parcelas identificadas no ponto 1) da base instrutória, depósito este que para os Recorrentes tinha o interesse de elevar as cotas das ditas parcelas;

d) artigo 11º da base instrutória: deve ser julgado como provado que os Recorrentes acederam ao enchimento das ditas parcelas identificadas no ponto 1) da base instrutória com lixo, tendo em vista o nivelamento das mesmas com a estrada que se situa a sul e os terrenos situados a norte das parcelas;

e) artigo 13º da base instrutória: deve ser julgado como provado que a ocupação das parcelas identificadas no ponto 1) da base instrutória como lixeira ocorreu durante mais de uma dezena de anos, consecutiva, com o conhecimento e autorização dos Recorrentes.

22. Acresce que, a posse que os Recorrentes mantinham das respectivas parcelas desde 1976 (facto 34 dado como provado), data em que a Junta de Freguesia de X... os libertou do pagamento dos respectivos foros, nenhuma interrupção sofreu até 1996.

23. Na verdade, foi o comportamento da própria Recorrida que induziu os Recorrentes e seus antepossuidores, a que iniciassem o exercício da sua posse com o alcance e o assumira em termos que não permitiam a quem estivesse de boa fé duvidar dessa posição e, portanto, podendo organizar a sua vida negocial na base dessa convicção legitimamente fundada.

24. Ou seja: foi o comportamento da própria Recorrida a criar nos Recorrentes a fundada convicção da boa fé, relativamente à acção de posse dos Recorrentes, uma vez que, tendo as rendas das parcelas sido recebidas pela Junta de Freguesia de X... a partir de 1968, deixaram de o ser sem que alguma vez tenha ocorrido qualquer acto de recusa pelos Recorrentes em efectuar o pagamento das ditas rendas a partir de 1976 – factos 34, 43 e 44 dados como provados.

25. Com o comportamento adoptado, a Recorrida fez elevar à posse, a detenção que até essa data tinham das parcelas que lhes haviam sido aforadas, logo, assim, avultando também que face à intervenção do animus (rem) sibi habendi se pode reconhecer a existência de posse para o efeito de usucapião.

26. Com efeito, a posse precária que os Recorrentes tinham das referidas parcelas cessou em 1976, a partir do momento em que a Recorrida, recusando receber os foros e dando indicação que as parcelas passavam a pertencer aos Recorrentes, ocorrendo assim inversão do título da posse nos termos (art. 1265º Cód. Civil), começando a partir daí a correr o tempo necessário para a usucapião a favor dos Recorrentes que, antes disso, não passavam de possuidores precários;

27. Aliás, o próprio facto de a Recorrida não ter deduzido pedido reconvencional pelo qual pedisse a condenação dos Recorrentes no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a parcelas por estes reclamadas, é sintoma evidente de que a própria Recorrida aceita e reconhece que as ditas parcelas não lhe pertencem!

28. Aqui chegados, o que há a concluir é que, de harmonia com o preceituado nos artºs 1287º e 1296º Cód. Civil, nunca o Tribunal a quo poderia ter declarado, se tal lhe houvesse sido pedido (mas não foi!) em sede reconvencional que não em sede de mera excepção peremptória extintiva – o reconhecimento a favor da Recorrida, do correspondente direito de propriedade das ditas parcelas.

29. Efectivamente, em nenhum momento a Recorrida demonstrou quaisquer factos demonstrativos de que, por parte dos Recorrentes, ocorreu ocupação abusiva ou foram praticados quaisquer actos que impedissem, estorvassem ou dificultassem o exercício do direito de propriedade, por parte da Recorrida, relativamente às parcelas por aqueles possuídas.

30. Assim sendo, parece igualmente evidente que os Recorrentes têm usando e fruído as referidas parcelas como coisas suas, por si e pelos respectivos ante possuidores, ininterruptamente, à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente da Recorrida, na convicção de exercerem sobre as mesmas o direito de propriedade, não a partir de 1996 (resposta dada à matéria do art. 5º da base instrutória), mas sim a partir de 1976.

31. Na verdade, não sendo a cessação de concretização dos foros imputável aos Recorrentes, e mantendo estes a posse das parcelas aforadas, ocorreu inversão da posse, tendo-se a mesma por uma posse de boa fé.

32. Estas pois, as razões conjugadas pelas quais o Tribunal a quo não poderia ter deixado de dar como provado que aquela autarquia utilizou as ditas parcelas com o conhecimento e autorização dos Recorrentes, mantendo estes uma posse de boa fé sobre as referidas parcelas desde 1976, consecutiva e ininterruptamente, até à data da interposição da acção em 2001. Ora,

33. Não obstante não haver registo do título nem de mera posse, a usucapião pode dar-se no termo do prazo de quinze anos, dada a boa fé dos Recorrentes, prazo este acrescido de metade por força do art. 1º da Lei nº 54 de 16 JUL 1913, o qual se encontra em vigor, não tendo sido revogada pelo art. 3º da Lei Preambular do Código Civil (Dec. Lei nº 57344, de 25 NOV66);

34. Pelo que, tendo em conta que a partir de 1976, face à recusa da Junta de Freguesia de X... em receber os foros, ocorreu inversão do título da posse, os Recorrentes passaram a praticar actos de posse por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de forma reiterada, com posse não titulada, pacifica e publicamente e de boa fé (por ter sido ilidida a presunção de má-fé consignada no art. 1260º, nº2, in fine, Cód. Civil), assim adquirindo o direito de propriedade das parcelas, seguramente, até ao ano 2000, ou seja, anteriormente à interposição da acção, em 2001.

35. Ao não ter procedido deste modo, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 1251º, 1257º, nº1, 1259º, 1260º, nº2, in fine ,1261º, nº 1, 1262º, 1263º, al. a), 1265º e 1296º CC. Para além disso,

36. A parcela que se identifica no levantamento topográfico de fls. de fls. 499 sob oPP ... e que tem 790 m2 está incorporada no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 0P ... com uma área matricial inscrita e descrita de 9750 m2 e registado na proporção de metade para cada um dos casais constituídos pelos Recorrentes MF (…) e Marido e AJ (…) e Mulher pelas inscrições G2 e G3, sendo que a Recorrida não contestou a dita incorporação de área;

37. De igual modo, a parcela que se identifica no levantamento topográfico de fls. 499 sob o nº 3 e que tem 984 m2, está incorporada no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº RR... com uma área matricial inscrita e descrita de 1300 m2 e registado a favor do Recorrente AR (…) e Mulher pela inscrição G1, sendo que a Recorrida também não contestou a dita incorporação de área;

38. O que daqui resulta é que os imóveis em cujas áreas estão incorporadas as áreas das parcelas que se identificam no levantamento topográfico de fls. 499 sob os nºs 2 e 3, estão inscritos no registo predial a favor dos Recorrentes, pelo que existe a presunção da sua titularidade do direito de propriedade sobre os referidos prédios.

39. Presunção esta que a Recorrida não ilidiu, sendo que, por força da mesma, têm os Recorrentes de ser tidos como presumidos titulares do direito de propriedade sobre os prédios registados a seu favor. De facto,

40. O registo a favor dos Recorrentes estabelece a presunção de que o direito existe e lhes pertence, enquanto titulares inscritos no mesmo – Cfr. art. 7º Cód. Reg. Predial;

41. O que equivale por dizer que os Recorrentes MF (…) e Marido e AJ (…) e Mulher devem ser tidos como presumidos titulares, na proporção de metade para cada casal, do direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 0P ... e, por força da incorporação de área operada, sobre a parcela que se identifica no levantamento topográfico de fls. 499 sob o nº PP ....

42. Idem quanto aos Recorrentes AR (…) e Mulher, os quais devem ser tidos como presumidos titulares do direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº RR... e, por força da incorporação de área operada, sobre a parcela que se identifica no levantamento topográfico de fls. 499 sob o nº 3.

43. Já quanto aos Recorrentes AA (…) e Mulher, e porque os mesmos não beneficiam de qualquer presunção da sua titularidade do direito de propriedade sobre a parcela identificada no levantamento topográfico de fls. 499 sob o nº 1, sempre haveria que concluir que foram estes, e antes deles os seus antepassados, que desenvolveram relativamente às parcelas em causa actos materiais compatíveis com a qualidade de proprietários, conducentes à aquisição do direito de propriedade por usucapião, durante mais de 22 anos e seis meses (desde 1976 até à data da citação para a presente acção em 2001) nunca houve oposição a essa posse, a qual sempre se manteve, de modo ininterrupto, por cerca de 24 / 25 anos e sempre de modo pacífico, de boa fé e exercida sem oposição de quem quer que fosse, e principalmente da Recorrida;

44. E ainda que fosse discutível se a posse dos Recorrentes AA (…) e Mulher é em nome próprio ou em nome da Recorrida, sempre os mesmos beneficiariam da presunção estabelecida no art. 1252º, nº 2, Cód. Civil, uma presunção no sentido de que, em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto;

45. Para além disso, trata-se de uma posse de inequívoca boa fé, uma vez que se iniciou imediatamente após a Junta de Freguesia de X... ter recusado o recebimento do respectivo foro, altura em que foi referido aos antepossuidores dos Recorrentes que a terra passara a pertencer-lhes por força de uma alteração legislativa, razão pela qual a dita posse se iniciou com a convicção, transmitida pela própria Recorrida aos então possuidores, de que a sua posse não lesava qualquer direito, maxime, da própria Recorrida – Cfr. arts. 1260º, nº 1 e 1296º Cód. Civil.

46. Com efeito, a posse precária que todos os Recorrentes tinham das referidas parcelas cessou em 1976, a partir do momento em que a Recorrida, recusando receber os foros e dando indicação que as parcelas passavam a pertencer aos Recorrentes, ocorrendo assim inversão do título da posse nos termos (art. 1265º Cód. Civil), começando a partir daí a correr o tempo necessário para a usucapião a favor dos Recorrentes que, antes disso, não passavam de possuidores precários.

47. Ao não ter procedido deste modo, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 6º, nº 1 do Cód. Reg. Predial, já que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos.

48. Acresce que, o prédio pertencente à Recorrida, e em cuja área esta pretende ver incorporadas as parcelas a que se vem referindo, foi descrito na Conservatória do Registo Predial de X... sob o nº 0KW ...e aí foi inscrito a seu favor pela inscrição G-1, apenas em 4 FEV 2002 – facto 14 dado como provado e certidão predial junta à contestação como doc. nº 1;

49. No entanto, não vale a favor da Recorrida a presunção da titularidade do direito estabelecida no art. 1268º, nº 1 C.C, uma vez que a inscrição do prédio a seu favor é de 2002, ou seja de data anterior  [quereriam dizer posterior…] às datas das inscrições prediais a favor dos Recorrentes MF (…) e Marido e AJ (…) e Mulher (em relação à parcelaPP ...) e AR (…) e Mulher (em relação à parcela 3);

50. De igual modo não vale a favor da Recorrida a presunção da titularidade do direito estabelecida no art. 1268º, nº 1 Cód. Civil (em relação à parcela nº 1 reivindicada pelos Recorrentes AA (…) e Mulher), uma vez que a inscrição do prédio a seu favor é de 2002, ou seja de data anterior [quereriam dizer posterior…] à data da interposição da acção em 24 OUT 2001;

51. Ao não ter procedido deste modo, o Tribunal a quo violou, de novo, o disposto no art. 6º, nº 1 do Cód. Reg. Predial, já que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos.

Termos em que, deve a decisão de que se recorre ser anulada e substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente.

A ré contra-alegou, concluindo:

I - A desistência por parte dos recorrentes dos pedidos formulados em 2), 3), 4) e 5) do seu 1º articulado consta de despacho proferido no início da audiência de julgamento, no seguimento de manifestação de vontade dos próprios recorrentes, despacho esse que não mereceu qualquer oposição ou reclamação por parte dos mesmos, nos termos previstos no art.º 511º, n.º 2, do CPC;

II – Tal desistência constituiu uma iniciativa unilateral dos recorrentes, que não decorreu dum qualquer facto superveniente, desde logo porque aqueles sempre souberam que as parcelas de que se arrogam donos são fisicamente distintas da parcela que a recorrida Junta vendeu à interveniente (…);

III - Segundo a convicção do Tribunal recorrendo, este deu apenas como provado que só desde o ano de 1996 é que os recorrentes vêm usando e fruindo as três parcelas em disputa como coisas exclusivamente suas, de forma contínua, isto é, não interrompida;

IV – De acordo com a análise crítica daquele Tribunal sobre a razão de ciência das respostas aos pontos 5 e 7 da base instrutória, só depois de desactivada a lixeira, em 1996, e terraplanado o correspondente espaço, é que os recorrentes passaram a ocupar as respectivas parcelas como se fossem os seus proprietários, sem oposição de ninguém;

V - Antes daquela data, apurou-se apenas que, durante dezenas de anos, as parcelas foram ocupadas pela Câmara Municipal de X... ao utilizá-las como lixeira municipal e, antes disso, que eram um areeiro utilizado por qualquer pessoa da população;

VI - Não se apurou que os recorrentes usufruíram das parcelas desde 1976 como se tratasse de coisas exclusivamente suas, factualidade demonstrada pelo conteúdo dos depoimentos das testemunhas, reproduzidos no ponto III), 2), supra;

VII - Os recorrentes também não lograram provar que a utilização das parcelas como lixeira por parte da Câmara Municipal fosse precedida de qualquer autorização da sua parte,

É de concluir que os depoimentos gravados sobre os pontos 5 e 7 da base instrutória, contradizem a tese dos recorrentes, tendo o Tribunal a quo feito um correcto exame crítico das provas, especificando os fundamentos que reputou decisivos para a sua livre convicção.

E decidindo - como decidiu - pela total improcedência da acção, o Tribunal recorrendo respeitou em absoluto as normas legais contidas nos art.ºs 511º, n.º 2. E 655º, n.º 1, ambos do CPC, 1.251º, 1.265º, 1.316º e 1.317º, b), estes do CC, e, ainda, o disposto no art.º 1º da Lei n.º 54, de 16/7/1913. Termos em que se defende a manutenção da douta sentença.

Correram os vistos.

Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

Questões a solucionar são as que emergem das conclusões das alegações e que assim se esquematizam, versando:

1-As custas pela desistência dos pedidos 2 a 5;

2-A impugnação da decisão de facto;

3-Os foros ou rendas e a cessação do seu pagamento, em face da pretendida inversão do título da posse a favor dos AA;

4-A presunção do art. 1252º/2 do CC e a usucapião a favor dos AA;

5-A presunção derivada do registo a favor dos 2ºs, 3ºs e 4ºs AA (art. 7º do CRP);

6-A aplicabilidade do art. 6º/1 do CRP;

7-Sobre se a ré não beneficia do disposto no art. 1268º/1 do CC.

8-Sobre os efeitos da falta de dedução de reconvenção, e da falta de prova de facto ilícito praticado pelos AA.

II - Fundamentos:

A 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1- Em 21 de Junho de 1971, através de escritura pública de partilha e doação outorgada no Cartório Notarial de X..., exarada a fls. 79vº a 93 do Livro B-60, por óbito de MS..., foi adjudicado aos Autores AA (…) e ME (…) um pinhal no sitio do ..., a partir do Norte com ..., do sul com Junta de Freguesia, do nascente com herdeiros de ... e do poente com ..., inscrito na matriz sob o art. W...º com a composição matricial de pinhal e mato, sito nos ...s e com a área matricial de 7920m2 e não descrito na Conservatória do Registo Predial.

2-Em 30/06/1989, (…) e mulher (…) outorgaram a escritura pública de justificação notarial do prédio rústico sito no S..., freguesia de X..., composta de eucaliptal, com a área de 6.680m2 a confrontar pelo norte com ... e outros, do sul com Junta de Freguesia, do nascente com MS..., e do poente com ..., inscrito na matriz sob o art. Q...ºexarada a fls. 77 vº e seguintes do Livro 89 D do Cartório Notarial de X....

3-Em 22/06/1999, através da escritura de partilha outorgada no Cartório Notarial de X... exarada a fls. 74 a 77 do Livro 121-B, por óbito de (…) e (…), foi adjudicado na proporção de metade para cada um dos casais constituídos pelos Autores MF (…) e marido e AJ (…) e mulher ML (…) o prédio rústico sito no S..., composto de eucaliptal, a confrontar do norte com ..., do sul com estrada, do nascente com ...s e do poente com ..., inscrito na matriz sob o art. Q... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 0P ... com uma área matricial inscrita e descrita de 9750m2 e registado a favor dos supra mencionados nas proporções referidas pelas inscrições G2 e G3.

4-A favor dos Autores AR (…) e mulher encontra-se inscrito (G-1-Ap. 05/220190) na Conservatória do Registo Predial sob o nº R..., o prédio rústico sito no S..., freguesia de X..., descrito como eucaliptal, confrontando a norte com herdeiros de ..., nascente com ...e, sul com Junta de Freguesia e poente com ..., artigo matricial VV... desanexado do nº 0 ..., com a área inscrita e descrita de 5690m2.

5-O prédio mencionado em 1) confina a poente com o prédio mencionado em 2) e 3) e este confina a poente com o prédio identificado em 4).

6-A favor dos Autores AR (…) e mulher encontra-se inscrito(G-1-Ap.14/191006) na Conservatória do Registo Predial sob o nº RR... o prédio rústico sito no S..., freguesia de X..., descrito como terreno com mato, confrontando a norte com ..., nascente com herdeiros de ..., sul com estrada nacional e poente com herdeiros de ..., artigo matricial V... e com área inscrita e descrita de 1.300m2.

7-Em 31/07/2000, a Ré Junta de Freguesia de X... celebrou a escritura pública de justificação notarial do prédio rústico composto de pinhal e mato, sito no ..., freguesia de X..., com a área de 3.715m2, a confrontar do norte com ... e outros, do sul com estrada nacional, do nascente com caminho público e do poente com ..., não descrito na Conservatória do Registo Predial de X... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo nº Y...º(exarado a fls. 6 e ss. Do Livro 143-B do Cartório Notarial de Vagos).

8-Em 18/05/2001, a Ré Junta de Freguesia de X... dirigiu à Repartição das Finanças do Concelho de X... um requerimento onde indicava que o artigo matricial Y..., pelo menos, desde 1910, estava registado no Livro de Património Imobiliário, como tendo 5700m2, solicitando a rectificação da área do mesmo de 3715m2 para 5829m2.

9-A área do artigo matricial Y...-inicialmente de 3240m2-foi alterada em 04/05/2000 para 3715m2 e em 20/07/2001-na sequência do processo administrativo 222/01-foi o mesmo reinscrito e rectificado com a área de 5829m2.

10-Em resultado da declaração para efeitos de liquidação de sisa, apresentada em 19/07/2000, pela (…), Lda., a inscrição matricial rústica nº Y...º foi eliminada, em 08/01/2001, dando lugar ao art. YY... urbano, com a área de 3715m2, de que passou a ser titular a aquela sociedade.

11-O artigo Y...º veio a ser eliminado novamente em 25/01/2002, o que deu origem ao artigo urbano XW..., e subsequentemente, eliminado oficiosamente em 06/03/03, dando origem aos artigos urbanos XZ... e XV....

12- Em 11/09/2001, a Junta de Freguesia procedeu à rectificação da escritura antes identificada através de nova escritura exarada a fls. 90 e seguintes do Livro 167-B do Cartório Notarial de Vagos no sentido de passar a constar que o imóvel (referido em 6) tem uma área de 5829m2 (e não de 3175m2) devendo-se a diferença a erro de medição aquando da inscrição.

13-A publicação do extracto da escritura de justificação aludida foi efectuada na edição nº 1602 do Jornal da N... de 27 de Setembro de 2001.

14-Em 4/02/2002, o prédio então inscrito na matriz rústica da freguesia de X... sob o art. Y..., foi descrito na Conservatória do Registo Predial de X... sob o nº 0KW ...e ai foi inscrito a favor da Ré pela inscrição G-1.

15-Tal prédio foi identificado como rústico composto por Pinhal, com a área declarada de 5829m2, sito no ..., freguesia de X..., a confrontar do norte com ..., do nascente com caminho público, do sul com estrada nacional e poente com ....

16-Em 04/02/2002 foi averbado como urbano sito no ..., N... e descrito como terreno destinado a construção, tendo em 15/10/2002 sido feita a desanexação duma parcela com 2.368m2.

17-Tal desanexação do prédio nº 0KW ...deu origem ao prédio descrito sob o nº YW...como urbano sito no ..., N..., confrontando do norte com ..., do sul com estrada municipal 596, nascente com caminho público e poente com Junta de Freguesia de X..., omisso na matriz.

18-Em 02/01/2003, o prédio nº YW...foi descrito sob o nº YQ... e inscrito em 11/02/2003 a favor da (…), Lda. e averbado como art. matricial nº XV... e, em 20/05/2003, inscrito a favor de (…), Lda.

19-Em 30/06/1989, AR (…) e mulher outorgaram a escritura de justificação notarial do prédio mencionado em 4) com a área e confrontações aí descritas, exarada a fls. 77 e ss. do Livro 89-D do Cartório Notarial de X....

20-A publicação dos respectivos editais foi efectuada pela Ré que os devolveu com a respectiva certificação de afixação pelo prazo legal e sem que, por esta ou por quem quer que fosse, tivesse sido efectuada qualquer impugnação de tal acto.

21-Em 26/07/1994, os Autores AR (…) e mulher celebraram escritura de justificação notarial do prédio mencionado em 6) com a área e confrontações aí descritas exarada a fls. 10 e ss. do Livro 157-C do Cartório Notarial de X....

22-A publicação do extracto desta escritura foi efectuada na edição nº 1239 do Jornal da N..., de 1 de Setembro de 1994, sem que, pela Ré ou por quem quer que fosse, tivesse sido efectuada qualquer impugnação de tal acto.

23-Em 18/06/2001, o Autor AA...requereu à Repartição de Finanças do Concelho de X... a rectificação matricial da área e confrontações do artigo matricial V..., o que foi indeferido.

24-A confrontação a sul do prédio inscrito sob a matriz rústica nº Q... veio a ser rectificada, deixando de constar Junta de Freguesia, sendo substituída por estrada, em 6/05/1999.

25-A área de 3192m2 do prédio inscrito na matriz sob o art. Y... foi em 1969 dividida em três parcelas com as áreas reais e configurações constantes da planta topográfica em anexo ao relatório pericial de fls. 449.

26-Em 1969 foi deliberado e acordado entre a Junta de Freguesia e (…)a cedência temporária pela primeira ao segundo da utilização de uma parcela do terreno aludido em 25) junto à estrada, do lado sul com 27,80m, do lado norte com 26,50m, com a largura de 26,5 m, com a área total de 790m2, pelo preço a pagar pelo segundo de trinta escudos anuais. ([3])

27-No mesmo ano foi deliberado e acordado entre a Junta de Freguesia e (…) a cedência temporária pela primeira ao segundo da utilização de uma parcela do terreno junto à estrada, do lado sul com 37 m, do lado norte com 36,50 m, a largura de 30m e a área total de 1418m2, pelo preço a pagar pelo segundo de 40$00 anuais. ([4])

28-Foi deliberado e acordado, na mesma altura, entre a Junta de Freguesia e AR (…) a cedência temporária pela primeira ao segundo a utilização de uma parcela do terreno com a área de 984m2 pelo preço a pagar pelo segundo de 30$00 anuais. ([5])

29-Desde, pelo menos, o ano de 1996 os Autores e seus antepossuidores vêm usando e fruindo as referidas parcelas como coisas suas, por si e pelos respectivos ante- possuidores.

30-Ininterruptamente.

31-À vista de todos.

32-Sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente da Ré.

33-Na convicção de exercerem sobre as mesmas (parcelas) o direito de propriedade. ([6])

34-Deixaram de pagar os preços fixados a título de foro a partir do ano de 1976.

35 e 36 -Há 20 anos, com referência à data de entrada da presente acção em juízo, a Câmara Municipal de X... passou a depositar lixos e outros detritos e resíduos nas parcelas identificadas em 25).

37-A ocupação das parcelas como lixeira ocorreu durante mais de uma dezena de anos, consecutiva.

38-Durante todo este tempo nunca a Ré se opôs à sobredita ocupação ou tomou qualquer posição em defesa das referidas parcelas como sendo de sua propriedade.

39-Há cerca de cinco anos, com referência à data de entrada da acção em juízo, a Câmara Municipal de X... deixou de depositar lixos nessas parcelas, cobrindo os lixos aí depositados com uma camada de terra.

40-Logo, de seguida, os Autores lavraram as aludidas parcelas, tendo aí plantado eucaliptos e pinheiros.

41-A justificação da área de 5829m2 do prédio resultante da escritura pública de rectificação outorgada pela Junta de Freguesia em 11/09/2001 atinge as parcelas descritas.

42-A parcela vendida à (…), Lda. situa-se fora das três faixas de terreno de que os Autores se arrogam donos.

43-As rendas de tais terrenos, também, conhecidos por « ...» foram sendo recebidas pela Junta a partir de 1968.

44-Nunca ocorreu qualquer acto de recusa pelo Autores em pagar as rendas.

45-O prédio identificado em 14) e 15), descrito na Conservatória do Registo Predial de X..., sob o nº 0KW ...da freguesia de X... encontra-se actualmente inscrito na matriz urbana dessa freguesia sob o art. XZ... e tem actualmente a seguinte identificação: Terreno destinando a construção urbana, com a área de 3461m2, a confrontar do norte com ..., do nascente com Junta de Freguesia de X..., do sul com Estrada Municipal 596 e do poente com ....

46- O Autor AA (…) é filho de (…) e (…).

47-O Autor AR (…) é filho de (…)e de (…).

48-A Autora MF (…) é casada com o Autor CA (…)…

49-…e é filha de (…) e de (…).

50-O Autor AJ (…) é casado com a Autora ML (…)…

51-…e é filho de (…) e de (…).

Compulsados os autos, verificamos que no ponto de facto nº 29 da sentença consta a expressão «pelo menos», na frase «Desde, pelo menos, o ano de 1996…», mas deve tratar-se de lapso dado que o ponto de facto provém da resposta ao quesito 5º e nesta não consta tal expressão «pelo menos» – cf. fl. 544. Daí que se rectifique esse ponto, considerando não escrita esta expressão.

1)- Sobre as custas pela desistência dos pedidos 2 a 5:

(…).

2)- Sobre a impugnação da decisão de facto:

(…)

De direito:

As conclusões da alegação de recurso demarcam o âmbito do recurso (art. 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC).

3)- Sobre a questão versando os foros ou rendas e a cessação do seu pagamento, em face da pretendida inversão do título da posse a favor dos AA:

Nesta acção de reivindicação do direito de propriedade, a causa de pedir versa, por um lado, a aquisição do direito de propriedade sobre as ditas parcelas pelos autores por força da abolição da enfiteuse (que teria por fonte o contrato celebrado entre a ré Junta e os antecessores dos AA), bem como, por outro lado, a usucapião. Alegavam que a área de 2618m2 integrava o prédio da Ré mas em 1969 a ré dividiu-a em três parcelas e emprazou-as a favor dos antecessores dos AA;  em 1976 a enfiteuse foi abolida, transferindo-se para os Autores ou seus antepossuidores o domínio directo «ope legis» das parcelas; além disso, desde então (1976) e até ao presente, os Autores vêm fruindo de cada uma das suas parcelas como coisas suas, ininterrupta, pública e pacificamente e de boa-fé. A ré defendia e defende que não se tratava de enfiteuse, mas sim de arrendamento, e para haver posse boa para usucapião era necessária a inversão do título da posse, inversão que não ocorreu.

A acção foi julgada improcedente, tendo a sentença considerado que as parcelas eram do domínio privado da Freguesia e que os AA tinham exercido a posse boa para usucapião mas o prazo, que seria de 20 anos mais metade, não tinha decorrido, contado desde 1996 até à propositura da acção em 2001.

No recurso, os AA continuam a falar de enfiteuse cuja abolição os beneficiaria e defendem que: a posse iniciou-se em 1976, altura em que a Junta de Freguesia se demitiu de cobrar os foros e deu a saber aos antecessores dos AA que os terrenos passavam a pertencer-lhes, o que traduziria a inversão do título da posse, essa posse é pública e pacífica e de boa fé, tendo sido exercida durante 15 anos mais metade, pelo que a usucapião se consumou. E acrescentam outros fundamentos: a presunção do artigo 7º do CRP a seu favor, que não foi ilidida, bem como a prioridade do seu registo sobre o registo efectuado pela ré nos termos do art. 6º nº 1 do CRP.

Os apelantes falam de foros, nas conclusões 25, 26, 31, 34, 45 e 46, e no corpo da alegação referem:

«Ora, como é sabido, o regime enfitêutico foi abolido pelo Dec. Lei nº 195-A/76 de 16 MAR, o qual determinou a transferência do domínio directo dos prédios aforados para os titulares do respectivo domínio útil. Dúvidas não há, assim, que a posse dos Recorrentes sobre as referidas parcelas, por si e pelos seus antepossuidores é caracterizada pela boa fé, caracterização esta decorrente ope legis e que ficou abundantemente provada».

Referem também: «estando os 1ºs AA na posse pacífica, pública, contínua e em nome próprio há mais de vinte e dois anos e seis meses, do domínio útil sobre o prédio…».

A sentença não fez referência à enfiteuse ou ao arrendamento, mas convém deixar claro se foi celebrado algum contrato de aforamento ou de arrendamento de modo que se haja de considerar os AA como enfiteutas ou arrendatários ou como sucessores numa relação ou noutra, tendo em conta o provado sob os pontos de facto 26 a 28 e 34, constando até deste último que os AA e seus antepossuidores deixaram de pagar os preços fixados a título de foro a partir do ano de 1976.

O relevo da consideração da enfiteuse poderia advir da eventual aplicação do Decreto-Lei nº 195-A/76 de 16-3 (alterado pelas Leis nº 22/87 de 24.6 e nº 108/97 de 16.9) que, extinguindo a enfiteuse relativa a prédios rústicos, operou, pelo seu art. 1º nº 1, a «transferência do domínio directo para o titular do domínio útil» ([7]).

A enfiteuse, também designada aprazamento ou aforamento, era um direito real menor, que era regulado nos artigos 1491 a 1523º do C C. Nesse instituto a propriedade aparece desmembrada em dois domínios: o domínio directo (cujo titular se designava senhorio) e o domínio útil (cujo titular se designava foreiro ou enfiteuta) – art. 1491º. O prédio seu objecto designa-se prazo. O direito podia constituir-se por usucapião ou contrato; neste caso, a contrapartida paga pelo enfiteuta ao senhorio designava-se na lei como “prestação anual” ou foro. Qualquer dos dois domínios se podia adquirir por usucapião, mas a usucapião do domínio directo pelo enfiteuta dependia da inversão do título da posse – cf. art. 1290º -- visto ele ser possuidor em nome próprio, mas apenas do domínio útil; do domínio directo é possuidor em nome alheio (neste sentido, CC Anotado, de Pires de Lima e Antunes Varela, vol. III, 1972, p. 526). Usucapindo o enfiteuta o domínio directo, ocorreria confusão dos dois domínios na mesma pessoa, com a consequente extinção da enfiteuse e surgimento do direito de propriedade na titularidade do enfiteuta.

A enfiteuse tinha uma característica essencial: por natureza era perpétua – artigo 1492º nº 1. De modo que, sendo direito real, de natureza patrimonial e perpétua, era transmissível via hereditatis.

As Leis que alteraram aquele diploma de 1976 erigiram um regime especial de usucapião a favor do enfiteuta, mais benéfico do que o regime geral, embora sem derrogar a eventual aplicação optativa do regime geral de usucapião nesse âmbito.

Quando a situação contratual se configura como de “cedência temporária” do imóvel, embora a contrapartida se designe de “foro”, tal não traduz enfiteuse, mas sim arrendamento. É que, como dissemos, a enfiteuse é por natureza perpétua, não vitalícia ou temporária; sendo cedência temporária, o artigo 1492º nº2 era imperativo: tem-se como arrendamento.

Está provado nos pontos de facto 26 a 28: Em 1969 foi deliberado e acordado entre a Junta de Freguesia e (…) a cedência temporária pela primeira ao segundo da utilização de uma parcela do terreno aludido em 25) junto à estrada, do lado sul com 27,80m, do lado norte com 26,50m, com a largura de 26,5 m, com a área total de 790m2, pelo preço a pagar pelo segundo de trinta escudos anuais; No mesmo ano foi deliberado e acordado entre a Junta de Freguesia e (…) a cedência temporária pela primeira ao segundo da utilização de uma parcela do terreno junto à estrada, do lado sul com 37 m, do lado norte com 36,50 m, a largura de 30m e a área total de 1418m2, pelo preço a pagar pelo segundo de 40$00 anuais; Foi deliberado e acordado, na mesma altura, entre a Junta de Freguesia e (…) a cedência temporária pela primeira ao segundo a utilização de uma parcela do terreno com a área de 984m2 pelo preço a pagar pelo segundo de 30$00 anuais.

Consequentemente, deve considera-se que entre a Junta e os antecessores dos AA foram celebrados arrendamentos, em vez de se terem constituído enfiteuses.

Não tendo os autores obtido a prova de se ter constituído a seu favor ou de lhe ter sido transmitido o domínio útil sobre as parcelas em causa, não podem beneficiar do regime de extinção da enfiteuse constante dos citados diplomas legais avulsos.

Por outro lado, não está provada a transmissão da posição de arrendatário para os AA, sendo certo que a posição do arrendatário falecido ou cessa por caducidade ou transmite-se: mas só se transmite para os herdeiros, preenchidos certos requisitos, que no caso não se mostram preenchidos. Nem tal transmissão foi invocada.

Daí que é improfícuo falar-se, no caso dos autos, de enfiteuse ou de arrendamento. E o termo “foro”, constante do ponto 34, deve entender-se como prestação anual, que é a que consta de cada um dos pontos 26 a 28.

Não podendo haver-se os AA como arrendatários, a sua relação com as parcelas em causa não está limitada pelo título arrendamento, o mesmo vale por dizer: não se pode considerar os AA como meros detentores de modo que, para adquirirem a posse em nome próprio, carecessem de inverter o título da posse (cf. artigos 1263º al. d), 1265º e 1290º do Código Civil).

Fica assim prejudicada a questão de saber se os AA inverteram ou não o título da posse ([8]).

4)- Sobre a questão versando a presunção do art. 1252º/2 do CC e a usucapião a favor dos AA:

O art. 1252º do CC, epigrafado “exercício da posse por intermediário”, preceitua: «1. A posse tanto pode se exercida pessoalmente como por intermédio de outrem; 2. Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 1257º».

Na dúvida sobre se determinado detentor da coisa possui em nome próprio ou em nome de outrem, vale a presunção do nº 2: presume-se que quem detém a coisa (isto é, quem exerce o poder de facto sobre a coisa, o corpus) possui em nome próprio, salvo se não for o iniciador dessa posse – cf. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, vol. III, 1972, p. 6.

O acórdão de 14.5.1996 do Pleno das secções Cíveis do S.T.J. (Pº 085204) ampliou a interpretação do preceito, para o efeito da usucapião, decidindo: «podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa». Ou seja, na dúvida, presume-se que quem tem o corpus, tem o animus possidendi. Claro que a alusão do acórdão à usucapião não significa dispensa do prazo legal de exercício da posse para que a usucapião se consume.

No caso dos autos, é desnecessária a consideração da presunção daquele preceito, atendendo ao provado sob os pontos de facto 29 a 34 e 40: os AA exercem a posse em nome próprio, desde 1996, posse que então adquiriram de modo pacífico e têm exercido publicamente. Tal como a sentença considerou.

Trata-se de posse efectiva, adquirida nos termos do disposto no artigo 1263º al. a) do Código Civil.

A posse é não titulada, dado que não se funda em qualquer modo abstractamente idóneo para adquirir, nos termos do art. 1259º do CC. Tal implica a presunção de posse de má fé (art. 1260º nº 2 do CC), mas a presunção é ilidível.

E é defensável que está ilidida: os AA têm actuado desde 1996 na convicção de exercerem sobre as mesmas (parcelas) o direito de propriedade (facto 33). O desconhecimento de que lesassem o direito de outrem resulta dessa convicção ([9]), em conjugação com os restantes elementos factuais apurados.

Mesmo em termos éticos, não se afigura que os AA devessem, actuando com mediana diligência, saber que lesavam o direito da Freguesia. As prestações anuais já não eram pagas desde 1976 (facto 34), sem que no entanto os AA se recusassem a pagar (facto 44), mas além disso, e se assim não tivesse acontecido desde 1976 e os AA as pagassem, sempre ficaríamos sem poder explicar a que título, dado que como vimos não houve realmente enfiteuse nem os AA são comprovadamente arrendatários. Mas são sucessores de quem deteve as parcelas com pagamentos anuais das prestações (até 1976, ano em que o instituto da enfiteuse foi abolido).

Propendemos, pois, para considerar que a posse é de boa fé.

O prazo para aquisição por usucapião  é de 15 anos (art. 1296º do CC), mais metade (Lei nº 54 de 16.7.1913, cuja aplicabilidade os apelantes não questionam).

Ora, desde 1996 até à propositura da acção em 2001 decorreram apenas cerca de cinco anos. Logo, os AA não adquiriram as parcelas em causa por usucapião, nos termos do Código Civil.

5)- Sobre a questão versando a presunção derivada do registo a favor dos 2ºs, 3ºs e 4ºs AA:

O artigo 7º do Código do Registo Predial preceitua: «O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define».

A presunção é ilidível, salvo no caso de aquisição tabular.

Dizer presunção constituída pelo «registo definitivo» é referi-la à inscrição no registo, dado que as inscrições é que são definitivas ou provisórias, não as descrições.

Na técnica registal, as descrições são abertas na dependência de inscrições ou de averbamentos (art. 80º, nº 1, do Código do Registo Predial -- CRP).

No caso, os AA pretendem beneficiar da presunção legal porque nas descrições registais constam áreas que englobam as áreas das parcelas em causa. Daí o que consta das conclusões 36ª e seg, referindo os apelantes na 38ª: «os imóveis em cujas áreas estão incorporadas as áreas das parcelas que se identificam no levantamento topográfico de fls. 499 sob os nºs 2 e 3, estão inscritos no registo predial a favor dos Recorrentes, pelo que existe a presunção da sua titularidade do direito de propriedade sobre os referidos prédios».

Como é sabido, as áreas são mencionadas nas descrições e não nas inscrições (cf. art. 82º e 93º ss do CRP).

Um problema que se vê recorrentemente colocado é o do alcance da presunção constante do art. 7º, nomeadamente sobre se ela abrange também os elemen­tos da descrição: v. g. áreas e confrontações.

Sucede que a descrição predial não tem repercussão na situação substantiva do prédio. Se a área predial constante da descrição é maior ou menor do que a real, ou se as confrontações estão mal indicadas ou desactualizadas, ou se houve uma omissão de indicação das construções existentes no pré­dio, etc, a situação substantiva do prédio não foi alterada. E esta situação é a que resulta da lei, em função dos títulos (factos jurídicos) exis­tentes. Um proprietário cujo prédio “ganhou” área do prédio vizinho por declaração falsa no registo, por o título estar inexacto ou por erro do con­servador, não se torna pro-prietário da parte que não é sua se não ocor­rer um facto aquisitivo com eficácia real a seu favor. A descrição predial ou o averbamento à descrição não são obviamente esse facto.

Por outro lado, e este é o factor mais relevante, o "registo definitivo" aludido no art. 7º do CRP, por contraposição a provisório, por natureza (art. 92º do CRP) ou por dúvidas (art. 70º do CRP), reporta-se à ins­crição registal, não à descrição. Deste modo, a presunção de titularidade do preceito diz respeito apenas à inscrição registal. Os elementos da descrição predial não ficam abrangidos pela referida presunção ([10]).

Portanto, a presunção registal constante do citado art. 7º não abarca os elementos da descrição, mas apenas o que resulta do facto inscrito tal como foi registado. É que as inscrições é que visam definir a situação jurídica dos prédios (art. 91º nº 1 do CRP).

O registo definitivo proporciona duas presunções registais: a de que o direito existe; e a de que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular ([11]). Mas não concede qualquer presunção a respeito dos elementos da descrição, designadamente confrontações ou áreas ([12]).

6)- Sobre a questão versando a aplicabilidade do art. 6º/1 do CRP:

Depois de na conclusão 38ª defenderem que «os imóveis em cujas áreas estão incorporadas as áreas das parcelas que se identificam no levantamento topográfico de fls. 499 sob os nºs 2 e 3, estão inscritos no registo predial a favor dos Recorrentes, pelo que existe a presunção da sua titularidade do direito de propriedade sobre os referidos prédios», -- os apelantes defendem nas conclusões 47ª a 51ª que «o prédio pertencente à Recorrida, e em cuja área esta pretende ver incorporadas as parcelas a que se vem referindo, foi descrito na Conservatória e aí foi inscrito a seu favor apenas em 4 FEV 2002 – facto 14», no entanto, não vale a favor da Recorrida a presunção da titularidade do direito estabelecida no art. 1268º, nº 1 C.C, uma vez que a inscrição do prédio a seu favor é posterior às datas das inscrições prediais a favor dos 2ºs, 3ºs e 4ºs AA e, quanto à parcela nº 1 reivindicada pelos 1ºs AA, é posterior à data da interposição da acção. Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 6º, nº 1, do CRP, já que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos.

Ou seja: a Ré Freguesia fez escritura de rectificação de área do seu prédio de modo a incluir nela a área total das ditas três parcelas e registou em 2002. Os 2ºs, 3ºs e 4ºs AA fizeram escrituras de justificação notarial dos seus prédios em cujas áreas integraram as áreas das respectivas parcelas referidas nos pontos de facto 26 a 28 e registaram, antes da ré. Os 1ºs AA rectificaram nas Finanças a área de um seu prédio de modo a englobar também a área da parcela referida no ponto de facto 27 e, embora não tenham registado, propuseram a presente acção antes de a ré registar… Com base nessas considerações, entendem os apelantes que se deve aplicar o princípio da prioridade consignado naquele art. 6º.

Esse artigo preceitua no nº 1: «O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes».

Trata-se do princípio da prioridade registal, em aplicação da máxima “prior in tempore, potior in jure”.

Este princípio não tem aplicação ao caso concreto, tal como a causa se nos apresenta. Com efeito, como acima dissemos, a questão das áreas dos prédios não se engloba na presunção consignada no artigo 7º do CRP, a qual incide sim sobre a existência do direito e a sua titularidade, com referência à inscrição.

Tenham os prédios área real maior ou menor do que a que consta da descrição, isso não releva para o princípio da prioridade, pois que a prioridade consignada no preceito do art. 6º nº 1 refere-se ao direito “inscrito”, não aos elementos da descrição.

Diferente seria se cada parcela estivesse descrita como prédio e a respeito do mesmo prédio houvesse duas ou mais inscrições sucessivas de direitos, compatíveis ou incompatíveis ([13]).

Mas o que se passa é que a prédios diferentes das parcelas é que os AA e a ré vieram aumentar a área de modo a incorporar a área das parcelas, menosprezando a autonomia negocial (e portanto jurídica) que fora conferida a cada uma das 3 parcelas.

De resto, não foi feito valer qualquer direito de propriedade pela ré, designa-damente através da dedução de pedido reconvencional. De modo que também por aí se vê que não nos confrontamos com vários direitos inscritos, compatíveis ou incompatíveis, sobre o mesmo prédio, cuja prioridade houvesse de se determinar.

7)- Sobre a questão de saber se a ré não beneficia do disposto no artigo 1268º/1 do Código Civil:

A questão não tem cabimento e é inútil, pois como já dissemos não está sob apreciação nesta causa qualquer direito feito valer através de pedido reconvencional.

Nem a sentença se pronunciou sobre tal questão. E não tinha que se pronunciar, pois que a questão não foi suscitada à primeira instância.

8)- Sobre se a ré, ao não deduzir reconvenção, aceita que as parcelas não lhe pertencem e sobre se não se provou ocupação abusiva ou outro facto ilícito dos AA contra a propriedade da ré:

Em rigor, tal não constitui questão a solucionar, mas sim meros argumentos ou razões. Sempre se dirá, todavia, que da não dedução de reconvenção não se pode legalmente deduzir a inexistência do direito que poderia ser objecto de reconvenção e que não nos temos de pronunciar sobre a inexistência de algum direito da ré, dado que esta não é acção de apreciação negativa. E a circunstância de constar ou não constar provada ocupação abusiva ou outro facto ilícito dos AA não pode aproveitar aos AA dado que tal nada tem a ver com o reconhecimento do direito de propriedade dos AA cujos requisitos legais a estes competia provar.

Em resumo final:

             1- Improcede a impugnação da decisão de facto;

2- Não tendo os autores obtido a prova de se ter constituído a seu favor, ou de lhe ter sido transmitido, o domínio útil sobre as parcelas em causa, não podem beneficiar do regime de extinção da enfiteuse constante do Decreto-Lei nº 195-A/76 de 16-3 (alterado pelas Leis nº 22/87 de 24.6 e nº 108/97 de 16.9).

3- Não está apurada qualquer situação jurídica em que os autores sejam meros detentores das parcelas em causa, de modo que, para adquirirem a posse em nome próprio, não careciam de inverter o título da posse.

4- Tratando-se de posse em nome próprio, adquirida pacificamente e exercida publicamente, não titulada mas de boa fé, e exercida sobre bens do domínio privado da Freguesia, - por aplicação do artigo 1296º do CC e da Lei nº 54 de 16.7.1913 o prazo para os autores adquirirem o direito de propriedade por usucapião seria de 15 anos, mais metade.

5- Exercendo os autores essa posse desde 1996, tal prazo não decorreu até à propositura da acção em 2001, pelo que não se verifica a aquisição por usucapião nos termos do Código Civil.

6- A presunção consignada no artigo 7º do CRP não abrange os elementos da descrição predial, designadamente a área do prédio.

7- Não estando em causa algum direito feito valer pela ré, que não reconveio, mas sim apenas os direitos dos AA, não tem aplicação o princípio da prioridade (art. 6º nº 1 do CRP).  

III- Decisão:

Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão impugnada.

Custas pelos autores.


Virgílio Mateus ( Relator )
Carvalho Martins
Carlos Moreira


[1] O processo iniciado em Oliveira do Bairro em 2001 transitou para a nova comarca de Baixo Vouga em 2009 e, daí, a nova numeração em epígrafe.
[2] Após ter sido julgada válida a desistência, a interveniente declarou em acta deixar de ter interesse (em continuar a intervir) na acção, em resultado da desistência daqueles pedidos.  -- vd. fl. 541.
[3] A menção da área foi rectificada para o que aí se exarou, por despacho de 22.9.2010 da 1ª instância, proferido na sequência de reclamação.
[4] Idem.
[5] Idem.
[6] Esta redacção resulta da rectificação ordenada pelo despacho referido na nota 3.
[7] Curou da aplicabilidade desse regime o recente acórdão da Relação do Porto de 8.11.2010, Pº 3796/05.0TBGDM.P1.
[8] Note-se que, se acaso os AA fossem meros detentores em termos de arrendamento ou em termos de domínio directo, careciam de inverter o título da posse para adquirirem a propriedade plena por usucapião, mas a inversão não se bastaria com o não pagamento das prestações anuais ou em a Junta dizer aos AA que eles passavam a ser donos: sempre seria necessária uma oposição dos próprios AA contra a Junta e perante ela, ou por acto de terceiro (cf. A. Santos Justo, Direitos Reais, 2007, p. 192 s; Carvalho Fernandes, Lições, 2007, p. 309; J. Alberto Vieira, 2008, p. 587 ss; P. Lima e A. Varela, CC Anotado, cit, p. 26 e 60). Acordando a Junta em que os AA passassem a ser donos seria sim hipótese de traditio brevi manu (cf. J. Alberto Vieira, op. cit, p. 589), mas não se provou que a Junta tenha tomado tal posição.
[9] Cf. A. Santos Justo, op. cit, p. 172.

[10] No sentido expresso no texto, cf. Menezes Cordeiro, Direitos Reais - Sumários, cit., pág. 87, bem como, na jurisprudência mais recente, Ac. STJ de 15.12.2005, Pº 05B3944, Ac. STJ de 14.10.2003, Pº 03A2672, Ac. STJ de 05.07.2001, Pº 01AI139, toda em www.dgsi.pt. Outra jurisprudência pode ser con­frontada em Menezes Cordeiro, Direitos Reais - Sumários, 2000, pág. 87, e em Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial Anotado e Comentado, pág. 125 e segs.

[11] Cf. Santos Justo, op. cit, p. 62.
[12] No sentido do texto, vd. Ac STJ de 4.12.2003, Pº 03B2574 (Santos Bernardino): A presunção derivada do registo não abrange os elementos de identificação dos prédios descritos.
[13] Sobre a actuação do princípio nos casos de direitos inscritos acerca do mesmo prédio, sendo eles incompatíveis ou compatíveis, vd. Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral, 1994, p. 68, bem como J. Alberto Vieira, op. cit, p. 279/282 apontando as hipóteses de inscrição de vários arrendamentos, penhoras, arrestos e arrolamentos sobre a mesma coisa, para além da hipótese de várias hipotecas.