Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1300/06.1TBCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CASO JULGADO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
NULIDADE DA DECISÃO EM OPOSIÇÃO
Data do Acordão: 05/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: – 4.º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: NEGADA E REVISTA
Legislação Nacional: ARTIGOS 80.º E 81.º DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES; ARTIGOS 449.º 453.º E 455.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I. - Com o trânsito em julgado de uma decisão, a ordem jurídica considera sanados os vícios de que, eventualmente, essa decisão pudesse padecer. O fundamento do caso julgado radica numa concessão prática de garantir a certeza e a segurança do direito, mesmo que com o eventual sacrifício da justiça material, mediante a adesão à segurança com eventual detrimento da verdade (cfr. Prof. Eduardo Correia, in “Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz”, Colecção Teses, Almedina, 1983, Reimpressão, 302).

II. – O recurso de revisão, ao permitir ultrapassar a intangibilidade do caso julgado, opera não o reexame do anterior julgado, mas uma nova decisão judicial, assente em novo julgamento da causa mas agora com base em novos dados de facto ou seja, a revisão versa apenas sobre a questão de facto (Cons. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., 205 e Ac. do STJ de 06/04/2006, nº 06P657, em http://www.dgsi.pt).

III. - Concebido como último remédio para as decisões judiciais injustas, o recurso de revisão permite, em situações anormais, restabelecer o equilíbrio entre segurança por um lado, e a verdade pelo outro, actuando sobre “[…] vícios ligados à organização do processo que conduziu à decisão posta em crise e que tem o seu fundamento essencial na necessidade de evitar sentenças injustas.” (Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 204).

IV. - Os fundamentos do recurso de revisão estão enunciados, de forma taxativa no art. 449º, nº 1, do C. Processo Penal, constituindo-se como tal tão só:

- A falsidade dos meios de prova determinantes para a decisão, reconhecida por outra sentença transitada em julgado (a);

- A existência de outra sentença transitada que tenha dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo (b);

- A oposição entre os factos que servirem de fundamento à condenação e os factos dados como provados noutra sentença, quando da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (c);

- A descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (d);

- O recurso a prova proibida na qual se tenha fundamentado a condenação (e);

- A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação (f);

- A existência de sentença vinculativa do Estado Português, proferida por instância internacional, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça (g).

V. – Para que proceda como fundamento do recurso de revisão o motivo indicado na alínea d) do artigo 449º do Código de Processo Penal não basta que o novo facto ou a nova prova, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo criem uma mera dúvida sobre a justiça da condenação antes se tornando necessário que com o novo facto ou a nova prova se alcance o patamar da dúvida grave sobre a condenação – cfr. Ac. do STJ de 06/04/2006, supra citado.

VI. - Sendo o fundamento da revisão o previsto na alínea d) do citado artigo 449º, a instrução é efectuada no tribunal que proferiu a decisão a ser revista, devendo ser realizadas as diligências consideradas indispensáveis para a descoberta da verdade (nº 1 do art. 453º, do C. Processo Penal);

VII. - No caso de serem indicadas testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, o recorrente terá que justificar a ignorância da sua existência ao tempo da decisão ou que elas estiveram impossibilitadas de depor (nº 2 do artigo citado).

IX. – Para que seja admissível a revisão de sentença transitada, com fundamento na alínea c), do nº 1, do art. 449º, nº 1, do C. Processo Penal, é necessário: a) - que os factos provados na sentença a ser revista respeitem à imputação da infracção e à determinação das sanções aplicáveis e que tendo servido de fundamento à condenação se patenteiem inconciliáveis com os que hajam sido dados como provados noutra sentença; b) - que da oposição verificada resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

X. – Tendo a decisão em que o recorrente fundeia a oposição sido declarada nula, não se torna verificável a contradição exigida pela mencionada alínea c) do artigo 449º do Código de Processo Penal, por desta decisão ser impossível sacar a existência de quaisquer a factos, provados ou não provados.

Decisão Texto Integral: 11
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
I. RELATÓRIO.
A arguida VV– IT, Lda. foi condenada no processo de contra-ordenação nº 1177/2005, por decisão do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (fls. 119 a 122), na coima de € 2.500, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts. 4º, nº 1 e 12º, nº 1, do Dec. Lei nº 93/90, de 19 de Março, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 213/92 de 12 de Outubro.
Inconformada com o decidido, a arguida impugnou judicialmente a decisão administrativa, tendo o 4º Juízo Criminal de Coimbra proferido sentença em 4 de Janeiro de 2007 (fls. 143 a 149) que, negando provimento ao recurso, manteve a decisão administrativa nos seus precisos termos.
Novamente inconformada com o decidido, a arguida interpôs recurso para este Tribunal da Relação que, por acórdão de 9 de Maio de 2007 (fls. 164 a 172), o rejeitou por manifesta improcedência.
Interpôs agora a arguida recurso extraordinário de revisão, constando no termo da respectiva motivação, as seguintes conclusões:
“ (…).
1 – No processo de contra-ordenação nº 1177/2005, intentado pela Câmara Municipal de Coimbra, a ora recorrente foi condenada na coima de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), acrescida do pagamento das custas processuais, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. nos artigos 4º, n.º 1 e 12º, n.º 1 do DL 93/90 de 19 de Março, alterado pelo DL 213/92 de 12 de Outubro, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, na medida em que rejeitou o recurso por manifestamente improcedente (art.s 417/3, al c), 419/, al a) e 420º do CPP).
2 – O recorrente não se conforma com a decisão administrativa que a condenou e aplicou a referida coima, razão pela qual a impugnou judicialmente, ao abrigo do disposto no art. 59º, n.º 1, do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, do Regime Geral de Contra-Ordenações e Coimas (doravante designado RGCOC), com as alterações introduzidas pelo DL nº 244/95, de 14 de Setembro, e, proferida a sentença, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que rejeitou o recurso.
3 – Para confirmar a referida sentença, o Tribunal da Relação referiu que: "Os preceitos do processo penal deverão ser aplicados «devidamente adaptados», o que não pode ter outro sentido senão o de considerar que diferente é a natureza da decisão porque diversa é a estrutura organizatória e funcional da Administração" e que "Do n.º 1 do art. 125º do CPA, resulta que «a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos anteriores, pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso integrante do respectivo acto»", pelo que, "no presente caso, a decisão administrativa contém a narração dos factos e a indicação dos factos provados e não provados, a análise da prova produzida, o enquadramento jurídico dos factos culminando com a decisão" – vide pág. 8 do acórdão, concluindo que a decisão administrativa não enfermava de vícios, pelo que devia ser validamente considerada.
3 – Ora a recorrente, com o devido respeito, não pode concordar com tal decisão, transitada em julgado, pelo que vem dela recorrer, extraordinariamente, com vista à revisão da sentença condenatória.
4 – Aliás, o recurso de revisão inscreve-se nas garantias constitucionais de defesa, no princípio da revisão consagrado no n.º 6, do art. 29.º, da Constituição da República Portuguesa: "os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos".
5 – Essas condições da lei encontram-se também plasmadas nos art. 449.º a 466.º do Código de Processo Penal, admitindo-se a revisão das decisões penais, não só a favor da defesa, mas igualmente da acusação.
6 – São fundamentos e condições de admissibilidade da revisão, na versão dada pela recente alteração legislativa contemplada na Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entre outros, a inconciliabilidade de decisões: inconciliabilidade entre os factos que fundamentam a condenação e os dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação – art. 449.º, n.º 1, al. c) do CPP – e a descoberta de novos factos ou meios de prova: descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação – art. 449.º, n.º 1, al. d) do CPP.
7 – E assim, o presente recurso de revisão assenta nestes pressupostos, devidamente clausulados, pelas quais se evidencia ou pelo menos se indicia, com uma probabilidade muito séria, a injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa com base em algum dos fundamentos indicados no n.º 1, do art. 449.º do CPP.
8 – Com efeito, a recorrente não se conforma com o teor da condenação, em primeira linha, atenta à inconciliabilidade entre a decisão a rever e as questões suscitadas numa outra decisão previamente proferida.
9 – Na verdade, a decisão proferida no âmbito do processo 1981/04.0TBCBR, que correu termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal de Coimbra, conflitua com a decisão a rever sendo que, da análise conjunta e conjugada de ambas, se pode e deve concluir não haver fundamento legal que conduza à sua condenação.
10 – No âmbito do processo de contra-ordenação nº 955/2003, que deu origem ao processo nº 1981/04.0TBCBR, com mesmo enquadramento fáctico, ao arguido A… , foi aplicada uma coima fixada em € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), por infracção nos termos do disposto nos mesmos dispositivos legais dos artigos 4º, nº 1, do DL nº 93/90, de 19 de Março, com a redacção introduzida pelo DL nº 213/92, de 12 de Outubro, acrescido de custas processuais.
11 – E suscitada a questão prévia da nulidade da decisão administrativa, que se prendia com a falta de indicação, na decisão administrativa, da motivação e dos meios de prova, foi por esse Tribunal, proferido o seguinte despacho: "Por tudo o exposto, julga-se procedente o recurso e declara-se nula a decisão recorrida, bem como os actos posteriores dela dependentes, devendo ser repetida a decisão administrativa."
12 – Ora o processamento e julgamento das infracções de natureza contra-ordenacional encontra-se submetido, no nosso ordenamento jurídico, a regime autónomo e específico, nomeadamente o constante do DL nº 433/82, de 27 de Outubro (RGCOC), com as alterações introduzidas pelos DL nº 356/89, de 17-10, e DL nº 244/95, de 14-09, e Lei nº 109/01, de 24-12, sendo que, de acordo com o art. 41.º, nº 1, de tal diploma, o C.P.P. constitui seu direito subsidiário
13 – O artigo 58º do DL 433/82, epigrafado de "decisão condenatória", estipula no nº 1 o seguinte: "A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) A identificação dos arguidos; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas (o destaque é nosso); c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias."
14 – O legislador não permite que nenhum dos elementos que especifica no nº 1 do citado artigo seja aí mencionado por remissão, e aceitar que por ser uma decisão administrativa não é exigível tal especificação, por se considerar tecnicamente incorrecto mas compreensível, é ultrapassar a elasticidade desejada, adoptando uma interpretação permissiva e pedagogicamente nefasta, que apenas conduz a facilitismos crescentes e desajustados.
15 – A norma em apreço obriga, portanto, a que a decisão administrativa descreva os factos concretos imputados à ora recorrente, para que deles se possa defender convenientemente e que, uma vez provados, possam ser qualificados como infracção, dado vigorar nesta matéria o princípio da tipicidade contra-ordenacional.
16 – Não bastava, por isso, à autoridade administrativa enunciar a fórmula legal e vazia do facto com o seguinte teor: "vinha a proceder de forma indiscriminada ao aterro de um sapal em terreno inserido em área de Reserva Ecológica Nacional (REN), numa extensão aproximada de 10.000m2, com uma altura de cerca de 1,5 m, com terras, entulhos e pedras".
17 – Com efeito, tal fórmula, em si mesma, nada representa, sendo necessário determinar, em concreto, os factos que integram tal conceito, e isso a decisão recorrida não faz em parte nenhuma.
18 – Não estando descritos os factos concretos que pudessem integrar a cláusula genérica referida para fundamentar a acusação, verifica-se haver nulidade insanável da decisão administrativa por manifesta violação do art. 58º do RGCOC, e da sentença que nela se fundou.
19 – Por outro lado, a decisão administrativa viola o disposto no art. 374º, nº 2 e 379º do CPP, aplicáveis por força dos art.s 58º, nº 1, al. b), e 41º do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, uma vez que a mesma não contém, em si mesma, os elementos de facto e de direito que tais normativos impõem, limitando-se a aderir à proposta de decisão elaborada pelos serviços administrativos, o que não é legalmente admissível, e que gera, necessariamente, a nulidade da sentença recorrida.
20 – Se o legislador processual penal se viu na necessidade de consagrar expressamente, para o caso da decisão instrutória, a possibilidade de o juiz de instrução criminal a poder fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução (art. 307, nº 1, do CPP), é porque tal possibilidade não a admite nas demais decisões. Se fosse a regra, não era necessário consagrá-la num caso particular.
21 – O conteúdo da decisão sancionatória da autoridade administrativa no processo de contra-ordenação aproxima-se da matriz da decisão condenatória em processo penal, nomeadamente no que respeita à enunciação dos factos provados, com indicação das provas obtidas, determinando o art. 58, nº 1, al. b), do RGCOC, que a decisão que aplique a coima e as sanções acessórias deve conter, entre outros elementos, a "indicação dos factos imputados com indicação das provas obtidas".
22 – Destarte, a decisão que não contenha os elementos nos termos e pelo modo que a lei determina não é prestável para a função processual a que está vinculado – a definição do direito do caso – e, consequentemente, é um acto que não suporta todos os elementos necessários à sua validade.
23 – A fundamentação da decisão em processo de contra-ordenação deve participar das exigências da fundamentação de uma decisão penal – na especificação dos factos, na enunciação das provas que os suportam e na indicação precisa das normas violadas.
24 – Também a indicação precisa e discriminada dos elementos indicados na norma do art. 58º, nº 1, do RGCOC constitui elemento fundamental para garantia do direito de defesa do arguido, que só poderá ser efectivo com o adequado conhecimento dos factos imputados, das normas que integrem, e das consequências sancionatórias que determinem.
25 – Ora a decisão diz que se baseia no referido art. 58º só que, no fundo, faz letra morta do mesmo, dado que, in totum, não o cumpre.
26 – Deste modo, a decisão da autoridade administrativa que aplique uma coima e que não contenha os elementos que a lei impõe é nula, pois está submetida aos mesmos deveres que a entidade competente para o processo criminal, isto é, está sujeita ao dever de fundamentação, em termos idênticos aos das entidades judiciárias.
27 – Esta consequência, no âmbito do processo penal, vem cominada no art. 379º, nº 1, al. a) do CPP: a nulidade da sentença que não contenha a enumeração dos factos provados e não provados, e a exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.
28 – É este o entendimento pacífico e constante na nossa jurisprudência, como se pode constatar pela análise de acórdãos proferidos pelas instâncias superiores, nomeadamente, e apenas a título de exemplo, pelo Tribunal da Relação do Porto de 25/02/98, de 27/02/2002 e de 30/05/2005; pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 11/03/2003 e de 10/02/2004; pelo Tribunal da Relação de Évora de 04/04/2004; e mesmo pelo Supremo Tribunal de Justiça, através dos acórdãos de 16/10/2002 e, mais recentemente de 29/01/2007 – in www.dgsi.pt.
29 – Ainda para reforçar esta posição, existem normas concretas, aplicadas às entidades administrativas, relativamente ao dever de fundamentar as suas decisões como é o caso do art. 268°, n.º 3, da CRP, que refere: "os actos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos".
30 – E assim, perante a decisão proferida no âmbito do processo nº 1981/04.0TBCBR, que suscitou a questão prévia da nulidade da decisão administrativa, ferindo-a de nulidade, parece gritante e flagrante que o Tribunal tenha decidido, perante a mesma questão, em sentido totalmente oposto e divergente no âmbito do processo cuja revisão se pretende.
31 – Além do mais, constando da decisão, apenas e tão só, que a ora recorrente "vinha a proceder de forma indiscriminada ao aterro de um sapal em terreno inserido em área de Reserva Ecológica Nacional (REN), numa extensão aproximada de 10.000m2, com uma altura de cerca de 1,5 m, com terras, entulhos e pedras", é inegável que os factos enunciados não são. na economia da decisão e na função constitutiva que lhes é própria, verdadeiramente factos com o sentido processual – ocorrências e acontecimentos materiais, de circunstâncias de tempo e espaço, e relativos a relação subjectiva entre o autor e os factos.
32 – Na verdade, não são referidos quaisquer dados que sejam prestáveis, logo numa primeira abordagem, para definir e identificar os elementos da tipicidade que, mesmo na perspectiva da autoridade administrativa, pudessem ser susceptíveis de integrar a tipicidade da contra-ordenação que vem referida.
33 – A decisão administrativa apresenta-se amputada de factos, vaga e genérica, viciada pela ausência de uma concreta factualidade sinalizadora da actuação da ora recorrente, com todas as suas consequências e reflexos em termos acusatórios que daí advêm, quer como delimitador do próprio sustentáculo básico de uma posterior decisão condenatória, quer ainda, e não menos importante, no quadro e em parâmetros do cabal exercício de um direito de defesa.
34 – A decisão recorrida não pode ignorar nem minimizar o apelo que, nos arts. 32º e 41º, se faz ao direito penal e processual criminal, como direito subsidiário, com todas as suas consequências.
35 – Nesta perspectiva, funcional e processualmente adequada, a decisão não contém factos suficientes que permitam o preenchimento da tipicidade da infracção considerada na decisão recorrida.
36 – Limitou-se a exteriorizar uma certa conceptualização, sem qualquer substrato fáctico, mergulhando-se na vacuidade e generalidade de uma mera imputação conceitual, abstractalizada e não configurada em algo de real.
37 – A decisão recorrida está inquinada de nulidade, levantando graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
38 – Pelo exposto, a incompatibilidade entre as decisões proferidas não pode ser mais flagrante, apesar da situação ser, em tudo, idêntica (art. 449º, nº 1, al c) do CPP).
39 – Acresce que, o recurso de revisão penal como recurso extraordinário pressupõe que a decisão a rever esteja inquinada por um erro de facto originado por motivos estranhos ao processo, e que fosse a não consideração desse facto relevante que tivesse levado o tribunal a proferir a decisão condenatória, pois, de outro modo, se tal facto tivesse sido considerado, a decisão seria com toda a probabilidade de absolvição.
40 – Neste pressuposto, a ora recorrente fundamenta o seu pedido de revisão da sentença, não apenas do disposto na al. c), do nº 1, do art. 449º, do CPP, mas igualmente no disposto na al. d) do mesmo normativo legal.
41 – Dispõe o art. 449º, nº 1, al. d), do CPP que a revisão de sentença é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
42 – Os novos factos ou meios de prova suscitam grave dúvida sobre a justiça da condenação, não tendo como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada – nº 3 do art. 449.º do CPP.
43 – Ora os novos factos ou novos meios de prova devem ser novos no sentido de não terem sido apreciados no processo em que foi proferida a condenação, embora pudessem não ser ignorados pelo ora recorrente no momento em que aquela foi proferida.
44 – Factos «são os factos probandos», ou seja, «os factos constitutivos do próprio crime, ou os seus elementos essenciais» e ainda «os factos dos quais, uma vez provados, se infere a existência ou inexistência de elementos essenciais do crime».
45 – Elementos ou meios de prova são «as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciantes de existência ou inexistência de crime ou seus elementos» – Cavaleiro de Ferreira in Revisão Penal, Scientia Iuridica, cit. por Simas Santos/Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, 5.ª edição, págs. 214/215.
46 – A lei não exige certezas acerca da injustiça da condenação, mas apenas dúvidas, embora graves – Ac. do STJ de 03-07-1997.
47 – A nova prova revelar-se-á tão segura e (ou) relevante – seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade – que o juízo rescindente que nela se venha a apoiar não correrá facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato.
48 – No caso vertente, surgiram novos elementos de prova que permitem a revisão da decisão que condenou a recorrente no pagamento de uma coima de € 2.500,00 pelo que, formulando a convicção como formulou, o Tribunal vai contra todas as regras jurídicas, uma vez que não resulta daí um raciocínio lógico e suportado em elementos probatórios mínimos.
49 – Com efeito, o Presidente da Junta de Freguesia de São Silvestre tem conhecimento e presenciou o depósito de carradas de terras provenientes do desaterro do Estádio de Coimbra, uma vez que a Câmara não tinha vazadouro para as colocar, e efectuados por outros prevaricadores que as colocaram à revelia do recorrente, tendo este se limitado a terraplanar tais terras a fim de desincentivar o abuso por terceiros.
50 – Esta testemunha, teve ainda conhecimento da participação e das queixas apresentadas pelo recorrente junto da fiscalização da Câmara Municipal de Coimbra e da própria Junta de Freguesia, "com vista a apanhar os prevaricadores", denúncias que foram provadas na decisão proferida pela entidade administrativa Comissão de Coordenação e Desenvolvimentismo Regional do Centro, no processo de contra-ordenação nº 955/2003, que deu origem ao processo judicial 1981/04.7 TBCBR, que correu termos no 1 ° Juízo do Tribunal Judicial de Coimbra (que se anexa como doc. 1).
51 – A inquirição de tal testemunha, no processo a rever, poderá abalar todas as provas que fundamentaram essa decisão, criando grandes dúvidas sobre a justiça da condenação.
52 – E assim, em suma, o Tribunal, ao decidir como decidiu, fundamentando como fundamentou a motivação da convicção para a decisão da matéria de facto dada como provada, interpretou de forma manifestamente errada a norma do disposto no artigo 374º, nº 2, já que os motivos de facto que devem fundamentar a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os meios de prova apresentados a julgamento.
53 - Tal importará a nulidade da decisão artigo 379º, nº 1, alínea a), e a sua substituição por outra que absolva a recorrente da contra-ordenação ora em causa, já que, da fundamentação expendida na decisão recorrida as razões invocadas vão de todo em todo contra as regras da experiência e da lógica das coisas, pelo que, não se pode dizer que haja fundamentação, porque esta carece de substrato racional e, sem ele, ela inexiste, ainda que esteja escrita, violando igualmente o disposto no artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
54 – Tudo assim exposto deve resultar na revogação da douta decisão e a sua substituição por outra que absolva a recorrente.
55 – A não se entender assim, sempre os fundamentos ora aduzidos, assentes nas al.s c) e d) do nº 1 do art. 449º do CPP, deverão, com o prudente arbítrio de Vossa Excelência, determinar a autorização da revisão, pela existência mais do que forte de dúvidas sobre a justiça da condenação.
Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de V. Ex.a, deve declarar-se nula a sentença proferida no processo nº 1300/06.1TBCBR, ordenando-se a tramitação dos termos necessários para a causa ser, novamente, instruída e julgada, com aproveitamento da parte do processo que não tenha sido prejudicada pelo presente recurso.
(…)”.
Requereu ainda a inquirição da testemunha arrolada.
Na instância recorrida a Mma. Juíza do processo indeferiu liminarmente a inquirição, com o fundamento de a testemunha indicada não ter sido ouvida no processo e a recorrente não justificar a ignorância da sua existência ao tempo da decisão ou a impossibilidade de então depor, conforme é exigido pelo art. 453º, nº 2, do C. Processo Penal.
A este despacho não deduziu oposição a recorrente.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido não respondeu ao recurso.
A Mma. Juíza prestou a informação a que alude o art. 454º do C. Processo Penal, pronunciando-se pelo demérito do pedido.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que, porque numa das decisões não se conheceu de mérito, tendo antes sido declarada a nulidade da decisão administrativa, e na outra se conheceu de mérito, tendo sido fixada a matéria de facto, não ocorre qualquer contradição entre factos dados como provados numa e noutra decisões, não estando verificado o fundamento de revisão previsto na alínea c), nº 1, do art. 449º, do C. Processo Penal, e porque é inequívoco não resultarem dos autos elementos que preencham o fundamento de revisão previsto na alínea d) do mesmo artigo, deve ser negada a revisão de sentença.
Respondeu a recorrente, expressando o entendimento de que em ambas as decisões administrativas condenatórias consta o respectivo elenco de factos relevantes, e foram eles que serviram de fundamento às respectivas impugnações, as quais tiveram distintos desfechos, circunstância esta que suscita dúvidas sobre a justiça da condenação.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
1. O recurso de revisão, enquanto recurso extraordinário que é, tem sempre por objecto uma decisão já transitada.
Em regra, com o trânsito em julgado da decisão, a ordem jurídica considera sanados todos os vícios de que porventura, aquela padecia. Ensinava o Prof. Eduardo Correia que o fundamento do caso julgado radica numa concessão prática de garantir a certeza e a segurança do direito, mesmo que com o eventual sacrifício da justiça material. Ou seja, o que está na base do caso julgado é a adesão à segurança com eventual detrimento da verdade (cfr. Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Colecção Teses, Almedina, 1983, Reimpressão, 302).
Porém, em determinadas situações anormais, imperativos de justiça determinam o sacrifício daquela segurança e portanto, do caso julgado, em prol da afirmação da verdade.
E é precisamente neste equilíbrio entre segurança por um lado, e verdade pelo outro, que actua o recurso de revisão, que “se apoia em vícios ligados à organização do processo que conduziu à decisão posta em crise e que tem o seu fundamento essencial na necessidade de evitar sentenças injustas.” (Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 204).
Concebido como último remédio para as decisões judiciais injustas, o recurso de revisão tem consagração constitucional, no art. 29º, nº 6, da Lei Fundamental, onde se dispõe que,
Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”.
O recurso de revisão, ao permitir ultrapassar a intangibilidade do caso julgado, opera não o reexame do anterior julgado, mas uma nova decisão judicial, assente em novo julgamento da causa mas agora com base em novos dados de facto ou seja, a revisão versa apenas sobre a questão de facto (Cons. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., 205 e Ac. do STJ de 06/04/2006, nº 06P657, em http://www.dgsi.pt).
2. Nos autos, a decisão a ser revista foi proferida no âmbito de um processo de contra-ordenação mais precisamente, no respectivo recurso de impugnação judicial.
O processo de contra-ordenação encontra-se regulado no Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, e sucessivas alterações).
Subsidiário do processo de contra-ordenação é, nos termos do art. 41º, nº 1 do referido regime geral (RGCOC), o processo penal.
Por isso, dispõe o art. 80º, nº 1, do RGCOC que a revisão de decisões definitivas ou transitadas em julgado obedece ao disposto nos arts. 449º e seguintes do C. Processo Penal (sempre que o contrário não resulte do próprio RGCOC).
Quanto ao tribunal competente para a revisão, rege o art. 81º do RGCOC: a revisão de decisão da autoridade administrativa cabe ao tribunal competente para a impugnação judicial (nº 1); a revisão de decisão judicial compete ao tribunal da relação (nº 2).
Assim, os fundamentos e admissibilidade da revisão no processo de contra-ordenação são os que vigoram para o processo criminal.
2.1. Os fundamentos do recurso de revisão encontram-se enunciados de forma taxativa no art. 449º, nº 1, do C. Processo Penal. Assim, são fundamentos deste recurso extraordinário apenas:
- A falsidade dos meios de prova determinantes para a decisão, reconhecida por outra sentença transitada em julgado (a);
- A existência de outra sentença transitada que tenha dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo (b);
- A oposição entre os factos que servirem de fundamento à condenação e os factos dados como provados noutra sentença, quando da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (c);
- A descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (d);
- O recurso a prova proibida na qual se tenha fundamentado a condenação (e);
- A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação (f);
- A existência de sentença vinculativa do Estado Português, proferida por instância internacional, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça (g).
No presente recurso, e face ao invocado pela recorrente, importa apenas considerar os fundamentos previstos nas alíneas c) e d), do nº 1, do art. 449º, do C. Processo Penal.
2.2. Começando por este último, cabe dizer que não basta que o novo facto ou a nova prova, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo criem uma mera dúvida sobre a justiça da condenação. Se assim for, o respeito pelo valor de certeza do caso julgado imporá a manutenção desde, não obstante a dúvida existente.
A revisão da sentença apenas terá lugar quando o novo facto ou a nova prova alcance o patamar da dúvida grave sobre a condenação.
Assim, e como se escreveu no Ac. do STJ de 06/04/2006, citado, “Há-de, pois, tratar-se de «novas provas» ou «novos factos» que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e (ou) relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos razoavelmente aceitáveis – que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar dl requerente a invocação e prova de um quadro de facto «novo» ou a exibição de «novas» provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.”.
Quando o fundamento da revisão é o previsto na alínea d) em referência, a instrução é efectuada no tribunal que proferiu a decisão a ser revista, com a realização das diligências consideradas indispensáveis para a descoberta da verdade (nº 1 do art. 453º, do C. Processo Penal) mas no caso de serem indicadas testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, o recorrente terá que justificar a ignorância da sua existência ao tempo da decisão ou que elas estiveram impossibilitadas de depor (nº 2 do artigo citado).
Aqui, o juiz do tribunal que proferiu a decisão a rever actua como delegado do Supremo Tribunal de Justiça, a quem cabe sindicar a instrução efectuada, nos termos do art. 455º, nº 4, do C. Processo Civil. Esta função caberá ao Tribunal da Relação, nos casos de revisão previstos nos arts. 80º, nº 1 e 81º, nº 4, do RGCOC.
Posto isto.
A recorrente foi condenada, na decisão a ser revista, e que transitou em 24 de Maio de 2007 (fls. 97), na coima de € 2.500 pelo que não estão verificados os casos de inadmissibilidade da revisão, previstos nas alíneas a) e b), do nº 2, do art. 80º do RGCOC.
Porém, nenhuma prova nova foi produzida pois a Mma. Juíza do processo indeferiu a inquirição de testemunha requerida, fundamentando devidamente o despacho, como vimos, e sem que a recorrente se tenha insurgido contra tal decisão.
Não tendo manifestado oposição ao despacho, através da formulação da respectiva reclamação, ao abrigo do disposto no art. 455º, nº 4, do C. Processo Penal, passou a existir caso julgado formal quanto à concreta questão.
Acresce que, como consta do despacho que indeferiu a diligência instrutória, a recorrente não justificou as razões da sua ignorância ao tempo da decisão ou a impossibilidade de depor da testemunha, sendo certo que a mesma não foi ouvida no processo (efectivamente, na acta de audiência de fls. 138 a 142, nenhuma das três testemunhas se mostra identificada como sendo presidente da Junta de Freguesia de B... , e só assim é identificada a testemunha cuja inquirição foi pretendida pela recorrente), assim incumprindo o disposto no art. 453º, nº 2, do C. Processo Penal.
Concluindo, não se mostra verificado o fundamento da revisão previsto no art. 449º, nº 1, d), do C. Processo Penal.
2.3. Invoca também a recorrente, como fundamento da revisão, o previsto na alínea c), do nº 1, do art. 449º, nº 1, do C. Processo Penal.
Nos termos desta disposição legal, a revisão de sentença transitada é admissível quando os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Os factos que serviram de fundamento à condenação são os factos provados na sentença a ser revista e que respeitam à imputação da infracção e à determinação das sanções aplicáveis.
A oposição deve verificar-se entre estes factos provados, e os factos provados que constam de uma outra sentença, absolutória ou condenatória, anterior ou posterior, proferida em processo criminal ou em processo de outra natureza. E, embora a lei não o diga expressamente, deve entender-se que a outra sentença a que se refere a norma em análise, tenha já transitado (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, UCE, 1211).
2.3.1. Nos autos de recurso de impugnação judicial de contra-ordenação nº 1300/06.1TBCBR, que têm origem no processo de contra-ordenação nº 1177/2005, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, foi proferida sentença, datada de 4 de Janeiro de 2007, na qual foram dados como provados os seguintes factos:
“ (…).
1. No dia 22 de Maio de 2003, pelas 11.00 horas, no Paul de S. Silvestre, a sociedade Viva Verde – Imóveis e Turismo, Ldª, com sede em Lagoa de Ceiras, Abiúl, Pombal, representada por Manuel Conceição Mendes, na qualidade de sócio gerente, vinha a proceder de forma indiscriminada ao aterro de um sapal em terreno inserido em área de Reserva Ecológica Nacional (REN), numa extensão aproximada de 10.000 m2, com uma altura de 1,5 m, com terras, entulhos e pedras.
2. No local encontravam-se a ser depositadas terras provenientes do loteamento (alvará nº 439/99) sito a 30 metros, onde será construído um hotel.
(…)”.
E é precisamente com base nestes factos – que constam igualmente como factos provados, na decisão administrativa impugnada – que a sentença, depois de concluir pela inexistência da prescrição e da nulidade da decisão administrativa (insuficiência de factos, insuficiência da fundamentação da motivação de facto e omissão de apreciação da defesa apresentada), invocadas pela recorrente, mantém a dita decisão e portanto, a condenação da recorrente na coima de € 2.500.
Estranhamente, face ao concreto fundamento da revisão invocado, alega a recorrente na sua motivação, que estes factos não são, “na economia da decisão e na função constitutiva que lhes é própria, verdadeiramente factos com o sentido processual (…) não são referidos quaisquer dados que sejam prestáveis, logo numa primeira abordagem, para definir e identificar os elementos da tipicidade que, mesmo na perspectiva da autoridade administrativa, pudessem ser susceptíveis de integra a tipicidade da contra-ordenação que vem referida.” (conclusões 31 e 32).
Ainda que extravase o âmbito do presente recurso, não deixaremos de referir que a decisão a ser revista tem efectivamente factos provados.
Com efeito, a palavra “aterro”, que integra o domínio comum da língua portuguesa, e nada tem, nesta perspectiva, de normativo, significa o acto ou efeito de aterrar, o acto de altear ou cobrir com terra, para nivelar um terreno.
Por sua vez, “sapal”, também integrante do domínio comum da língua pátria, significa terreno alagadiço ou pantanoso, brejo, paúl.
Logo, o acto de proceder ao aterro de um sapal, com terras, entulhos e pedras, a uma altura de 1,5m, significa apenas altear e nivelar, à referida altura e com os mencionados materiais, um terreno alagadiço.
Assim, é evidente que a sentença a rever tem factos provados.
2.3.2. Nos autos de recurso de impugnação judicial de contra-ordenação nº 1981/04.0TBCBR, que têm origem no processo de contra-ordenação nº 955/2003, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, foi proferida sentença, datada de 8 de Outubro de 2004 na qual, entendendo-se que nenhuma referência era feita na decisão administrativa aos factos não provados e que a fundamentação da convicção de facto não poderia ser feita, como o foi, por remissão, declarou a nulidade da decisão administrativa, determinando a sua repetição.
Assim, apesar da decisão administrativa proferida no processo de contra-ordenação conter a enunciação dos factos que considerou provados, na decisão proferida no recurso de impugnação judicial, não existem factos provados, pois nela não se conheceu do mérito, antes se tendo declarado nula a decisão administrativa.
2.3.3. Uma vez que a decisão proferida no recurso de impugnação judicial de contra-ordenação nº 1981/04.0TBCBR não tem factos dados como provados pois, como vimos, não conheceu de mérito, e porque foi esta a sentença invocada pela recorrente como fundamento da revisão ou seja, é esta a outra sentença, que não a que deve ser revista, a que se refere a alínea c), do nº 1, do art. 449º, do C. Processo Penal, é evidente que não pode verificar-se a oposição de factos provados pressuposta na norma citada. Com efeito, não pode haver contradição entre, factos provados constantes da sentença a rever, por um lado, e coisa nenhuma, por outro. E se assim é, nenhumas dúvidas, graves ou não, se podem levantar sobre a justiça da decisão.
E nem se diga, como pretende a recorrente na resposta ao parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto e conclusão 38 da motivação, que os factos a considerar são, afinal, os que constam das decisões administrativas condenatórias que, sendo em tudo semelhantes, vieram a originar distintos desfechos nas decisões judiciais proferidas nos respectivos recursos de impugnação judicial, assim ficando demonstrada a incompatibilidade entre as decisões proferidas.
É que a incompatibilidade tem de verificar-se entre os factos provados de uma e de outra e não, entre a concreta decisão em cada uma tomada, sendo certo aliás, que a declaração de nulidade da decisão administrativa proferida no recurso de impugnação judicial de contra-ordenação nº 1981/04.0TBCBR teve como consequência a eliminação daquela decisão do mundo do direito.
Ora, como já tivemos oportunidade de referir, o recurso de revisão versa apenas a questão de facto, não sendo por isso, o meio processual adequado para discutir questões de direito já decididas na sentença revidenda.
Porém, é precisamente isto o que a recorrente pretende, vindo questionar de novo a decisão de direito proferida no recurso de impugnação judicial nº 1300/06.1TBCBR que, em seu entender é nula (conclusão 37 da motivação), assim se colocando, no entanto, fora do âmbito de aplicação do recurso de revisão.
2.3.4. Em conclusão, não se mostra igualmente verificado o fundamento da revisão previsto no art. 449º, nº 1, c), do C. Processo Penal.
III. DECISÃO.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar a pretendida revisão de sentença, condenando a recorrente nas custas, com taxa de justiça fixada em 6 Ucs.
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Coimbra, 14 de Maio de 2008