Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA PRESSUPOSTOS ASSUNÇÃO DE DÍVIDA CHEQUES SÓCIOS SOCIEDADE UNIPESSOAL COMERCIANTE | ||
Data do Acordão: | 10/25/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE COMÉRCIO DE AVEIRO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 23º, Nº 1 E 25º DO CIRE; 595º, Nº1, B) DO C.CIV. 1691º, Nº 1, D) DO C.CIV.; 13º E 15º DO C. COMERCIAL | ||
Sumário: | 1. Como primeiro pressuposto da declaração de insolvência, o credor – quando requerente – terá que alegar e provar o seu crédito e, nesta medida, a qualidade de devedora da insolvente (pressuposto subjectivo). 2. Configura assunção cumulativa de dívida (art.595º, nº 1, b) do C.Civ.) o facto de o único sócio e gerente de uma sociedade por quotas unipessoal (SQU) passar cheques pessoais para pagamento de dívidas da sociedade. 3. Da conjunção dos arts.1691º, nº 1, d) do C.Civ. e 15º C. Comercial extrai-se que o credor do comerciante apenas terá que alegar e provar que o cônjuge que contraiu as dívidas é comerciante e faz do comércio profissão, operando depois a dupla presunção. 4. De acordo com o enunciado do art.13º do Código Comercial, a qualidade de sócio gerente de uma sociedade por quotas, ainda que unipessoal, não lhe confere, por si só, a qualidade de comerciante. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO 1.1. As requerentes – V…, LDA e C…, LDA – requereram ( 6/4/2011 ) na Comarca de Baixo Vouga ( Juízo de Comércio de Aveiro ), em processo especial, a declaração de insolvência da requerida – S... Alegaram, em resumo: Cada uma das requerentes vendeu à sociedade A… Unipessoal, Lda, de que é sócio gerente L…, marido da requerida, diverso material, para cujo pagamento o L… emitiu cheques, que foram devolvidos por falta de provisão. Estas dívidas são comunicáveis à requerida, pelas quais é responsável, nos termos do art.1691 nº1 d) CC e art.15 C Comercial, que ascendem a € 31.428,51 ( 1ª requerente ) e € 8.967,83 ( 2ª requerente ). Para além dos créditos das requerentes, existem vários processos contra a requerida, que não tem liquidez para pagar as dívidas contraídas. Tanto a sociedade unipessoal A…, Lda, como o marido da requerida já foram declarados insolventes, situação que denota a situação falimentar do agregado familiar. Com fundamento nos arts. 3º, 20º, 23º e 25º do CIRE, pediram a declaração de insolvência da requerida.
1.2. - Por despacho de 12/4/2011 ( cf.fls.44 ) indeferiu-se liminarmente o requerimento inicial. Aduziu-se a seguinte fundamentação: “ Nos termos do art. 27º, nº 1, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e com fundamento em excepção dilatória insuprível da ilegitimidade das requerentes, vai liminarmente indeferido o pedido de insolvência deduzido contra a aqui requerida na medida em que, dos factos alegados em sede de justificação dos créditos a que se arrogam, resulta que os mesmos são devidos, não pela requerida, mas sim pela sociedade A… Unipessoal, Ldª, sendo que para que a requerida por elas pudesse ser responsabilizada teriam as requerentes que, em primeiro lugar, invocar e demonstrar os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica prevista pelo art. 84º do Código das Sociedades Comerciais (da qual resultaria a imputação das obrigações da sociedade devedora ao sócio único) e, só então, os da comunicabilidade da dívida nos termos do art. 1691º do Código Civil. Do que resulta que pelas requerentes não vêm alegados factos que suportem a qualidade a que se arrogam de credoras da requerida. Custas a cargo das requerentes. “
1.2. - Inconformadas, as requerentes recorreram de apelação ( fls.48 e segs.), com as seguintes conclusões: … A Requerida foi citada ( fls.62 e 64 ) para os termos da acção e do recurso, mas não contra-alegou.
II – FUNDAMENTAÇÃO Objectam as Apelantes dizendo que o L… ao emitir cheques pessoais para pagamento das dívidas da sociedade às requentes assumiu as dívidas (assunção de dívida) e porque o fez no exercício do comércio, são comunicáveis à requerida, que passa, assim, a ser devedora, sendo, por isso, parte legítima. A questão colocada no recurso, delimitado pelas conclusões, consiste em saber se L… assumiu as dívidas e se, neste caso, são comunicáveis à requerida.
2.2. - Compete ao requerente da insolvência a alegação e prova dos factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência, por meio de petição escrita ( art. 23. nº 1 do CIRE e art. 342 nº1 do CC ), e quando o requerente é um credor - qualquer credor, tal como no direito espanhol ( art.3º nº1 e 3 da Ley Concursal), diversamente do direito alemão, cuja legitimidade é conferida ao credor com interesse ( § 14, I, da Insolvenzgesetz ), para além da alegação de um ou mais dos factos que servem de base à presunção legal, tem ainda de justificar a origem, natureza e montante do crédito ( art.25 do CIRE ). Ou seja, como primeiro pressuposto da declaração de insolvência, o credor – quando requerente – terá que alegar e provar o seu crédito, e nesta medida a qualidade de devedora da insolvente ( pressuposto subjectivo ), o que se compreende tendo em conta a finalidade do processo de insolvência ( art.1º do CIRE ), pois, como se justificou no preâmbulo do DL nº 53/2004 de 18/3 ( que aprovou o Código ) – “o objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores (…).” Alegando-se que L… subscreveu e entregou os cheques para liquidar dívidas da sociedade ( de que era sócio gerente ) para com as requerentes, e tratando-se de uma sociedade unipessoal, de que ele é o único sócio e gerente, é legítimo concluir-se estarmos perante uma assunção cumulativa de dívida ( art.595 nº1 b) do CC ) ( cf. por ex., Ac do STJ de 6/5/2004, de 23/9/2008, de 13/10/2009, disponível em www dgsi.pt ). Como é sabido, a transmissão singular de dívidas pode ocorrer através de duas modalidades: (a) por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor ( sendo necessária a intervenção dos três sujeitos ) ou (b) por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor. Assente a assunção cumulativa de dívida entre as requerentes (credoras) e L… ( assuntor ), e sabido que ele opera uma modificação subjectiva, mantém-se a identidade objectiva da obrigação originária ( contratos de compra e venda ). Com a alteração dada pelo DL nº496/77 de 25/11, a lei estabelece agora uma presunção legal de proveito comum ( presunção ilidível ) em favor do credor e como tal não tem de fazer a prova . Por sua vez, o art.15 do Código Comercial preceitua que “ as dívidas comerciais do cônjuge comerciante, presumem-se contraídas no exercício do seu comércio”, entendendo-se maioritariamente que só as dívidas substancialmente comerciais está abrangidas na presunção. Da articulação destas normas extrai-se que o credor do comerciante terá apenas que alegar e provar que o cônjuge que contraiu as dívidas é comerciante e faz do comércio profissão, operando depois a dupla presunção. Provando-se que o cônjuge comerciante assumiu a obrigação no exercício do comércio, ou presumindo-se ( art.15 C. Comercial), terá o cônjuge do devedor, para afastar a comunicabilidade da dívida, o ónus de demonstrar que esta, embora comercial, não derivou do exercício do comércio do devedor, ilidindo a presunção do art.15 C. Comercial, ou que apesar de ter surgido no exercício do comércio não foi contraída em proveito comum do casal (cf. CRISTINA DIAS, Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, pág.433 e 434). III – DECISÃO Pelo exposto, decidem:1) Julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.2) Condenar as Apelantes nas custas.Jorge Arcanjo (Relator) Isaías Pádua Teles Pereira |