Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
247/07.9GAACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARRETO DO CARMO
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
Data do Acordão: 11/05/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 281.º, N.ºS 1, ALÍNEA A), 2 E 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I. – Não ofende, de forma desproporcionada, a dignidade do arguido, a injunção proposta pelo Ministério Público de que, para condição da suspensão do processo em que o arguido era acusado de violação do disposto no artigo 3.º, n.º 2 da Lei n.º 2/98, de 03.01, se deva inscrever numa escola de condução.
Decisão Texto Integral: Vem interposto recurso por
MINISTÉRIO PÚBLICO
e refere-se à decisão do Tribunal Judicial de Alcobaça que indeferiu o pedido de suspensão do processo.
Na motivação, diz nas conclusões:
A – As injunções impostas à arguida estão previstas nas alíneas c) e e) ou m), do C.P.P.
B – A injunção que corresponde à obrigatoriedade de inscrição numa escola de condução não ofende a dignidade da arguida;
C – Verificam-se todos os pressupostos para a suspensão provisória do inquérito e previstos no artº 281º, do C.P.P.;
D – A douta decisão recorrida viola, assim, o disposto no artº 281º, nº1, al. a), do C.P.P.;
Termos em que, deve conceder-se provimento ao presente recurso, e ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que dê aquiescência à suspensão provisória do processo nos moldes equacionados.
Da decisão recorrida, retira-se:
(...)
Nos presentes autos, encontra-se suficientemente indiciada a prática, pela arguida …, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01.
O Ministério Público entendeu que, no caso concreto, deve ser aplicado o instituto da suspensão provisória do processo, nos termos do artigo 281º do Código de Processo Penal.
“A figura da suspensão provisória do processo é um mecanismo recente no nosso ordenamento processual penal. (...) Também aqui se dá vida a uma distinção entre a grande e pequena criminalidade, em ordem a um tratamento para a menos grave. (...) Faz-se assim valer, de algum modo e ainda que condicionadamente o princípio da oportunidade” (neste sentido Simas Santos e Leal Henriques, in “Código de Processo Penal anotado”, II volume, 2ª edição, pág. 132).
E como ensina o Prof. Germano Marques da Silva “a suspensão provisória do processo assenta essencialmente na busca de soluções consensuais para a protecção dos bens jurídicos penalmente tutelados e a ressocialização dos delinquentes, quando seja diminuto o grau de culpa e em concreto seja possível atingir por meios mais benignos do que as penas os fins que o direito penal prossegue”, (in “Curso de Processo Penal”, III volume, pág. 111).
O artigo 281º, n.º 1 do Código de Processo Penal enumera os requisitos, cumulativos, para que se possa decidir pela suspensão provisória do processo: em primeiro lugar, desde que estejam em causa crimes puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão e obtida que seja a concordância do juiz de instrução; depois, é necessária a concordância do arguido e do assistente, a ausência de antecedentes criminais do arguido, a inaplicabilidade, no caso concreto, de medida de segurança de internamento, o carácter diminuto da culpa, e a previsibilidade de o cumprimento das injunções ou regras de conduta por parte do arguido se apresentar como resposta suficiente às exigências de prevenção reclamadas pelo caso.
No caso concreto, está em causa um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto pelo artº 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01, punido com pena de prisão até 2 (dois) anos ou com pena de multa até 240 (duzentos e quarenta) dias.
A arguida concordou com a suspensão provisória do processo e com as injunções propostas (fls. 42), não sendo necessária a concordância do assistente, por não estar constituído nos autos; tem sido pessoa respeitadora dos valores sociais, não tendo antecedentes criminais, conforme resulta do Certificado de Registo Criminal, junto aos autos a fls. 8; não há lugar a aplicação, no caso concreto, de uma medida de segurança de internamento.
No despacho de fls. 17 e seguintes, o Digno Magistrado do Ministério Público decidiu pela suspensão provisória do processo, pelo período de seis meses, mediante a imposição à arguida das seguintes injunções:
entregar ao CEERIA de Alcobaça, no prazo da suspensão, a quantia de € 100,00 (cem euros) e juntar aos autos documento comprovativo de tal acto; e
inscrever-se numa escola de condução.
As injunções e regras de conduta que podem ser impostas ao arguido são as mencionadas no nº 2 do artº 281º do Cód. Processo Penal: indemnizar o lesado; dar ao lesado satisfação moral adequada; entregar ao Estado ou a instituições privadas de solidariedade social certa quantia ou efectuar prestação de serviço de interesse público; residir em determinado lugar; frequentar certos programas ou actividades; não exercer determinadas profissões; não frequentar certos meios ou lugares; não residir em certos lugares ou regiões; não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas; não frequentar certas associações ou participar em determinadas reuniões; não ter em seu poder determinados objectos capazes de facilitar a prática de outro crime; qualquer outro comportamento exigido pelo caso.
De acordo com o nº 3 do preceito, “não são oponíveis injunções e regras de conduta que possam ofender a dignidade do arguido”.
As injunções e regras de conduta a impor ao arguido visam a reparação moral e material do crime e a satisfação das exigências de prevenção criminal, levando em linha de conta a recuperação e reinserção social daquele sujeito processual, estando excluídas aquelas injunções e regras de conduta que possam representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir (cfr. António Tolda Pinto, “A Tramitação Processual Penal”, pág. 637).
No caso dos autos, propõe o Digno Magistrado do Ministério Público uma injunção que se enquadra na previsão do nº 2 do preceito supra mencionado, de entrega a instituição de solidariedade social da quantia de € 100,00 e uma outra injunção que se traduz na comprovação, pela arguida, de inscrição em escola de condução.
Ora, é nosso entendimento que, no que se refere à segunda injunção proposta, qual seja a de comprovar a inscrição em escola de condução, a mesma é desproporcionada face ao crime praticado, pois restringe, para além do que é exigível, a liberdade da arguida nas suas opções de vida, em desrespeito pelo disposto no artº 281º, nº 3 do Cód. Processo Penal.
Com efeito, estar a impor à arguida a obrigatoriedade de se inscrever em escola de condução é estar a impor-lhe a obrigatoriedade de obter título que a habilite a conduzir, condicionando-a, dessa forma, na sua opção de obter ou não tal título, sendo certo que essa injunção lhe trará, por certo, custos económicos elevados, uma vez que a inscrição em escola de condução importa que a arguida tenha que despender um montante económico elevado.
Acresce que a mesma poderá não ter capacidade técnica ou intelectual para que lhe seja concedida a habilitação legal para conduzir, estando a ser onerada com um custo que poderá não surtir qualquer efeito prático, pois tal injunção pode representar para a condenada a assunção de uma obrigação cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
Face ao exposto, não se concorda com a suspensão provisória do processo à arguida …, nos termos do artigo 281º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
(…)
O Preclaro Procurador-geral Ajunto segue o Digno Procurador da República
Correram os vistos.
DECIDINDO
As conclusões fixam o objecto do recurso – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/92, no Proc. nº. 40528 e, face ás conclusões acima transcritas,:
Discute-se neste recurso:
- A suspensão do processo
O recurso dos autos incide sobre matéria de direito, sendo a questão a decidir: aplicabilidade dos pressupostos consignados nas diversas alíneas do art.º 281.º/1/ c) e e) e 282º do Código de Processo Penal
O Meritíssimo Juiz a quo indeferiu o requerimento para suspensão do processo, do Ministério Público porque, segunda injunção (injunção que se traduz na comprovação, pela arguida, de inscrição em escola de condução) proposta, é desproporcionada face ao crime praticado, pois restringe, para além do que é exigível, a liberdade da arguida nas suas opções de vida, em desrespeito pelo disposto no artº 281º, nº 3 do Cód. Processo Penal.
O artigo 281º/3 do Código de Processo Penal considera que “não são oponíveis injunções e regras de conduta que possam ofender a dignidade do arguido.
E acrescenta a decisão. Como se lê, acima, a 2ª injunção impõe a obrigatoriedade de obter título que a habilite a conduzir, condicionando-a, dessa forma, na sua opção de obter ou não tal título, com custos económicos elevados, sendo que poderá não ter capacidade técnica ou intelectual para que lhe seja concedida a habilitação legal para conduzir.
O princípio da legalidade, estruturantes do nosso sistema penal, ainda tem por base a obrigatoriedade do titular da acção penal (o Ministério Público) estar obrigada a promovê-la, a partir da notícia ou conhecimento um crime.
A acção penal (como ensina Cavaleiro Ferreira, Curso…, I, 82 e ss) impede que um juiz haja no processo penal sponte sua, isto é, faça, de sua vontade submeter a julgamento o suspeito, feito arguido, outrossim caberá ao Ministério Público a verificação da existência de indícios suficientes da prática do crime e de quem foram os seus agentes.
Daqui decorrem os princípios da garantia jurídica de defesa dos cidadãos face ao arbítrio estatal, corolário da igualdade do cidadão perante a lei, da imutabilidade quer do processo penal, quer do conteúdo seu objecto.
A admissibilidade do princípio da oportunidade, abrindo a faculdade, conferida à entidade com legitimidade para exercer a acção penal, de poder ou não fazer uso do seu exercício, aflora cada vez mais no nosso direito por razões de vária ordem, nomeadamente políticas, financeiras, sociais, etc., na tentativa de solução do conflito jurídico-penal fora do processo normal de justiça penal, devendo operar num seu momento intraprocessual (cfr. A Relevância Político-Criminal da Suspensão Provisória do Processo, de Fernando José dos Santos Pinto Torrão, Almedina, págs. 125/7).
Fala-se ainda, embora em segundo plano, na tentativa de afastar dos tribunais as bagatelas penais.
É a aurora da oportunidade que está plasmada pelo artigo 281.º aludido, seja da suspensão provisória do processo.
Descurando da delimitação estrutural e regime jurídico deste instituto, mormente sujeitos processuais envolventes, pressupostos materiais de aplicação; injunções e regras de conduta admissíveis e consequências jurídicas da decisão de suspensão, focalizemos a nossa atenção na singela questão colocada – a ofensa de uma injunção á dignidade do arguido, artigo 281º/3 do Código de Processo Penal.
Germano Marques da Silva, ao falar da inovação do regime (Curso …, III, 109 e ss) não dedica muita atenção ao regime das injunções.
O regime de injunções, aponta-se, tem paralelo com o regime da suspensão da pena e, assim, o artigo 281º/nº3, seria o par da do artigo 51º/2 do Código Penal.
E, adiantando a solução, no sentido de que o despacho recorrido, se nos afigura levar, no caso dos autos, demasiadamente longe a garantia de dignidade do arguido, pois, ao contrario do que se quer concluir a injunção é a de o arguido se inscrever numa escola de condução; não tem consequentemente razão de ser a referência feita no despacho recorrido de estar a impor-lhe a obrigatoriedade de obter título que a habilite a conduzir, condicionando-a, dessa forma, na sua opção de obter ou não tal título, sendo certo que essa injunção lhe trará, por certo, custos económicos elevado…
A tese defendida pelo recorrente – Ministério Público, é perfeitamente compatível com a dignidade de qualquer cidadão, muito mais com quem quer conduzir e se atreve a conduzir sem estar habilitado.
No caso concreto, acatar o entendimento sugerido pelo recorrente é perfilhar um entendimento com todo o arrimo na letra e espírito da lei.
Assim, como bem aponta o Ministério Público, não podendo considerar-se a ilicitude elevada (o crime em questão foi a condução de um ciclomotor, sem licença); a arguida ter 19 anos de idade, (a culpa ser diminuta, pois trazia consigo um documento e estava convencida que era o necessário para conduzir ciclomotores); não tem qualquer antecedente criminal, a pena aplicável é inferior a cinco anos, estão reunidas a condições para a suspensão do processo. Aliás depende da aceitação do arguido.
Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão proferida para ser substituída por outra que suspenda o processo nas condições propostas pelo Ministério P