Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
835/13.4GCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Data do Acordão: 01/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE POMBAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 152.º DO CP
Sumário: I - No crime de violência doméstica, o bem jurídico protegido pela incriminação e, como vem referido no ac do STJ de 30/10/2003, proferido no Proc. nº 3252/03-5ª, in CJSTJ, 2003, III, pg 208 e segs, é, em geral, o da dignidade humana, e, em particular, o da saúde, que abrange o bem estar físico, psíquico e mental, podendo este bem jurídico ser lesado, por qualquer espécie de comportamento que afecte a dignidade pessoal do cônjuge e, nessa medida, seja susceptível de pôr em causa o supra referido bem estar.

II - Para a realização do crime torna-se necessário que o agente reitere o comportamento ofensivo, em determinado período de tempo, admitindo-se, porém, que um singular comportamento bastará para integrar o crime quando assuma uma intensa crueldade, insensibilidade, desprezo pela consideração do outro como pessoa, isto é, quando o comportamento singular só por si é claramente ofensivo da dignidade pessoal do cônjuge.

Decisão Texto Integral: Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal

***

              No processo supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que condenou:

              - A... pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, al. b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.

              B... pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à razão diária de € 7 (sete euros), o que perfaz a quantia de € 490 (quatrocentos e noventa euros);

             C... pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 6 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 300 (trezentos euros);

              Absolveu as arguidas B... e C... da prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º do Código Penal, de que se encontravam acusadas;

              Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido nos autos pela demandante E... e, em consequência, condenar a demandada/arguida B... a pagar a quantia de € 750 (setecentos e cinquenta euros), e a demandada/arguida C... a pagar a quantia de € 250 (duzentos e cinquenta euros), a de indemnização por danos não patrimoniais, à demandante, absolvendo do demais peticionado;

              Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido nos autos pela demandante E... e, em consequência, condenar o demandado/arguido A... a pagar a quantia de € 3000 (três mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, à demandante, absolvendo do demais peticionado;

              Julgou totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE, e condenando os demandados civis/arguidos B... , C... e A... a pagar a quantia de € 112,07 (cento e doze euros e sete cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;

            Desta sentença interpôs recurso o arguido, A... .

            São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, interposto pelo arguido:

(a) O Ministério Público acusou A... , imputando-lhe a prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º , nº 1º b) do Código Penal.

(b) O Relatório Social realizado por ordem do Tribunal é insuficiente e não permite conhecer as vivências, quer do Arguido A... , quer da Ofendida E... .

(c) O Tribunal a quo nunca ouviu o arguido, sobre os factos ocorridos, e nesse propósito não podia e nem devia, salvo o devido respeito por melhor opinião contrária, condenar o arguido numa pena de prisão efectiva, mediante um juízo de prognose desfavorável baseado, apenas e só, nas declarações da assistente E... , de sua mãe e irmão, no relatório social do arguido e no passado penal deste.

(d) O Tribunal a quo deu início à audiência sem ter tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do Arguido, uma vez que a realização da audiência contende com o exercício pleno do direito de defesa do Arguido e o princípio da procura da verdade material que se impõe ao julgador, pelo que, tendo-se realizado a audiência de julgamento do Arguido - do qual saiu condenado - na sua ausência, apesar de não estar notificado da data da audiência, sendo obrigatória a sua presença, é nula a audiência de julgamento efectuada na ausência do Arguido sem que o Tribunal tenha tomado todas as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, o que se invoca, com as legais consequências - cfr. artigo 122º, nºs 1 e 2, CPP.

(e) Efectuado o julgamento, o Tribunal a quo condenou o Arguido A... , como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1º b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.

(f) Impugna-se a decisão do Tribunal a quo na medida em que o Arguido entende que houve insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição entre os factos provados e não provados e erro na apreciação da prova produzida (artigo 410, nº2, al.s a), b) e c), CPP) - da prova produzida não resulta a existência de uma relação de namoro, uma relação amorosa pois, para poder concluir-se pela existência de uma relação de namoro, é necessário que a eventual relação de índole amorosa seja estável e constitua o desenvolvimento de um projecto comum de vida do casal, exigindo-se uma relação próxima do ambiente familiar com sentimentos de afectividade, convivência, confiança, conhecimento mútuos, actos de intimidade, partilha da vida em comum e cooperação mútua.

(g) O Arguido entende ter havido uma incorrecta formação de um juízo pois a conclusão vai muito além das premissas e a matéria de facto provada é insuficiente para uma correcta formulação da solução de direito.

(n) Não existindo qualquer relação estável que constitua o desenvolvimento de um projecto comum de vida do casal, não existindo uma relação próxima do ambiente familiar com sentimentos de afectividade, convivência, confiança, conhecimento mútuos, actos de intimidade, partilha da vida em comum e cooperação mútua, não se encontram preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime de violência doméstica.

(h) Inexistindo aquele elemento do tipo, forçoso é concluir que o arguido não praticou o crime por que veio acusado e pelo qual foi condenado.

(i) O Tribunal a quo dá como provado o facto 11 (Em data não concretamente apurada, compreendida no ano de 2008, em casa do primo do arguido, o arguido desferiu à ofendida várias chapadas e puxou-lhe os cabelos, ficando a mesma a sangrar do nariz) e por outro dá como não provado que os factos tenham ocorrido em casa do primo do arguido, existindo a afirmação e a negação de um mesmo facto, da mesma coisa, ao mesmo tempo.

(j) A análise do depoimento da Ofendida E... , que se encontram gravadas no sistema Habilus Media Studio, na audiência de julgamento de 18 Março de 2015, aos 00m33s e ss, quando questionada pela MM2 Juiz sobre a relação com o arguido A... , que respondeu "Era meu namorado", não permitem concluir pela existência de uma relação próxima do ambiente familiar com sentimentos de afectividade, convivência, confiança, conhecimento mútuos, actos de intimidade, partilha da vida em comum e cooperação mútua.

(l) Do depoimento das Testemunha F..., que se encontram gravadas no sistema Habilus Media Studio, na audiência de julgamento de 18 de Março de 2015, aos 04m31s e ss, e G... , que se encontram gravadas no sistema Habilus Media Studio, na audiência de julgamento de 18 de Março de 2015, aos 17m00s e ss, não se pode concluir pela existência de uma relação próxima do ambiente familiar, entre Arguido e Ofendida, com sentimentos de afectividade, convivência, confiança, conhecimento mútuos, actos de intimidade, partilha da vida em comum e cooperação mútua.

(m) A análise da prova produzida em julgamento e a sua conjugação com os demais elementos probatórios existentes não permitem considerar como provada a existência de uma relação estável que constitua o desenvolvimento de um projecto comum de vida do casal, de uma relação próxima do ambiente familiar com sentimentos de afectividade, convivência, confiança, conhecimento mútuos, actos de intimidade, partilha da vida em comum e cooperação mútua, devendo proceder-se, nos termos dos artigos 412º , ns 3 e 4 e 430, CPP, à sua renovação.

(n) 0 crime de violência doméstica pressupõe a existência de um agente que se encontra numa determinada relação para com o sujeito passivo daqueles comportamentos e sujeito passivo só pode ser a pessoa que se encontra, para com o agente, numa relação de proximidade, nomeadamente, na situação de cônjuge ou ex-cônjuge ou relação análoga, mas não tendo sido produzida prova que suporte a existência de uma relação estável que constitua o desenvolvimento de um projecto comum de vida do casal, de uma relação próxima do ambiente familiar com sentimentos de afectividade, convivência, confiança, conhecimento mútuos, actos de intimidade, partilha da vida em comum e cooperação mútua, não se encontram preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime de violência doméstica.

(o) Não se encontrando preenchido aquele elemento do tipo, forçoso é concluir que o arguido não praticou o crime por que veio acusado e pelo qual foi condenado.

Sem prescindir,

(p) No que concerne à medida da pena, os fundamentos aduzidos na Sentença a quo para a opção pela aplicação da pena de prisão, afastando a aplicação de pena não detentiva, não são concretizados, quando se impõem ao Tribunal a quo especiais

cuidados de fundamentação, não bastando dizer que "já não é possível suspender a pena de prisão no presente caso, pois a ameaça da prisão nas anteriores condenações sofridas pelo arguido não foram suficientes para que não praticasse os factos deste processo, continuando o arguido a agredir física e psicologicamente quem lhe é mais próximo, e a quem deve respeito, permite concluir que não interiorizou a gravidade do seu comportamento", por ser necessário formular um juízo de prognose que contraria aquele que justificou a aplicação da pena de prisão.

(q) A ausência de tal fundamentação implica a nulidade da sentença, porquanto a mesma deixa de se pronunciar sobre questões que devia apreciar (cfr. artigo 379º, nº 1, al. a), CPP).

(r) A Sentença proferida pelo Tribunal a quo viola o disposto nos artigos 50º, 70º 71º e 152º, nº 1, al. b), todos do Código Penal e os artigos 32º e 205º, Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, com os fundamentos supra expostos, deve ser revogada a douta sentença a quo, substituindo-se a mesma por outra que determine a absolvição do arguido A... pela prática, em autoria material, do crime por que veio acusado e foi condenado, pp artigo 1522, n2 1, al. b), do código penal e, decidindo de harmonia com as antecedentes conclusões, VV. Exa.s farão justiça!

           

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Respondeu o arguido pugnando pela procedência do recurso.


xxx

Colhidos os vistos legais e efectuada a audiência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do artº 410 nº 2 do CPP.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

1. O arguido A... e a ofendida E... foram namorados durante os anos de 2007 a 2013.

2. O arguido residia em casa própria, sita na Rua x... , Leiria, e a ofendida, com a sua mãe, no Largo y... , Marrazes, concelho de Leiria, passando, apenas, os fins-de-semana juntos, sem nunca coabitarem como marido e mulher.

3. Ao longo dos anos desse relacionamento amoroso, a relação do arguido com a ofendida foi sendo marcada por agressões físicas que surgiam após discussões verbais, ocorrendo, a grande maioria, no interior da residência do arguido.

4. Estas agressões físicas ocorreram, pelo menos, em cinco situações distintas.

5. Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2007, na residência do arguido, o mesmo puxou os cabelos à ofendida e bateu-lhe com a cabeça no chão.

6. No ano de 2008, no dia de S. Martinho, na residência do arguido, em virtude de a ofendida ter manifestado intenção de não voltar a trabalhar no estabelecimento do arguido, o mesmo agarrou-a pelos braços, pegou-a pelos cabelos, levando-a de rojo durante alguns metros, após o que lhe desferiu múltiplos pontapés em todo o corpo, murros e bofetadas.

7. Em acto contínuo, o arguido agarrou a cabeça da ofendida e disse-lhe “e se eu te cortasse a cabeça à machadada?”.

8. Na sequência desta conduta do arguido, a ofendida ficou com marcas negras por todo o corpo e dores, tendo ainda fracturado o nariz.

9. Atendendo ao estado em que deixou a ofendida, o arguido decidiu levá-la para Lisboa, onde permaneceram cerca de uma semana, até que as ditas marcas não fossem tão visíveis.

10. Em data próxima destes factos, junto à residência da ofendida, num estabelecimento comercial de lavagem de veículos automóveis, o arguido parou o carro onde ambos seguiam, desferiu-lhe uma cabeçada, atingindo-a na zona do nariz e olhos.

11. Em data não concretamente apurada, compreendida no ano de 2008, em casa do primo do arguido, o arguido desferiu à ofendida várias chapadas e puxou-lhe os cabelos, ficando a mesma a sangrar do nariz.

12. No dia 10 de Outubro de 2013, o arguido foi com a ofendida a um bar em (...), Pombal, chamado “ K... ”, após terem estado a jantar com um casal amigo, para festejar o aniversário recente da vítima.

13. O arguido e a ofendida entraram no bar, cerca das 00h, desse mesmo dia, e no aludido bar, encontravam-se a arguida C... e a arguida B... , sendo que a primeira abordou, de imediato, a ofendida, agarrando-a pelo braço e dizendo-lhe que viesse consigo para o exterior do estabelecimento, nesse momento, o arguido A... interveio, ao lhe dizer para largar a ofendida.

14. Durante o resto da noite, as arguidas sentadas numa mesa perto da porta de saída, continuamente lhe faziam gestos com a mão, como que a iam agredir.

15. Perante tais factos, cerca das 03h00, já do dia 11 de Outubro de 2013, a ofendida estava nervosa e começou a ficar indisposta, motivo pelo qual pediu ao arguido A... para ir para o veículo automóvel do mesmo, altura em que saiu do estabelecimento comercial.

16. No momento em que estava a chegar à aludida viatura, a ofendida sente alguém a puxar o cabelo e quando se virou, apercebeu-se que se tratava da arguida B... , sendo que momentos depois chega a arguida C... e as duas começam a desferir-lhe chapadas, murros e pontapés, pelo corpo inteiro.

17. Apenas com a intervenção do arguido A... e de outros populares que ali se encontravam é que as mesmas pararam as agressões e a ofendida entrou no veículo automóvel do seu namorado – arguido A... – ausentando-se do local.

18. Durante a viagem até à residência do arguido A... , onde a ofendida iria pernoitar essa noite, ambos começaram a discutir, em virtude de a ofendida barafustar com o mesmo por não a ter protegido das arguidas.

19. Quando chegaram ao interior da residência do arguido, o mesmo desferiu diversas bofetadas e murros em ambas as faces da ofendida, apelidando-a de “puta” e dizendo que “neste momento não tenho problemas em te matar”, ao mesmo tempo que lhe agarrava com uma das mãos os seus cabelos, sendo que, como se encontrava encostada à parede, bateu com a cabeça na mesma, várias vezes.

20. Em consequência da actuação dos arguidos acima descrita, a ofendida sofreu algumas lesões físicas que determinaram 34 dias para cura, com afectação da capacidade de trabalho geral, nomeadamente:

a) Face – área de tumefacção localizada na região parietal direita, medindo 1cm de diâmetro; escoriação aberta coberta por crosta cicatricial na região parietal direita, medindo 0,3cm de diâmetro; equimose violácea na região retro-auricular direita, medindo 1cmx0,2cm; orifício de piercing do pavilhão auricular direita, com crosta cicatricial local; equimose arroxeada na região retro-auricular esquerda, medindo 4cmx1cm; escoriação coberta por crosta cicatricial no lóbulo do pavilhão auricular esquerdo, na continuidade do piercing, medindo 0,2cm de comprimento; equimose violácea na região infra-orbitrária esquerda, medindo 3cmx1cm; na região mandibular esquerda, escoriação coberta por crosta cicatricial, medindo 0,5cm de diâmetro;

b) Tórax – duas áreas escoriadas, cobertas por crosta cicatricial, na região infra-escapular esquerda, a maior orientada obliquamente infero-lateralmente, medindo 2cmx1cm;

c) Membro inferior direito – equimose esverdeada, com halo amarelado no terço superior da face lateral da perna, medindo 3cmx2,5cm; das equimoses esverdeadas com halo amarelado no terço médio da face anterior da perna, medindo a maior, de localização supero-lateral, 4cmx3cm; equimose esverdeada com halo amarelado na região maleolar medial, medindo 4cmx3,5cm; limitação dolorosa dos últimos graus de flexão e extensão do tornozelo; edema da região maleolar medial.

21. Ora, o arguido tinha consciência de que molestava psicologicamente a sua namorada, dirigindo-lhe palavras ofensivas da sua honra e consideração, o que efectivamente sucedeu.

22. Ao agredi-la com murros, bofetadas, pontapés, ao empurrá-la contra a parede, puxá-la de arrojo, ao puxar-lhe os cabelos, ao bater com a sua cabeça no chão e ao desferir-lhe cabeçadas, o arguido agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde da mesma e de lhe produzir lesões, o que efectivamente logrou.

23. Ao proferir as expressões referidas, em tom ameaçador e intimidatório, tais como “e se eu te cortasse a cabeça à machadada” e “neste momento não tenho problemas em te matar”, o arguido agiu com intenção de colocar a ofendida numa situação de medo e inquietação, temendo pela sua própria vida, o que sucedeu.

24. Por sua vez, as arguidas, ao puxarem o cabelo à ofendida e ao desferirem-lhe bofetadas, murros e pontapés, sem que a mesma tivesse qualquer possibilidade de reacção, agiram com a intenção de molestar o corpo e a saúde da ofendida, o que ocorreu.

25. Assim, os arguidos, em todas as suas condutas, actuaram de forma livre, voluntária e com plena consciência de que tais condutas lhes estavam vedadas por lei e eram penalmente punidas e, ainda assim, não se abstiveram de agir, conformando-se com a verificação desses mesmos resultados.

26. O arguido A... depois de bater na ofendida e de a deixar prostrada no chão do quarto, a sangrar, ainda tentou ter relações sexuais à força com a mesma, e não tendo conseguido, deixou-a toda a noite no chão, sem lhe prestar auxílio.

27. Só no dia seguinte o arguido A... levou a ofendida a casa da mãe, tendo nessa altura a mãe e o irmão daquela chamado a ambulância para a socorrer.

28. As arguidas arrancaram um dos brincos da orelha da ofendida, tendo-a rasgado.

29. A demandante deu entrada no Centro Hospitalar de Leiria-Pombal, no dia seguinte ao das agressões, onde foi observada, tendo-lhe sido efectuados exames complementares imagiológicos, com diagnóstico de fractura facial.

30. Foi posteriormente transferida para o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, por forma a ser assistida e orientada pelo serviço de Cirurgia Maxilo-Facial, onde permaneceu até ao dia seguinte em observação.

31. Foi novamente transferida para o Centro Hospitalar de Leiria-Pombal, onde foi reavaliada, tendo tido alta com indicação de gelo na região peri-ocular e no tornozelo direito.

32. As lesões provocadas fizeram com que a ofendida não se conseguisse mexer, devido às dores que sentia.

33. Durante cerca de 2 meses era a mãe da demandante quem lhe fazia a higiene pessoal, e lhe dava a alimentação na boca.

34. Sendo certo que no período de cura das lesões a ofendida apenas bebia líquidos, e não conseguia ingerir alimentos sólidos.

35. A ofendida tem dificuldade em respirar por ter partido o nariz, tendo sido sujeita a cirurgia no Centro Hospitalar de Leiria-Pombal.

36. A demandante é uma pessoa de bem, respeitadora e merecedora de respeito.

37. No dia 12.10.2013 deu entrada no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE, no serviço de urgência, E... , tendo sido assistida em consequência de agressões ocorridas no dia 11.10.2013.

38. Tal assistência importa na quantia de € 112,07.

39. A arguida C... entendeu que deveria ressarcir monetariamente a ofendida de forma a minimizar alguma dor, entregando-lhe a quantia de € 500.

40. A arguida C... não tem antecedentes criminais, face ao Certificado de Registo Criminal junto aos autos.

41. A arguida C... tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade; vive com o filho, com 5 anos de idade; aufere mensalmente de vencimento líquido mensal no montante de € 630, acrescido de comissões de venda de valor variável entre € 150 a € 250, bem como a prestação de alimentos do filho no valor de € 100; tem como despesas mensais fixas o montante de € 215 de renda de casa, despesas de manutenção no valor de € 70, e a prestação do apartamento no valor de € 150.

42. A arguida C... beneficia de imagem social abonatória, pese embora esteja um pouco afastada do convívio social local, relacionando-se sobretudo com um grupo de amigos estável da cidade de Leiria. Do ponto de vista do funcionamento pessoal, há que referenciar a capacidade de auto controlo e de resolução de problemas no seu quotidiano, adequado sentido crítico e empático, bem como uma adequada interiorização das regras sociais que pontualmente parecem ter sido quebradas, manifestando capacidades e recursos para prosseguir a sua vida de forma equilibrada e conforme o dever ser jurídico e social.

43. A arguida B... tem uma anterior condenação no processo sumaríssimo nº 485/12.2PBLRA, do 3º Juízo Criminal de Leiria, pela prática de um crime de furto simples, por factos de 01.2012, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6, por sentença transitada em julgado em 09.12.2013.

44. A arguida B... não respondeu às solicitações da DGRS para elaboração de relatório social, conforme resulta de fls. 453.

45. O arguido A... já foi anteriormente condenado nos seguintes processos:

I – Comum Colectivo nº 67/98.0TCLRA, do Círculo de Leiria, pela prática de um crime de receptação, por factos de 17.01.1995, na pena de 15 meses de prisão, suspensa por 3 anos, por acórdão proferido em 23.06.98;

II – Comum Colectivo nº 109/99.1TCLRA, do Tribunal Judicial de Leiria, 1º Juízo Criminal, pela prática de um crime de receptação, por factos de 12.03.95, na pena de 14 meses de prisão, e em cúmulo com o processo 76/98, na pena única de 12 meses de prisão, suspensa por 3 anos, já extinto;

III – Abreviado nº 75/02.8PTLRA, do 2º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Leiria, pela prática de um crime de desobediência e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos de 31.08.2002, na pena única de 75 dias de multa, à taxa diária de € 10, por sentença transitada em julgado em 28.05.2003, já extinto;

IV – Comum singular nº 368/03.7GTLRA, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, pela prática de um crime de desobediência qualificada, por factos de 14.05.2004, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 3, por sentença transitada em julgado em 31.05.2004, já extinto;

V – Sumário nº 244/05.9GTLRA, do 3º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos de 02.07.2005, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5, por sentença transitada em julgado em 22.09.2005, já extinto;

VI – Comum Singular nº 3321/03.7TALRA, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, pela prática de um crime de falsidade de depoimento, por factos de 29.10.2003, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, por sentença transitada em julgado em 27.03.2006, já extinto;

VII – Comum Singular nº 452/06.5PAMGR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, por factos de 30.11.2005, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 7, por sentença transitada em julgado em 09.12.2008, já extinto;

VIII – Comum Colectivo nº 454/07.4GTLRA, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado e um crime de homicídio negligente, por factos de 13.10.2007, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, mediante a condição de frequentar programa de responsabilidade e segurança, e na pena acessória de proibição de conduzir por 14 meses, por acórdão transitado em julgado em 25.11.2009, já extinto;

IX – Comum Singular nº 10/13.8GTLRA, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, por factos de 06.11.2012, na pena de 12 meses e 15 dias de prisão, substituída por 250 horas de trabalho a favor da comunidade, por sentença transitada em julgado em 02.12.2013.

46. O arguido A... tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade; desde há vários anos que não exerce qualquer ocupação profissional, subsistindo com recurso a apoio de familiares, e a pontuais trabalhos que executa para particulares; tem duas filhas, uma com 25 anos, com quem não mantém qualquer relação, e outra com 16 anos, com quem mantém uma relação minimamente gratificante, não contribuindo para a sua subsistência; é beneficiário de rendimento social de inserção desde Junho de 2014, recebendo uma prestação mensal de € 176, com a qual refere fazer face às despesas mais prementes.

47. O arguido A... vive entre Leiria e Lousã, localidades onde parece ter referências familiares e amigos que lhe permitem esses movimentos regulares. Não lhe são conhecidos comportamentos aditivos de substâncias estupefacientes, embora seja consumidor de álcool em contextos sociais.

48. O arguido A... aparenta ter baixa responsabilidade pessoal e social, com dificuldades no controlo dos impulsos e resolução de problemas em situações de stress emocional ou contrariedade. Revela dificuldades em reconhecer e respeitar a autoridade, reflectindo no seu comportamento problemas de regulação a nível emocional, que poderão acentuar-se com o consumo de álcool. Apresenta uma fraca capacidade de censura e juízo crítico.
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Factos não provados

Resultaram não provados os seguintes factos, além dos factos conclusivos:

- Os factos tivessem ocorrido em casa do primo do arguido, chamado H..., sita em z..., Boavista.

- As arguidas, ao mesmo tempo que agrediam a ofendida E... , proferiam as seguintes expressões: “vai ao médico, vai-te curar, tu és louca dessa cabeça, tadinha da maluquinha, és tão doida que nem te sabes defender sozinha”.

- Bem como diziam ao arguido A... , à frente da ora assistente, “tem cuidado com ela, que andas a ser traído, ela vai com uns e com outros”.

- Com o referido comportamento, as arguidas ofenderam a assistente, imputando-lhe factos e dirigindo-lhe palavras que atentam contra a sua honra e consideração, em circunstâncias que não só facilitaram, como efectivaram a sua divulgação.

- A partir daquela data, aquele acontecimento passou a ser muito comentado no local e entre as pessoas conhecidas de todas as intervenientes.

- A assistente é uma mulher honrada, sentindo-se profundamente humilhada e ofendida com tais expressões.

- Com efeito, a assistente sempre foi uma pessoa respeitada no meio social, sendo-lhe reconhecida uma grande integridade moral e profunda honestidade.

- As arguidas agiram livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

- As arguidas tinham anéis grandes e usavam-nos para esmurrar a demandante.

- A ofendida ainda hoje continua a sentir dores.

- A ofendida não conseguia falar, pois não conseguia abrir a boca, não se conseguia ver ao espelho, já que estava toda negra, e não saía de casa.

- Os demandados são conhecidos por serem pessoas conflituosas, o que deixa a ofendida ainda mais apreensiva.

- A ofendida tem medo de andar na rua.

- A ofendida continua a receber sms do arguido A... a importuná-la.

- A demandante sentiu-se profundamente ofendida com as expressões que os demandados lhe proferiram, ficando, inclusive, dominada por um sentimento de enorme vergonha.

- Por outro lado, sempre foi uma pessoa conhecida e respeitada no meio, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral e profunda honestidade.

- Em virtude do comportamento dos demandados, a demandante é agora uma pessoa falada e comentada no grupo de amigos, onde toda a gente sabe e fala do sucedido.

- Tudo isto fez com que a demandante ficasse magoada e envergonhada, tendo até, na medida do possível, alterado a sua rotina diária, deixando de sair à noite, e nunca mais frequentou o bar “ K... ”.

- A demandante é uma pessoa jovem, divertida e gostava de sair e de dançar, o que deixou de fazer.

- Como consequência das lesões que sofreu, a demandante deixou de poder fazer desporto, nomeadamente, deixou de poder correr, actividade que fazia com frequência, visto ter sido atleta de competição no passado.

- Depois da cirurgia ao nariz a ofendida vai estar parada e de baixa durante, pelo menos, 3 semanas.

- E não consegue correr, tais são as dores que sente na perna.

- Actualmente, só sai de casa para frequentar o curso de Agente de Geriatria, ministrado pelo (...) em Leiria.

- Quando a arguida viu a assistente no interior do bar “ K... ” dirigiu-se à mesma e pediu-lhe para se dirigirem ao exterior do bar a fim de conversarem, para esclarecerem todos os diferendos que tinham.

- Nessa altura, o namorado da assistente – o arguido A... – em tom ameaçador, disse à ora arguida para ela não falar com a assistente, porque se o fizesse viria a ter problemas.

- Entretanto, a arguida afastou-se e sentou-se numa mesa, onde se encontrava a arguida B... , tendo-se apercebido que a assistente simulou um desmaio, situação que todos os clientes do Bar se aperceberam.

- Cerca das 03h00 a assistente saiu do interior do Bar, tendo sido acompanhada pelo namorado – arguido A... – altura em que a ora arguida também se dirigiu ao exterior, para tentar falar com a assistente, e perguntou a esta, qual era o problema dela, tendo a assistente respondido à arguida que esta teria telefonado para o namorado daquela a referir que a assistente andava “metida com uns e com outros”.

- A arguida C... referiu que não tinha tido nenhuma conversa com o namorado da assistente, e que nem sequer tinha o contacto daquele, altura em que a assistente se virou contra a arguida aos gritos, e afirmava “que quem tinha posto os cornos ao namorado tinha sido ela”, tentando de imediato agredir a arguida.

- No momento dessa discussão a assistente desferiu uma chapada na cara da arguida, pelo que em acto defensivo esta acabou por empurrá-la, e nessa altura o I... agarrou a arguida e levou-a para o interior do bar, não tendo tido esta qualquer intervenção para além da mencionada.

- A arguida C... é reconhecida por toda a gente como sendo uma pessoa de bem, tendo tido sempre bom comportamento moral e social.

- A arguida aproximou-se da assistente restabelecendo os laços de amizade que tinham existido entre ambas, tendo inclusive, saído à noite com a assistente.
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Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal formou-se com base na análise crítica da prova produzida em sede de audiência, e nomeadamente:

A arguida B... não quis prestar declarações. Resulta igualmente do teor da informação prestada a fls. 453 pela DGRS que a arguida não pretendeu estabelecer qualquer contacto com aquela entidade a fim de ser elaborado relatório social.

A arguida C... prestou declarações, apresentando a sua versão dos factos, cuja credibilidade foi afastada, atentos os demais factos que resultaram provados, pois não existe qualquer outro meio de prova que a confirme, muito pelo contrário, como se passará a explicar.

As declarações prestadas pela ofendida E... , que se revelaram credíveis, porque concisas e seguras, demonstrada pela postura adoptada em audiência de julgamento; com efeito, esta, em declarações que nos pareceram isentas, consistentes e merecedoras de credibilidade, descreveu e circunstanciou no espaço e no tempo, dentro do que a memória lhe possibilitou, todas as situações de que foi vítima por parte do arguido A... , das quais demonstrou um conhecimento directo e pessoal, por as ter presenciado e vivenciado, confirmando o que consta da acusação. Esclareceu que manteve com o arguido uma relação de namoro, durante cerca de 7 anos, pautando-se a mesma por ser violenta; tal fica igualmente demonstrado com o teor dos relatórios da Perícia de Avaliação do dano corporal juntos a fls. 14-16, 25-26, 32-33 e 44-45 dos autos.

Já em relação aos factos ocorridos na noite de 10 para 11 de Outubro de 2013, confirmou as agressões que sofreu por parte das arguidas; relativamente às expressões proferidas pelas arguidas, dentro do bar, já não se recorda de nada.

Refere ainda que nesse dia, regressou a casa com o arguido A... , que a agrediu, conforme acima descrito; pediu ao arguido A... para a levar ao hospital, tendo este se recusado, dizendo que tinha medo, para ir a pé se quisesse, tendo-a deixado em casa da mãe, na manhã seguinte, e indo embora.

A ofendida admitiu que devia dinheiro à arguida C... , mas não voltou a reatar a amizade com ela, apesar de ter recebido uma quantia monetária pela arguida C... .

Já em relação aos factos da acusação particular, a ofendida não se recorda do que lhe foi dito, e como tal resultaram não provados tais factos, concluindo-se também que não se sinta profundamente ofendida. Nenhuma outra prova foi feita.

Ora, apesar do depoimento da ofendida não ter suscitado dúvidas quanto à veracidade dos factos por ela relatados, acresce que foi ainda corroborado pelo depoimento da testemunha D... que, desse modo, contribuiu para reforçar a sua credibilidade.

Assim, não só do depoimento da ofendida E... , como também do depoimento prestado pela testemunha D... , cuja credibilidade não foi afastada, só pode o tribunal concluir pela veracidade dos factos; esta testemunha D... afirmou, sem margem para dúvidas, ter visto as arguidas a darem chapadas, pontapés e puxões de cabelo na E... , no dia e local em questão; refere que como estava com a sua filha, passou, viu as agressões, mas foi logo embora; ouviu chamar nomes, mas já não se recorda quais. Referiu ainda que o arguido A... também estava na confusão junto da E... .

Já os depoimentos das testemunhas I... e J... , ambos amigos da arguida C... , que estavam no local no dia dos factos, depuseram de forma parcial; tal conclui-se porque apenas referiram que ouviram confusão na rua, junto ao bar onde estavam, tendo ido ver o que se passava, não podendo deixar de ver as agressões, conforme foi explicado pela ofendida e testemunha D... ; aí viram as arguidas, juntamente com a E... , numa confusão – contudo, não souberam explicar, ou melhor, não quiseram explicar, em concreto, que confusão se tratava. No entanto, sempre foram confirmando que houve confusão entre as arguidas e a ofendida, resultando as agressões da demais prova produzida, nomeadamente, o depoimento da testemunha D... e da ofendida E... .

A testemunha G... , mãe da ofendida E... , depôs de forma sincera, relatando pormenorizadamente o estado em que encontrou a filha depois de o arguido A... a ter deixado em sua casa, no dia de manhã, por volta das 7 horas; estava em casa também a testemunha F... , irmão da ofendida E... , que veio buscá-la à rua, com sangue no rosto e na roupa do corpo, pois mal conseguia mexer-se, chegando mesmo a desmaiar; chamaram o INEM, que a transportou para o hospital de Leiria e depois foi transferida para os Covões, em Coimbra. Nos dias seguintes, a mãe da E... tinha de a ajudar na higiene pessoal, na alimentação (só ingeria líquidos), queixando-se com muitas dores, e deitando sangue do nariz. Teve de deixar o curso profissional que estava a frequentar sem concluir.

A testemunha L... , militar da GNR, nada sabe dos factos, pois apenas foi o autor da diligência de fls. 76 – verificou o telemóvel e confirmou o seu teor.

O arguido A... não esteve presente em audiência de julgamento.

Quanto aos factos relativos ao conhecimento e vontade com que os arguidos actuaram (elemento subjectivo), extraem-se os mesmos dos factos objectivos que resultaram provados, atentas as circunstâncias concretas dos casos.

Quanto aos factos não provados, pela ausência de prova em relação aos mesmos, ou prova do contrário, conforme foi sendo explicado e pelos motivos acima expostos.

A convicção do Tribunal formou-se ainda com base nos certificados de registo criminais e relatórios sociais junto aos autos, bem como prova pericial de fls. 14-16, 25-26, 32-33, 44-45 e documental de fls. 5-7 e 34-39, fls. 115-118, 217-219.
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  Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).

Questões a decidir:

- Se o arguido se encontrava devidamente notificado para a audiência de discussão e julgamento;
- Vícios do artº 410º, nº 2 do CPP;

- Fundamentação da medida da pena;

Sustenta o recorrente que o tribunal deu início à audiência sem ter tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido na audiência para a qual não estava devidamente notificado.

No dia 28-01-2014 (fls. 166), o arguido, foi constituído arguido e prestou Termo de Identidade e Residência indicando como seu domicílio para efeito de notificações, nos termos do disposto no art. 196º nº 2 do CPP “Rua da Fonte Nova, nº 145, Azabucho-Pousos”. Nesse mesmo acto, foi-­lhe dado conhecimento de que as posteriores notificações ser-lhe-iam feitas por via postal simples para a morada que indicou ou para outra que entretanto viesse a indicar, através de requerimento, entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do tribunal onde o processo correr termos nesse momento.

Apresentado os autos ao Ministério Público, este deduziu acusação em processo comum singular, e da acusação consta esta mesma morada.

Posteriormente, foi designado dia para audição do arguido nos termos do disposto no artº 194º, nº 4 do CPP. Contudo, nunca foi possível notifica-lo para a morada designada no TIR, por o mesmo já não se encontrar a residir na “morada indicada”.

Após várias diligências o arguido foi novamente notificado para prestar novo TIR nos autos.

No dia 7-10-2014 (fls. 325), o arguido, prestou novo Termo de Identidade e Residência indicando como seu domicílio para efeito de notificações, nos termos do disposto no art° 196º nº 2 do CPP “Rua da x... , Leiria”. Mais uma vez, foi-­lhe dado conhecimento de que as posteriores notificações ser-lhe-iam feitas por via postal simples para a morada que indicou ou para outra que entretanto viesse a indicar, através de requerimento, entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do tribunal onde o processo correr termos nesse momento.

Dispõe o art 196:

1 – “A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido....”

2 – “Para efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da al c) do nº 1 do art 113, o arguido indica a residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha”.

3 – Do termos deve constar que àquele foi dado conhecimento:

c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no nº 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento”.

Ora, compulsados os autos verifica-se que as notificações foram  remetidas para o local indicado no TIR, uma vez que o arguido não comunicou através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada á secretaria onde os autos se encontram a correr, qualquer mudança de residência.

O arguido e como se vê de fls. 394  a 395 vº foi devidamente notificado, por via postal simples com prova de depósito, na morada que indicou quando prestou o novo TIR das datas designadas para julgamento.

O arguido quando prestou TIR foi informado de todas as obrigações que tinha perante a medida de coacção imposta.

No que respeita á alteração da 2ª data designada para audiência de julgamento apesar de todas as diligências efectuadas não foi possível notificar o arguido para a morada indicada no T.I.R., ou seja, Rua x... , Leiria. 

O arguido não teve em atenção as obrigações que lhe eram impostas. Não deu conhecimento de outra morada e ausentou-se sem nada dizer.

De acordo com o art 332, nº 1 do CPP “é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos arts 333º, nº 1 e 2 e 334 nº 1 e 2 “.

Atendendo ao disposto no art 333 do CPP e da leitura da acta de julgamento temos de concluir que a presença do arguido não foi considerada indispensável.

Ora, o arguido ao prestar “TIR” tomou conhecimento de que “o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art 333 do CPP”.

Assim e uma vez que o Tribunal teve em atenção todas as normas legais, temos de considerar que o arguido se encontrava devidamente notificado para a morada indicada no “TIR”.

Após a prestação do “TIR” todas as notificações deverão ser efectuadas para a residência indicada, tal só não será assim se o arguido, posteriormente, comunicar outra residência, mas essa comunicação, terá que ser efectuada através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada á secretaria onde os autos se encontrem a correr.

O arguido é que não cumpriu com as suas obrigações. O arguido sabia que existia um processo a correr contra si, sabia quais eram as suas obrigações e deveres. Contudo, ausentou-se sem dar qualquer informação ao Tribunal pretendendo agora imputar a sua inércia ao tribunal e, pretendo a nulidade de todos os actos processuais por, não ter comparecido à audiência de julgamento. O arguido tinha conhecimento do processo. Sabia das datas designadas para julgamento. Devia ter-se interessado pelo mesmo e tentar saber os trâmites do mesmo. Não é depois do resultado final imputar “culpas” onde não as há para justificar a sua inércia.

 Do exposto temos de concluir que o arguido se encontrava devidamente notificado para a audiência de discussão e julgamento.

Sustenta, também o recorrente que o Relatório Social realizado por ordem do tribunal é insuficiente e não permite conhecer as vivências quer do arguido A... , quer da ofendida E... . Tal como bem refere o recorrente trata-se apenas de um Relatório que é mais um elemento que o tribunal apreciará livremente, juntamente com a restante prova.

O recorrente não impugna a matéria fáctica apurada pelo menos de acordo ou segundo os trâmites consubstanciados no art 412 nº 3 e 4 do Código Processo Penal. Assim sendo e em princípio, temos que dar tal factualidade como definitiva ( art 431 nº 1 al. b) do Código Processo Penal, “a contrario”).

O art 410 nº 2 do Código Processo Penal estatui que “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada,
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão,
c) Erro notório na apreciação da prova”.
Portanto é dentro destes limites que é impugnável a decisão.

No recurso interposto o recorrente imputa à decisão recorrida os vícios referidos no nº 2 al a), b) e c) do art 410 do CPP.

O recorrente invoca o vício constante do art 410 n.º 2 al. a) do Código Processo Penal, esquecendo-se que de acordo com aquele normativo qualquer dos vícios consignados naquele nº 2 para relevar, têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, está vedada a possibilidade de consulta de outros elementos constantes do processo.

O recorrente frisa que existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no entanto, o que o recorrente faz é manifestar-se contra o modo como o tribunal fixou a matéria de facto.

Ora, vejamos:

Atento o que dispõe o art 339 nº 4 do CPP a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.

Ora, só há insuficiência para a decisão da matéria de facto quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito (proc. 48531 de 8/2/96); ou quando há uma lacuna por não se apurar o que é evidente que se podia apurar, ou quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo (proc. 147/96 de 23/10/96).

Esta insuficiência não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, a qual resulta da convicção do julgador e das regras de experiência.

No caso vertente, o tribunal apreciou os factos constantes da acusação, da contestação que enumerou nos termos exigidos pelo art 374 nº 2 do CPP e os factos provados permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento.

A decisão recorrida é coerente, lógica, está bem estruturada e devidamente fundamentada.

Portanto, um tal vício só pode ter-se como evidente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida.

Analisando os factos apurados temos de concluir que tudo o que era essencial foi devidamente apurado e são suficientes para se decidir.

Aliás, o recorrente, nem na motivação, nem nas conclusões refere quais os factos ou os elementos de onde, no texto da decisão recorrida, este vício resulta, nomeadamente, não diz o que falta, ou que devia ser investigado para se decidir. Apenas refere que existe insuficiência.

No caso vertente não se verifica a existência deste vício.

O recorrente quer na motivação, quer nas suas conclusões, apenas refere que o Sr juiz valorou a prova de forma que não traduz o que se passou na Audiência de Discussão e Julgamento e sem ter feito um juízo crítico da prova testemunhal produzida na Audiência. No entanto, o arguido para além de criticar a forma como o Tribunal formou a sua convicção, não refere em momento algum o que falta, ou que devia ser investigado para se decidir.

Na verdade, o que o recorrente apenas pretende é que o Tribunal altere os factos apurados atenta as suas motivações.

O recorrente perante os “seus” motivos faz o seu julgamento e aprecia a prova segundo os seus próprios critérios. Tal não é possível. É o Tribunal que julga e a convicção do Tribunal não pode pura e simplesmente ser abalada por meros motivos e convicções.

Ora, o recorrente não indica quaisquer provas que imponha decisão diversa. O que o recorrente refere é que a douta sentença fez errada apreciação da prova testemunhal.

O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.

Como diz o Prof. Figueiredo Dias a convicção do juiz “é uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros” (Direito Processual Penal, 1º Vol, pg 203).

Assim, sendo e se atentarmos aos factos, apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados.

O recorrente pretende pôr em causa a valoração da prova pelo juiz do julgamento.

O recorrente agarrando em partes dos depoimentos prestados pelas testemunhas F... , G... e declarações da ofendida E... pretende pôr em causa o relacionamento tido entre a ofendida e o arguido. Ora, é das declarações prestadas pela ofendida e depoimento prestado pelas testemunhas que se retira que entre o arguido e a ofendida houve uma relação de namoro que durou cerca de sete anos, que foi pautada por ser violenta e para tal é demonstrativo o teor dos relatórios da perícia de Avaliação do dano corporal junto aos autos a fls 14-16, 25-26, , 32-33, e 44-45. 

No caso vertente, o tribunal adquiriu a sua convicção, quanto á forma como os factos ocorreram, com base no depoimentos dos arguidos e testemunhas ouvidas, bem como, dos documentos junto aos autos. A convicção do tribunal está devidamente fundamentada, desenvolvendo-se a análise e exame crítico da prova.

O Sr juiz na fundamentação da matéria de facto justificou de forma precisa e concreta as razões por que deu credibilidade a determinados depoimentos e desprezou outros.

Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face as regras da experiência comum – Ac. da Relação de Coimbra de 6/3/2002 in CJ, Ano XXVII, Tomo II, pg 44

Ora, salvo o devido respeito pela opinião do recorrente, os juízos formulados na apreciação da prova, constantes da fundamentação da matéria de facto, não vão contra as regras da experiência comum, nem revelam uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis.

Ora, atento os factos apurados e compulsada a fundamentação do Tribunal não se vislumbra qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Mais uma vez se refere que o que recorrente faz é a sua interpretação dos factos o que não corresponde ao que o acórdão recorrido deu como provado.

Aliás o Tribunal foi minucioso e cuidadoso no apuramento da matéria de facto, fez um exame crítico das provas e indicou as provas em que se fundou para formar a sua convicção, indicando a razão de ciência de cada uma das pessoas cujos depoimentos tomou em consideração.

Sustenta, ainda, o recorrente que existe contradição entre os factos dados como provados no ponto 11 (Em data não concretamente apurada, compreendida no ano de 2008, em casa do primo do arguido, o arguido desferiu à ofendida várias chapadas e puxou-lhe os cabelos, ficando a mesma a sangrar do nariz) e os factos dados como não provados (Os factos tivessem ocorrido em casa do primo do arguido, chamado H..., sita em z..., Boavista).

Só há contradição insanável da fundamentação quando:

- se afirma e se nega ao mesmo tempo uma coisa ou uma emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas.

            - sobre o mesmo facto ou sobre a mesma questão, constam, do texto da decisão posições antagónicas e inconciliáveis (Proc. 306/96 de 22/5/96);

            - haja oposição entre factos que mutuamente se excluem por impossibilidade lógica ou de outra ordem versarem a mesma realidade (proc. 48731 de 25/9/96);

            - tanto pode respeitar à fundamentação da matéria de facto como à contradição na própria matéria de facto (Proc. 440/96 de 3/10/96).

Este tribunal não vislumbra qualquer contradição entre os factos aqui em questão.

No ponto 11 o Tribunal é muito concreto ao referir Em data não concretamente apurada mas compreendida no ano de 2008, em casa do primo do arguido, o arguido desferiu à ofendida várias chapadas e puxou-lhe os cabelos, ficando a mesma a sangrar do nariz. Nos factos não provados e porque respeita a factos distintos foi dado como não provados que “Os factos tivessem ocorrido em casa do primo do arguido, chamado H..., sita em z..., Boavista”. Daí a identificação do primo e da casa.

Portanto, não se verifica qualquer contradição e muito menos insanável e só neste caso é que estaríamos perante um vício da sentença (art 410 nº 2 al b) do Código Processo Penal).

Sustenta, ainda, o recorrente A... , que o Tribunal “a quo” incorreu em erro notório na apreciação da prova.

O recorrente incorre no erro usual de tratar os vícios do art. 410 nº 2 do CPP, como verdadeiros vícios do julgamento, o que não está certo. Os vício do art. 410 nº 2 do CPP, não podem ser tratados como vícios do julgamento, mas sim como vícios da decisão.

“Errada apreciação das provas não é o mesmo que erro notório na apreciação da prova, sendo que este vício só releva se identificável no texto da decisão recorrida, art. 410 nº 2 do CPP. A errada apreciação da prova é algo de muito diverso, configura erro no julgamento, o que não é detectável no texto da decisão recorrida e só pode ser averiguado se ocorrer, impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412 nº 3 e respectivas alíneas. (ac da RP cit).

Lida a decisão recorrida conclui-se que nenhum dos vícios elencados no art. 410 nº 2, nomeadamente, o do erro na apreciação da prova, contradição insanável da fundamentação e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada está patente na decisão recorrida.

Na verdade, só se pode falar de erro notório na apreciação da prova quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum” (Ac do STJ de 15/4/1998 no BMJ nº 472, pag 407) ou, ainda, “Só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária á que chegou o tribunal” (Ac STJ de 15/4/1998 no BMJ nº 476 pg 82).

Portanto, erro notório na apreciação da prova “é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta” (Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal, Vol III, pg 341).

Assim sendo, lendo os factos provados e a fundamentação temos de concluir que não houve erro na apreciação da prova, tal como já referimos. Não se pode confundir como faz o recorrente, “erro notório” “com uma diferente convicção probatória relativamente aos elementos analisados em audiência. Como se refere no Recurso nº 854/2000 desta Relação “o vício de erro notório na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente”.

Sustenta o recorrente que não se encontra preenchido os elementos constitutivos do crime imputado ao arguido.

Dispõe o artº 152 nº 1 al. a):

            “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

            A necessidade de criminalização das condutas previstas neste preceito adveio da progressiva consciencialização acerca da gravidade de um fenómeno social de proporções tanto mais alarmantes quanto encapotadas e altamente lesivo, com repercussões quer a nível da formação individual, quer a nível da integridade do próprio tecido social. Fenómeno esse do qual são vítimas pessoas particularmente vulneráveis e indefesas em razão dos vínculos, nomeadamente de natureza familiar ou análoga, que as ligam às pessoas dos seus agressores e em resultado dos quais se estabelecem entre estes e aquelas relações de subordinação ou de domínio de facto, que as colocam em situação de dependência económica e/ou emocional. Pretendeu-se, pois, contrariar um sentimento de impunidade - encorajado pelo facto de tais condutas serem habitualmente praticadas em círculos privados ou muito restritos, longe dos olhares alheios, nem sempre denunciadas e ainda mais raramente reclamada a sua punição até às últimas consequências, seja por medo de represálias, vergonha de expor publicamente a situação ou falta de capacidade para o fazer (circunstâncias, aliás, propiciadoras da sua proliferação) -, bem como travar a espiral de violência em que se traduzem e os demais efeitos nocivos que desencadeiam, reprimindo a sua prática.

O bem jurídico protegido pela incriminação e, como vem referido no ac do STJ de 30/10/2003, proferido no Proc. nº 3252/03-5ª, in CJSTJ, 2003, III, pg 208 e segs, é, em geral, o da dignidade humana, e, em particular, o da saúde, que abrange o bem estar físico, psíquico e mental, podendo este bem jurídico ser lesado, por qualquer espécie de comportamento que afecte a dignidade pessoal do cônjuge e, nessa medida, seja susceptível de pôr em causa o supra referido bem estar.

Na expressiva síntese de Taipa de Carvalho (“Comentário….”, Loc. Cit. 332), “o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental”, estando “na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana” a ratio do artigo 152.º do Código Penal. Em sentido idêntico se tem pronunciado a jurisprudência, como é sublinhado no acórdão do STJ, de 02.07.2008, disponível em www.dgsi.pt (relator: Cons. Raul Borges), citando-se aí o acórdão daquele Supremo Tribunal de 30.10.2003 (CJ/Acs. STJ, 2003, T. 3) em que se manifesta o entendimento de que “o bem jurídico protegido pela incriminação é, em geral, o da dignidade humana, e, em particular, o da saúde, que abrange o bem estar físico, psíquico e mental, podendo este bem jurídico ser lesado, no âmbito que agora importa considerar, por qualquer espécie de comportamento que afecte a dignidade pessoal do cônjuge e, nessa medida, seja susceptível de pôr em causa o supra referido bem estar».

É a exigência de especial gravidade da conduta maltratante que se acentua no acórdão da Relação de Lisboa, de 07.12.2010 (disponível em www.dgsi.pt), de que se transcreve o respectivo sumário:

“I - O tipo de crime de «violência doméstica» do art. 152º do C. Penal antes da reforma operada pela Lei nº 59/2007 designado como crime de «maus tratos» visa punir criminalmente os casos mais chocantes de maus tratos em cônjuges ou em pessoa em situação análoga. Pune-se um tratamento cruel, excessivo, sem respeito pela dignidade do companheiro, tudo com aproveitamento de uma autoridade do agente que lhe advém do uso e abuso da sua força física.

II - Com ele se visa proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher, como ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças. Está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, tudo provocado pelo agente, que torna num inferno a vida daquele concreto ser humano”.
Na busca do exacto sentido da norma incriminadora em causa, no acórdão desta Relação, de 19.09.2012 (
www.dgsi.pt) é posto em relevo o elemento histórico:

“I - Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, que esteve na origem da Lei n.º 59/2007, de 4/9, escreve-se: «na descrição típica da violência doméstica e dos maus tratos, recorre-se, em alternativa, às ideias de reiteração e intensidade, para esclarecer que não é imprescindível uma continuação criminosa».

II - Para a realização do crime torna-se necessário que o agente reitere o comportamento ofensivo, em determinado período de tempo, admitindo-se, porém, que um singular comportamento bastará para integrar o crime quando assuma uma intensa crueldade, insensibilidade, desprezo pela consideração do outro como pessoa, isto é, quando o comportamento singular só por si é claramente ofensivo da dignidade pessoal do cônjuge”.

Na mesma linha de exigência de que o acto ofensivo singular se revista de uma certa gravidade, situa-se o acórdão do STJ, de 06.04.2006 (C J/Acs. STJ, 2006, T. 2, 166), no qual se salienta não bastarem “as meras ofensas à integridade física” e que é indispensável “que um singular comportamento possa ter uma carga suficiente demonstradora da humilhação, provocação, ameaças, mesmo que não abrangidas pelo crime de ameaças, do acto de molestar o cônjuge ou equiparado”.

Ora, dos factos apurados resulta que, efectivamente, entre o arguido e a ofendida existia uma relação de namoro pautada por alguma violência. O arguido tenta de alguma forma fazer crer que apenas se relacionou sexualmente com a ofendida mas, o facto é que da prova produzida nos autos resulta que entre o arguido e a ofendida houve uma relação que durou alguns anos e durante esse tempo o arguido exerceu grave violência sobre a arguida. Portanto, o que se verifica é que  o arguido, desrespeitou os seus deveres para com a ofendida, ofendendo o corpo e a saúde da mesma de tal forma, pondo em causa a dignidade pessoal da ofendida.

O arguido com o seu comportamento, ofendendo o corpo e a saúde da ofendida, da forma que o fez atingiu, o núcleo essencial do bem jurídico protegido pela incriminação.

Sustenta o recorrente que o acórdão recorrido violou o disposto no artº 374, nº 2 do CPP, o que leva à nulidade da sentença, nos termos do art 379 nº 1 al. a) do CPP”.

 Da análise do disposto no art 374 do CPP vemos que a sentença compõe-se de três partes: relatório, fundamentação e dispositivo.

O relatório é elaborado de acordo com o nº 1, a fundamentação de acordo com o nº 2 e o dispositivo de acordo com o nº 3.

Na fundamentação é agora obrigatória a indicação das provas que serviram a convicção do tribunal e do exame crítico destas.

Dispõe o art 374 nº 2 do CPP que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Em relação á anterior redacção deste preceito legal, a Lei 59/98 de 25/8 que procedeu á revisão do Cod. Penal aditou a exigência do “exame crítico das provas”. Ou seja, para além de se indicar as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tem que proceder ao exame crítico das provas, isto é ao processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas.

“A fundamentação, como resulta expressis verbis do nº 2, não se satisfaz com a enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença. É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto”. (Maia Gonçalves, em anotação ao art 374 do CPP).

O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.

A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.

Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).

Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.

Ora, se analisarmos o acórdão recorrido vemos que este está bem elaborado e do mesmo constam de forma clara e explicita os factos provados e não provados e, encontra-se, ainda, fundamentado.

Na verdade, todos os factos referidos na acusação foram tidos em consideração. Logo, o tribunal não omitiu qualquer facto relevante para a decisão da causa. E é óbvio, que a lei não obriga o tribunal a referir os factos trazidos a julgamento pela acusação ou pela defesa, que não sejam essenciais para a descoberta da verdade mas, apenas circunstanciais.

            Da motivação temos de concluir que o Sr. Juiz fez uma análise crítica dos depoimentos prestados pelas testemunhas, que de acordo com os restantes elementos de prova impõe a decisão proferida quanto à matéria de facto.

            No que respeita á escolha e medida da pena o tribunal considerou todos os factos relevantes para a decisão da condenação. Ponderou todas as circunstâncias que agravam e atenuam a responsabilidade do arguido bem como, as exigências de prevenção geral e especial e a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.

Insurge-se o recorrente pelo facto de o Tribunal não ter suspendido a pena de prisão aplicada ao arguido.

 “Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, uma esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.

Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser ponderadas todas as circunstâncias que possibilitem uma conclusão sobre a futura conduta do arguido, atendendo somente às razões de prevenção especial” (Código Penal Anotado, Leal Henriques/Simas Santos).

Ora, atendendo aos factos apurados, com que situação é que deparamos?

Que o arguido já foi julgado e condenado diversas vezes embora por factos de diferente natureza mas já em penas de prisão suspensas ou substituídas.

Portanto, apesar das diversas advertências que ao arguido foram feitas este insiste em delinquir mostrando uma personalidade distorcida e que não acata as regras do bem viver em sociedade com respeito pelos outros.

Perante todo o passado do arguido e os diversos alertas que lhe têm sido feitos como pode confiar-se que o arguido há-de assumir “uma vida futura ordenada e conforme à lei”, sob o aval da ameaça da pena, perante os factos apurados e a actuação do arguido?

É que e como parece pretender o recorrente, o instituto da suspensão da execução da pena de prisão não é de aplicação imediata. É necessário que se verifiquem preenchidos todos os pressupostos e, no caso vertente, não se verificam os pressupostos para que o arguido beneficie do instituto da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada, sendo certo que inexistem quaisquer elementos que convençam no sentido de que aquele “não vai voltar a delinquir”.

Assim, atendendo à personalidade do arguido, à sua conduta habitual, não pode a suspensão da pena ser concedida uma vez que, em concreto nada nos permite concluir por um prognóstico de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer os fins de prevenção geral e especial e a necessidade de punição.

Nada nos autos nos permite concluir por essa prognose social favorável, ou seja, permite uma esperança fundamentada quanto ao futuro bom comportamento do arguido. Portanto, permite concluir que o arguido ainda será merecedor de confiança, que há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, pautando-se por uma vida ordenada e conforme à lei.

           

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.

Coimbra, 20 de Janeiro de 2016

Alice Santos (relatora)

Abílio Ramalho (adjunto)