Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
180/01.8GBPBL.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
DISPONIBILIDADE DA GRAVAÇÃO MAGNETOFÓNICA
Data do Acordão: 12/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEITADO
Legislação Nacional: ARTIGOS 411.º, N.º 4 E 101.º, N.º 3, AMBOS DO C.P.P
Sumário: I. – O prazo para a interposição de recurso da decisão da matéria de facto – artigo 411.º, n.º 4 do C.P.P. – incoa com o depósito da sentença na secretaria.
II. – Para preparação e elaboração do recurso o recorrente deve requerer a entrega do material magnetofónico em momento posterior ao depósito da sentença a fim de os respectivos suportes lhe serem disponibilizados, no prazo de 48 (quarenta e oito horas).
Decisão Texto Integral: Decisão sumária – (artigo 417.º, n.º 6, do CPP)

1. No Círculo Judicial de Leiria, após julgamento em processo comum colectivo, por acórdão de 5 de Junho de 2008, foi o arguido …, com os sinais dos autos, absolvido da prática do crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c), d), g), h) e i) do Código Penal, de que se encontrava acusado, e do pedido de indemnização civil contra ele deduzido pelo Centro Hospitalar de Coimbra.

2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o assistente …, nos termos e como os fundamentos que constam da motivação de fls. 3199 a 3211.

3. Neste Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, em douto parecer, manifestou-se no sentido de o recurso dever ser rejeitado em razão da sua extemporaneidade.

Em resposta, o assistente sustentou a tempestividade do recurso, recorrendo à posição assumida no Acórdão da Relação do Porto n.º 0642044, de 15-06-2006[i], de acordo com a qual, «o prazo para interposição de recurso em que se impugna a decisão proferida sobre matéria de facto conta-se a partir da disponibilização das cassetes áudio, desde que tempestivamente requeridas».

4. Em consonância com a posição expressa no despacho decorrente do exame preliminar do processo, afigura-se-me que o recurso do assistente deve ser rejeitado por ter sido interposto fora do prazo peremptório fixado na lei processual penal.

É o que passamos a demonstrar.

Os elementos relevantes a considerar são os seguintes:

O acórdão recorrido foi publicado no dia 5 de Junho de 2008, com a leitura em audiência na presença do assistente e do seu mandatário (cfr. acta de fls. 3176/3177), e depositado na secretaria na mesma data (cfr. declaração de fls. 3178).

Em 24 de Junho de 2008, o assistente apresentou o requerimento de fls. 3188, no qual solicitou a confiança do processo por prazo não inferior a 2 dias e «cópia do registo fonográfico das sessões da audiência de julgamento a fim de (…) ponderar a interposição de (…) recurso».

No dia seguinte (25 de Junho de 2008) foram entregues ao assistente 5 cassetes contendo a gravação da prova oralmente produzida nas diversas sessões de julgamento (cfr. fls. 3191).

O recurso foi interposto, via fax, apenas no dia 18 de Julho de 2008 (cfr. fls. 3199/3212).

Preliminarmente, importa deixar consignado que, no vertente caso, são aplicáveis as normas relevantes decorrentes da 15.ª alteração ao Código de Processo Penal, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, porquanto, não se verificando qualquer uma das situações configuradas no artigo 5.º, n.º 2 do referido diploma, a lei processual penal é de aplicação imediata.

Antes da entrada em vigor da referida Lei n.º 48/2007, os nossos Tribunais Superiores pronunciaram-se, por diversas vezes, sobre a problemática relativa ao prazo de interposição de recurso impugnando decisão proferida sobre matéria de facto, quando correlacionada com a disponibilização dos suportes materiais da prova produzida na audiência de julgamento, sem que tenha havido consenso sobre a matéria.

A título meramente exemplificativo, recordamos aqui as passagens mais significativas do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2005, proferido no processo 05P335 [[ii]], que traduz o sentido da jurisprudência dominante:

«A gravação da prova, enquanto meio que permite a constituição de uma base para a reapreciação da decisão da matéria de facto pelo tribunal de recurso, obedece a modos regulamentados de execução constantes dos artigos 3.º a 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro.

(…).

Com efeito, como dispõe o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 39/95 (…), o tribunal facultará cópia das gravações, devendo o mandatário, com a solicitação da cópia, fornecer as fitas magnéticas necessárias; a resposta do tribunal, no prazo máximo que a lei impõe (oito dias) é inteiramente compatível com o exercício do direito ao recurso nos prazos fixados, sendo que, em caso de demora na disponibilidade das cópias, o interessado disporá da faculdade de invocar o justo impedimento».

E, como ficou escrito no Acórdão n.º 9/2005, do plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Outubro de 2005 [[iii]], «no rigor das coisas, os elementos necessários à impugnação da matéria de facto – suportes materiais da prova gravada – podem estar à disposição do recorrente desde o início do prazo para a interposição do recurso».

Noutro sentido, recentemente, se pronunciaram, p. ex., os Acs. da Relação do Porto de 17-01-2007 e 09-04-2008 [[iv]] (processos n.ºs 0615418 e 0745644, respectivamente). O primeiro, partilhando a solução de dever ser descontado no prazo de recurso o período de tempo que decorreu entre a data em que o recorrente pediu ao tribunal a cópia dos suportes técnicos contendo o registo da prova e a data em que lhe foram entregues ou disponibilizadas; o segundo, trilhando a posição sufragada pelo Acórdão referido pelo recorrente, supra citada, ou seja, de o prazo de recurso só ter início com a disponibilização de cópia das fitas com as gravações, desde que tempestivamente requerida.

Chamado a pronunciar-se sobre a compatibilidade constitucional de certas interpretações normativas versando o prazo de interposição de recurso sobre matéria de facto, o Tribunal Constitucional, em decisões de 27-09-2006 e 14-03-2007 (Acórdãos n.ºs 545/06, 546/06 e 194/07, respectivamente), com diferenças de pormenor, julgou inconstitucional, «por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (redacção anterior à entrada em vigor da Lei 48/2007), interpretado no sentido de o prazo para a interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito do recurso».

No entanto, importa atentar que, subjacente aos juízos de inconstitucionalidade não está nenhuma conduta negligente imputável ao recorrente na demora no acesso à gravação.

Nos casos concretos versados nos referidos arestos do Tribunal Constitucional, numa situação, as cassetes não foram colocadas à disposição do recorrente antes de esgotado o prazo de interposição de recurso (Acórdão n.º 545/2006), e noutra, a solicitação do recorrente para que lhe fossem disponibilizadas os suportes de gravação áudio foi apresentada logo a seguir (decorridos dois dias) ao depósito da sentença, sucedendo que as cassetes apenas lhe foram entregues decorridos oito dias sobre a data do requerimento.   

De acordo com o disposto no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto) o prazo para interposição de recurso é de 20 dias (anteriormente era de apenas 15 dias) e conta-se, no que agora importa considerar, a partir do depósito da sentença na secretaria.

Porém, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, aquele prazo é elevado para 30 dias (cfr. n.º 4 do mesmo artigo 411.º).

A ratio material subjacente ao maior prazo concedido para o recurso incidente sobre matéria de facto radica na maior dificuldade que se depara ao recorrente, quando pretende impugnar a matéria de facto, por virtude do dever legal de especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, das provas que devem ser renovadas, com a indicação das concretas passagens em que funda a impugnação (cfr. artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP).

Por seu turno, dispõe o artigo 101.º, n.º 3, do CPP: «Sempre que for realizada gravação, o funcionário entrega no prazo de quarenta e oito horas uma cópia a qualquer sujeito processual que o requeira e forneça ao tribunal o suporte técnico».

A novidade deste normativo radica na cessação do dever de transcrição que antes era imposto.

Hodiernamente, as cópias devem ser facultadas no prazo máximo de 48 horas, verificados que sejam os condicionalismos previstos naquele artigo.

Com a alteração que se regista, pretendeu o legislador permitir o controlo tempestivo da perceptibilidade da gravação pelos sujeitos processuais.

No presente caso, o acórdão proferido pelo tribunal da 1.ª instância foi publicitado e depositado no dia 5 de Junho de 2008.

Porém, apenas em 24 de Junho de 2008, decorridos que estavam já 19 dias sobre o depósito do acórdão, veio o assistente requerer a entrega dos suportes de gravação, os quais lhe foram entregues no prazo legalmente previsto (48 horas).

O recurso apenas foi interposto em 18 de Julho de 2008.

Actuando com a diligência devida, o recorrente poderia ter obtido, 48 horas após o depósito do acórdão, no máximo, as cópias das gravações da prova oralmente produzida nas sessões de julgamento, dispondo, assim, de prazo compatível (o legalmente fixado) para o exercício do direito de recurso.

Só no caso de requerida e não cumprida, no prazo da lei, a entrega dos suportes de gravação poderia perspectivar-se, dentro das soluções já partilhadas pela nossa jurisprudência, acima referidas, o dies a quo do cômputo do prazo para a apresentação da motivação do recurso ou a suspensão do prazo de recurso.

A aceitação da tese preconizada pelo recorrente atentaria de forma intolerável contra o princípio da fluidez do curso do processo para a obtenção da decisão em tempo adequado, pois permitiria o alargamento, para o dobro, do prazo peremptório estabelecido para a interposição do recurso: para tanto, bastaria que, no último dia do prazo de 30, o recorrente viesse requerer a entrega das cópias de gravação.

Em síntese conclusiva: o prazo do recurso interposto pelo assistente Ilídio …, iniciado em 6 de Junho de 2008, contado o prazo de 30 dias e o prazo suplementar de complacência admitido pelos arts. 145.º, n.º 5 do CPC e 107.º, n.º 5 do CPP, esgotou-se em 10 de Julho de 2008.

Consequentemente, o recurso foi interposto fora do prazo legalmente fixado, não obstando à sua rejeição, nos termos do disposto nos arts. 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al. b) do CPP, o despacho de admissão que no tribunal a quo foi proferido, uma vez que o tribunal superior a ele não está vinculado (cfr. o art. 414.º, n.º 3, do mesmo diploma).
Decisão:
Termos em que, por extemporâneo, se rejeita o recurso interposto pelo assistente … do acórdão do tribunal da 1.ª instância.


[i] Publicado em www.dgsi.pt.
[ii] Publicado em www.dgsi.pt.
[iii] Diário da República, I Série-A, n.º 233, de 6 de Dezembro de 2005, p. 6938.
[iv] Ambos publicados em www.dgsi.pt.