Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
211/07-8TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 01/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Legislação Nacional: ARTIGOS 41º,59º,3 D. L. 433/82-60º,1,2,72º,140º,142º C. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO,145º, 5 CPC
Sumário: 1. Do princípio da revogabilidade dos actos praticados por autoridade administrativa, decorre que o processo administrativo instaurado para aplicação de uma coima por violação de um preceito de natureza contra-ordenacional, se mantém na esfera do poder, direcção e regime do foro administrativo até ao momento em que é enviado para o Ministério Público, isto é, até cinco dias depois de haver sido recebida a impugnação da decisão que impôs uma coima ao administrado/arguido. Até o momento em que o processo é recebido no Ministério toda a actividade jusprocessual se desenrola e tramita segundo as regras e procedimentos do direito administrativo.
2. E neste caso a contagem dos prazos há-de ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas no art. 72º do Cód. Proc. Administrativo, a saber: “a) - não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; b) - o prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados; c) - o termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.
3. Não colide com os princípios da legalidade, da unidade do sistema e do acesso ao direito, o facto de não ser aplicável ao prazo de impugnação da decisão da autoridade administrativa o regime de dilação da prática de actos processuais para além dos prazos preclusivos fixados nos ordenamentos processuais penais e civis. O quadro em que se desenvolve a actividade instrutória do processo tendente à aplicação de uma coima, embora revestindo e assumindo características que colimam com os procedimentos processuais penais, não se confunde com eles, pelo menos na sua organicidade, nem atinge foros de dignidade sistémica que permita equiparar a natureza dos actos administrativos que neste tipo de procedimento hajam de ser praticados
Decisão Texto Integral: Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
I. – Relatório.
Por decisão da Direcção Regional de Viação do Centro foi o arguido A..condenado pela autoria material da contra-ordenação “ao disposto no artigo 27º, n.º 1 do C.E., sancionável com coima de 120,00 Euros a 600,00 Euros, nos termos do artigo 27, n.º 2, alínea a) 2ª do C.E. e ainda na sanção acessória de inibição de conduzir por trinta (30) dias por força dos artigos 138.º e 145.º alínea b) todos do Código da Estrada, que lhe foi suspensa na execução da mesma por um período de 180 dias.
Porque o tribunal de Cantanhede decidiu não conhecer da impugnação judicial entretanto impulsionada pelo arguido, por extemporaneidade, traz o mesmo o presente recurso que motivado compacta as seguintes conclusões:
“1.º Refere o douto despacho recorrido, que o recorrente foi notificado da decisão administrativa por carta registada que recebeu em 10/11/2006, tendo a impugnação judicial sido remetida à Direcção Regional de Viação do Centro, por fax ali recebido em 06-12-2006, entendendo o Tribunal a quo que o recurso deveria ter sido apresentado junto da autoridade administrativa competente até 04-12-2006.
2.º Porém, o recorrente foi notificado da decisão administrativa em 13/11/2006 e não em 10/11/2006, como se refere no douto despacho de que aqui se recorre.
3.º Bem como, remeteu a sua impugnação judicial junto da entidade administrativa que proferiu a decisão, em 5 de Dezembro de 2006 via fax, e não em 6 Dezembro como é referido no sempre douto despacho – como se constata pelo doc. ao diante junto sob o n.º 1 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4.º Da análise dos docs. que se juntam ( bem como recorrendo à pesquisa de objectos postais no portal dos CTT ) ( www.ctt.pt). Facilmente se comprova que:
I. O objecto postal foi enviado dia 9 de Novembro de 2006 às 18h32 na Estação de Correios de Cabo Ruivo;
II. tendo sido distribuído na Estação de Correios de Lourosa no dia seguinte às 8h15;
III. o carteiro tentou a sua entrega às 1OhOO, não o tendo conseguido por dificuldades em localizar o destinatário, tendo deixado um aviso que o objecto se encontrava na Estação de Correios de Argoncilhe
IV. tendo o objecto sido levantado às 8h54 do dia 13 de Novembro de 2006 na Estação de Correios de Argoncilhe;
5.º É inequívoco que o arguido apenas foi notificado da decisão da contra-ordenação em 13 de Novembro de 2006.
6.º E tendo, enviado a sua impugnação judicial dia 5 de Dezembro de 2006, a mesma encontrava-se dentro de prazo e, consequentemente, foi tempestiva.
7.º Sendo certo que o arguido não pode ver prejudicado ou negado o seu direito constitucional de defesa e recurso, por um mero lapso de preenchimento do aviso de recepção (dos CTT ou do próprio arguido), quando facilmente se constata que, corno já se disse e se comprovou, este apenas foi notificado da decisão administrativa em 13 de Novembro de 2006.
8.º A impugnação judicial foi apresentada à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de quinze dias após o seu conhecimento pelo arguido.
9.º Decidindo como decidiu, o douto despacho violou o disposto nos artigos 59,º, n.º 3 do Decreto-Lei 433/82, de 27-10, e artigo 181º, n.º 2, alínea A) do Código da Estrada”.
Tanto na resposta do Ministério Público, junto do tribunal a quo, como nesta instância se assenta que o recurso não merece provimento – cfr. fls. 49 e 55.
Para a economia do recurso colhe-se como única questão a merecer análise o saber se o arguido foi notificado, como consta do talão do aviso de recepção, no dia 10 de Novembro de 2006 ou no dia 13 do mesmo mês como consta dos elementos retirados de um sitio dos CTT.
II. – Fundamentação.
II.A. – Elementos pertinentes para a decisão.
a) – Aviso de recepção de correio registado, destinado a A.. com origem na Direcção Regional de Viação Centro, assinado pelo destinatário em 10.11.2006 e com carimbo de entrega datado de 10.11.2006 (parte superior direita do talão comprovativo junto a fls. 15);
b) Inscrição no topo superior de fls. 16 – rosto do requerimento de impugnação judicial – donde constam os seguintes dizeres – “06/12/2006 – 09:10 FAX 351 239 820329 DIR. REG. VIAÇÂO CENTRO”
c) Inscrição em plano imediatamente inferior ao mencionado no item antecedente com os dizeres. “05/12/2006 22:29 256374914 DR DOMINGUES PEREIRA”.
d) – Despacho recorrido, proferido a 13.02.2007.
“O recorrente foi notificado da decisão administrativa por carta registada com aviso de recepção que recebeu em 10/11/2006 (vid. Fls. 15) 4 a presente impugnação judicial foi remetida à Direcção Regional de Viação do Centro por fax ali recebido em 06-12-2006 (vid. Fls. 16).
Ora, nos termos do artigo 59º, nº 3 do Decreto-Lei 433/82, de 27-10, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 244/95, de 14-9, o recurso deve ser apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de quinze dias após o seu conhecimento pelo arguido (quanto ao prazo para quinze dias após o seu conhecimento pelo arguido (quanto ao prazo para interposição do recurso ver ainda o disposto no artigo 181º, n.º 2, alínea a) do Cód. da Estrada).
Por outro lado, tal prazo suspende-se aos sábados, domingos e feriados (artigo 60.º, n.º 1 do citado diploma), mas não durante as férias judiciais.
Nestes termos, o presente recurso deveria ter sido apresentado junto da autoridade administrativa competente até 04-12-2006, sendo certo que o disposto no artigo 145.º, n.º 5 do Código Processo Civil, por se referir a prazos processuais, não é aqui aplicável (neste sentido, vide RP, 4-6-1997, Boletim do Ministério da Justiça, 468º, 480).
Assim, por extemporâneo, não admito a impugnação judicial apresentada a fls. 16 pelo arguido A..”.
II. B. – De Direito.
Preceitua a art. 59º, nº 3 do DL nº 433/82, de 27.10, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 244/95, de 14.9 queo recurso é feito por escrito e apresentado á autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegação e conclusões”.

E o nº1 do art. 60ºdo RGCO (DL nº 433/82, de 27.10, com as alterações introduzidas pelos DL nº 244/95, de 14.9, 323/de 17.12 e Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro), prescreve que “o prazo para impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados” e o nº2 do mesmo normativo legal que: “O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.

“Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar ao autos ao Ministério Público, que ao tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusaçãocfr. nº1 do art. 62º. “Até ao envio dos autos, pode a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coimacfr. nº2 do mesmo preceito legal.

Os actos administrativos válidos – cfr art.140º do Código de Procedimento Administrativo – e inválidos –cfr art. 141º do mesmo livro de leis - podem ser revogados, pelos seus autores e respectivos superiores hierárquicos, “desde que não se trate de acto da competência exclusiva do subalterno” – cfr. art. 142º do CPA.

Do princípio da revogabilidade dos actos praticados por autoridade administrativa, decorre que o processo administrativo instaurado para aplicação de uma coima por violação de um preceito de natureza contra-ordenacional, se mantém na esfera do poder, direcção e regime do foro administrativo até ao momento em que é enviado para o Ministério Público, isto é, até cinco dias depois de haver sido recebida a impugnação da decisão que impôs uma coima ao administrado/arguido. Até o momento em que o processo é recebido no Ministério toda a actividade jusprocessual se desenrola e tramita segundo as regras e procedimentos do direito administrativo.

Só quando se constate a existência de uma lacuna no ordenamento que rege para a aplicação de uma coima é que será legítimo o recurso subsidiário aos preceitos reguladores do processo criminal – cfr. art. 41º, nº1 do DL nº433/82, 27.10.

Não constitui, em nosso juízo, matéria conceptual controversa a natureza administrativa do procedimento vigente e ordenador da aplicação de uma coima, ainda que caldeada ou matizada de injunções preceptivas do ordenamento jusprocessual penal. Pelo menos enquanto o processo estiver sob a tutela da autoridade administrativa, ou seja até ao momento da remessa dos autos ao Ministério Público.

Para a dessumida asserção concorre a ideia de que as sucessivas alterações introduzidas no ordenamento contra-ordenacional foram no sentido de conformar os prazos que estavam inscritos nos preceitos adrede do diploma regulados do regime contra-ordenacional, por forma a adequá-los às alterações que foram sendo introduzidas no ordenamento administrativo, nomeadamente a continuidade do prazo, e a sua suspensão aos sábados, domingos e feriados, precisamente os dia em que os serviços não estariam em funcionamento e por isso seria impraticável, para os administrados, procederem à entrega da documentação com que pretendessem impugnar a decisão da autoridade administrativa.

E neste caso a contagem dos prazos há-de ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas no art. 72º do Cód. Proc. Administrativo, a saber: “a) - não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; b) - o prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados; c) - o termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.

O arguido foi notificado, por carta registada com aviso de recepção, no dia 10 de Novembro de 2006. O prazo para impugnar a decisão da autoridade administrativa começou a correr no dia 11 de Novembro, dado que nos termos do art. 72º, nº1, al. a) do art. 72º do Código de Procedimento administrativo “não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”, e terminou no dia 4 de Dezembro de 2006 (por o último dia, 1 de Dezembro – feriado -, ter caído numa sexta-feira, e não se contarem o sábado e domingo). O requerimento para impugnação da decisão da autoridade administrativa deu entrada, na Direcção regional de Viação do Centro, no dia 6 de Dezembro de 2006, às 09:10 minutos, tendo o registo de entrada no organismo no dia 6.12.2006.

Tratando–se de um prazo administrativo não lhe é aplicável o regime contemplado no art. 145º, nº5 do CPC, dado este regime ser privativo dos actos praticados perante os tribunais judiciais. No sentido que defendemos vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Novembro de 2005, publicado na Col. Jur. Ano XXX, T. V/2005, 129 a 132.

Não colide com os princípios da legalidade, da unidade do sistema e do acesso ao direito, o facto de não ser aplicável ao prazo de impugnação da decisão da autoridade administrativa o regime de dilação da prática de actos processuais para além dos prazos preclusivos fixados nos ordenamentos processuais penais e civis. O quadro em que se desenvolve a actividade instrutória do processo tendente à aplicação de uma coima, embora revestindo e assumindo características que colimam com os procedimentos processuais penais, não se confunde com eles, pelo menos na sua organicidade, nem atinge foros de dignidade sistémica que permita equiparar a natureza dos actos administrativos que neste tipo de procedimento hajam de ser praticados. A diferença de densificação preceptiva decorre da natureza dos ilícitos concursantes e desprende-se do alcance ético-social que se visa com cada um dos ordenamentos.

Pelas razões que vimos expondo, entendemos que o acto administrativo praticado pelo impugnante foi extemporaneamente praticado, não sendo possível aplicar aos prazos de natureza administrativa as regras de condescendência estabelecidas no art. 145, nº5 do CPC.

A carta foi endereçada para a morada do arguido/destinatário que a recebeu, como se comprova pela assinatura aposta no talão de fls.15 – confrontar com a assinatura da procuração de fls. 45 (qualquer grafólogo atesta, a olho nu, que a assinatura do recibo do aviso de recepção e a aposta no mencionado instrumento de mandato é da autoria da mesma pessoa, tal como o são, aliás, os demais elementos insertos no mencionado recibo, nomeadamente os elementos referentes aos dados do bilhete de identidade. A comprovação é autenticada pela aposição no canto superior direito do carimbo da entidade que libertou e fez a remessa do recibo do aviso de recepção para a entidade emissora. O carimbo atesta um acto praticado pela entidade a quem processualmente está cometida a função de praticar os actos de notificação, sendo que a sua validade não foi posta em causa. Endoprocessualmente este será o único sinal indicador de que o acto de notificação, obtido pela entrega da carta que a continha, foi praticado no dia constante do carimbo aposto pela entidade postal.

Com os elementos constantes do processo é irrefutável que o arguido foi notificado no dia 10.11.2006 e que devendo proceder à entrega da impugnação no prazo de vinte dias (descontados o feriado, o sábado e domingo) o fez decorridos dois (2) dias.

Improcederá o recurso.
III. – Decisão.
Na confluência do exposto decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em:
- Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido, A.., e, consequente, manter o despacho recorrido.
- Custa pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em dez (10) Uc’s.