Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
442/04.2TBANS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: SEGURO AUTOMÓVEL
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
NULIDADE
Data do Acordão: 06/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 29º Nº 6 DO DL 522/85, 31-12
Sumário: 1) O contrato de seguro obrigatório tem um papel de acentuado cariz social, funcionando de certa forma como contrato a favor de terceiro.

2) Atendendo à especial configuração de tal seguro e interesse público que lhe está subjacente, com­preende-se que a lei subtraia justificadamente o mesmo a certos princípios da plena autonomia privada.

3) Nomeadamente nos contratos de seguro que tenham por objecto coberturas de riscos sujeitos ao regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a seguradora não pode invocar perante terceiros lesados quaisquer exclusões ou anulabilidades não previstas na Lei do Seguro Obrigatório, corporizada no dito DL nº 522/85, estando vedado opor-lhes qualquer anulabilidade prevenida em qualquer outra lei ou norma jurídica geral ou especial.

4) A nulidade (anulabilidade) do seguro por falta de carta de condução do segurado é perfeitamente evitável pela seguradora que tem o dever de se assegurar de que cobre a responsabilidade de um indivíduo habilitado para conduzir, solicitando-lhe a apresentação do título antes de fechar o contrato.

5) Tal circunstância é quanto basta para afastar a tese do erro-vício a que alude o artigo 251º do Código Civil e sustentado pela seguradora, tendo em linha de conta a sua passividade perante o relevo de um facto que deveria apurar, sendo certo que não pode aceitar os prémios do seguro e simultaneamente rejeitar a possibilidade de ter de suportar o inerente encargo.

6) Estando em causa um interesse público não pode a Companhia de Seguros refugiar-se no "princípio da confiança" gerada pelas declarações do tomador, já que a sua inércia perante um facto que deveria ter confirmado transcende o restrito interesse inter partes, re­flectindo-se em terceiros, os reais destinatários do seguro obrigatório.

7) Em caso de colisão de dois veículos e não sendo possível apurar a culpa de qualquer dos respectivos condutores a indemnização terá de repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos, sendo certo que aquele deve ser apreciado em concreto perante o circunstancialismo que rodeou o sinistro e a natureza dos respectivos intervenientes.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

                           Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

                           A... , residente em ...., propôs acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra a Ré, Companhia de seguros B... , com sede em Lisboa, com posterior intervenção principal espontânea deduzida pelo Centro Hospitalar de C... , contra a mesma Ré. Posteriormente, no seguimento de requerimento nesse sentido por parte do Autor, foi admitida a intervenção provocada do Fundo de Garantia Automóvel, de D... e de E... .

                           Em síntese alega o Autor que em circunstâncias de tempo, lugar e modo que indica, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente, quando conduzia o seu velocípede com motor que foi embatido por um veículo automóvel, cuja responsabilidade se encontrava transferida para a Ré seguradora, sendo que a culpa foi do condutor deste último veículo que embateu na traseira do seu velocípede com motor;

                           Por decorrência do acidente, o seu velocípede sofreu danos, que o tornam irreparável, no valor de € 250 e a sua roupa, no valor de € 100,00 ficou estragada;

                           Sofreu ele Autor diversas lesões no seu corpo, as quais levaram ao seu internamento e a ser sujeito a intervenções cirúrgicas das quais resultou ter ficado total e permanentemente incapacitado para o trabalho, quando antes não sofria de qualquer enfermidade, trabalhando como servente de pedreiro e auferindo mensalmente € 349,16, do que resultou um prejuízo em danos futuros nunca inferior a € 125.000,00.

                           Sofreu também danos não patrimoniais que contabiliza em € 25.000,00 para as dores e perda de vontade de viver dessas decorrente, € 10.000,00 para o dano estético e perda de alegria de viver daí decorrente, € 10.000,00 para o prejuízo de afirmação pessoal e perda de alegria de viver daqui decorrente e € 100.000,00 para os danos da diminuição de qualidade de vida posterior, incluindo-se nestes a diminuição de convívio, impossibilidade biológica de gerar filhos, impossibilidade prática de contrair casamento e constituir família, a impossibilidade de ter prazer sexual de relações de cópula e a perda da alegria de viver decorrentes;

                           Viverá ele Autor o resto da vida sujeito a vigilância médica periódica, a tratamentos medicamentosos e a ter de realizar exames clínicos, sendo que terá de ser submetido no futuro a intervenções cirúrgicas, no­meadamente a de desarticulação do coto existente, resto da perna amputada;

                           Sempre sofreu e sofrerá intensas dores resultantes das lesões, tratamentos que teve e sequelas que lhe a­dvieram.

                           Porque considera que a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos impende sobre a Ré, pede, a final, a condenação desta a pagar-lhe a quantia já liquidada de € 270.350,00, incluindo-se nesta € 125.350,00 de danos patrimoniais e € 145.000,00 de danos não patrimoniais, bem como a indemnização de valor ilíquido relacionada com as dores intensas que sofreu e sofrerá, resultantes das lesões, tratamentos que teve e sequelas que lhe advieram, acrescidos os juros de mora desde a citação quanto aos danos patrimoniais e desde o trânsito da sentença quanto aos não patrimoniais.

                           Por requerimento de fls. 57 e 58 dos autos, veio o Centro Hospitalar de C... deduzir incidente de intervenção principal espontânea, contra a Ré, com fundamento no valor de € 20.187,85 que despendeu com os tratamentos que prestou ao Autor, pedindo que aquela seja condenada a pagar tal valor, acrescido dos juros de mora desde a notificação do pedido.

                           Contestou a Ré; por excepção refere que não existia seguro válido, por ser nulo o celebrado de acordo com o disposto no artigo 429º do Código Comercial, pois que na proposta o proponente disse, faltando deliberadamente à verdade, que era titular de carta de condução, quando não a tem, sendo que nunca ela aceitaria o seguro se soubesse que assim era, para além de que, quando ocorreu aquela proposta, o veículo não pertencia também ao proponente, o que configura também outra causa de nulidade, por existir falta de interesse no seguro, de acordo com o disposto no artigo 428º do mesmo Código. Por impugnação, refere que, desconhecendo as circunstâncias em que ocorreu o acidente, apenas conhece os factos que foram dados como provados no processo-crime, dando assim ela por impugnado tudo o que em contrário é alegado pelo Autor, e impugna ainda, por desconhecimento, os danos por este referidos.

                           Conclui, a final, pela sua absolvição.

                           O Autor, por requerimento, para a eventualidade de vir a ser considerado nulo o contrato de seguro celebrado com a Ré, deduziu incidente de intervenção provocada do Fundo de Garantia Automóvel, D... e de E....

                           Foi proferida sentença que na parcial procedência da acção decidiu:

                           a) Condenar a Ré, B..., a pagar ao Autor, A...:

                           1) A título de indemnização por danos de natureza patrimonial por este sofridos, a quantia de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia que se vier a liquidar, até ao limite do pedido, referente aos danos relacionados com o motociclo e roupa do Autor;

                           2) A título de danos de natureza não patrimonial, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contabilizados desde a data do trânsito desta sentença;

                           b) Absolver a Ré, B..., da parte do pedido não incluída em “l.a)”;

                           c) Absolver os Intervenientes, Fundo de Garantia Automóvel, D... e E..., de todo o pedido formulado pelo Autor, A...;

                           d) Condenar o Autor A... e a Ré B...nas custas do processo, na proporção de 50% para cada um, sem prejuízo do decidido em matéria de apoio judiciário;

                           2. Na procedência parcial do pedido formulado pelo Centro Hospitalar de C...:

                           a) Condenar a Ré, B..., a pagar ao Centro Hospitalar de C... a quantia de € 15.274,13 (quinze mil duzentos e setenta e quatro curas e treze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido;

                           b) Absolver a Ré B..., da parte do pedido formulado pelo Centro Hospitalar de C... não incluído em “2.a)”;

                           c) Absolver totalmente os intervenientes Fundo de Garantia Automóvel, D... e E..., de todo o pedido formulado pelo Centro Hospitalar de C...;

                           d) Condenar o Centro Hospitalar de C... e a Ré B..., nas custas, em proporção de vencimento/decaimento;

                           Daí o presente recurso de apelação interposto pela Ré "B... a qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a sentença em análise.

                           Foram para tanto apresentadas as seguintes,

                           Conclusões.

                           a) Quanto à nulidade do contrato

                           1) Tendo em conta os factos dados por assentes após o saneador, face aos articulados das partes e o único outro facto que a ré teve de provar, melhor elencados nos nsº 2. (al C) dos factos assentes), 4. (al E) dos factos assentes) 5. (als. F) e G) dos factos assentes) 6. (al H) dos factos assentes) e 28. (resposta ao ponto 46º da base instrutória) da fundamentação de facto da sentença, só uma conclusão é possível no que respeita ao virtual contrato de seguro dos autos: à data do acidente o mesmo não era válido e eficaz, motivo pelo qual não pode dar cobertura aos danos decorrentes do sinistro sub iudice;

                           2) Em súmula: o co-réu, E..., afirmou ser o anterior proprietário do veículo a segurar e titular de carta de condução, o que é mentira!

                           3) Tendo a seguradora provado que em hipótese alguma aceitaria o seguro se tivesse conhecimento – e esse conhecimento foi-lhe omitido – que o proponente do seguro e condutor habitual não tinha carta de condução, demonstrou igualmente que o contrato se encontra eivado de uma inquestionável nulidade nos termos do artº 429º do Código Comercial;

                           4) Não sendo também despiciendo acrescentar que uma vez que, quando o seguro foi proposto à apelante, o veículo em questão não pertencia ao proponente, também é patente que este não tinha interesse no seguro e que a falta de interesse gera outra causa de nulidade do contrato, a consignada no artº 428º do Código Comercial;

                           5) Ao actuar como actuou, com dolo directo, o E... induziu, pois, a recorrente em erro sobre elementos que para esta e para qualquer seguradora são essenciais para a não celebração do contrato em causa;

                           6) De tudo isto não é possível concluir como o fez o Tribunal a quo que o vício melhor referido na 3ª Conclusão (falta de carta de condução do condutor habitual) não inquina irremediavelmente um contrato de seguro e que esta claríssima nulidade não é um daqueles "...casos excepcionais em que a garantia é assumida pelo Fundo de Garantia” conforme melhor reconhece o Ac. do STJ de 8/04/2008, in www.dgsi.pt referido a fls. 539 e 21 da sentença, em que a nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado (artº 286º do C.C.) e tem os efeitos previstos no artº 289º do C.C., ou seja, é, natural e necessariamente, oponível a terceiros;

                           7) Conclui-se, portanto, que este erro, este ardil ilícito do putativo segurado tem como cominação a nulidade do seguro com todos os efeitos que daí advêm.

                           8) Finalizando, afirma-se que, apesar de tal não ser necessário, não existe risco de desprotecção do lesado, nem de demora processual, atendendo a que também o Fundo de Garantia Automóvel foi demandado nos presentes autos, pelo que neste aspecto a sentença revela uma oposição evidente entre a fundamentação e a decisão por erro notório de apreciação da prova e do direito vigente;

                           b) Quanto à divisão do risco

                           9) Nos presentes autos não se provou a culpa de nenhum dos condutores intervenientes, pelo que esteve bem o Tribunal recorrido ao socorrer-se do instituto da responsabilidade objectiva ou pelo risco;

                           10) As viaturas intervenientes foram, respectivamente, um velocípede com motor e um automóvel ligeiro de marca Opel Corsa, o segundo um pouco mais largo e comprido que o primeiro e este menos estável, menos seguro e potencialmente mais perigoso que o segundo, pelo que constitui para os restantes utentes da via pública um risco de circulação acrescido como, infelizmente, demonstram as estatísticas da sinistralidade com motas e das suas nefastas consequências;

                           11) Donde, o argumento expendido pelo Tribunal a quo para dividir de modo totalmente desigualitário a responsabilidade pelo risco entre os intervenientes é não só perfeitamente reversível, deficientemente fundamentado, como muito pouco convincente, pelo que o Fundo de Garantia Automóvel (atendendo ao referido na 1º à 8º Conclusão) apenas deverá responder por 50% do valor dos danos decorrentes do embate.

                           c) Normas violadas

                           12) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou por erro de interpretação e inaplicação o disposto nos artigos 428º, 429º e 446º do Código Comercial, bem como nos artsº 227º, 251º, 253º, 286º 289º e 506º nºs. 1 e 2, todos do Código Civil.

                           Contra-alegou a Ré B...pugnando pela confirmação da sentença.

                           Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                            *

                           2. FUNDAMENTOS.

                           O Tribunal deu como provados os seguintes,

                           2.1. Factos.

                           2.1.1. No dia 7/05/2001, cerca da 1.00 hora, na Estrada Nacional 110, que liga Coimbra a Tomar, no lugar da Tojeira, Avelar, Ansião ocorreu um embate, no qual foram intervenientes, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula OB-00-00, marca Opel, modelo Corsa, de cor branca, conduzido por E... e o velocípede com motor matrícula 1-AVZ-00-00, propriedade do Autor e por ele tripulado (al.s A) e B) dos factos assentes);

                           2.1.2. A propriedade do veículo OB-00-00 encontra-se registada a favor de D... (al. C), dos factos assentes);

                           2.1.3. O Autor nasceu a 20 de Abril de 1970 (al. D), dos factos assentes);

                           2.1.4. Na data do acidente a responsabilidade civil pelos danos causados pelo veículo OB-00-00 encontrava-se transferida para a Ré através de contrato de seguro titulado pela apólice na 000859697/50 (al. E), dos factos assentes);

                           2.1.5. Na proposta de seguro celebrada com a B..., o Réu E... declarou ser titular de carta de condução C-453074.

                           2.1.6. Na mesma proposta o Réu E... declarou ser proprietário do Veículo OB - 05-08 (als. F) e G), dos factos assentes);

                           2.1.7. Por acórdão datado de 2/11/2004 foi o Réu E... condenado, por factos ocorridos em 2/11/04, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º, nº 2, do DL 2/98 de 3/01, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de dois curas e cinquenta cêntimos (al. H), dos factos assentes.

                                                                  2.1.8. O Autor circulava na EN nº 110, no sentido Coimbra/Tomar, a uma velocidade não concretamente apurada (resposta aos pontos 1º, 2º e 3º da base instrutória); O Autor circulava com o seu motociclo, na via, e atrás dele, no mesmo sentido de marcha e a distância não apurada, circulavam, respectivamente, F... e G... , conduzindo cada um deles um motociclo (resposta aos pontos 4º, 5º e 6º da base instrutória);

                           2.1.9. O local do acidente é de boa visibilidade e fica situado, atento o sentido de marcha Coimbra/Tomar, imediatamente antes de um entroncamento, à esquerda, com uma estrada que faz a ligação da povoação do Avelar à EN nº 110. Cerca de 500 metros antes de se chegar a este entroncamento, atento o mesmo sentido de marcha, existe um outro entroncamento, também à esquerda, com uma via em terra batida que dá acesso a um colégio (resposta aos pontos 7º, 8º e 9º da base instrutória);

                           2.1.10. O embate ocorreu em circunstâncias exactas e por razões que não foi possível apurar (resposta aos pontos 13º, 14º e 19º da base instrutória);

                           2.1.11. O Autor e o seu motociclo ficaram imobilizados, após o embate, para além da berma direita da via, atendo o sentido de marcha Coimbra/Tomar (resposta ao ponto 15º da base instrutória);

                           2.1.12. A via referida em “1” é asfaltada e encontrava-se em bom estado de conservação, tem 5,50 metros de largura e bermas com 0,50 metros, em bom estado de conservação (resposta aos pontos 20º, 21º e 22º da base instrutória);

                           2.1.13. Na altura do acidente fazia bom tempo e o local era iluminado (resposta ao ponto 23º da base instrutória);

                           2.1.14. Em consequência do embate o veículo do Autor sofreu danos de natureza não apurada (resposta ao ponto 24º da base instrutória);

     2.1.15. O veículo do Autor tinha um valor não concretamente determinado (resposta ao ponto 25º da base instrutória);

                           2.1.16. A roupa que o Autor vestia no momento do embate, que tinha um valor não apurado, ficou danificada (resposta ao ponto 26º da base instrutória);

                           2.1.17. Em consequência do embate o Autor sofreu esfacelo grave do membro inferior e joelho esquerdo, com exposição do 1/3 médio do fémur e do 1/3 superior da tíbia secção vásculo-nervosa com destruição maciça vascular, múltiplos focos de fractura dos ossos da perna, sem viabilidade para reconstrução vascular e ou de osteossíntese, diastema da sínfise púbica, luxação sacro-ilíaca, laceração da bexiga com hematúria total e traumatismo do escroto com hematoma (resposta ao ponto 27º da base instrutória);

                           2.1.18. Em consequência das lesões que sofreu o Autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica, onde foi amputado o seu membro inferior esquerdo, pelo 1/3 médio, e, no dia 12 de Junho de 2001, foi sujeito a outra intervenção cirúrgica com anestesia geral para limpeza do coto e sua regularização. (resposta aos pontos 28º e 29º da base instrutória);

                           2.1.19. O Autor teve alta do serviço de ortopedia em 10/08/2001 e depois foi seguido nas consultas externas no CHC (resposta aos pontos 30º e 31º da base instrutória) ;

                           2.1.20. Em 27/03/2002 foi aplicada ao Autor uma prótese, à qual não se adaptou por falta de força para adução/ambulação, flexão e extensão da coxa esquerda, e teve alta em 6/01/2003 (resposta aos pontos 32º e 33º da base instrutória);

                           2.1.21. Em consequência das lesões que sofreu o Autor ficou afectado por um quadro neurológico de dor, parestesias, alterações motoras, alterações esfincterianas vesicais e rectais e impotência sexual (resposta aos pontos 34º e 40º da base instrutória);

                           2.1.22. Na data do embate o Autor era servente de pedreiro, auferindo um vencimento mensal de € 349,16 (resposta ao ponto 35º da base instrutória);

                           2.1.23. O Autor, em consequência das lesões que sofreu, ficou com uma ITA total para o trabalho de 185 dias após o acidente, tendo depois ficado afectado com uma IPP de 70%, sendo as lesões impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico – profissional (resposta aos pontos 36º e 37º da base instrutória);

                           2.1.24. Na data do acidente o Autor era uma pessoa robusta, saudável e alegre e sem deformidades físicas (resposta ao ponto 38º da base instrutória);

                           2.1.25. Antes do acidente o Autor tinha como projecto de vida casar e ter filhos (resposta ao ponto 39º da base instrutória);

                           2.1.26. O Autor passou a ser uma pessoa triste, evitando o convívio social e afastando-se dos amigos. Não frequenta festas e tem vergonha de exibir a falta do membro inferior e locomove-se com o auxílio de canadianas. A falta de marcha autónoma dificulta-lhe todas as pequenas tarefas do dia-a-dia, desde a higiene pessoal, confecção de alimentos, sentar-se, deitar-se e vestir-se (resposta aos pontos 41º, 42º, 43º e 44º da base instrutória);

                           2.1.27. O Autor poderá necessitar, ao longo da sua vida, de acompanhamento e vigilância médica (resposta ao ponto 45º da base instrutória);

                           2.1.28. No momento em que recebeu a proposta de seguro era política comercial da Ré B...não aceitar a realização daquele no caso de o proponente, não sendo portador de deficiência, não ter carta de condução (resposta ao ponto 46º da base instrutória);

                           2.1.29. Em virtude da assistência que foi prestada ao Autor, bem como pela que recebeu em regime de consultas externas em consequência das lesões sofridas no acidente, o Centro Hospitalar de C... suportou encargos que ascenderam ao montante de 20.187,856, ainda em débito àquela instituição hospitalar.

                           2.1.30. O Autor recorreu a consultas no Centro Hospitalar de C... em 6/04/2006 e 29/05/2006, cujo custo ascende a € 177,66 (assentes);

                            +

                           2.2. O Direito.

                           Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

                          

                           - Da alegada nulidade do contrato de seguro automóvel. Oponibilidade a terceiros.

                           - Da responsabilidade civil; repartição do risco.

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                           2.2.1. Da alegada nulidade do contrato de seguro automóvel. Oponibilidade a terceiros.

                           A sentença proferida em primeira Instância na procedência parcial da acção acabou condenando a Ré B... absolvendo todavia o Réu Fundo de Garantia Automóvel do pedido que lhe fora feito, sendo certo que o mesmo havia sido demandado para a hipótese de o contrato de Seguro realizado pelo condutor do veículo pesado com a Ré ser declarado nulo.

                           Com tal decisão não se conformou a Ré Companhia de Seguros que agora sustenta a nulidade do seguro invocando em abono da sua tese o disposto no artigo 429º do Código Comercial em vigor à data do acidente, isto em virtude de o tomador do seguro e tripulante da viatura pesada interveniente no sinistro não possuir carta de condução.  

                            Estatui o normativo em análise que "Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.

                           § único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má-fé o segurador terá direito ao prémio".

                           Como pode ver-se da proposta de seguro celebrada com a B...o Réu E... declarou ser proprietário do veículo ligeiro de passageiros OB-00-00 e bem assim titular da carta de condução nº C-453074.

                           A Ré apelante coloca em crise a validade do con­trato de seguro referente ao veículo ligeiro. Consoante se decida pela positiva ou negativa serão diferentes os titulares do dever de indemnização face ao Autor.

                            Na verdade, caso vingue a tese da nuli­dade do seguro, aquele dever recai nos termos do artigo 29º nº 6 do DL 522/85 sobre o Fundo de Garantia Automó­vel e o responsável civil.

                           O "contrato de seguro" poderá definir-se como aquele em que uma das partes (segurador) se obriga con­tra o pagamento de certa importância (prémio), a indem­nizar outra parte (segurado ou terceiro) pelos prejuí­zos resultantes da verificação de determinados riscos. No caso vertente estamos em face de um seguro de natu­reza obrigatória regulamentado à data do acidente pelo DL supracitado. Este seguro surge como resultado da necessidade de socializar o risco (tomado numa acepção ampla). Se por um lado a dinâmica social potencia a possibilidade da ocorrência de danos em pessoas e coisas, por outro, a consciencialização da respectiva gravidade bem como da incompleta ou deficiente capacidade do responsável do respectivo causador para o ressarcimento, levou à insti­tuição de mecanismos indemnizatórios de assunção obri­gatória como condição sine qua non do exercício de cer­tas actividades potencialmente perigosas ou portado­ras de riscos nomeadamente em face de terceiros. É na linha deste entendimento que se perfila a instituição do seguro obrigatório vigente nas sociedades modernas[1]. O contrato assume pois nesta veste uma natureza trilate­ral em que figuram por um lado a seguradora, a qual garante ao segurado mediante o pagamento de um prémio, a indemnização que lhe possa vir a ser exigida por um terceiro lesado em consequência do acidente que o viti­mou na sua pessoa e também nos seus bens. Por outro lado, o seguro acautela o próprio património do segu­rado colocando-o ao abrigo da pretensão indemniza­tória dos potenciais lesados. Funciona pois o seguro obriga­tório de certa forma como um contrato a favor de ter­ceiro lesado, à partida potencial e estranho ao negó­cio.

                           As considerações supra-expostas deixam transpare­cer a razão pela qual particular interesse público sub­jacente à figura do "contrato de seguro obrigatório" subtraia justificadamente o mesmo a certos princípios de plena autonomia da vontade, como se acentua no preâmbulo do DL nº 522/85 e já se fazia notar no do DL nº 408/79, de 25/9.

                           Não iremos alargar-nos em considerações acerca do verdadeiro significado da nulidade referida no artigo 429º do Código Comercial. Mostra-se firmada na Jurisprudência dos Tribunais Superiores que estamos em face de uma mera anulabilidade considerando que não há nestes casos um interesse público relevante que se sobreponha à vontade das partes de molde a tornar oficioso o conhecimento dos vícios do contrato, mas de âmbito reduzido e respeitante à relação negocial entre o proponente e a seguradora[2]. Aliás a forma como o preceito está redigido, com apelo ao circunstancia­lismo da génese do contrato para o funcionamento da sanção é mais um subsídio hermenêutico de interpretação do preceito em análise no sentido de uma sanção menos gra­vosa que propugnamos. E são os relevantes interesses de ordem pública em jogo que justificam desde logo o disposto no artigo 14º do DL nº 522/85 de 31/12 quando estabelece que “Para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a seguradora só pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do artº 1º do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais ou regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro”.

                           Resulta assim do preceito que nos contratos de seguro que tenham por objecto coberturas de riscos sujeitas ao regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a seguradora não pode invocar perante os lesados quaisquer exclusões ou anulabilidades não previstas na Lei do Seguro Obrigatório, corporizada no dito DL nº 522/85, ou seja, está-lhe vedado opor-lhes qualquer anulabilidade prevenida em qualquer outra lei ou norma jurídica geral ou especial.

                           E compreende-se que assim seja pois que a instituição do regime do seguro obrigatório teve essencialmente em vista, como medida de alcance social, a protecção directa dos legítimos direitos e interesses dos cidadãos lesados. Daí que, seja pacífico na Jurisprudência dos tribunais superiores que nos regimes de seguro obrigatório, o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais, do que resulta que só a nulidade do contrato de seguro pode ser oposta aos lesados”[3]   sendo certo que as falsas declarações do segurado a­quando outorgou o contrato não se integram na previsão do artigo 14º do DL nº 522/85, o qual funciona como norma especial do contrato de seguro obrigatório automóvel restringindo as hipóteses de nulidade aos casos que menciona. Aliás e no caso concreto de falsas declarações bem se compreende que a seguradora poderia ter perfeitamente evitado tal situação caso se tivesse assegurado como era também seu dever de que iria cobrir um tomador habilitado com carta de condução e legítimo detentor do veículo. Tal circunstância é quanto basta para afastar a tese do erro-vício a que alude o artigo 251º do Código Civil; "O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º"; isto é desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que in­cidiu o erro. Imanente ao preceito em análise e a justificá-lo sob o ponto de vista axiológico, encontra-se sem dúvida o "princípio da confiança", uma das facetas da boa-fé contratual acolhida entre nós no artigo 227º do Código Civil. Todavia não é possível, a nosso ver, sustentar de forma abstracta a criação automática de uma relação de confiança ao nível das declarações negociais; é sempre necessário apreciar a qualidade dos sujeitos, o objecto negocial, ponderando o contexto em que o negócio é fechado. Revertendo ao caso concreto, não podem as Companhias de Seguros desconhecer a obrigatoriedade do Seguro para quem pretende conduzir um veículo automóvel sendo para tanto condição sine qua non estar o tomador habilitado com a permissão legal. Mas de igual forma não pode a Seguradora desconhecer que isso não sucede necessariamente, o que não a coíbe de contratar com o tomador e ir recebendo os prémios… aceitando a álea do contrato enquanto não lhe são exigidas responsabilidades, enjeitando-as de imediato logo algo corre mal, invocando então a nulidade do seguro; este comportamento que poderia ainda encontrar de certa forma cobertura pelo princípio da auto-responsabilidade das partes não pode aceitar-se na contratação de um seguro obrigatório em que estão em causa interesses de terceiros estranhos ao contrato e tornado obrigatório em virtude da necessidade de sociabilizar o risco, uma das intenções subjacentes à moderna responsabilidade civil. Esta publicização do direito privado, postulada pela carência de acréscimo de solidariedade social da vida hodierna, impõe aos sujeitos contratuais a exigência de abandonarem a postura liberal no círculo restrito dos seus interesses imediatos na medida em que os co-responsabiliza pelo alcance comunitário dos seus comportamentos, quer se traduzam em acções quer em abstenções susceptíveis de se reflectirem em terceiros, aliás os destinatários últimos das medidas legislativas adoptadas nesta sede.

                           Assim bem se entendeu em primeira instância ao julgar válido o contrato de seguro em análise improcedendo a pretensão da Ré Allianz.

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                           2.2.2. Da responsabilidade civil. Repartição do risco.

                           Nos termos do preceituado no artº 483º nº 1 do Código Civil, — Diploma a que pertencerão os restan­tes normativos a citar sem menção de origem — "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

                           Ali se estabelece pois o princípio geral da respon­sabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios — comportamento ilícito.

                           Para que desse facto irrompa a consequente respon­sabilidade, necessário se torna, à partida, que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa.

                           A ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente conside­rada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjectivo do facto jurídico.

                           Pode todavia suceder e não raro sucede, não ser possível apurar as causas do acidente. Nesse caso surge a figura da responsabilidade pelo risco prevista nomeadamente quanto ao que nos concerne apreciar, nos artigos 503º e 506º. Os veículos são coisas potencialmente perigosas, pelo que quem aufere as vantagens da sua circulação terá igualmente que suportar os riscos que a mesma comporta a repartir proporcionalmente.

                           A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado.

                           Este dever de indemnizar compreende não só os pre­juízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão — artº 564º do Código Civil.

                           O prejuízo surge pois como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar.

                           Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes, efectiva diminuição do património do lesado, o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante, os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito, ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no pa­trimónio do lesante).

                           A reparação dos danos deve efectuar se em princí­pio mediante uma reconstituição natural, isto é repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, então haverá que subsidiariamente fixar‑se a indemnização em dinheiro. Cfr. artsº 562º e 566º. Nesta hipótese, o dano real ou concreto é expresso pecunia­riamente, reflectindo-se sobre a situação patrimonial do lesado (dano patrimonial ou abstracto)[4].

                           No caso vertente, não se tendo provado as causas que estiveram na base da colisão entre a viatura ligeira segurada na Ré e o velocípede com motor tripulado pela vítima, ora demandante, teremos que filiá-la na circulação dos veículos – artigo 503º ao estabelecer que "Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação". E concretizando o artigo 506º adianta que " 1. Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.

                           2. Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores.

                           Insurge-se a Companhia de Seguros contra a divisão do risco; este foi fixado em 1ª instância na proporção de ¾ para o veículo ligeiro e ¼ para o velocípede a mo­tor, louvando-se o Sr. Juiz no facto de pela sua po­tência o primeiro gerar um risco superior ao do velocípede. No entanto a Ré devolve a argumentação à procedência e coloca o acento tónico gerador do risco na instabilidade do velocípede com motor já que é por natureza instável e perigoso para os restantes utentes da via pública.

                           A apelante não tem razão; na verdade começaremos por dizer que o risco apura-se em concreto face ao circunstancialismo que rodeou o acidente. É um dado da experiência comum que o veículo ligeiro é em princípio gerador de um risco consideravelmente superior ao de velocípede motorizado cujo tripulante é muito mais vulnerável aos acidentes quando contracena com o primeiro; isto só não sucederá quando esteja em causa um acidente entre dois velocípedes ou entre um velocípede e um peão; e tal poderia também suceder no caso concreto, na hipótese de se ter apurado qualquer factor que alterasse a correlação de forças em presença; suponhamos a hipótese de se ter provado que a velocidade do velocípede do Autor era no momento do deflagrar do sinistro muito superior à do Opel Corsa… contudo nada disso ou semelhante sucedeu, pelo que teremos que aceitar em princípio a bondade do raciocínio da 1ª instância. No caso concreto a falar-se de maior perigosidade do velocípede só poderá ser em termos de vulnerabilidade revertendo contra o próprio tripulante.

                           Pelo exposto e afigurando-se correcta, pelas ra­zões expostas a repartição do risco, pressuposto dos restantes cálculo efectuados, que não vêm impugnados e não nos merecem qualquer objecção terá o aresto em crise que ser confirmado.

                           Poderá assim concluir-se o seguinte:

                           1) O contrato de seguro obrigatório tem um papel de acentuado cariz social, funcionando de certa forma como contrato a favor de terceiro.

                           2) Atendendo à especial configuração de tal seguro e interesse público que lhe está subjacente, com­preende-se que a lei subtraia justificadamente o mesmo a certos princípios da plena autonomia privada.

                           3) Nomeadamente nos contratos de seguro que tenham por objecto coberturas de riscos sujeitos ao regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a seguradora não pode invocar perante terceiros lesados quaisquer exclusões ou anulabilidades não previstas na Lei do Seguro Obrigatório, corporizada no dito DL nº 522/85, estando vedado opor-lhes qualquer anulabilidade prevenida em qualquer outra lei ou norma jurídica geral ou especial.

                           4) A nulidade (anulabilidade) do seguro por falta de carta de condução do segurado é perfeitamente evitável pela seguradora que tem o dever de se assegurar de que cobre a responsabilidade de um indivíduo habilitado para conduzir, solicitando-lhe a apresentação do título antes de fechar o contrato.

                           5) Tal circunstância é quanto basta para afastar a tese do erro-vício a que alude o artigo 251º do Código Civil e sustentado pela seguradora, tendo em linha de conta a sua passividade perante o relevo de um facto que deveria apurar, sendo certo que não pode aceitar os prémios do seguro e simultaneamente rejeitar a possibilidade de ter de suportar o inerente encargo.

                          

                           6) Estando em causa um interesse público não pode a Companhia de Seguros refugiar-se no "princípio da confiança" gerada pelas declarações do tomador, já que a sua inércia perante um facto que deveria ter confirmado transcende o restrito interesse inter partes, re­flectindo-se em terceiros, os reais destinatários do seguro obrigatório.

                           7) Em caso de colisão de dois veículos e não sendo possível apurar a culpa de qualquer dos respectivos condutores a indemnização terá de repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos, sendo certo que aquele deve ser apreciado em concreto perante o circunstancialismo que rodeou o sinistro e a natureza dos respectivos intervenientes.

                            *

                           3. DECISÃO.

                           Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente assim confirmando a sentença apelada.

                           Custas pela apelante.

                                    [1] Cfr. mais desenvolvimentos in Dario Martins de Almeida "Manual de Acidentes de Viação", Almedina, Coimbra, 3ª Edição, pags. 450 ss e Carlo Castronovo "La Nuova Responsabilità Civile" 2ª Edizione, Giuffrè, pags. 457 ss.

                                 [2] Cfr. Acs. do S.T.J. de 4-3-2004 (P. 3631/2003)in Col. de Jur., 2004, I, 102 e desta Relação de 05-11-2002 (R. 2184/02) in Col. de Jur., 2002, 5, 9. No mesmo sentido Cfr. José Vasques "Contrato de Seguro" Coimbra Editora, 1999, pags. 379 s.

                                 [3] Cfr. Acs. STJ 28-2-2008 e 12-9-2006 e 8-6-2006 ambos in www.stj.pt. Desta Relação de 14-3-2006 e 23-11-2004 in www.trc.pt.

                                 [4] Cfr. por todos Pessoa Jorge "Ensaio dos Pressupostos da Responsabilidade Civil" pags. 61 ss e 371 ss e Dario Martins de Almeida "Manual de Acidentes de Viação", 3ª Edição pags. 39 ss e 76.