Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3605/10.8T2AGD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
DEMOLIÇÃO DE OBRAS
OPOSIÇÃO
FACTOS SUPERVENIENTES
Data do Acordão: 10/25/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 814º, Nº 1, AL. G), E 941º, Nº 2 DO CPC
Sumário: I – Sendo ordenada a demolição de uma obra numa sentença que, transitada, constitui o título executivo apresentado numa execução para prestação de facto, só nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 814º do CPC (facto superveniente ao encerramento da discussão da causa na primeira instância) pode ser considerado, nesse processo executivo, como fundamento de oposição a incidência enunciada no trecho final do artigo 941º, nº 2 do CPC: representar a demolição pretendida, para o executado, um prejuízo consideravelmente superior ao sofrido pelo exequente.

II – Outro entendimento (a consideração como fundamento de oposição à execução fundada em sentença desse trecho do nº 2 do artigo 941º do CPC) ofenderia o caso julgado formado na anterior acção declarativa.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. No quadro de uma execução para prestação de facto [artigos 933º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC)], fundada em sentença condenatória, execução esta que se iniciou em 04/10/2010[1] com o requerimento executivo certificado a fls. 48/51[2], foi deduzida oposição pelos Executados, A… e mulher, M… (Executados, RR. condenados na acção que gerou o título executivo e aqui Apelantes)[3], sendo Exequente B… (A. cuja pretensão procedeu na acção que gerou o referido título executivo e ora Apelada).

            1.1. Esta – a Exequente – respondeu à oposição pugnando pelo prosseguimento da execução nos exactos termos resultantes do título nela apresentado, indicando como antagónica do caso julgado subjacente à Sentença/título executivo a pretensão dos Executados reportada ao nº 2 do artigo 941º do CPC.

            1.1.1. Para integral compreensão do que está em causa no recurso tenha-se presente o pronunciamento decisório com o qual culminou essa Sentença, na parte (abaixo destacada) cuja realização corresponde à prestação de facto aqui pretendida executar:
“[…]
- reconhece-se que a A., B…, é dona e legitima proprietária do prédio identificado no ponto 1. da matéria de facto;
- reconhece-se que o prédio identificado no ponto 1. da matéria de facto tem direito a manter abertas para Sul, à custa do prédio dos RR., as duas janelas e uma porta, que já existiam à data da aquisição do prédio identificado no ponto 3. da matéria de facto;
- reconhece-se que a A. tem direito a entrar e sair  pela dita porta, utilizando para tanto o caminho existente a Sul;
- condenam-se os RR., A… e M… a demolir todas as obras por si erigidas a Sul das ditas janelas e porta;
- condenam-se os RR. a absterem-se de levantar qualquer tipo de construção em frente às ditas janelas e porta enquanto se mantiver qualquer dos edifícios (construções urbanas) existentes em ambos os prédios (de A. e RR.).
- condenam-se os RR. a repararem todo o alçado Sul da casa da autora e respectivo beiral, colocando-o no estado em que se encontrava antes das obras que os RR. iniciaram em Janeiro do ano de 2007;
[…]”[4]
            [transcrição de fls. 63/64, sublinhado aqui acrescentado]

            1.2. Surge então, decidindo esta oposição, o despacho (a Sentença) de fls. 27/29constitui este(a) a decisão objecto do presente recurso –, julgando improcedente a pretensão dos Executados e determinando o prosseguimento da execução[5].

            1.3. Inconformados, interpuseram os Executados a presente apelação, motivando-a a fls. 37/40, formulando a rematar tal peça as conclusões que aqui se transcrevem:
“[…]
1. Os recorrentes fundaram a sua oposição no disposto na parte final do nº 2 do artigo 941º do CPC.
2. Tal disposição legal, salvo melhor opinião, encontra-se em vigor, não sendo anulada pelo disposto no artigo 814º do mesmo CPC.
3. A douta decisão recorrida não apreciou o fundamento da oposição.
4. A douta decisão recorrida padece, por isso, do vício enumerado na alínea d) do artigo 668º do CPC, pelo que deve ser declarada nula e substituída por outra que, apreciando a oposição deduzida, ordene os posteriores termos […].
[…]”
            [transcrição de fls. 40]


II – Fundamentação

2. Neste recurso, como em qualquer outro, as conclusões formuladas pelos Apelantes, que transcrevemos no item anterior, operaram a delimitação temática do respectivo objecto, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC.

Os elementos relevantes a considerar correspondem a todo o acervo de incidências (fundamentalmente de índole processual) relatadas ao longo do item 1. deste Acórdão. São esses, pois, se preferirmos designar as coisas nesses termos, os factos que interessam à subsequente exposição.

2.1. Constitui tema único do recurso – e assim o enunciamos – a questão da aplicabilidade do artigo 941º, nº 2 do CPC (trecho final)[6], enquanto enunciação de um fundamento autónomo de oposição a uma execução para prestação de facto cujo título executivo é constituído por uma sentença – uma sentença que condena, precisamente, nessa prestação de facto.

É esta questão, pois, que nos cumpre apreciar, substituindo – haverá que o conceder – algum défice argumentativo da decisão apelada.

2.1.1. Com efeito, a decisão recorrida julgou improcedente a oposição deduzida pelos Executados aqui Apelantes com fundamento na não verificação de qualquer das situações elencadas no artigo 814º do CPC[7], podendo extrapolar-se – e é necessária a extrapolação porque a decisão recorrida é omissa, na sua argumentação, na apreciação de tal incidência – pode extrapolar-se, dizíamos, que subjaz ao pronunciamento do Tribunal o entendimento da não aplicabilidade do artigo 941º, nº 2 do CPC à execução baseada em sentença, mesmo que esta (a condenação) corresponda a uma prestação de facto (negativo e fungível)[8] que se traduza numa demolição. Esta é – realizar uma demolição –, com efeito, a situação que aqui se nos depara tendo presente a estrutura do pronunciamento decisório da Sentença apresentada pela Exequente como título executivo.

Interessa-nos reter, assim, como ponto de partida e na sequência do que acabámos de dizer, a seguinte incidência geral (mesmo fora do quadro da obrigação imposta por sentença) associada à realização coactiva da prestação de um facto negativo fungível (incidência que aqui caracterizamos citando Fernando Amâncio Ferreira):
“[…]
Se o facto fungível respeitar a uma obrigação que tenha por objecto um facto negativo, tem o credor o direito de exigir que a obra, se obra feita houver, seja demolida à custa do que se obrigou a não a fazer, a menos que o prejuízo da demolição para o devedor seja consideravelmente superior ao prejuízo sofrido pelo credor (artigo 829º do CC).
[…]”[9]

Note-se que o tal entendimento que subjaz à decisão recorrida, quanto à inaplicabilidade do artigo 941º, nº 2 in fine à prestação de facto negativo resultante de sentença, vale, desde logo, como projecção da indiscutibilidade própria do caso julgado (v. artigo 671º, nº 1 e trecho inicial do artigo 673º do CPC)[10]. Com efeito, foi através deste (do caso julgado), depois de alcandorado à categoria de título executivo, que se demonstrou aqui o acertamento da obrigação, que constitui pressuposto da acção executiva[11], sendo que uma indagação adicional em sede de acção executiva sobre a proporcionalidade da obrigação de demolir nos termos em que foi imposta aos RR. na acção declarativa (note-se que é um juízo de proporcionalidade o que subjaz ao segundo trecho do nº 2 do artigo 941º do CPC), relativizaria esse mesmo caso julgado, pois implicaria um novo julgamento no qual poderíamos concluir – e tratar-se-ia sempre de uma conclusão contra o sentido desse caso julgado – que a obrigação imposta na sentença, até poderia ser desproporcional: poderia, parafraseando o trecho final do nº 2 do referido artigo 941º, representar para o executado um prejuízo consideravelmente superior ao sofrido pelo exequente.

Ora, esta simples possibilidade – rectius, a indagação sobre esta possibilidade –, quando a questão da desproporção assentasse em fundamentos temporalmente anteriores ou contemporâneos do encerramento da discussão na acção declarativa (fundamentos que, portanto, nela poderiam ter sido suscitados, discutidos e decididos, v. artigo 663º, nº 1 do CPC), não pode constituir um fundamento específico de oposição a uma subsequente execução, sem ofensa do caso julgado: é que este, no que corresponde à sua essência profunda, condiciona qualquer ulterior discussão sobre o conteúdo através dele definido.

Daí que – é o que entendemos e é nestes termos que se justifica a decisão recorrida –, sendo uma demolição ordenada numa sentença que, transitada, constitui o título executivo apresentado, só por sobreposição interpretativa da alínea g) do nº 1 do artigo 814º do CPC[12], pode ser considerada nesse processo executivo a questão enunciada no trecho final do artigo 941º, nº 2 do CPC. Ou seja, só se a questão da desproporção dos valores em confronto, por qualquer razão, tenha surgido em função de uma qualquer incidência verificada posteriormente ao encerramento da discussão no processo declarativo onde se gerou o título executivo (além de que tal incidência superveniente deverá ser provada documentalmente).

Não é esta, notoriamente, a situação que se configura neste caso: o que os Apelantes dizem (agora) no requerimento de oposição, poderia (deveria) ter sido dito na acção declarativa.

2.1.2. Note-se que – adicionando argumentos de abonação ao entendimento acabado de sustentar – o artigo 941º, nº 2 do CPC foi introduzido pela reforma do Código de Processo Civil decorrente da publicação do Código Civil de 1967 (referimo-nos à reforma consubstanciada no Decreto-Lei nº 47690, de 11 de Maio de 1967) e visou harmonizar a lei adjectiva[13] com as novas opções introduzidas na lei substantiva – existia, então, um Legislador cuidadoso de um ponto de vista sistemático e preocupado com a coerência global do ordenamento jurídico adjectivo e substantivo.

Foi este precisamente o caso do nº 2 do artigo 941º do CPC[14], sendo que a possível integração da respectiva facti species, coincidindo ela com a verificação da excessiva onerosidade ou do valor consideravelmente superior indicado nas normas substantivas (como vimos, os artigos 566º, nº 1 e 829º, nº 2, ambos do CC) associadas ao referido nº 2 do artigo 941º no seu trecho final, haveria de ter sido considerada e de ter actuado – fosse caso disso – na acção declarativa, nunca, como pretendem os Apelantes, por via de oposição à execução, com inaceitável afronta do caso julgado expresso no título executivo aqui feito valer, face ao assumido não cumprimento pelos Apelantes da Sentença proferida na acção declarativa.

É este entendimento, aliás, que o Supremo Tribunal de Justiça afirmou, numa situação idêntica à ora considerada – e que constitui aqui um importante precedente persuasivo –, no Acórdão de 18/12/1979 (Rui Corte-Real)[15], cujo sumário aqui transcrevemos:
“[…]
I – O artigo 941º do CPC tem por fim constatar a violação da obrigação do executado não praticar determinado facto, ordenando-se judicialmente a demolição da obra porventura feita, à custa do executado, indemnizando o exequente pelo prejuízo sofrido. II – No entanto, o artigo 941º pressupõe um título executivo que não seja a sentença declarativa de condenação em que se averigúe da violação de não praticar certo facto e se ordene a demolição da obra. III – À execução fundada nessa sentença, não se aplicam os artigos 941º e 942º do CPC, mas sim o disposto no artigo 933º e seguintes do mesmo diploma. IV – Consequentemente, não é lícito ao executado invocar, em embargos, o disposto no artigo 829º, nº 2 do CC, pois o momento oportuno para o fazer teria sido na respectiva acção declarativa de condenação. 
[…]”

            2.2. Haverá, pois, que confirmar a decisão recorrida, sumariando-se aqui o antecedente percurso argumentativo, nos seguintes termos (cumprindo a imposição ao relator decorrente do nº 7 do artigo 713º do CPC):
«I – Sendo ordenada a demolição de uma obra numa sentença que, transitada, constitui o título executivo apresentado numa execução para prestação de facto, só nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 814º do CPC (facto superveniente ao encerramento da discussão da causa na primeira instância), pode ser considerado, nesse processo executivo, como fundamento de oposição a incidência enunciada no trecho final do artigo 941º, nº 2 do CPC: representar a demolição pretendida, para o executado, um prejuízo consideravelmente superior ao sofrido pelo exequente.
II – Outro entendimento (a consideração como fundamento de oposição à execução fundada em sentença desse trecho do nº 2 do artigo 941º do CPC), ofenderia o caso julgado formado na anterior acção declarativa.


III – Decisão

            3. Pelo exposto, na improcedência da apelação, decide-se confirmar a decisão recorrida.

            Custas pelos Apelantes.

Teles Pereira (Relator)

Manuel Capelo

Jacinto Meca


[1]  Estamos no domínio temporal de aplicação do regime processual dos recursos corporizado no Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Assim, sempre que seja necessário convocar na subsequente exposição alguma norma do Código de Processo Civil cujo texto tenha sido alterado pelo referido DL nº 303/2007, sê-lo-á na redacção introduzida por este último Diploma. Note-se que é irrelevante estar em causa a execução de uma sentença proferida em acção declarativa instaurada anteriormente à entrada em vigor deste DL nº 303/2007, “[u]ma vez que a instância executiva é autónoma em relação à declarativa […]” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil. Novo Regime, 3ª ed., Coimbra, 2010, p. 16).
[2] Aqui transcrevemos os campos do requerimento executivo relevantes para o presente recurso:
“[…]

Objecto da Execução: Prestação de facto (Execuções)

Título Executivo: Sentença condenatória judicial

Factos:

Por douta sentença transitada em julgado foram os executados condenados a:

- reconhecer que a Exequente é dona e legítima proprietária de um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão pátio e logradouro e dependências sito em Rines, com a área de 1.184 metros quadrados, a confrontar, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Fonte de Angeão sob o artigo …

- reconhecer que o prédio atrás identificado tem direito a manter abertas para sul, à custa do prédio dos Executados, as duas janelas e uma porta, que já existiam à data da aquisição do prédio identificado no artigo 3º da matéria assente, que é pertença dos Executados, o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Fonte de Angeão sob o artigo nº…;

- reconhecer que a Exequente tem direito a entrar e a sair pela dita porta, utilizando para tanto o caminho existente a sul;

Condenar os Executados A… e mulher M… a demolir todas as obras erigidas a sul das ditas janelas e porta;

- condenarem-se os Executados a abaterem-se de levantar qualquer tipo de construção em frente às ditas janelas e porta, enquanto se mantiver qualquer dos edifícios ( construções urbanas)existentes em ambos os prédios ( De Exequente e Executados);

- condenarem-se os Executados a repararem todo o alçado sul da casa da Exequente e respectivo beiral, colocando-o no estado em que se encontrava antes das obras que os Executados iniciaram em Janeiro de 2007;

- sucede que, apesar de interpelados para o efeito, os Executados ainda não deram inicio às obras que lhe foram impostas pelo douto aresto, nem dão mostras de o pretenderem fazer, a bem;

Pelo que pretende a Exequente dar à Execução a referida douta sentença, já transitada, e que serve de título à presente execução e cuja certidão ora se junta aos autos;

Ora, dado que do título executivo não está determinado o prazo para a prestação, entende a Exequente que trinta dias são suficientes para a dita prestação, para o que requer a V.Exª que, citados os Executados para dizerem o que se lhes oferecer, se digne fixar o prazo judicialmente – artigo 939º nº 1 do Código de Processo Civil, bem como seja fixada a sanção pecuniária compulsória, no valor de €100,00 dia, desde a citação para o âmbito da presente execução até que as obras estejam integralmente cumpridas (cfr. artigo 933º nº 1, 2ª parte, ex vi artigo 939º nº 1, ambos do CPC)

Fixado judicialmente o prazo, conforme referido supra, e sem que os Executados cumpram com a prestação a que estão obrigados, desde já a Exequente requer que a prestação seja executada por outrem, visto tratar-se de facto fungível, requerendo-se a nomeação de perito que avalie o custo da prestação.

Tendo em conta a quantidade e qualidade das obras em causa, prevê-se que o custo das mesmas poderá ascender a não menos do que €20.000,00, mas sempre sem prejuízo do que vier a ser decidido pelo senhor perito.
[…]”
[transcrição de fls. 48, destaque e sublinhado acrescentados neste texto, enfatizando estar em causa, no que aqui interessa e como adiante explicitaremos, uma condenação em prestação de facto negativo fungível]
[3] Para compreensão da situação transcrevemos o essencial do requerimento de oposição apresentado pelos Executados:
“[…]

Ae esposa, M…, executados nos autos acima indicados vêm, nos termos do disposto na segunda parte do nº 2 do artigo 941º do CPC, formular a seguinte OPOSIÇÃO



Pretende a exequente, essencialmente, que os executados procedam à demolição da construção que efectuaram no limite norte do seu prédio e encostado à parede sul do prédio da exequente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Fonte de Angeão sob o artigo ...


Impedindo-a de usar a porta e janela de que esta casa dispõe na dita parede sul.


Entendem, contudo, os executados, que tal pretensão não constitui um direito, mas sim um gritante abuso de direito, dada a desproporção dos interesses em causa.


Na verdade, na acção que terminou com a decisão que se pretende executar, foram considerados provados, entre outros os seguintes factos:

a) Os RR ergueram um muro colado à parede sul da casa da A.;

b) O muro estende-se por toda a parede sul da casa da A., tapando as duas janelas e a porta que esta possuía e que deitava para sul;

c) A referida porta possibilitava o acesso ao prédio da A. e as janelas forneciam luz e ar a uma sala e uma cozinha;

d) O prédio da A. tem acesso pelo portão principal;

e) A referida porta foi a entrada para uma taberna que funcionou até há cerca de 40 anos;

f) Depois disso, serviu para acesso a uma sala de costura, que está desactivada há mais de 20 anos.

g) O compartimento servido pela porta é também por uma janela e a sala e cozinha são servidas, cada uma, por uma janela que dá para o pátio interior;



Assim, é manifesto que a construção erigida pelos executados, não causou qualquer prejuízo à acessibilidade e condições de habitabilidade do prédio da exequente.


Como acima se referiu e vem provado da dita acção, há mais de 20 anos que a exequente não usava a dita porta sul.


A casa da exequente dispõe de outras janelas e outra porta, que dão para o pátio interior, para aceder, arejar e iluminar as divisões em causa.


Divisões essas que não passam de adaptações, ocasionais/temporárias e ilegais, do respectivo espaço, uma vez que a casa dispõe de cozinha e sala próprias


E esse espaço, que segundo a arquitectura da casa gandareza, em que se integra, era um arrumo, vulgarmente conhecido por «casa da arrumação», foi, sucessivamente, adaptada a taberna e sala de costura até chegar às actuais utilizações.

10º

O pedido de demolição visa apenas amesquinhar pessoalmente os executados e prejudicá-los gravemente, no aspecto económico.

11º

Estes elevaram a dita parede norte, não como forma gratuita de lesar a exequente, mas para suportar uma garagem e arrumos de que a sua casa não dispunha

12º

O que fizeram após aprovação do respectivo projecto na Câmara Municipal. Doc. 1.

13º

Tendo gasto na obra mais de €20.000,00, resultante de:

a) Materiais e mão-de-obra adquiridos à empresa …, Lda, no valor de €14.520,00, Doc. 2 e 3;

b) Portão, adquirido a F…, Lda, no valor de €605,00 Doc. 4.

c) Outros materiais adquiridos a M…, Lda no valor de €488,57, Doc. 5 e 6.

d) Outros materiais adquiridos, no valor de €5.000,00.


14º

Pelo que a requerida demolição originaria aos executados um prejuízo muito superior ao sofrido pela exequente.

15º

Foi fixada na douta decisão que se visa executar, a quantia a pagar a título de indemnização à exequente, pelo que esta carece de título executivo para formular o pedido de pagamento de sanção pecuniária compulsória.

16º

De todo o modo, tal sanção só poderia ter lugar após fixação do prazo para realização do facto em causa (demolição) porém, atento o teor da presente oposição, esta não deve ter lugar.

17º

Razão pela qual os executados se não pronunciam quanto ao prazo.

Termos em que, deve a presente oposição ser recebida e, a final, julgada procedente, com as legais consequências, nomeadamente, não se ordenando a requerida demolição e não se fixando qualquer valor a título de sanção pecuniária compulsória.
[…]”
                [transcrição de fls. 4/7].
[4] Aqui se transcrevem os elementos relevantes da fundamentação da mesma Sentença:
“[…]

À luz da cláusula sub iudice, assim interpretada, importa considerar que os réus ergueram um muro colado à parede Sul da casa da autora. Esse muro estende-se por toda a parede Sul da casa da autora, tapando as duas janelas e a porta que esta possuía no alçado Sul.

Acontece que este tipo de construção não corresponde à construção urbana a que se alude na mencionada cláusula, não tendo os réus procedido à demolição da construção urbana que existia no seu prédio, nem tendo aí edificado uma outra em seu lugar, limitando-se a construir um muro encostado à parede Sul da casa da autora. Nessa medida, ainda que tal não corresponda à constituição de uma servidão, à autora assiste o direito a manter nos termos existentes as janelas e portas existentes na parede Sul do seu prédio, por a tanto se terem obrigado as partes.
Em consequência, procede o pedido formulado pela autora que se prende com o direito a manter, à custa do prédio dos réus, abertas para Sul as duas janelas e uma porta, que já ali existiam à data da aquisição do prédio identificado no ponto 3. da matéria de facto. Reconhece-se igualmente à autora o direito a entrar e sair pela porta existente no alçado Sul da casa, utilizando para tanto o caminho ali existente.
Para tanto os réus ficam adstritos a demolir todas as obras por si erigidas a Sul das ditas janelas e porta, na medida em que tais construções obstam a que as referidas janelas e porta possam ser usufruídas como até então sucedia. Ficam igualmente proibidos de ali levantar qualquer tipo de construção em frente às ditas janelas e porta (não enquanto se mantiver a casa antiga que a autora recebeu por Inventário) mas enquanto se mantiver qualquer dos edifícios (construções urbanas) existentes em ambos os prédios (de autora e réus) e a repararem todo o alçado Sul da casa da autora e respectivo beiral, colocando-o no estado em que se encontrava antes das obras que os réus iniciaram em Janeiro do ano de 2007.
[…]”
                [transcrição de fls. 62 com sublinhado ora acrescentado]
[5] Assentou a Sentença, no seu elemento decisório, na seguinte fundamentação:
“[…]

Estabelece o artigo 814º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo DL 226/2008 de 20.11 quais os fundamentos da oposição à execução baseada em sentença.

Ora, no caso dos autos, nenhuma das questões levantadas pelos opoentes se prendem com os fundamentos ali elencados, designadamente a inexistência ou inexequibilidade do título ou qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.

Com efeito, o fundamento levantado pelos Opoentes é já anterior à discussão no processo de declaração, já que invocam que há mais de 20 anos que a exequente não usava a porta em questão.

Assim sendo, improcede a oposição deduzida.
[…]”
                [transcrição de fls. 28]
[6] Cujo texto é o seguinte, sublinhando-se o trecho que nos interessa:

Artigo 941º
(Violação da obrigação, quando esta tenha por objecto um facto negativo)
1 - Quando a obrigação do devedor consista em não praticar algum facto, o credor pode requerer, no caso de violação, que esta seja verificada por meio de perícia e que o juiz ordene:
a) A demolição da obra que eventualmente tenha sido feita;
b) A indemnização do exequente pelo prejuízo sofrido; e
c) O pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter na execução.
2 - O executado é citado, podendo no prazo de 20 dias deduzir oposição à execução nos termos dos artigos 814.º e seguintes; a oposição ao pedido de demolição pode fundar-se no facto de esta representar para o executado prejuízo consideravelmente superior ao sofrido pelo exequente.
3 - Concluindo pela existência da violação, o perito deve indicar logo a importância provável das despesas que importa a demolição, se esta tiver sido requerida.
4 - A oposição fundada em que a demolição causará ao executado prejuízo consideravelmente superior ao que a obra causou ao exequente suspende a execução, em seguida à perícia, mesmo que o executado não preste caução.
[7] Diz este:
Artigo 814º
(Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença ou injunção)
1 - Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c
) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e
) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.
2 - O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido.
3 - Nas execuções baseadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, o expediente respeitante à injunção é enviado oficiosamente e exclusivamente por via electrónica ao tribunal competente para a execução.  
[8] Trata-se da terminologia comum definidora do tipo de incidência da execução para prestação de facto (veja-se Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2ª ed., Coimbra, 2000, pp. 325/328, cuja exposição aqui seguiremos): o facto a prestar por via da acção executiva pode ser positivo (pode ser um faccere) ou pode ser negativo (traduzir-se num non faccere), no sentido de implicar a abstenção ou a eliminação de algo, como paradigmaticamente sucede com a obrigação de demolir determinada construção. Adicionalmente, a obrigação correspondente à prestação de facto, fundamentalmente por referência ao regime emergente do artigo 767º do Código Civil (CC), pode ser fungível ou não fungível, sendo que no primeiro caso vale o disposto no artigo 828º do CC: o credor tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor. No segundo caso – prestação de facto infungível (hipótese que aqui não se coloca) – o credor apenas pode exigir o cumprimento do credor, nos termos gerais decorrentes do artigo 817º do CC.
[9] Curso de Processo de Execução, cit., pp. 327/328.
Consta deste artigo do Código Civil o seguinte (sublinhando-se o respectivo nº 2):
Artigo 829º
(Prestação de facto negativo)
1 – Se o devedor estiver obrigado a não praticar algum acto e vier praticá-lo, tem o credor o direito de exigir que a obra, se obra feita houver, seja demolida à custa do que se obrigou a não fazer.
2 – Cessa o direito conferido no número anterior, havendo apenas lugar à indemnização, nos termos gerais, se o prejuízo da demolição para o devedor for consideravelmente superior ao prejuízo sofrido pelo credor.
[10] “O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão” (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lisboa, 1997, p. 567). 
[11] A Sentença, como título executivo, contém o acertamento da obrigação (o dever de realização de uma prestação), sendo que “[…] o acertamento é o ponto de partida da acção executiva, pois a realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjectivos e objectivos) da relação jurídica de que ela é objecto. O título executivo contém esse acertamento […]” [José Lebre de Freitas, A Acção Executiva. Depois da reforma da reforma, 5ª ed., Coimbra, 2009, p. 35; cfr. o mesmo Autor no mesmo local, citando Bruns-Peters, ZVR, Munique, 1987, p. 17/18, “[a] pretensão material está acertada, sobre ela não devendo ter lugar mais nenhuma controvérsia no processo de execução” (ob. e loc. cit., nota 1)].
[12] Que diz (sublinhando-se os trechos que aqui apresentam maior incidência):

Artigo 814º
(Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença ou injunção)
1 - Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.
[13] A redacção do artigo 941º no Código de Processo Civil de 1939, referido à tramitação da execução para prestação de facto, era a seguinte:
Artigo 941º
(Verificação da infracção quando o executado esteja obrigado a não praticar certo facto)
Quando a obrigação do devedor consista em não praticar algum facto, o credor pode requerer, no caso de infracção, que esta seja verificada por meio de exame ou vistoria.
O executado será citado para a nomeação de peritos, podendo no prazo de dez dias deduzir, por embargos, a oposição que tiver, nos termos dos artigos 813º e seguintes.
§ único. Concluindo os peritos pela existência da infracção, devem logo indicar a importância provável das despesas a fazer com a destruição.
[14] Como expressamente sublinham Pires de Lima e Antunes Varela, anotando o artigo 829º do CC, referindo-se concretamente a este segmento da norma (o seu nº 2):
“[…]
O nº 2, por inspiração do artigo 2933 do Código italiano, estabelece uma importante restrição à doutrina do nº 1. Se o prejuízo causado ao devedor com a demolição for consideravelmente superior ao prejuízo sofrido pelo credor com a realização da obra feita, há apenas lugar à indemnização nos termos gerais, e cessa consequentemente, a possibilidade de execução específica.
[…]
O critério adoptado (do maior prejuízo) está em harmonia com a ideia geral, expressa no artigo 566º do CC, de que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural seja excessivamente onerosa para o devedor.
A nova redacção dada aos artigos 941º e 942º do CPC pelo Decreto-Lei nº 47690 está já de harmonia com esta faculdade concedida ao tribunal.
[…]” (Código Civil anotado, Vol. II, 3ª ed., Coimbra, 1986, pp. 103/104, sublinhado acrescentado; no mesmo sentido, v. Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, cit., p. 334).
[15] No BMJ, 292, 334 (334/337).