Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/08.7IDLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: EXECUÇÃO FISCAL
OPOSIÇÃO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
REVERSÃO
PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO
SUSPENSÃO
Data do Acordão: 07/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 105.º DO RGIT; ARTIGO 23.º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA; ARTIGO 47.º DO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS (DL 15/2001, DE 05-06
Sumário: A oposição a execução fiscal, com fundamento na falta dos pressupostos legais da responsabilidade subsidiária efectivada por reversão (artigo 23.º da Lei Geral Tributária), não determina a suspensão do processo penal prevista no artigo 47.º do RGIT.
Decisão Texto Integral: Em conferência na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:        

1 - No 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, no processo acima referido, vieram os arguidos A... , B... e C... requerer a suspensão dos autos de processo crime por abuso de confiança fiscal, até ao trânsito em julgado dos processos de oposição fiscal por si deduzidos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, na sequência de execuções fiscais contra eles revertidas.

Por despacho de fls. 160, tal pedido foi indeferido pelo Sr. Juiz.

2- Inconformados, recorreram os referidos arguidos, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte:

Considera o Tribunal que, nas referidas oposições às execuções os “(...) arguidos pugnam pela anulação da reversão das dívidas fiscais da sociedade sobre si, na qualidade de legais representantes, que já não são objecto dos presentes autos”.

Os Recorrentes não podem conformar-se com tal despacho, porquanto somente por manifesto lapso se poderia adoptar tal posição, como se demonstrará.

Alega o Tribunal recorrido, no despacho em causa nos presentes autos, que as dívidas objecto das oposições às execuções fiscais apresentadas pelos arguidos não estão já em crise nos presentes autos por força do arquivamento dos autos relativamente a alguns dos períodos, por despacho proferido em Fevereiro de 2010, a fls. 704 dos presentes autos, estando, actualmente, em crise os períodos de Janeiro, Março, Agosto, Setembro e Dezembro de 2006 e Maio de 2007.

Sucede que os Arguidos não foram notificados do referido despacho de fls. 704, só dele tendo tido conhecimento no passado dia 28 de Janeiro de 2013.

Tendo apresentado o requerimento a pedir a suspensão dos presentes autos, com a respectiva junção das cópias das oposições às execuções apresentadas pelos Arguidos em momento anterior ao conhecimento do aludido despacho, embora na mesma data.

Não obstante, entre outras, os Arguidos juntaram as oposições apresentadas, em que é oponente cada um deles individualmente, referente ao processo de execução fiscal n.º 1384200701013408 - cfr. pontos b), d) e f) do requerimento de suspensão apresentado no passado dia 28 de Janeiro de 2013.

  E, conforme resulta das cópias das oposições juntas ao requerimento de suspensão como docs. 2, 4 e 6, diz aquele processo de execução fiscal respeito a IVA referentes aos seguintes períodos: 01.09.2005 a 31.10.2005, de 01.01.2006 a 31.03.2006, de 01.08.2006 a 30.09.2006, de 01.12.2006 a 31.12.2006, de 01.01.2007 a 31.03.2007, de 01.05.2007 a 30.06.2007 e de 01.01.2007 a 31.12.2007.

  De onde se incluem, indubitavelmente, os períodos em crise nos presentes autos, que resultam supra sublinhados.

Pelo que o despacho ora recorrido labora em manifesto erro de facto.

Nessas referidas oposições discute-se a situação tributária de cuja definição depende a qualificação criminal dos factos que estão a ser imputados aos arguidos, pelo que se impunha fosse declarada a suspensão dos presentes autos até trânsito em julgado dos processos de oposição acima referidos.

3 - Nesta Relação, o Exmo. PGA, acompanhando o MP da 1.ª instância, conclui pela improcedência do recurso.

4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

5 - O despacho recorrido tem o seguinte teor, em resumo e com interesse :

«(...) Vêm os arguidos A... , B... e C... a fls. 1005 e ss., requerer a suspensão dos presentes autos, ate ao trânsito em julgado dos processos de oposição fiscal por si deduzidos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, na sequência de execuções fiscais contra eles revertidas e cujas dividas respeitam a IRS e IVA dos exercícios de 2006 e 2007.

(...) Com efeito, preceitua o disposto no art. 47.º n.º 1 do R.G.I.T. que: “Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição ao título executivo, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.

Do compulso dos autos, considerando o objecto da acusação nos presentes autos, delimitado pelo douto despacho proferido a fls. 704 e ss. e o objecto das oposições à execução deduzidas pelos arguidos, conclui-se não se mostrarem reunidos os pressupostos para a requerida suspensão.

Outrossim, nas oposições os arguidos pugnam pela anulação da reversão das dívidas fiscais da sociedade sobre si, na qualidade de legais representantes, que já não são objecto dos presentes autos.

Destarte, indefere-se a requerida suspensão (...) ».

Embora de uma maneira vaga e algo equívoca, o despacho recorrido adere ao entendimento do MP, de que não estão reunidos os pressupostos para a requerida suspensão, uma vez que os arguidos pugnam pela anulação da reversão das dívidas fiscais de uma dada sociedade comercial sobre si, na qualidade de legais representantes, por já não serem objecto dos presentes autos, considerando o objecto da acusação delimitado pelo despacho de fls. 704 e seguintes.

O que resulta dos autos é que os ora recorrentes foram, com a empresa de que eram gerentes, acusados pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, um deles qualificado, p. e p. pelos artigos 6.º e 105.º do RGIT., contra quem corre processo de execução fiscal, no qual deduziram oposição à execução com fundamento na falta de pressupostos legais para a reversão das dívidas da sociedade, consubstanciada em, alegadamente, a sociedade ter bens penhoráveis e na inexistência de culpa da sua parte pela não entrega à Fazenda Nacional dos impostos cobrados e recebidos.

Como referem o despacho recorrido e o MP na primeira instância e nesta Relação, não há uma relação de dependência ou uma questão prejudicial entre o processo de reversão e a impugnação da mesma pelos recorrentes e a responsabilidade criminal destes nos presentes autos.

Aquela reversão tem objectivos e pressupostos diversos, qual seja o de fazer responsabilizar os devedores fiscais pessoas singulares com responsabilidade subsidiária pelas dívidas fiscais de empresas ou pessoas jurídicas institucionais. Mais exactamente, a reversão fiscal é um mecanismo que consiste no chamamento do responsável subsidiário à execução fiscal no processo de execução fiscal, como decorre dos arts 22.º e ss. da Lei Geral Tributária (LGT), e que depende dos seguintes pressupostos : (1) fundada insuficiência patrimonial dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários ou dos seus sucessores; (2) exercício de funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados; (3) culpa no não pagamento da prestação tributária bem como na insuficiência patrimonial.

Como é bom de ver, a culpa no processo de reversão pode ser diferente da culpa jurídico-penal, pois aquela é seguramente menos exigente: não tem de ser dolosa, como acontece no crime de abuso de confiança fiscal, e pode não se referir à falta da prestação tributária (à inversão do título de posse característica desse crime) mas à conduta dolosa ou culposa no destino dado aos bens patrimoniais tidos como garantias da execução fiscal .

 E assim a responsabilidade penal e a responsabilidade tributária lato sensu operam em planos distintos e paralelos, pelo que o exercício da reversão não pode impedir a prossecução do processo crime.

6 - Pelos fundamentos expostos :

I - Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

II - Custas pelos recorrentes, com 3 Ucs de taxa de justiça cada um.

                                                                                                           

             

                                                      (Paulo Valério - Relator)

 

                                                 (Frederico Cebola)