Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3071/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO PIÇARRA
Descritores: NOMEAÇÃO DE PATRONO
PEDIDO E SEUS EFEITOS PROCESSUAIS
Data do Acordão: 12/14/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ -2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 15º, AL. C), E 25º, Nº 4, DA LEI Nº 30-E/2000, DE 20/12 .
Sumário: I – A modalidade de apoio judiciário constituída por nomeação e pagamento de honorários de patrono comporta duas vertentes : uma, a nomeação de patrono e pagamento dos seus honorários ; outra, o pagamento de honorários ao patrono escolhido pelo próprio requerente do apoio judiciário.
II – O pedido de pagamento de honorários a patrono escolhido representa sempre um pedido de nomeação de patrono, pelo que interrompe o prazo de apresentação do articulado a que diga respeito .
Decisão Texto Integral: 1

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Relatório.
I A..., com sede em Lisboa, deduziu embargos à execução para pagamento de quantia certa que B... lhe move, sustentando, em síntese, a prescrição do cheque que serve de base à mesma, a inexequibilidade desse título e a sua não responsabilidade pelo pagamento da quantia exequenda.
O exequente contestou os embargos tendo começado por suscitar a sua extemporaneidade.
No despacho saneador, foram os embargos julgados intempestivos.
Inconformada com tal decisão, agravou a embargante, pugnando pela sua revogação. A sua alegação, cujo corpo contém 73 pontos, terminou com 53 conclusões e, na sequência de convite para as sintetizar, formulou as 37 que propositadamente se transcrevem, para ilustrar o que não devem ser conclusões e espelhar também a flagrante ausência de qualquer esforço de pendor sintético por parte da sua subscritora:
(…)
O embargado ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso do recurso.
O Mm.º Juiz a quo sustentou e manteve o seu despacho.
Colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
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II - Fundamentação de facto
Além da dinâmica processual constante do antecedente relatório, são relevantes para a apreciação do recurso os seguintes elementos:
1. Os embargos deram entrada a 15 de Setembro de 2003.
2. A embargante/executada foi citada a 4 de Junho de 2003 e, em 26 de Junho de 2003, apresentou requerimento para a concessão de apoio judiciário, nas modalidades de patrocínio oficioso e dispensa total de pagamento de taxa de justiça, custas e demais encargos do processo.
3. Nesse requerimento indicou como sua escolha para a patrocinar a Dr.ªPatrícia Caldera Marques, Advogada com escritório na Rua do Crucifixo, 86 – 3º esquerdo, 1100 – Lisboa.
4. Por despacho de 12 de Agosto de 2003, a Segurança Social concedeu-lhe o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, mas negou o apoio referente ao pagamento de honorários ao patrono escolhido.
5. Por despacho de 8 de Outubro, o Mm.º Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “Declaro interrompido o prazo em curso (811/CPC), nos termos do n.º 4 do art.º 25º da Lei n.º 30-E de 20.12”.
6. Este despacho foi notificado às partes em 10 de Outubro de 2003, que não o impugnaram.
7. O despacho recorrido tem data de 2 de Abril de 2004.
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III – Fundamentação de direito
A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado, como se sabe, pelas conclusões da alegação da recorrente (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil), passa pela análise e resolução da única questão jurídica por ela colocada a este tribunal e que consiste em determinar se os embargos devem ser considerados extemporâneos, ou seja, e por outras palavras, se o respectivo prazo foi ou não interrompido pelo pedido de apoio judiciário por ela formulado.
Na decisão recorrida entendeu-se que esse pedido de apoio judiciário não interrompeu o prazo da dedução dos embargos e que o mesmo estava ultrapassado quando a respectiva petição foi apresentada, e isto porque o pedido de apoio judiciário não foi formulado na modalidade de nomeação de patrono, mas tão somente na de dispensa de pagamento de custas e de pagamento de honorários ao patrono escolhido.
Não sufragamos, no entanto, tal entendimento.
Com efeito, o art.º 15º da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, prevê três modalidades de apoio judiciário:
a) dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos;
b) diferimento do pagamento da mesma taxa e encargos; e
c) nomeação e pagamento de honorários de patrono ou, em alternativa, pagamento de honorários de patrono escolhido pelo requerente.
A modalidade prevista nesta última alínea comporta, como o seu texto bem o indica, duas vertentes distintas: uma, a nomeação de patrono e pagamento dos seus honorários; outra, alternativa daquela, o pagamento de honorários ao patrono escolhido pelo próprio requerente do apoio judiciário Cfr., neste sentido, o ac. da Relação do Porto de 21 de Fevereiro de 2003, CJ, ano XXVII, 2003, Tomo I, pág. 194, e ac. da Relação de Coimbra de 25 de Novembro de 2004, proferido no agravo 2527/04 (relator: Desembargador Bordalo Lema), acessível através de www.dgsi.pt – base de dados jurídico-documentais do ITIJ.. E esta vertente, não obstante o patrono ter sido escolhido e indicado, não deixa de constituir também modalidade de nomeação de patrono, tanto mais que a indicação feita pelo requerente pode ou não ser atendível (art.ºs 50º e 51º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro). Se o for, é nomeado o indicado, se o não for, é nomeado outro.
Por tais motivos, temos como certo que o pedido de pagamento de honorários a patrono escolhido representa sempre um pedido de nomeação de patrono, ou seja, um pedido de patrocínio judiciário, o que, aliás, já acontecia no domínio da lei anteriormente vigente ( art.ºs 32º, n.º 1 e 50º do Dec. Lei n.º 387-B/87 de 29/12). Comentando este diploma legal, ensinava Salvador da Costa Cfr. Salvador da Costa, in "Apoio Judiciário", 4ª edição, pág. 65.
que «a lei, ao expressar que, em alternativa, o apoio judiciário compreende o pagamento dos honorários do patrono escolhido pelo requerente, está, como é natural, face ao regime do acesso ao direito e aos tribunais, a reportar-se ao causídico indicado pelo requerente e nomeado para o patrocínio no quadro do apoio judiciário pelo órgão competente».
É, assim, de rejeitar a tese defendida no despacho agravado, segundo a qual a junção ao processo de comprovativo de pedido de patrocínio judiciário na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido não interrompe o prazo processual que esteja em curso. Pelo contrário, o pedido de apoio judiciário formulado pela recorrente tem de ser interpretado como um pedido de nomeação de patrono, não restando consequentemente dúvidas de que tal pedido interrompeu o prazo de dedução dos embargos (art.º 25º, n.º 4 da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro) e, por força dessa interrupção, a sua dedução em 15 de Setembro de 2003 mostra-se atempada.
Com efeito, o prazo para a dedução dos embargos era de 20 dias a contar da citação (art.º 816º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, na versão anterior à resultante do DL 38/03, de 8 de Março), acrescido de 5 dias de dilação, nos termos do art.º 252º-A, alínea b) do Cód. Proc. Civil, dado que a executada se encontra sedeada fora da comarca da Covilhã.
Tendo ela sido citada a 4 de Junho de 2003, esse prazo contínuo terminaria a 29 de Junho de 2003, mas, como esse dia foi domingo, transferiu-se automaticamente para o dia seguinte, ou seja, dia 30 de Junho de 2003 (art.ºs 144º, n.ºs 1 e 2 e 148º do Cód. Proc. Civil). Como a 26 de Junho de 2003, portanto ainda no decurso desse prazo, formulou a recorrente o pedido de apoio judiciário, o referido prazo interrompeu-se e só começou a correr, de novo, após a decisão da Segurança Social e, tendo a decisão desta ocorrido em férias judiciais, os embargos deduzidos no primeiro dia útil subsequente ao termo daquelas, ou seja, a 15 de Setembro de 2003, não podem ser considerados intempestivos.
Aliás, diga-se, também não se compreende muito bem como é que o Mm.º Juiz a quo deixou de respeitar o seu despacho inicial de atribuir eficácia interruptiva ao requerimento apresentado pela recorrente, já que o mesmo não foi impugnado. Passou, por isso, a constituir caso julgado formal e, como tal, teria de ser por ele acatado (art.º 672º do Cód. Proc. Civil). Até por esse motivo se impunha que não pudesse mais tarde dar o dito por não dito e concluir pela intempestividade dos embargos, como, sem qualquer razão, o fez no despacho agravado.
Procedem, pois, as conclusões da agravante, o que implica o sucesso do recurso e a revogação do despacho agravado, que não pode, de modo algum, subsistir.
Deste modo, assiste razão àquela em se insurgir contra a decisão da 1ª instância, que, sem quebra do devido respeito, não terá feito a melhor interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 15º, 25º, n.º 4, 50º e 51º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, 816º, n.º 1, 252º-A do Cód. Proc. Civil, o que implica a procedência do recurso e a revogação do despacho recorrido.
IV - Decisão
Nos termos expostos, decide-se conceder provimento ao agravo e consequentemente revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que não considere os embargos extemporâneos.
Custas pelo agravado.
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Coimbra, 14 de Dezembro de 2004