Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2363/03.7TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: VENDA
COISA DEFEITUOSA
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
DANO EMERGENTE
Data do Acordão: 09/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PORTO MÓS – 1º J.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 913º E SEGUINTES, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A garantia de bom funcionamento da coisa vendida, tendo os efeitos de uma obrigação de resultado, importa a responsabilidade objectiva do vendedor, em relação aos deveres de reparar a coisa ou de proceder à sua substituição, desde que a mesma apresente defeito, constituindo um mais em relação aos direitos conferidos ao comprador pelos artigos 913º e seguintes, do CC.

2. O conceito de garantia objectiva pressupõe a ideia de que o vendedor dispõe de meios para poder obviar a qualquer avaria ou necessidade de reparação ou substituição corrente da coisa, logo que se verifique o vício ou o seu mau funcionamento.

3. A privação do uso de veículo, pelo comprador, durante o período necessário para a sua reparação, constitui um dano emergente do defeito verificado, de natureza ressarcível, porque teve como causa a imobilização subsequente provocada pela avaria.

4. A partir do momento em que o vendedor põe à disposição do comprador um veículo alternativo sucedâneo, cumpriu a obrigação que sobre si recaía de lhe facultar um automóvel de substituição.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

A... , divorciado, residente na ..... frente, em Porto de Mós, intentou contra B... , casado, residente na....., Porto de Mós, a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, pedindo que, na sua procedência, este seja condenado a pagar ao autor a quantia de €5.500,00, a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros contabilizados, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Alega, em síntese, para o efeito, que, no âmbito da actividade comercial a que se dedica, o réu, que explora o stand C... , vendeu ao autor, em 7 de Dezembro de 2002, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Volvo, modelo LW5702, cilindrada 2319, obrigando-se a garantir o bom estado e funcionamento do veículo, pelo período de um ano, no que respeita ao motor e caixa de velocidades, independentemente do número de quilómetros por ele realizados.

Porém, apresentando o veículo, no dia 21 de Abril de 2003, graves problemas, ao nível da caixa de velocidades, o autor denunciou o sucedido ao réu, que se responsabilizou pela reparação, dando-lhe ordem para o entregar, na oficina de D.... , o que aconteceu, nesse mesmo dia, tendo, no dia seguinte, sido desmontada a caixa de velocidades e detectada a anomalia, comprometendo-se o réu a comprar a referida caixa de velocidades e a entregá-la na oficina, de imediato, embora tal apenas tenha acontecido, no dia 3 de Outubro de 2003, sem que nada o justificasse.

Durante esse tempo, o Volvo permaneceu imobilizado, na oficina, com a caixa de velocidades, totalmente, desmontada, enquanto que, logo na semana imediata à da recepção da nova caixa de velocidades, a referida oficina procedeu à reparação, entregando o veículo ao autor, no dia 10 de Outubro seguinte.

 O veículo ficou, pois, imobilizado, durante 5 meses e 18 dias, para a efectivação de uma reparação que justificava, apenas, 4 ou 5 dias de oficina.

Durante este período, o autor interpelou o réu, por diversas vezes, para que este procedesse à reparação do veículo, mas, tão-só, no dia 5 de Junho, o réu disponibilizou ao autor um Honda Civic 1.4., que o autor se viu obrigado a restituir-lhe, pois que, para além de ser um veículo antigo e, completamente, diferente e de uma gama bastante inferior ao seu, necessitava de uma bateria nova, a porta do “pendura” não abria, o sistema de travagem encontrava-se debilitado e não oferecia condições de segurança na sua condução.

O Volvo em questão é um topo de gama, com sistema de segurança sofisticado, para embate lateral, frontal e traseiro, barras nas portas, ABS, controlo de tracção, ar condicionado, aquecimento central, 2319 de cilindrada, alta robustez e sofisticação, sendo certo que há muito o autor desejava adquirir um veículo desta qualidade, devido à sua segurança e sofisticação.

Contudo, logo após a sua compra, o autor viu-se privado do prazer de o usufruir, diariamente, pelo período de 5 meses e 18 dias, por culpa exclusiva do réu, sendo certo que, para a sua aquisição, teve que contrair um financiamento, pelo período de 60 meses, despendendo, durante o período de imobilização, perante a entidade creditícia, a quantia de €1.982,88.

O autor reside, em Porto de Mós, e trabalha, em E..., concelho de Alcobaça, não possuindo mais nenhum veículo automóvel, no período em que decorreu a imobilização, vendo-se obrigado a deslocar-se de mota para o seu local de trabalho, que dista 25 Km do local da sua residência.

 O autor é divorciado e tem dois filhos, que vivem em Alcobaça, a quem visita, quinzenalmente, aos fins-de-semana, e tem por hábito passear com eles no seu veículo.

Como não possuía veículo automóvel, o autor nem sempre os visitou, como de costume.

 Ao contrário dos anos anteriores, no Verão de 2003, ficou impedido de se deslocar para o Algarve ou Sul de Espanha, para passar quinze dias de férias com os filhos.

 O autor teve que ser submetido a tratamento médico‑cirúrgico, à garganta e nariz, no Porto, efectuando, para tanto, quatro deslocações a esta cidade, em veículos de amigos seus.

Em 10 de Setembro de 2003, foi vítima de um acidente de trabalho, tendo de socorrer-se da ajuda de amigos, por não dispor de veículo, que o transportavam aos tratamentos, que se prolongaram por 10 dias.

O autor é agricultor e sócio de “E... ”, e necessitava do referido veículo, tanto para a sua vida pessoal, como para a sua vida profissional.

Pelos factos acima descritos, o autor sentiu-se vexado, gozado, humilhado e enxovalhado e sofreu forte desgosto e angústia, pela impossibilidade de utilizar o Volvo, no decurso da sua vida normal, tudo em resultado do comportamento do réu.

Na contestação, o réu defende a improcedência da acção, alegando, em síntese, que, embora se tenha comprometido a adquirir o material solicitado, de imediato, foi informado pelo autor que a oficina iria tentar solucionar o problema, abrindo e reparando a caixa de velocidades, sendo que, durante o período de Junho a Setembro de 2003, o réu pagou diversos materiais que, supostamente, iriam servir para reparar a caixa de velocidades do automóvel.

 Contudo, no final do mês de Setembro de 2003, o réu foi informado da impossibilidade de reparar a caixa de velocidades, sendo, afinal, necessário adquirir outra caixa de velocidades, que o réu, no dia 3 de Outubro de 2003, entregou, na oficina escolhida pelo autor, tendo demorado apenas uma semana a encontrar uma caixa de velocidades compatível com o automóvel, sendo certo que se tratava de uma caixa de velocidades relativamente à qual a própria Volvo tinha dificuldades de manter em stock.

 Daí que a demora na reparação do automóvel não lhe possa ser imputada, a que acresce a circunstância de, logo após o autor ter comunicado ao réu o problema mecânico do seu veículo, este lhe haver disponibilizado outra viatura, que poderia satisfazer todas as necessidades do autor, por ser do ano de 1995, ter direcção assistida, fecho centralizado de portas, vidros eléctricos, aquecimento central e jantes de liga leve.

Porém, foi o autor que optou por não utilizar o veículo que o réu colocou à sua disposição.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente por provada, e, em consequência, condenou o réu a pagar ao autor a quantia de €2.595,00 (dois mil quinhentos e noventa e cinco euros), a título de danos patrimoniais, decorrentes da privação do uso do veículo em causa nos autos, acrescido tal montante de juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, e bem assim como a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido tal montante de juros de mora vincendos, contabilizados à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento.

            Desta sentença, o réu interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com o pedido da total improcedência da acção, formulando as seguintes conclusões:

1ª – A douta sentença do tribunal “ad quem” deve ser revogada, na medida em que atribuindo ao autor o direito de receber uma indemnização por privação do direito de uso da viatura Volvo, durante o período que foi de 21 de Abril de 2003 a 10 de Outubro de 2003, não teve em conta que o réu cumpriu com a sua obrigação de ressarcir os danos do autor, quando em 5 de Junho lhe fez a entrega de uma viatura de marca Honda.

2ª - Ficaram assim nesta data salvaguardados os seus direitos de usufruir das utilidades do bem, que em concreto lhe eram permitidas pelo bem de que se via desapossado.

3ª - Por outro lado, não obstante, o bem entregue, não ser da mesma marca e modelo, e de necessitar de substituição da bateria e do fecho da porta do condutor necessitar de ser aberta do exterior, tal não significa, que aquele bem, não fosse idóneo a permitir ao autor, usufruir das mesmas utilidades, que a sua viatura lhe proporcionava, à luz das regras da boa fé, desde logo porque se tratavam de bens usados, e ainda quando se atesta que o veiculo de substituição até era de ano mais recente do que o veiculo substituído.

4ª - Quando assim não se entenda, mesmo assim, deve considerar-se que o valor da indemnização a atribuir por privação do direito de uso, não deve ser superior, ao valor que se apurou ser o montante que o autor pagou durante o período de tempo, em que a sua viatura esteve imobilizada, diminuído ainda do valor que se atribuir pelos dias que se compreendem entre o dia da entrega da viatura para arranjo, do dia em que a viatura foi arranjada, dos dias que foram necessários para se proceder ao seu arranjo (dez dias) e dos dias em que de facto o autor usufruiu de uma outra viatura, esta entregue pelo autor (17 dias), o que ainda com recurso a critérios de equidade não deve ser superior a € 350.

5ª - Por fim deve o autor ser absolvido do pagamento de qualquer indemnização por danos morais, dado que, a privação de um veículo, não é capaz de gerar prejuízos de natureza moral merecedores da tutela do direito.

6ª - Não existem relações afectivas entre uma viatura e uma pessoa, capaz de merecerem a tutela do direito, sendo, as considerações tecidas a jusante, e centradas no facto do autor não se ter deslocado ao Algarve e ao sul de Espanha e ter recorrido a amigos para deslocações, apenas merecedoras de devido enquadramento à luz do direito à indemnização por danos patrimoniais centrados na violação do direito de uso da mesma viatura, sob pena de se estar a indemnizar duas vezes a mesma realidade.

7ª - No direito a receber uma indemnização por privação do direito de usar um qualquer bem, estão naturalmente incluídas as consequências negativas os aborrecimentos as necessidades de procurar soluções, precisamente devidas, por essa impossibilidade de uso.

8ª - E por outro lado, a privação do uso de uma viatura não gera desgosto, angustias, falta de estima, geradoras de danos de natureza moral, que merecem a devida tutela do direito.

9ª - Por fim se o autor não foi ao Algarve e ao Sul de Espanha, não pode tal facto ser imputado em termos de causalidade adequada ao facto de não ter tido a disponibilidade da sua viatura, dado que, a simplicidade da sua solução, implicaria sobre o autor uma tomada de posição que afastaria aqueles negativos factos, os quais apenas se deveram a causa cuja paternidade é afinal imputada ao autor, que não diligenciou, como qualquer cidadão médio poderia ter feito, com o sentido de afastar aquelas circunstâncias.

10ª - Normas jurídicas violadas e sentido com que deviam ter sido interpretadas e aplicadas: foi violado o artigo 491/1 do CC dado que entendeu-se que o desgosto sofrido pelo autor era dano não patrimonial que pela sua gravidade merecia a tutela do direito, não sendo precisamente esse o caso. Dever-se-ia ter interpretado aquele inciso precisamente em sentido contrário.

            Nas suas contra-alegações, o autor defende que o presente recurso deve ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se, integralmente, a sentença recorrida.

            Na sentença apelada, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1- O réu é comerciante e dedica-se à compra e venda de veículos usados, explorando o stand “C....”.

2- No âmbito da sua actividade, a 7 de Dezembro de 2002, o réu vendeu ao autor o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Volvo, modelo LW5702, cilindrada 2319, de matrícula 72-26-XX.

3- Relativamente à venda, referida em 2, o réu emitiu e assinou o documento de folhas 12, onde declara que “a viatura Volvo LW 5702, matrícula 72-26-XX, tem garantia de 1 ano de motor e caixa de velocidades, sem limite de quilómetros”.

4- A 21 de Abril de 2003, o veículo supra referido manifestou graves problemas, ao nível da caixa de velocidades.

5- De imediato, o autor comunicou tal facto ao réu.

6- E perguntou ao réu se a reparação poderia ser efectuada na oficina de “D...”, não tendo o réu apresentado qualquer objecção.

7- No próprio dia 21 de Abril de 2003, o autor entregou o veículo, na oficina acima referida.

8- Pelo menos, no dia 30 de Abril de 2003, o gerente da oficina informou o réu de que anomalia se tratava e disse-lhe que era necessário adquirir outra caixa de velocidades, porque a Volvo não fornecia peças em avulso suficientes para proceder à reparação.

9- O réu comprometeu-se a comprar a referida caixa de velocidades e a entregá-la logo de seguida.

10- O réu entregou a caixa de velocidades, a 3 de Outubro de 2003.

11- Até esta data, o veículo do autor permaneceu – na referida oficina – imobilizado, com a caixa de velocidades, totalmente, desmontada.

12- O veículo do autor foi-lhe entregue, reparado, no dia 10 de Outubro de 2003.

13- Durante o período em que o veículo esteve imobilizado, o autor contactou o réu, por diversas vezes, para que este procedesse à reparação do veículo.

14- Fê-lo, pessoalmente, e, por escrito, bem como, através da Delegação Regional de Leiria da Deco.

15- A 5 de Junho, o réu disponibilizou ao autor um veículo Honda Civic 1.4.

16- A 22 de Junho, o autor entregou-o ao réu, porque se tratava de um veículo de gama inferior ao seu, que necessitava de uma bateria nova e a porta do condutor apenas abria accionando o fecho exterior.

17- Para aquisição do veículo Volvo, o autor teve de contrair financiamento, perante a G, pelo período de 60 meses.

18- Durante o período de tempo em que o veículo esteve imobilizado, o autor despendeu para esse crédito a quantia de €1.982,88.

19- O Volvo em questão é um topo de gama, com sistema de segurança para embate lateral, frontal e traseiro, barras nas portas, ABS, controlo de tracção, ar condicionado e aquecimento central.

20- Há muito que o autor desejava adquirir um veículo desta qualidade, devido à sua alta segurança e sofisticação.

21- O autor nasceu, em 1954, e reside, em Porto de Mós.

22- É agricultor e trabalha, na freguesia de Cós, concelho de Alcobaça.

23- No período de imobilização do Volvo, não possuía mais nenhum veículo automóvel.

24- Deslocou-se de mota para o seu local de trabalho, que dista cerca de 25 Km da sua residência.

25- O autor é divorciado e tem dois filhos, que vivem em Alcobaça.

26- No Verão de 2003, o autor não foi para o Algarve ou para o Sul de Espanha com os seus filhos, como era hábito nos anos anteriores.

27- O autor teve que ser submetido a tratamento cirúrgico, à garganta e nariz, na G... , na cidade do Porto.

28- Para tal, teve que efectuar quatro deslocações ao Porto, em veículos de amigos seus.

29- Em 10 de Setembro de 2003, o autor foi vítima de um acidente de trabalho, tendo-se socorrido da ajuda de amigos para o transportarem aos tratamentos.

30- O autor sentiu-se desgostoso, por se ver privado do uso do seu veículo, durante o tempo da sua imobilização.

31- Sentiu-se diminuído na sua auto estima, por ter de circular num veículo de gama inferior, com os defeitos referidos no ponto 16.

32- O veículo, referido em 16, era um Honda Civic 1.4, de 1995, a gasolina, com direcção assistida, fecho centralizado de portas e vidros eléctricos.


                                                             *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão da indemnização pela privação do direito ao uso de veículo.
II - A questão da indemnização por danos não patrimoniais.

   I. DA INDEMNIZAÇÃO PELA PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO

  Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, importa reter que, no exercício da actividade comercial a que se dedica, o réu vendeu ao autor, a 7 de Dezembro de 2002, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Volvo, modelo LW5702, e 2319 cilindrada, com a garantia de um ano, sem limite de quilómetros, relativamente ao motor e à caixa de velocidades.

Porém, em 21 de Abril de 2003, tendo a viatura apresentado graves problemas, ao nível da caixa de velocidades, foi, no próprio dia, entregue pelo autor, com a aquiescência tácita do réu, na oficina de “D...”, cujo gerente, pelo menos, no dia 30 de Abril seguinte, informou o réu de que era necessário adquirir outra caixa de velocidades, porque a Volvo não fornecia peças em avulso, suficientes para proceder à reparação.

Então, o réu comprometeu-se a comprar a referida caixa de velocidades e a entregá-la, de seguida, mas tal só veio a suceder, a 3 de Outubro de 2003, tendo, entretanto, o veículo do autor permanecido, imobilizado, com a caixa de velocidades, totalmente, desmontada, na aludida oficina.

Efectivamente, o veículo só foi entregue ao autor, após reparação, no dia 10 de Outubro de 2003, mas não sem que, durante o período em que esteve imobilizado, aquele tivesse contactado o réu, por diversas vezes, para que este procedesse ao respectivo conserto.

Contudo, em 5 de Junho, o réu disponibilizou ao autor um veículo Honda Civic 1.4., de 1995, a gasolina, com direcção assistida, fecho centralizado de portas e vidros eléctricos, mas que este, por seu turno, a 22 de Junho seguinte, restituiu ao réu, porque se tratava de um veículo de gama inferior ao seu, porque necessitava de uma bateria nova e, finalmente, porque a porta do condutor apenas abria, accionando o fecho exterior.

Por outro lado, o Volvo do autor é um topo de gama, com sistema de segurança para embate lateral, frontal e traseiro, barras nas portas, ABS, controlo de tracção, ar condicionado e aquecimento central, que aquele, há muito, desejava adquirir, ou outro semelhante, devido à sua alta segurança e sofisticação.

Para a compra do Volvo, o autor contraiu um financiamento, junto do F... , pelo período de 60 meses, sendo certo que, durante o período da imobilização, o autor despendeu com o pagamento do referido crédito a quantia de €1.982,88.

O autor é agricultor, reside em Porto de Mós, mas trabalha na freguesia de Cós, concelho de Alcobaça, e, no período de imobilização do Volvo, não possuía mais nenhum veículo automóvel.

Assim sendo, restringindo ainda mais a factualidade apurada, registe-se que o veículo do autor esteve imobilizado para lhe ser efectuada uma reparação da responsabilidade da ré, no período temporal compreendido entre 21 de Abril e 10 de Outubro de 2003, sendo certo que entre aquela primeira data e 4 de Junho de 2003, o réu não lhe facultou qualquer veículo de substituição alternativo, que entre 5 de Junho e 22 de Junho, o autor dispôs de uma viatura oferecida pelo réu, e que, a partir desta última data e até 10 de Outubro de 2003, aquando da entrega do volvo ao autor, este esteve privado de qualquer veículo, por considerar que o Honda Civic 1.4., que rejeitou, não reunia as condições que desejava e a que estava habituado.

A isto acresce que ficou demonstrado que a reparação do veículo se prolongou por sete dias, antecedida por um período inicial de nove dias que a oficina demorou a proceder à análise da sintomatologia mecânica apresentada pelo mesmo, tendo os restantes dias do total do lapso temporal da imobilização correspondido ao período de tempo que o réu demorou a adquirir a caixa de velocidades a que se tinha comprometido.

Quer isto dizer que, exceptuando o período de 16 dias, em que teve lugar a análise prévia das causas da avaria mecânica e a sua reparação, propriamente dita, os restantes 156 dias do total da imobilização correspondem ao tempo que o réu demorou a adquirir a caixa de velocidades, indispensável à realização do conserto.

Dispõe o artigo 921º, nº 1, do Código Civil (CC), que “se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador”.

Trata-se de uma garantia de bom funcionamento, estabelecendo este normativo uma responsabilidade objectiva do vendedor, independentemente de culpa, que só vale em relação aos deveres de reparar a coisa e de proceder à sua substituição, bastando, para tanto, que a mesma apresente defeito.

No âmbito da dicotomia “reparação” ou “substituição”, contemplada pelo artigo 921º, nº 1, do CC, o autor optou, inequivocamente, pelo primeiro termo da mesma, ou seja, pela reparação do veículo, que se arrastou pelo período de 172 dias.

Por outro lado, o vendedor assumiu, contratualmente, a garantia do bom funcionamento do veículo, pelo período de um ano, e a denúncia do defeito verificado aconteceu ao fim de menos de cinco meses sobre a data da sua aquisição.

Efectivamente, a denúncia tem de ser feita, no prazo de 30 dias, a contar da descoberta do defeito, mas dentro do prazo de garantia, nos termos do estipulado pelo artigo 921º, nº 3, do CC.

A garantia de bom funcionamento tem o significado e os efeitos de uma obrigação de resultado, na exacta medida em que, durante a sua vigência, o vendedor assegura o regular funcionamento da coisa vendida, constituindo um mais em relação aos direitos conferidos ao comprador pelos artigos 913º e seguintes, do CC.

Assim, a garantia de bom funcionamento faculta, desde logo, ao comprador de coisa defeituosa, nos termos do estipulado pelo artigo 921º, nº 1, do CC, citado, o direito de exigir a reparação da avaria que esteve na base do mau desempenho do bem, ou a substituição deste, consequentes ao direito do comprador ao cumprimento do contrato que, como se salientou, não depende de culpa do devedor.  

Efectivamente, ao contrário do que acontece, no caso de venda de coisas defeituosas, em que o devedor só é obrigado a reparar ou a substituir a coisa, não havendo garantia de bom funcionamento, se desconhecia, culposamente, o vício, atento o preceituado pelo artigo 914º, do CC, existindo garantia de bom funcionamento, a reparação ou a substituição, quando possíveis, serão obrigatórias para o devedor, independentemente de desconhecer, culposamente, o vício, em conformidade com o estipulado pelo artigo 921º, nº 1, do CC.

Na hipótese em apreço, a reparação efectuada pelo devedor foi concluída com êxito, mas, tão-só, ao fim de quase seis meses.

Porém, suscita-se a questão de saber qual o momento em que a mesma deveria ter sido ultimada, se, imediatamente, a seguir à verificação do vício detectado, ou, aceitavelmente, no prazo subsequente de seis meses, como se verificou, ainda que devido à necessidade de obtenção de uma caixa de velocidades, pela ré, certamente, em condições de mercado mais favoráveis.

O conceito de garantia, implicado no artigo 921º, nº 1, do CC, que contende com o bom funcionamento da coisa vendida, por via de regra, causa do aumento do respectivo preço, pressupõe a ideia de que o vendedor dispõe de meios para poder obviar a qualquer avaria ou necessidade de reparação ou substituição corrente, influindo, decisivamente, no espírito do comprador, de modo a convencê-lo, mais, facilmente, a aceitar a proposta, em virtude de antever como imediata a reparação ou a substituição, logo que se verifique o vício ou o mau funcionamento da coisa.

Aliás, não se pode esquecer que o réu vendeu ao autor um Volvo, topo de gama, o que significa que se o mesmo deixasse de funcionar tornaria, como é óbvio, impossível a sua utilização normal.

A isto acresce que se não demonstrou que existisse qualquer dificuldade na aquisição de uma nova caixa de velocidades, admitindo-se que o réu tivesse demorado a entrega na oficina desta peça, como se tinha comprometido a fazer, por necessidades decorrentes da sua obtenção, em mercado mais favorável.

Efectivamente, mesmo a admitir-se uma eventual dificuldade resultante da importação de uma peça dessa envergadura, a demora verificada, de cerca de seis meses, não isenta o réu de responsabilidade civil, porquanto, nos termos do preceituado pelo artigo 921º, nº 1, do CC, citado, a substituição da coisa vendida com garantia de funcionamento deve efectuar-se quando a mesma se mostrar necessária, porquanto a garantia importa para o vendedor uma de duas obrigações, ou seja, a reparação da coisa ou, se a reparação não for possível e a coisa for fungível, a da sua substituição, independentemente de culpa do vendedor ou de erro do comprador[1], por se estar perante uma garantia objectiva[2].

O réu deveria ter acelerado a reparação do veículo e não protelar a obtenção da peça de substituição necessária para o efeito, pelo prazo de cerca de seis meses, o que se tornava, absolutamente, indispensável para permitir ao autor usufruir da viatura, única de que dispunha.

Ora, não tendo o réu procedido, imediatamente, à reparação do veículo, como lhe competia, e que apresentava necessária, por traduzir um sério defeito de funcionamento, ressalvado o prazo razoável da sua execução que, no caso concreto, se prolongou por quinze dias, constituiu-se em mora, por incumprimento contratual culposo, com a consequente obrigação de reparar os danos causados ao autor, em conformidade com o estipulado pelos artigos 562º, 563º, 564º, 566º, 804º, nºs 1 e 2 e 805, nº 1, todos do CC[3].

Em consagração do princípio da restauração ou reposição natural, estipula o artigo 562º, do CC, que “quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

Efectivamente, o dano resultante da privação do uso de uma viatura, imobilizada para reparação, deve ser ressarcido, de acordo com o princípio da restauração «in natura», com a efectiva disponibilidade ao lesado de outra que a substitua, semelhante ou equivalente, sem necessidade de pedido expresso do lesado, a quem, de imediato, deve ser colocado à disposição um veículo equivalente ao inoperacional, até à sua reparação, por obediência ao princípio de que, por via de regra, a indemnização deve ser efectuada pela reconstituição natural da situação que existia antes da lesão[4], ou, em alternativa, através da indemnização das despesas por ele suportadas, em consequência da sua privação.

A privação do uso de veículo, durante o período necessário para a sua reparação, constitui um dano emergente do defeito verificado, de natureza ressarcível, porque teve como causa a imobilização subsequente provocada pela avaria, tratando-se de um daqueles danos que o lesado, provavelmente, não teria sofrido se não fosse a lesão, nos termos do estipulado pelo artigo 563º, do CC, sendo certo que a utilização dos bens faz parte do círculo de interesses patrimoniais inerentes aos mesmos, e que a simples possibilidade do seu uso ou do não uso constitui uma vantagem patrimonial que, uma vez afectada, deve ser ressarcida[5].

Efectivamente, a finalidade da obrigação de indemnizar consiste em colocar, a cargo do lesante, a prática de certos actos, com vista a criar uma situação que se aproxime, o mais possível, daquela em que o lesado, provavelmente, estaria, de acordo com a sucessão normal dos factos, no momento em que é julgada a acção de responsabilidade, se não tivesse lugar o facto que lhe deu causa.

A indemnização em dinheiro assume, por seu turno, carácter subsidiário, como acontece quando não seja possível a reconstituição da situação anterior à lesão, isto é, a reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano, em conformidade com o disposto pelo artigo 566º, nº 1, do mesmo diploma legal.

E o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, ou seja, o dano emergente, como, também, os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, mas que, então, ainda não tinha direito, isto é, o lucro cessante, atento o estipulado pelo artigo 564º, nº 1, do CC.

A isto acresce que, nos termos do preceituado pelo artigo 566º, nº 2, do CC, “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.

Conjugando o teor deste preceito com o texto do já citado artigo 562º, conclui-se que foi intenção do legislador a atribuição ao lesado de uma quantia correspondente ao valor actual dos danos sofridos, porquanto só assim será colocado na situação em que estaria se aqueles se não tivessem verificado.

E estes danos consistiram para o autor em não poder manter o seu veículo em circulação, com a devida reparação, encontrando-se impossibilitado de utilizar a viatura[6], e não, conforme alega, naqueles que emergiram do pagamento do mútuo financiado, no montante de €1982,88, que teve que suportar, mas que não são, por sua natureza, indemnizáveis, porquanto teria, igualmente, de satisfazer esse quantitativo, na hipótese de o veículo não ter ficado inoperacional.

Porém, o autor não alegou o montante dos danos resultantes da impossibilidade de manter o veículo em circulação.

Tendo o lesado direito à indemnização pelos prejuízos decorrentes da imobilização do veículo danificado, compete ao réu, enquanto lesante, providenciar, em princípio, como se disse, pela sua reparação.

Mas, impossibilitado que estava de utilizar o veículo, no decurso do aludido período de 172 dias, o réu colocou à disposição do autor, em sua substituição, uma outra viatura, a partir do dia 5 de Junho de 2003, que este apenas utilizou durante 18 dias, devolvendo-a ao réu, a partir de então, alegadamente, por se tratar de um veículo de gama inferior ao seu, por necessitar de uma bateria nova e, finalmente, porque a porta do condutor apenas abria, accionando o fecho exterior.

Efectivamente, enquanto o veículo do autor era um Volvo, topo de gama, com sistema de segurança para embate lateral, frontal e traseiro, barras nas portas, ABS, controlo de tracção, ar condicionado e aquecimento central, o veículo de substituição oferecido pelo réu, também, em 2ª mão, era um Honda Civic 1.4., de 1995, a gasolina, com direcção assistida, fecho centralizado de portas e vidros eléctricos.

Entre os prejuízos resultantes de uma avaria mecânica, contam-se os que decorrem da impossibilidade do uso do veículo afectado, quando este seja indispensável para a actividade quotidiana do lesado, competindo à entidade responsável pelo ressarcimento dos danos provar que colocou à disposição daquele um veículo de substituição e que este o recusou, para evitar o pagamento dos custos decorrentes, quer do aluguer de um veículo, quer da utilização de carros de praça, por parte do lesado, durante o período da respectiva imobilização, não tendo este obrigação de o solicitar à referida entidade[7].

O veículo de substituição, em caso de privação do avariado ou do acidentado, é, de acordo com as regras da experiência de vida, por via de regra, um veículo de menor qualidade, destinado a responder às necessidades correntes do quotidiano do condutor da viatura afectada.

Consultando a informação oferecida pelas empresas da especialidade que se dedicam ao aluguer de veículos automóveis sem condutor, é razoável considerar o “Volkswagen Passat Estate” um sucedâneo da viatura do autor, susceptível de a substituir, adequadamente, num período de tempo transitório, cujo custo diário de utilização se cifrava, à data da reparação, atendendo, outrossim, ao fenómeno inflacionário, entretanto, verificado nos cinco anos antecedentes, em cerca de 80.00€[8].

Para que o dano de privação do uso do veículo seja indemnizável, seja qual for a natureza do prejuízo, não basta afirmar-se que, durante determinado período, o lesado esteve privado de o utilizar, porquanto a sua ressarcibilidade tem de ser justificada, perante as circunstâncias específicas de cada caso.

Embora se admita a relutância do autor em aceitar um veículo de substituição com problemas de bateria e com dificuldades de accionamento do fecho da porta, não se provou que aquele tivesse solicitado ao réu a correcção destas anomalias, com as quais conviveu, durante 18 dias, mas antes que se sentiu diminuído na sua auto-estima, por ter de circular num veículo de gama inferior.

Aceita-se que o veículo de substituição não garantia idênticas condições de funcionalidade, equipamento, conforto e segurança às do Volvo do autor, mas não se demonstrou que este não pudesse ver satisfeitas as suas necessidades de transporte, em circunstâncias adequadas, com a concreta viatura de substituição que lhe foi oferecida.

Assim sendo, considera-se que o réu, a partir do momento em que pôs à disposição do autor o aludido veículo alternativo, cumpriu a obrigação que sobre si recaía de facultar ao autor um automóvel de substituição, razão pela qual a não consideração desse período temporal no cômputo da indemnização por tal dano, mostra-se conforme ao disposto no artigo 570º, nº 1, do CC.

Não o fez, porém, imediatamente, como lhe competia, ou seja, durante o período inicial de 44 dias, compreendido entre 21 de Abril e 5 de Junho, lapso de tempo em que se circunscreve a sua responsabilidade pelo prejuízo suportado pelo autor com a respectiva imobilização, no total de €3520,00 [€80,00x44=€3520,00].

              II. DA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS

O autor reclama, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a condenação do réu no pagamento da quantia de €3517,12.

O dano tem natureza não patrimonial quando representa o conjunto de incómodos, inconvenientes, contrariedades e esforços do lesado, ditado pela impossibilidade de usar o veículo, sendo certo, outrossim, que a ressarcibilidade do dano terá de apresentar uma gravidade tal que reclame a protecção do direito, nos termos do disposto pelo artigo 496º, do CC, não se justificando a compensação pecuniária de prejuízos insignificantes ou de diminuto valor, que todos devem suportar num contexto de adequação social, como acontece com os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades[9].

Neste particular, ficou demonstrado que o autor se deslocava de mota para o seu local de trabalho, que dista cerca de 25 Km da sua residência, que tem dois filhos, que vivem em Alcobaça, que, no Verão de 2003, não foi para o Algarve ou para o Sul de Espanha com os filhos, como era hábito nos anos anteriores, que teve de efectuar quatro deslocações ao Porto, em veículos de amigos seus, a fim de ser submetido a tratamento cirúrgico, à garganta e nariz, que foi vítima, em 10 de Setembro de 2003, de um acidente de trabalho, tendo-se socorrido da ajuda de amigos para o transportarem aos tratamentos, que se sentiu desgostoso, por se ver privado do uso do seu veículo, durante o tempo da sua imobilização, diminuído na sua auto-estima, por ter de circular num veículo de gama inferior, com os defeitos já referidos.

Com efeito, as férias do Verão de 2003, a cirurgia à garganta e nariz e o acidente de trabalho aconteceram, após o autor ter recusado o veículo de substituição facultado pelo réu, razão pela qual não pode imputar à falta absoluta de veículo os desgostos que, a esse propósito, vivenciou, o que aconteceu, de igual modo, com as deslocações em mota para o seu local de trabalho ou com a realização das visitas aos filhos, em Alcobaça, a partir de 5 de Junho de 2003, quando recebeu a aludida viatura.

Resta, então, considerar os desgostos que sofreu, por se ver privado do uso do seu veículo, em relação às deslocações em mota para o seu local de trabalho ou com a realização das visitas aos filhos, em Alcobaça, no período temporal compreendido entre 21 de Abril e 5 de Junho de 2003, que se traduzem em danos indemnizáveis, nos termos do preceituado pelo artigo 496º, nº 1, do CC.

Assim, a este título, considerando a extensão e a gravidade relativa destes danos, condena-se o réu a pagar ao autor a indemnização, por danos não patrimoniais, de €750,00.

Ascenderia, em princípio, a indemnização a arbitrar ao autor, por danos patrimoniais e não patrimoniais, ao quantitativo de €4270.00, o que, sendo inferior ao valor do pedido [€5.500,00], é, porém, superior ao montante definido pela sentença recorrida [€4.095,00], com o qual o autor se conformou, e que, consequentemente, não pode ser ultrapassado, ao abrigo do princípio da proibição da «reformatio in pejus», consagrado pelo artigo 684º, nº 4, do CPC[10].   

CONCLUSÕES:

I - A garantia de bom funcionamento da coisa vendida, tendo os efeitos de uma obrigação de resultado, importa a responsabilidade objectiva do vendedor, em relação aos deveres de reparar a coisa ou de proceder à sua substituição, desde que a mesma apresente defeito, constituindo um mais em relação aos direitos conferidos ao comprador pelos artigos 913º e seguintes, do CC.

II - O conceito de garantia objectiva pressupõe a ideia de que o vendedor dispõe de meios para poder obviar a qualquer avaria ou necessidade de reparação ou substituição corrente da coisa, logo que se verifique o vício ou o seu mau funcionamento.

III - A privação do uso de veículo, pelo comprador, durante o período necessário para a sua reparação, constitui um dano emergente do defeito verificado, de natureza ressarcível, porque teve como causa a imobilização subsequente provocada pela avaria.

IV – A partir do momento em que o vendedor põe à disposição do comprador um veículo alternativo sucedâneo, cumpriu a obrigação que sobre si recaía de lhe facultar um automóvel de substituição.

                                                               *

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar a apelação improcedente e, em consequência, ao abrigo do princípio da proibição da «reformatio in pejus», consagrado pelo artigo 684º, nº 4, do CPC, condenam o réu a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, o quantitativo global fixado pela sentença recorrida, ou seja, de quatro mil e noventa e cinco euros [€4095], acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, em relação ao montante de €3345, respeitante aos danos de natureza patrimonial, e, desde a data da sentença e até integral pagamento, em relação ao quantitativo de €750,00, respeitante aos danos de natureza não patrimonial.

                                                                *

 

Custas, a cargo do réu.


[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 216 e 217.
[2] Mota Pinto e Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, O Direito, Ano 121º, 1989, II (Abril-Junho), 291; Mota Pinto, Direito Civil, 1980, 112.
[3] Mota Pinto, com a colaboração de Calvão da Silva, Garantia de Bom Funcionamento e Vícios do Produto, Responsabilidade do Produtor e do Distribuidor, CJ, Ano X, T3, 17 e seguintes (28); STJ, de 3-4-2003, CJ (STJ), Ano XI, T2, 19; RL, de 17-5-78, CJ, Ano III, T3, 950.
[4] RE, de 1-6-2000, BMJ nº 498, 291.
[5] Meneses Leitão, Direito das Obrigações, I, 297; António Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano da Privação do Uso, 26 e 67.
[6] STJ, de 9-5-1996, BMJ nº 457, 325.
[7] RP, de 23-11-95, BMJ nº 451, 501.
[8] http://www.ealuguerdecarros.pt
[9] Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, 555 e 556.
[10] STJ, de 24-2-1999, BMJ nº 484, 359; e de 16-3-1989, BMJ nº 385, 552.