Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1345/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUA FINALIDADE E LIMITES
Data do Acordão: 06/28/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 381º, NºS 1 E 2, DO CPC .
Sumário: I – A finalidade de uma providência cautelar é apenas e tão só a tutela provisória em quaisquer situações de “periculum in mora” relativas ao direito controvertido.

II – As providências conservatórias visam manter inalterada a situação de facto que pré-existe à acção, tornando-a imune à possível ocorrência de eventos prejudiciais . As providências antecipatórias visam obstar ao prejuízo decorrente do retardamento na satisfação do direito ameaçado, através de uma provisória antecipação no tempo dos efeitos da decisão a proferir sobre o mérito da causa.

III – Não é viável nem admissível, por contrariar a finalidade própria das providências cautelares, a instauração de um concreto procedimento cautelar com o qual se vise obter uma sentença condenatória própria de uma acção declarativa de condenação ( não é admissível um procedimento cautelar com o qual se pretenda obter uma decisão definitiva do litígio ) .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, e por apenso à acção declarativa de condenação com o nº 399/02 desse Tribunal, o A..., todos residentes no referido condomínio, instauram contra B... e mulher C..., residentes na Av. D. Afonso Henriques, nº 25, em Miranda do Corvo, o presente processo de providência cautelar comum, pedindo que os R.R. sejam condenados a executar, no prazo de 30 dias a contar da decisão do presente procedimento, todas as obras necessárias à remoção dos defeitos de construção referidos na petição, e a realizarem, no mesmo prazo, todas as obras necessárias à eliminação de todas as causas desses defeitos, com custos a serem suportados pelos R.R..
Alegaram para o efeito e muito em resumo, que se encontra pendente no mesmo Tribunal a acção declarativa supra referida, com as mesmas partes, na qual se visa a correcção de um conjunto de graves deficiências no prédio denominado Torre do Sol, supra identificado, deficiências essas que se enumeram .
Que tais deficiências provocam sérias consequências no prédio, por se tratar de infiltrações de água na cobertura do edifício, com o surgimento de humidades em todo o edifício, sobretudo no interior das fracções dos A.A. .
Que essas ditas deficiências de construção impedem ou diminuem significativamente a realização do fim para que o edifício foi destinado, como sejam as condições de habitabilidade .
Que o deficiente escoamento das águas pluviais junto das garagens já ocasionou inundações no interior do prédio, com os consequentes danos .
Que, por isso, impõe-se a condenação dos R.R. nos termos requeridos, além de se impor que se previnam danos maiores e que tornem difícil a reparação do prédio .
II
Pelos R.R. foi deduzida oposição, onde sustentam, muito em resumo, que tendo sido eles quem promoveu a construção do prédio Torre Sol e vendido as respectivas fracções em 1996, mantém-se o referido prédio sem qualquer vício .
Que já em Abril de 1999 os agora A.A. reclamaram junto dos R.R. sobre os alegados defeitos, mas deixaram passar mais de um ano para demandarem nos termos agora peticionados, pelo que caducou o seu direito .
Que, por outro lado, decorreram mais de 5 anos desde a entrega efectiva das fracções aos seus adquirentes, pelo que expirou o período de garantia de 5 anos, a que alude o artº 1225º, nº 1, do C. Civ. .
Que, além disso, o condomínio outorgou contratos para implantação de antenas de telecomunicações no telhado do prédio, com o que foi danificada a tela de impermeabilização, originando-se infiltrações na cobertura .
Que também os condóminos permitem o acumular de lixos no telhado, o que vai prejudicar o escoamento de águas pluviais .
Que da parte dos R.R. foi tudo devidamente construído, não sendo eles responsáveis pelo mau estado de conservação em que se encontra o edifício .
Terminou pedindo a improcedência da providência cautelar requerida .
III
Seguiu-se a produção de prova, com a realização de uma perícia, posto que foi proferida decisão – de fls. 268 a 283 – na qual foi decidido reconhecer como caduco o direito dos Requerentes, com a consequente improcedência da providência cautelar requerida .
IV
Dessa decisão interpuseram recurso os A.A., recurso esse que foi admitido em 1ª Instância e que já nesta Relação foi aceite e rectificado para Agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo .

Nas alegações que apresentaram os Agravantes concluíram do seguinte modo :
1ª - O prédio construído pelos Recorridos apresenta vários defeitos de construção, nomeadamente ao nível da impermeabilização .
2ª - O R. B... foi contactado por diversas vezes pelos Recorrentes para que se procedesse à reparação dos referidos defeitos .
3ª - Reconheceu esses defeitos e comprometeu-se perante várias pessoas a resolver o problema .
4ª - Inclusivamente enviou um fax aos Recorrentes no sentido de informar que iria ao local proceder às reparações, desta forma admitindo expressamente a sua responsabilidade relativamente aos defeitos .
5ª - Apesar disso nunca cumpriu as promessas e os defeitos mantêm-se e têm vindo a agravar-se .
6ª - Vem agora invocar a caducidade, depois de ter afirmado aos Recorrentes que procederia às reparações necessárias .
7ª - Esta atitude constitui claramente um abuso de direito, de acordo com o artº 334º do C. Civ. .
8ª - Os Recorridos pretendem agora usufruir da caducidade mas de uma forma manifestamente abusiva, visto terem reconhecido, por diversas vezes, os defeitos e terem-se comprometido a reparar os defeitos .
9ª - Trata-se de uma clara situação de “venire contra factum proprium” por parte dos Recorridos .
10ª - Assim sendo, não deve ser tida em conta a caducidade do direito dos Recorrentes .
11ª - Desta forma, a sentença recorrida viola o disposto no artº 334º do C. Civ., pelo que deverá ser alterada, com o consequente decretamento da providência cautelar requerida .
V
Contra-alegaram os Agravados, sustentando, em resumo, que a decisão recorrida não merece qualquer censura, na medida em que já à data da propositura da acção judicial se encontrava caduco o direito à eliminação/indemnização dos defeitos da obra, nos termos do artº 1225º do C. Civ., tanto mais que os Agravados nunca reconheceram ou confessaram, nem foram confrontados com a existência de quaisquer defeitos ou anomalias concretas no prédio em questão .
Que não há qualquer abuso de direito por parte dos Agravados, antes sendo os Agravantes quem actua excedendo os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito .
Terminaram pedindo a improcedência do recurso interposto .
VI
Nesta Relação foram colhidos os necessários “vistos” legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso interposto .
Porém, antes de entrarmos no concreto objecto do recurso, cumpre salientar o seguinte :
Tal como resulta da petição inicial, o presente processo cautelar foi deduzido por apenso ao processo declarativo já então pendente no Tribunal da Comarca da Lousã sob o nº 399/02, no qual figuram como autores os Requerentes neste processo cautelar e como R.R. os Requeridos no mesmo processo cautelar .
O pedido aí deduzido não pode deixar de ser o mesmo que é deduzido nestes autos, isto é, que os R.R. sejam condenados a executar todas as obras necessárias à remoção dos defeitos de construção que se indicam, bem como daquelas que se mostrem necessárias a eliminar as causas desses defeitos, tudo com custos a cargo dos R.R., ou, subsidiariamente, que sejam condenados a indemnizarem os AA .
Analisando a petição inicial deste processo, o que é que nos fica como passível de poder integrar uma providência cautelar ?
Nada, afigura-se-nos , salvo o sempre devido respeito .
Com efeito, dispõe o artº 381º, nº 1, do CPC, que “ sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência consevatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado “, querendo com isto dizer-se que a finalidade deste tipo de providência é apenas e tão só a tutela provisória em quaisquer situações de “ periculum in mora “ relativas ao direito controvertido .
Por outras palavras, com este tipo de providências visa-se obter uma decisão judicial visando a protecção provisória do direito já existente ou a emergir de uma decisão a proferir em acção ainda a instaurar ou já instaurada – artº 381º, nº 2, do CPC -, com vista a não ficar depauperado ou inutilizado esse direito pelo decorrer do tempo ou pelo que desse recurso poderia advir em prejuízo para os requerentes ou titulares do direito ameaçado .
Conforme escreve Lopes do Rego in “ Comentários ao CPC “, vol. I, 2ª ed., pg. 242/343, “ as providências conservatórias visam manter inalterada a situação de facto que pré-existe à acção, tornando-a imune à possível ocorrência de eventos prejudiciais ( o que claramente não é o que resulta da petição deduzida pelos agora Agravantes ) .
As providências antecipatórias visam obstar ao prejuízo decorrente do retardamento na satisfação do direito ameaçado, através de uma provisória antecipação no tempo dos efeitos da decisão a proferir sobre o mérito da causa “ .
Claro está que estas medidas antecipatórias apenas são admissíveis em caso de comprovado receio de lesão grave e dificilmente reparável ao direito a acautelar, receio esse decorrente do já referido “ periculum in mora “ .
Os procedimentos cautelares têm a natureza de processos incidentais, destinados a acautelar o efeito útil da acções de que dependem, isto é, com eles apenas se pretende que ninguém veja o seu direito posto em causa, pelo decurso do tempo, face a comportamentos de outrem que importa acautelar ou prevenir , lesivos desse direito em fase de reconhecimento e de execução .
Donde que sejam sempre provisórias as medidas cautelares a obter, por forma que daí não seja posto em causa o direito ou não direito invocado .
Donde resulta que não é viável nem admissível, por contrariar a finalidade própria das providências cautelares, a instauração de um concreto procedimento cautelar com o qual se vise obter uma sentença condenatória própria de uma acção declarativa de condenação, isto é, não é admissível um procedimento cautelar com o qual se pretenda obter uma decisão definitiva do litígio, decisão essa que é própria da acção declarativa – veja-se BMJ 479, pg. 736; e BMJ 216, pg. 195 .
No mesmo sentido pode ver-se António Abrantes Geraldes, in “ Reforma do CPC- Procedimentos Cautelares “, pg. 28, onde escreve : “ ... , porque as providências cautelares se destinam tão só a prevenir prejuízos decorrentes da demora no processamento da acção principal, não podem ter o mesmo objecto que a providência definitiva, ou seja, não pode alcançar-se, por via de um procedimento cautelar, um efeito constitutivo, modificativo ou extintivo que esteja precisamente dependente da sentença a proferir na acção principal . Nos procedimentos cautelares cabem apenas as medidas que visem dar utilidade ou eficácia ao conteúdo da sentença constitutiva “ .
Ora, da petição inicial apresentada resulta que ao A.A. aí enumeram aquilo que chamam de um conjunto de graves deficiências em partes comuns do edifício denominado Torre do Sol, sito na Quinta Serrada da Nora, na Av. Padre Américo, em Miranda do Corvo, deficiências essas que são as mesmas que alegam na acção declarativa antes instaurada e a correr termos entre as mesmas partes e no mesmo Tribunal, sendo pretensão dos A.A. que os R.R. “ de acordo com as regras de responsabilidade civil contratual, sejam condenados a efectuar todas as obras que se mostrem necessárias à remoção de todos os defeitos de construção descritos, quer pela eliminação das respectivas causas, quer pela sua reparação, evitando-se as nefastas consequências deles resultantes “ – artigos 41 e 84 da petição .
Depois enumeram os apelidados defeitos relativos às fracções autónomas, posto que concluem pelo pedido de condenação dos R.R. a executarem todas as obras necessárias à remoção desses alegados defeitos e de suas causas, com custos pelos R.R., fixando-se o prazo de 30 dias para o efeito, a contar da data da decisão .
Ora, nada justifica a instauração de uma providência cautelar para se obterem os apontados fins, que são próprios da acção declarativa e apenas dessa acção .
No caso, nada justifica a instauração de uma providência cautelar, como a presente, porquanto não se visa nem se pretende o decretamento de qualquer concreta providência antecipatória, visando-se com ela obstar a algum prejuízo sério decorrente do retardamento na satisfação do direito invocado e ainda não reconhecido ( direito esse que será precisamente o pedido formulado ), isto é, não é evidente, sequer, que exista algum receio fundado por parte dos A.A. de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável para o seu alegado direito, por virtude do decurso do tempo, porquanto caso os R.R. sejam condenados a reparar, como se pretende, sempre assim se poderá efectuar essa reparação, sem que os A.A. se vejam prejudicados pelo decurso do tempo .
E não é apenas a circunstância da rotatividade das estações do ano que poderá justificar a instauração de uma providência cautelar, pois assim não o prevê o artº 381º do CPC – ... fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do requerente .
Ora, nada mais alegaram os A.A. a justificar a instauração deste procedimento cautelar – vejam-se os artigos 74, 75, 76 e 77 da petição -, razão pela qual se afigura que nenhuma razão poderia haver para que pudesse ser decretada alguma medida cautelar antecipatória provisória, que, como vimos, nem sequer foi pedida , já que o que os A.A. pretendem é apenas e tão só obter uma decisão condenatória que é própria da acção declarativa já instaurada, não de uma providência cautelar .
Donde resulta que o presente procedimento cautelar deveria ter sido liminarmente rejeitado ou indeferido, nos termos dos artºs 384º, nº 1, 387º, nº 1, 234º, nº 4, al. b), e 234º-A, nº 1, todos do CPC, por ser o pedido deduzido manifestamente improcedente .
Mas uma vez que assim não sucedeu, não poderá deixar de ser indeferida a pretensão deduzida, dado não estarmos, sequer, perante um pedido de natureza cautelar ( pretensão antecipatória provisória ) , e não se mostrar sequer alegado ( e muito menos comprovado ) o receio de qualquer lesão para o eventual direito dos A.A., que está a ser exercido na acção declarativa apensa, pressuposto esse necessário ao eventual decretamento de uma providência cautelar, nos termos do artº 381º, nº 1, do CPC .
Concluindo, importa confirmar a decisão de improcedência da providência requerida, mas com os fundamentos supra expostos .
VII
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo interposto, confirmando-se a decisão recorrida no sentido da improcedência da providência requerida, mas com os fundamentos supra expostos .

Custas pelos Agravantes .
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /