Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
372/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL
CONTRATO DE TRABALHO
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTº 37º DA LCT ; E 13º, Nº 3, DO D.L. Nº 64-A/89, DE 27/02 .
Sumário: I – O legislador pretendeu consagrar uma noção ampla de transmissão de estabelecimento, no artº 37º da LCT, ao usar na letra da norma os termos “por qualquer título”, tão elástico que abrange nela todas as hipóteses em que a titularidade do estabelecimento comercial ou industrial se transfere de um sujeito para outro .
II – Que é esse inequivocamente o caminho, confirma-o a posterior elaboração doutrinal e jurisprudencial à volta do conceito, nele englobando as mais diversas e subtis situações da vida real, retiradas da casuística, e que vão desde o clássico trespasse do estabelecimento à transmissão decorrente da venda judicial, passando pela mudança de titularidade em resultado da fusão ou cisão de sociedades ou pela aquisição por transmissão inválida, etc. , não obstando sequer a que se verifique, no plano dos factos e também no jurídico, uma verdadeira continuidade do estabelecimento mesmo quando o meio através do qual se processou a alteração do respectivo titular não seja qualificável como uma verdadeira “transmissão”

III – O actual Código do Trabalho, no seu artº 318º, já assimilou as sobreditas noções, com os contornos preconizados, ao tratar da “transmissão da empresa ou estabelecimento”, alterando a previsão homóloga do citado artº 37º da LCT, conforme decorre dos seus nºs 1, 3 e 4 .

IV – A rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador, com justa causa, confere-lhe o direito a uma indemnização, calculada nos termos do nº 3 do artº 13º, ex vi do artº 36º, ambos do D.L. nº 64-A/89, de 27/02, a qual corresponderá a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se o tempo até à data da rescisão unilateral da iniciativa do trabalhador .

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –

1 – A..., B... e C..., todos devidamente identificados, demandaram individualmente, no Tribunal do Trabalho de Coimbra as RR. «D...» e «E...», acções que foram apensadas ao Processo registado sob o n.º508/2001, em que figura como A. o primeiro identificado, 'ut' termos de fls. 251 e 252.

O A. A... veio desistir do pedido contra a segunda R., pretensão validada, como se vê de fls. 259 e 263.

2 – Citadas as RR., prosseguiram os Autos a sua normal tramitação, com prolação do despacho saneador, a fls. 342-3, em que, além do mais, foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade invocada por aquelas.

3 – Procedeu-se a julgamento, tendo os AA., imediatamente antes, prescindido da gravação de prova, oportunamente requerida.
Discutida a causa, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com condenação da co-R. «D...» a pagar ao A. A... a quantia de € 1.384,67, com juros; à A. C... a quantia de € 1.444,56, com juros moratórios e ao A. B... a quantia de € 5.571,55, também com juros de mora.
A co-R. «E...» foi condenada a pagar à A. C... a quantia de € 2.003,58, acrescida de juros moratórios e ao A. B... a importância de € 3.563,06, igualmente com juros moratórios.
Foram finalmente condenadas solidariamente as co-RR a pagarem à A. C... e ao A. B... as importâncias de € 301,57 e 507,81, respectivamente, com os devidos juros de mora, tudo como circunstanciadamente consta do dispositivo, a fls. 410 e v.º, para onde se remete.

4 – Inconformados, vieram os AA. C... e B..., interpor recurso de apelação, o mesmo fazendo a co-R ‘E...’, recursos oportunamente admitidos pelo despacho de fls. 566.
Os AA./Recorrentes alegaram e concluíram:
· Os recorrentes rescindiram os respectivos contratos de trabalho perante a Recorrida ‘E...;

· Com efeito, considerando como provado que os recorrentes remeteram cópias das cartas que enviaram à ‘D...’ e bem assim a comunicação de fls. , cujos teores deu por reproduzidos, à recorrida E...;


· Constando de tal comunicação que os recorrentes deram como reproduzido em relação à recorrida E... toda a factualidade que dela consta, consubstanciadora da rescisão dos respectivos contratos de trabalho com justa causa;

· Considerando-a responsável pelas legais consequências da invocada justa causa de rescisão dos contratos;


· Tem de concluir-se que os Recorrentes rescindiram os seus contratos de trabalho perante ambas as RR., entre as quais a ora Recorrida, pois ambas as missivas foram remetidas para os mesmos fins. E para os mesmos efeitos jurídicos;

· Ao proceder como procederam, salvaguardaram qualquer possibilidade, quer viesse a provar-se que houve transmissão dos respectivos contratos de trabalho, quer não viesse a provar-se tal transmissão;


· Tendo-se provado a transmissão, terá tal missiva de produzir os efeitos jurídicos de uma carta de rescisão com justa causa dos contratos de trabalho em relação à recorrida, cessionária do estabelecimento onde os recorrentes prestavam o seu trabalho;

· Constata-se que dos factos provados os Recorrentes foram autênticas bolas de pingue-pongue no âmbito de um contrato de transmissão do estabelecimento e que não conheciam;


· O que justificou que, neste contexto, optassem os recorrentes por mandar cartas a ambas as RR., para os mesmos efeitos jurídicos, por mera cautela, fosse qual fosse a respectiva Entidade Patronal. E por isso mandaram a carta à Recorrida;

· Carta esta que, longe de ser uma mera carta para tomada de conhecimento, se traduz numa missiva em que os Recorrentes dão por reproduzido em relação à Recorrida ‘E... todo o conteúdo da carta na qual invocam e motivam as rescisões com justa causa dos respectivos contratos de trabalho.


· E, corolariamente, (sic), por cuja indemnização responsabilizaram a Recorrida;

· Caso contrário, que outra justificação poderia ter a carta remetida à Recorrida? Que não a da comunicação da ruptura do vínculo contratual, pela qual era a Recorrida responsável?


· As cartas mandadas a ambas as RR. ‘D...’ e ora recorrida, eram iguais, continham os mesmos dizeres, foram-lhe atribuídas as mesmas consequências;

· A carta remetida À Recorrida foi uma carta de rescisão com justa causa, e foi para tais efeitos remetida, devendo corolariamente face à factualidade considerada provada, ser esta condenada no pagamento das indemnizações peticionadas pelos Recorrentes;


· Não existe qualquer contradição na alegação dos Recorrentes, ao contrário do que se refere na douta decisão em crise;

· Que, no nosso entender, faz uma errada interpretação do conteúdo da carta remetida à ‘D...’, alheando-se da realidade que determinou o seu envio à Recorrida;


· Pelo que fez uma incorrecta apreciação dos factos e corolariamente do direito aplicável – designadamente dos arts. 37.º da LCT e 34.º a 36.º do D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

5 – Contra-alegou a Recorrida, concluindo, em suma, que a livre apreciação da prova não vincula o Julgador à apreciação da prova realizada noutro processo, mesmo que envolvendo as mesmas partes.
À data da recepção da carta remetida pelos AA., a ora recorrida não se manifestou relativamente ao seu conteúdo pois já em data anterior havia informado os AA. de que não os considerava como seus trabalhadores e que todas as suas questões deveriam ser endereçadas à R. ‘D...’.
Assim, defendendo os recorrentes a transmissão do estabelecimento – no que não se concede – então não se compreende a carta de rescisão enviada à R. ‘D...’, na qual aliás são invocados factos que em nada respeitam à ora Recorrida…
Não se concedendo em relação à questão da transmissão do estabelecimento, considera-se que o Tribunal julgou acertadamente, devendo por isso negar-se provimento ao recurso.

6 – A R. apelante, por sua vez, alegou e concluiu assim:
· No caso dos Autos não se verificou qualquer ‘transmissão de estabelecimento’ da 1.ª para a 2.ª R., conforme entende a sentença recorrida, uma vez que o conceito de transmissão de estabelecimento a que se refere o n.º1 do art. 37.º da LCT pressupõe sempre a continuidade da empresa ou do conjunto de factores produtivos com o mesmo destino ou fim económico – o que não se verificou no caso presente;

· Entende a jurisprudência comunitária que ‘a mera circunstância de o serviço efectuado pelo antigo e pelo novo adjudicatário de um contrato ser semelhante não permite concluir pela transferência de uma entidade económica’, sendo que a noção de entidade económica remete para um conjunto organizado de pessoas e elementos que permitam o exercício de um actividade económica que prossegue um objectivo próprio. Considera tal jurisprudência que num sector ‘em que os elementos corpóreos contribuem de maneira importante para o exercício da actividade, a ausência de transferência a um nível significativo de elementos indispensáveis ao bom funcionamento da entidade deve levar a que se considere que esta última não conserva a sua identidade’, logo não havendo qualquer transferência (Proc. C-24/85….).


· Ora, a 2.ª R. recebeu um espaço vazio, que consistia apenas de paredes e tecto e aí criou ex novo um estabelecimento, com máquinas próprias, matéria-prima própria, produtos e mobília próprias, insígnia, nome de estabelecimento, marca e patentes sua propriedade, método de trabalho próprio e ‘know-how’ próprios;

· Não se operou pois qualquer transmissão de estabelecimento ou empresa da 1.ª para a 2.ª R. O que se transmitiu foi apenas a posição contratual da 1.ª R. no contrato de utilização do espaço no Centro Comercial, contrato que tem sido unanimemente qualificado pela jurisprudência como um contrato atípico e inominado, ao qual não tem aplicação o normativo próprio do contrato de arrendamento ou da cessão de exploração (cfr. os Acórdãos do S.T.J. de 1.2.1995, in C.J. 1995, I, 46; de 24.10.1996, BMJ 460/742; de 18.3.1997, C.J. 1997, II, 26 e ainda os Acs. da RL de 8.4.1997, C.J. 1997, II, 91 e de 11.11.1997, C.J., V, 77, entre outros);

· Nos termos de tal contrato atípico e inominado, o que foi transmitido foi apenas a utilização do espaço em que se encontrava, antes de encerrado, o estabelecimento da 1.ª R., não tendo existido a transmissão do estabelecimento por não ser possível transmitir algo que não existe; logo, não é aplicável o disposto no n.º1 do art. 37.º do RJCIT, pelo que não foram em consequência transmitidas à 2.ª R. as posições contratuais da 1.ª R. nos contratos de trabalho dos trabalhadores que no seu estabelecimento prestavam trabalho antes do seu encerramento, nem tendo ficado a 2.ª R. subrogada naquela posição contratual;

· Não se verificou também qualquer transmissão ou aquisição da unidade empresarial explorada pela 1.ª R. no ‘Coimbra Shopping’ ou sequer sucessão de empresários sobre uma mesma empresa;

· A 1.ª R. encerrou, pura e simplesmente, o estabelecimento que explorava, após o ter desmanchado e esvaziado de todo o seu conteúdo e só depois procedeu à entrega do espaço em que o seu estabelecimento anteriormente laborava, completamente vazio, apenas com as quatro paredes e tectos;

· Não existe, pois, qualquer obrigação da 2.ª R. quanto aos pagamentos reclamados nos presentes Autos;

· A sentença recorrida, ao dar como assente a factualidade do ponto 52., nunca poderia ter condenado a 2.ª R. no pagamento de qualquer indemnização;

· Na verdade, a haver responsabilidade, e sem conceder, a mesma será sempre exclusiva da 1.ª R. e solidariamente dos seus representantes (cfr. ponto 40. e posição assumida pela 1.ª R. na contestação que apresentou no âmbito do processo comum apenso a que corresponde o n.º 545/2001);

· Com efeito, ao entender que existiu uma transmissão de estabelecimento (e sem conceder) e pressupondo que tal transmissão se operou através do contrato referido no ponto 40. dos factos dados como provados, não pondo por qualquer forma em causa a validade do mesmo, a sentença recorrida não poderia nunca vir depois condenar a 2.ª R., em total desrespeito pelos termos e condições desse mesmo contrato;

· A sentença recorrida faz pois uma errada aplicação da Lei ao condenar as RR. solidariamente, uma vez que a eventual responsabilidade da 2.ª R. havia sido transferida para a 1.ª R. de acordo com o já aludido contrato;

· A sentença não fez uma correcta aplicação do direito ao caso 'sub judice', mormente do art. 37.º/1 e 4 do D.L. n.º 49408, de 24.11. 69 e bem assim da Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12.3.2001, Directiva transposta para o Direito Interno – vide o art. 2.º, q), e arts. 318.º a 321.º do actual Código do Trabalho, que revogou a Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14.2.1977.

Deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão e substituindo-a por outra que absolva a Apelante do pedido.

7 – Responderam os AA./Recorridos, concluindo, por sua vez, em síntese, que a tese da recorrente assenta numa noção de trespasse no seu sentido estritamente comercial ou mercantil, enquanto o conceito de transmissão do estabelecimento consignado no art. 37.º da LCT se reporta a uma noção ampla, nela se englobando todas as situações em que a titularidade do estabelecimento se transfere de um sujeito para outro.
A entrega do estabelecimento livre de coisas e pessoas decorreu de estipulações contratuais estabelecidas entre as RR., pelo que improcedem todos os argumentos no sentido de que não se operou a transmissão e com ela a transmissão dos vínculos laborais dos recorridos da ‘D...’ para a ‘E....
A recorrente é pois solidariamente responsável pelo pagamento das quantias em que foi condenada, como bem se decidiu.

Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
1 – DE FACTO
1. As RR. dedicam-se à actividade de restauração, à comercialização da chamada ‘fast food’ (hamburgers e equiparados);
2. O A. A... foi admitido ao serviço da R. ‘D...’ em 1 de Julho de 1997 para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções de supervisor (chefe de snack-bar/self service);
3. …incumbindo-lhe no âmbito das mesmas fazer encomendas aos fornecedores, receber encomendas, efectuar pagamentos, controlar a actividade dos restantes trabalhadores, o atendimento a clientes, se necessário supervisionar e preparar hamburgers, controlar a facturação, tendo igualmente a seu cargo a abertura e encerramento da loja consoante o horário do turno que lhe estava destinado e pelo qual era responsável;
4. …cumprindo um horário normal para a sua actividade, distribuído por turnos, inicialmente de 42 horas por semana, passando depois a 40 horas por semana;
5. …auferindo uma retribuição mensal de 124.135$00 (100.000$00 de salário base e a quantia de 24.135$00 apelidada de ‘ajudas de custo e que era paga todos os meses, independentemente de despesas concretas;

2 – O DIREITO

2.1 – Por razões de lógica prejudicialidade, importa que comecemos pelo tratamento e decisão do objecto da impugnação deduzida R./apelante ‘E...’.

Ante o acervo conclusivo com que remata as sua doutas alegações – por onde se afere e delimita, como é sabido, o objecto e âmbito do recurso – a questão fundamental que se nos coloca é a de saber afinal se ocorreu 'in casu' a transmissão do estabelecimento da 1.ª R. para a 2.ª, estabelecimento esse onde trabalharam durante anos os AA./demandantes nesta presente acção.

Decidiu-se no sentido afirmativo.
Vista a respectiva fundamentação jurídica e a panóplia de argumentos que exornam a tese inconformista da Apelante, podemos adiantar que está praticamente tudo dito sobre a problemática decidenda, não faltando sequer a oportuna referência à mais actual e qualificada Doutrina e Jurisprudência, maxime o que adrede se dispõe em termos de Direito Comunitário, ilustrado pela menção conforme de decisões do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
Evitaremos, por isso, de caso pensado, alongarmo-nos em considerações redundantes (e quase sempre fastidiosas).

Tudo visto e ponderado:
A solução que se busca emergirá de uma atenta e judiciosa interpretação dos factos patenteados à luz da teleologia subjacente no regime laboral da transmissão do estabelecimento.
Não se justificará, cremos, (porque do conhecimento de todos os juristas com sensibilidade e informação na matéria), discretear sobre os propósitos do legislador quando preveniu, então no art. 37.º da LCT, que:
‘1. A posição que dos contratos de trabalho decorre para a Entidade Patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade…salvo se, antes da transmissão, o contrato houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento…
2. O adquirente do estabelecimento é solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão…
… … … …
4. O disposto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento’.

Não nos diz a Lei, é certo, o que deva entender-se pela expressão transmissão do estabelecimento.
Intui-se, não obstante, que o legislador pretendeu consagrar uma noção ampla, ao usar na letra da norma os termos ‘por qualquer título’, tão elástica quanto possível de modo a abranger nela todas as hipóteses em que a titularidade do estabelecimento comercial ou industrial se transfere de um sujeito para outro, como expressivamente anotam Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, in ‘Comentários às Leis do Trabalho’, Vol. I, Edição ‘Lex’ pg. 176, cuja reflexão seguimos de perto porque absolutamente pertinente e consentânea com a nossa perspectiva e entendimento.

Que é esse inequivocamente o caminho confirma-o a posterior elaboração doutrinal e jurisprudencial à volta do conceito, nele englobando as mais diversas e subtis situações da vida real, retiradas da casuística, e que vão desde o clássico trepasse do estabelecimento à transmissão decorrente da venda judicial, passando pela mudança de titularidade em resultado da fusão ou cisão de sociedades ou pela aquisição por transmissão inválida, etc…
… Não obstando sequer a que se verifique, no plano dos factos e também no jurídico, uma verdadeira continuidade do estabelecimento mesmo quando o meio através do qual se processou a alteração do respectivo titular não seja qualificável como uma verdadeira ‘transmissão’.

(Para maiores desenvolvimentos acerca da interpretação e critérios relevantes na definição do conceito em causa, a nível do TJCE, vide, por todos, o Estudo desenvolvido por Joana Simão, in ‘Questões Laborais’, n.º 20, Ano IX, 2002, pg. 203 e ss.
Veja-se ainda Pedro Romano Martinez, ‘Direito do Trabalho’, Almedina, pg.681 e Júlio Gomes, aí citado, in ‘Estudos do Instituto de Direito do Trabalho’, Vol. I, Coimbra, 2001, pg. 482 e ss.).

Sobre a abertura da Jurisprudência do nosso Tribunal Supremo a uma interpretação mais lata e abrangente da noção em causa, plasmada no falado art. 37.º da LCT, por forma a compaginá-la com as exigências normativas e o entendimento do Tribunal de Justiça da CE sobre a matéria, vemos sinais claros, por exemplo, no Acórdão do S.T.J. de 27.9.2000, in BMJ n.º 499/273 e – mais recentemente – no Acórdão do mesmo S.T.J. de 22.9.2004, publicado no Tomo III do ano XII da C.J./S.T.J., pg. 254, onde se dá nota da evolução do Direito Comunitário constante da falada Directiva n.º 77/187/CEE e da subsequente, a n.º 2001/23/CE, transposta para a Ordem Jurídica interna.

Em suma: ante o escopo ínsito na normatividade do art. 37.º da LCT e a economia daquela Directiva e demais Regulamentação Comunitária identificada, dúvidas não se nos põem de que a finalidade maior, a ‘ultima ratio’, foi e é a de proteger os trabalhadores e manter os seus direitos no caso de troca de empresário.

Acertando o passo com esta visão da realidade, imposta pela dinâmica da vida, que o Direito há-de reflectir necessariamente, veja-se que o Código do Trabalho (art. 318.º) assimilou já as sobreditas noções, com os contornos preconizados, ao tratar da ‘Transmissão da Empresa ou Estabelecimento’, alterando a previsão homóloga do art. 37.º, em conformidade.
Como decorre dos seus n.ºs 1, 3 e 4…’em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa…ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente (sublinhado agora) a posição jurídica do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, sendo que este regime se aplica igualmente ‘à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica’.

Somos por isso a concluir que – como acertadamente se ajuizou na decisão 'sub judicio' – a cedência/cessão onerosa do espaço, cujos factualizados contornos induzem a clara manutenção da identidade económica do estabelecimento, constitui uma transmissão, para os efeitos em causa, irrelevando de todo a (mais ou menos breve…) solução de continuidade/interrupção/paragem imposta pela remodelação do espaço ou decorrente da ‘mudança de cenário’.
(No mais, por inteira adesão aos pressupostos/princípios, remete-se para a circunstanciada fundamentação jurídica desenvolvida na parte da sentença em crise).

Improcedem, em consequência, as asserções conclusivas da douta motivação da Apelante.
(Anota-se que o teor da conclusão 9. está seguramente descontextualizado, uma vez que o rol dos factos provados não contém o ponto 52. – ficando-se pelo n.º41. - …e a R. não foi (ainda…) condenada no pagamento de qualquer indemnização.
Assim também o das seguintes conclusões 10 a 12).
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2.2 – A Apelação dos AA.
Insurgem-se os AA. contra a parte da decisão que – depois de ter concluído que houve efectivamente transmissão do estabelecimento da 1.ª R. (‘D...’) para a 2.ª R. (‘E...’) e que, na ausência de acordo entre as RR. acerca da continuação dos trabalhadores ao serviço da R. ‘D...’, a posição dos contratos de trabalho se transmitiu para a R. E... – lhes não conferiu a peticionada indemnização por rescisão com justa causa, por ter considerado que aqueles deveriam ter reclamado o seu posto de trabalho e direccionado a declaração de rescisão do contrato de trabalho à ‘sua hodierna Entidade Patronal e não à do passado’.
Para assim concluir, valorizaram-se diferentemente as comunicações consubstanciadas nas cartas a que respeitam os items 34. e 35. (a cujo conteúdo nos vamos já referir em pormenor) como constituindo, umas, (as enviadas à 1.ª R.), a rescisão do contrato, propriamente dita, e as outras, (as remetidas à 2.ª R.), como sendo uma mera comunicação para conhecimento.

Ora, aqui é que – salvo o respeito devido – não podemos subscrever o rigorismo lógico-formal que presidiu ao raciocínio e juízo alcançados, por nos parecer que a avaliação axiológico-normativa do factualizado contexto acaba afinal por conduzir a uma solução desvirtuada e, a nosso ver, injusta.
Da análise e interpretação dos elementos de facto, das indicações e reacção assumidas pelas RR., conviremos que – em termos de normalidade – era perfeitamente plausível a dúvida e/ou hesitação sobre quem era, naquelas transitórias circunstâncias, o real empregador dos AA.
A 1.ª R. insinuou/encenou, nos dias subsequentes à transmissão, ter assumido a continuação dos trabalhadores/AA. ao seu serviço, noutro/s estabelecimento/s, deixando supor um qualquer acordo nesse sentido entre si (transmitente) e a adquirente co-R. ‘E...’, o que seria expectável e legítimo, como se prevê na parte final do n.º1 do art. 37.º da LCT.
Bastará lembrar que, como se estampou no acervo factual seleccionado, os AA. - depois de terem sido informados de que o estabelecimento onde trabalhavam fôra cedido à 2.ª R. e de, em cumprimento de ordens do seu empregador, terem esvaziado o mesmo, tarefa que acabaram a 15.12.2000 – aguardaram directivas dos legais representantes da 1.ª R., comparecendo diariamente no seu local de trabalho até ao dia 20 desse mês, data em que aconteceu uma reunião convocada pelo legais representantes da R. ‘D...’.
Não tendo aceite o convite para porem termo ao contrato por ‘mútuo acordo’, foi-lhes dito pela R. que ‘deveriam aguardar até novas ordens’.
Foram aguardando sem poderem ocupar os seus postos de trabalho e sem lhes ser paga qualquer retribuição – cfr. pontos 21. a 26.
Compreensivelmente hesitantes e confundidos, dirigiram uma carta à 2.ª R. ‘E...’ no dia 2 de Janeiro de 2001, para que os informassem quando poderiam reiniciar as respectivas funções, no local do seu trabalho, no identificado estabelecimento – cfr. item 27. – donde se retira a ilação de que, não sabendo exactamente quem era então o seu ‘patrão’, admitiam/não excluíam a hipótese de o ser realmente a R ‘E...’…
A resposta desta foi de que não os considerava como seus trabalhadores – ponto 28.
Para ‘baralhar’ as coisas, o A. B... recebe da 1.ª R., no dia 2.1.2001, a carta junta a fls. 16, com data ainda de Dezembro de 2000, cometendo-lhe uma série de tarefas a realizar a partir de 2 de Janeiro/2001.
No dia 10 de Janeiro de 2001, a A. Rita e o A... recebem ordens do gerente da 1.ª R. para se apresentarem ao seu serviço num pequeno armazém, sito em Sargento-Mor, Souselas.
Em cumprimento dessas instruções, deslocaram-se para esse local no início da manhã desse dia, constatando que afinal tal armazém se encontrava encerrado e a não era pertença da R. ‘D...’.
Permaneceram à porta, mas ninguém da R. compareceu para o que quer que fosse!
(Certamente que se fosse perguntado a um qualquer cidadão, colocado nesta situação, quem considerava ser a sua Entidade Patronal, a resposta não seria nem pronta nem segura…).
É então que no dia seguinte, (11 de Janeiro de 2001), os AA. enviam à R. ‘D...’ as cartas registadas, que constituem fls. 17 e 18, em cujos termos rescindem o contrato de trabalho com invocação de justa causa, com os fundamentos aí pretextados…
…E remetem cópias das mesmas à co-R. E...…e bem assim a comunicação de fls. 19 e 20 dos Proc. n.º 452/01 e 509/01, respectivamente – vide items 34. e 35 – nelas dando por reproduzida, em relação à destinatária, toda a factualidade que dessas cartas consta, consubstanciadora da rescisão do contrato de trabalho com justa causa.
É certo (e os AA. assumem-no…) que os termos da comunicação não terão sido os mais acertados ou felizes…
Mas é irrefutável que, na indefinição gerada naquele contexto, consubstanciam bem mais que uma mera comunicação para conhecimento, antes veiculando o mesmo conteúdo negocial, a declaração dos fundamentos da rescisão, indirectamente direccionada embora, mas imputando as consequências da rescisão e a respectiva responsabilidade solidária à destinatária ‘E....

Não pode, pois, censurar-se que, na dúvida e ignorando outros elementos ou pormenores, os trabalhadores acautelassem as duas hipóteses (ter-se verificado ou não transmissão do estabelecimento) – como fizeram – havendo, por isso, que conferir-se a tal declaração/comunicação a respectiva eficácia negocial.
Confirmada a transmissão, com a consequente assunção pelo novo empresário da titularidade das relações de trabalho existentes, e havendo fundamento para a rescisão, não pode deixar de se responsabilizar a R. pelas suas consequências, a nosso ver.

Nem se diga a co-R. ‘E... não entendeu o alcance de tais declarações/comunicação…
Depois de, num primeiro momento, ter adiantado que não considerava os AA. como seus trabalhadores, não reagiu sequer, a seguir, declinando os fundamentos invocados e/ou a sua responsabilidade…
E se atentarmos no cuidado com que foi acautelada, na negociação das cláusulas do contrato de cessão com a 1.ª R., a eventual responsabilidade decorrente da transmissão, no que tange aos trabalhadores, não deixa de ser lícito concluir que bem sabia das consequências jurídicas advenientes.
Perfeitamente ciente, pois, de que lhe poderiam ser exigidas responsabilidades relativamente a créditos decorrentes da situação dos trabalhadores, apressou-se a acautelar o seu direito de regresso face à R. ‘D...’.

Em resumo, para depois concluir:
Acolhem-se, porque procedentes, as razões que enformam as asserções conclusivas dos AA./Apelantes.
O clausulado no contrato celebrado com a 1.ª R. relativamente à reclamação de eventuais créditos pelos trabalhadores é inoponível aos AA.
Tais estipulações valerão apenas na relação entre aquelas duas outorgantes, no âmbito do salvaguardado/eventual direito de regresso.
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A co-R. ‘E... não questionou os fundamentos da justa causa de rescisão.
A rescisão com justa causa confere ao trabalhador o direito a uma indemnização calculada nos termos do n.º3 do art. 13.º, ‘ex vi’ do art. 36.º, ambos do D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Essa indemnização corresponderá a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se o tempo, no caso, apenas até à data da rescisão unilateral da iniciativa do trabalhador.
Considerando 1996 como o ano de admissão para ambos, têm os AA. direito, a tal título, a € 2.494,00 (5x498,80) e € 3.990,40, (5x798,08), respectivamente.

(A responsabilidade do adquirente do estabelecimento só é solidária relativamente às obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão… - n.º2 do art. 37.º da LCT.
Qualificada/proclamada jurisdicionalmente a transacção em causa como uma transmissão do estabelecimento, para o efeito, e operando a rescisão dos contratos já depois daquela, a responsabilidade pelas respectivas consequências é tão-só do adquirente).
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III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, deliberam os Juízes desta Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
1 – Negar provimento ao recurso de Apelação deduzido pela R. ‘E...’;
2 – Julgar procedente a Apelação dos AA. e, em consequência, revogando a decisão, na parte impugnada, condenam a co-R. ‘E... a pagar ainda aos AA., C... e B..., as quantias de, respectivamente, 2.494,00 e € 3.990,40, com juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral embolso.
Custas pela R.
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Coimbra,