Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
554/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: FUNDAMENTOS PARA O INDEFERIMENTO IMEDIATO DE PETIÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO
Data do Acordão: 06/22/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTº 354º DO CPC
Sumário: I- O actual artº 354º do Cód. Proc. Civil não indica os fundamentos para o indeferimento imediato – expressão equivalente a indeferimento liminar – da petição de embargos de terceiro.
II- O indeferimento imediato, anterior à produção de prova, deve ser reservado aos casos de caducidade do direito de embargar, de ilegitimidade do embargante ou de manifesta improcedência do pedido.
III- Para este efeito, a manifesta improcedência do pedido tem de ser aferida apenas face à petição de embargos, sem recurso a elementos exteriores, nomeadamente presentes no processo do qual os embargos sejam dependência, os quais só em momento posterior, de recebimento ou rejeição dos embargos, conjuntamente com o resultado das diligências probatórias realizadas, podem ser utilizados para se concluir se há ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante.
Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO
A, residente no Edifício 3 Reis, Rotunda Sul, nº 14 – 3 AC, 2495 Fátima, deduziu, em 21/11/2003, embargos de terceiro com função preventiva contra “JURISVENDA – Vendas Judiciais e Extrajudiciais, Lda”, B, “DECORFÁTIMA, Decorações e Representações, Lda” e “TECAR – Centro Técnico de Manutenção Auto, Lda”, visando impedir que seja efectuada a entrega, ordenada nos autos de procedimento cautelar de que os embargos de terceiro são apenso, à requerida “JURISVENDA – Vendas Judiciais e Extrajudiciais, Lda” do prédio urbano sito na Rua Colégio de S. Miguel, em Cova da Iria, Fátima, concelho de Ourém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o nº 281, freguesia de Fátima, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 2762, onde se encontra instalado o estabelecimento comercial (oficina de reparação e manutenção de automóveis) denominado “TECAR”.
Alegou, para tanto, em síntese, que desde 8 de Outubro de 2003, mercê de um contrato de cessão de exploração outorgado com a requerida “TECAR- Centro Técnico de Manutenção Auto, Lda”, vem explorando o estabelecimento comercial instalado no prédio cuja entrega foi ordenada; e que a realização da entrega impedi-lo-ia de ali continuar a exercer a actividade de reparação e manutenção de automóveis.
Conclusos os autos, foi proferido o despacho de fls. 25 e 26, rejeitando liminarmente os embargos de terceiro, com o fundamento de que a pretensão do requerente não pode proceder, sendo manifesta a probabilidade séria de não existência do direito por si invocado.
Inconformado, o requerente interpôs recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos de embargos, e com efeito suspensivo.
Na alegação de recurso que apresentou, em que pede a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que admita os embargos, o agravante formulou as conclusões seguintes:
1) Impugna-se pelo presente recurso a decisão de 21 de Novembro de 2003 que rejeita liminarmente os embargos;
2) Desde logo não se invoca na decisão recorrida que não haja probabilidade séria do direito invocado pelo embargante, como impunha o artº 354º do Cód. de Proc. Civil;
3) Justifica-se a sentença recorrida com uma pretensa (e irrelevante) probabilidade séria de não existência do direito invocado pelo embargante, estribada em suposições, conjecturas, palpites sobre o carácter simulado e a consequente invalidade do contrato de arrendamento celebrado em 1996 entre a cedente da exploração e a proprietária do prédio à altura;
4) Ora, tais questões só poderão ser esclarecidas na fase contraditória dos embargos, pelo que se estranha a decisão proferida;
5) Sustenta-se também a decisão recorrida no art. 1.041º, nº 1, 2ª parte, do Cód. Proc. Civil, já revogado, por ali se defender que a sua «doutrina continua em vigor»;
6) Ora, para além de anacrónica, tal asserção esbarra na doutrina posterior à sua revogação bem assim como no preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que a justifica por se afigurar que a definição dos casos em que os embargos devem ser ou não rejeitados é matéria estritamente de direito civil – não competindo naturalmente à lei do processo enunciar regras sobre critérios substanciais de decisão do pleito - pondo-se termo à contradição entre o que consta de tal preceito e o regime substantivo da impugnação pauliana, designadamente nos termos dos artº 612º e seguintes do Cód. Civil;
7) Aplica portanto a decisão impugnada uma norma revogada - o art. 1.041º, nº 1, 2ª parte – e viola os preceitos legais aplicáveis, designadamente os artº 234º-A e 354º, todos do Cód. de Proc. Civil.
A agravada respondeu pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Foi proferido despacho de sustentação.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à apreciação e decisão deste Tribunal foi colocada apenas a questão de saber se havia ou não fundamento para o imediato indeferimento da petição de embargos.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Para além dos resultantes do relatório antecedente, são relevantes para a decisão do agravo os elementos factuais seguintes:
3.1.1. Em 29/07/2003 “JURISVENDA – Vendas Judiciais e Extrajudiciais, Lda” intentou, no Tribunal Judicial da comarca de Ourém, procedimento cautelar comum, ao qual coube o nº 1098/03.5TBVNO, contra Luís Filipe Gabriel de Matos, “DECORFÁTIMA – Decorações e Representações, Lda” e “TECAR – Centro Técnico de Manutenção Auto, Lda” pedindo para ser ordenado que os requeridos:
- reconhecessem a requerente como única dona e legítima proprietária do imóvel identificado e descrito no artigo 1º do requerimento inicial (armazém nº 6 correspondente ao rés-do-chão com 3 assoalhadas, uma divisão que serve de estação de serviço, outra de oficina e outra de armazém e cave para armazém, que confronta do norte com Matos & Santos, Lda, sul com estrada municipal, nascente armazém n° 5 e poente serventia, com a superfície coberta de l.300m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Fátima sob o artigo 2.762 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n° 00281/090387 da freguesia de Fátima);
- procedessem à entrega imediata à requerente do dito imóvel, livre, devoluto e com todos os seus pertences;
- se abstivessem de, por alguma forma e/ou meio, entrarem no imóvel e/ou perturbarem o pleno gozo do direito de propriedade pela requerente, imediatamente após a efectivação da entrega;
- se abstivessem e não perturbassem a realização de quaisquer obras de construção e/ou conservação que se mostrem necessárias realizar no dito imóvel, nomeadamente a construção de parede em qualquer material adequado destinado a pôr termo à ligação ou passagem do interior daquele imóvel em apreço para outros imóveis contíguos pertença dos requeridos ou de terceiros.
3.1.2. A “Jurisvenda, Lda” adquirira a propriedade do imóvel referido por adjudicação no processo de execução fiscal nº 2127 – 01/100 581.2 e apensos, em que figurava como executada a “Decorfátima, Lda”.
3.2.3. No acto de abertura de propostas e adjudicação que teve lugar no dia 16 de Outubro de 2002, no Serviço de Finanças de Ourém, Luís Filipe Gabriel de Matos, fiel depositário do imóvel, declarou que pretendia exercer o direito de preferência para a firma “Decorfátima, Lda”, da qual era gerente e, instado a esclarecer o respectivo fundamento legal, declarou que, afinal, pretendia exercer o direito de preferência para a “Tecar, Lda”, da qual também era gerente, «uma vez que existia, há mais de dez anos, um contrato de comodato com aquela empresa».
3.2.4. Não tendo, contudo, fundamentado o pedido em termos legais ou exibido os pertinentes documentos, não foi tal direito reconhecido.
3.2.5. A “Tecar, Lda” arguiu, depois, sem êxito, a “nulidade da arrematação”, alegando que o seu representante legal «declarou na presença dos presentes que queria exercer o direito de preferência como inquilina do prédio em arrematação» e que foi ilegalmente «impossibilitada de exercer o direito de preferência quando é arrendatária do prédio em causa desde 1992».
3.2.6. Em 28/07/2003, a “Jurisvenda, Lda” intentou no Tribunal Judicial da comarca de Ourém acção especial de impugnação de depósito de renda contra a “Tecar, Lda”, alegando que esta efectuou um primeiro depósito de renda em 09/07/2003, mas que não a reconhecia como arrendatária.
3.2.7. Em 11/08/2003, no procedimento cautelar mencionado em 3.1.1., cada uma das requeridas “DECORFÁTIMA – Decorações e Representações, Lda” e “TECAR – Centro Técnico de Manutenção Auto, Lda” deduziu oposição alegando, no essencial, que reconhecem que a requerente adquiriu a propriedade do imóvel em questão, que anteriormente era da “DECORFÁTIMA”, por adjudicação no processo de execução fiscal aludido, mas que essa circunstância não extingue o contrato de arrendamento do mesmo imóvel à “TECAR”, vigente há cerca de quinze anos, pelo que a providência cautelar pretendida não pode ser decretada.
3.2.8. Juntaram um contrato de comodato em que figuram a “Decorfátima, Lda” como comodante e a “Tecar, Lda” como comodatária, datado de 21/10/94 e um contrato de arrendamento em que figuram a primeira como senhoria e a segunda como inquilina, datado de 01/11/96, ambos tendo como objecto um armazém designado pelo nº 6, composto de rés do chão com estação de serviço, oficina e armazém, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3762 e ambos constando de simples escrito particular.
3.2.9. A cláusula 2ª do contrato de arrendamento tem o teor seguinte: “A renda será a título gratuito até 31 de Dezembro de 2000 e passará a renda mensal de 100.000$00 (cem mil escudos) a partir de 01 de Janeiro de 2001, pagável até ao dia oito do mês anterior a que disser respeito na sede da Segunda Outorgante”.
3.1.10. Com data de 10/10/2003 foi proferida decisão que julgou o procedimento cautelar totalmente procedente e – condicionando as providências ao pagamento pela requerente da caução de 2.500 €, a depositar à ordem dos autos no prazo de 10 dias – condenou os requeridos a:
“1. reconhecer a requerente como única dona e legítima proprietária do imóvel melhor id. e descrito no artigo 1° da p.i.
2. proceder à entrega imediata à ora requerente do imóvel melhor id. no artigo 1° da p.i., livre, devoluto e com todos os seus pertences;
3. não perturbar a realização de quaisquer obras de construção e/ou conservação que se mostrem necessárias realizar no dito imóvel, nomeadamente, a construção de parede em qualquer material adequado destinado a pôr termo à ligação ou passagem do interior daquele imóvel em apreço para outros imóveis contíguos pertença dos requeridos ou de terceiros, assim como
4. absterem-se de, por alguma forma e/ou meio entrarem no imóvel em apreço e/ou perturbarem o pleno gozo do direito de propriedade pela requerente sobre o dito imóvel, imediatamente e após a efectivação da entrega daquele à requerente”.
3.1.11. Nessa decisão consta que não se provou que “a Decorfátima houvesse em tempos celebrado contrato de comodato com a Tecar, Lda sobre o imóvel em questão”, que “a Decorfátima houvesse validamente dado de arrendamento o imóvel à Tecar, Lda” e que “a requerente disso tivesse conhecimento”.
3.1.12. E, em sede de especificação dos fundamentos da convicção do tribunal, consignou-se que “é assim, no mínimo, estranha esta sucessão de acontecimentos e a invocação em primeiro lugar de um contrato de comodato e em seguida de um contrato de arrendamento que só na providência cautelar vieram a ser juntos como fotocópia simples devidamente impugnada pelo ilustre mandatário da requerente. Não merece assim qualquer credibilidade a alegada existência de contrato de arrendamento e é convicção do Tribunal que o mesmo foi simulado entre as partes para efeitos de obviar à entrega do local ao seu legítimo adquirente.”
3.1.13. O despacho recorrido, que rejeitou liminarmente os embargos de terceiro deduzidos pelo agravante, tem o teor seguinte:
“Vem o requerente interpor os presentes embargos de terceiro alegando, em suma que desde 08 de Outubro de 2003, tem vindo a explorar o estabelecimento comercial de oficina de reparação e manutenção de automóveis denominada Tecar, conforme docs. particulares que junta, no qual, esta última sociedade transferiu para si a exploração do dito estabelecimento comercial.
Que o uso e fruição se manterão pelo período de 20 anos, sujeito a eventuais renovações.
Pede se suste a diligência de entrega até ser proferida decisão na fase introdutória dos presentes embargos.
Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrária, não pode a pretensão do requerente proceder, sendo manifesta a probabilidade séria de não existência do direito por si invocado.
De facto, em 29-07-2003 foi instaurado procedimento cautelar em que é requerente Jurisvenda – Vendas Judiciais e Extra-Judiciais, Lda e requeridos, entre outros, Tecar, Lda, o qual após várias vicissitudes veio a terminar por nossa Sentença, onde se decidiu:
«1. reconhecer a requerente como única e legitima proprietária do imóvel melhor id. e descrito no art° 1° da P.I..
2. proceder à entrega imediata à ora requerente do imóvel melhor id. no art° 1° da P.I., livre e devoluto e com todos os seus pertences (...)
4. absterem-se de, por alguma forma e/ou meio de entrarem no imóvel em apreço e/ou perturbarem o pleno gozo do direito de propriedade pela requerente sobre o dito imóvel, imediatamente e após a efectivação da entrega daquele à requerente.»
A nossa sentença tem a data de 10 de Outubro de 2003. Mais, aí e a fls. 345 declarou-se não se ter provado que a Decorfátima, Lda, houvesse em tempos celebrado contrato de comodato ou dado de arrendamento o imóvel à Tecar, Lda dizendo-se a fls. 347 «Não merece assim qualquer credibilidade a alegada existência de contrato de arrendamento e é convicção do Tribunal que o mesmo foi simulado entre as partes para efeitos de obviar à entrega do local ao seu legítimo adquirente.»
Ora, por demais estranho (se é que de estranheza se pode falar) que a Tecar, 2 dias antes da nossa decisão, tenha decidido «ceder a exploração do dito estabelecimento comercial ao requerente», quando efectivamente não poderia ceder direitos que não possuía por ser nulo o contrato de arrendamento por si invocado e simulado com a Decorfátima, Lda.
Ora, a ordem jurídica no seu todo impõe ao Juiz o dever de rejeitar os embargos quando for manifesta a fraude na transmissão (seja esta simulada ou verdadeira) de que deriva o alegado direito invocado pelo embargante.
Tal é causa de indeferimento liminar da petição de embargos.
Esta situação era aliás prevista no antigo artigo 1041°, n° 1, 2a parte, já revogado, cuja doutrina continua em vigor, e que dizia que quando «a posse do embargante se fundar em transmissão feita por aquele contra quem foi promovida a diligência judicial, se for manifesto, pela data em que o acto foi realizado ou por quaisquer outras circunstâncias, que a transmissão foi feita para o transmitente se subtrair à sua responsabilidade».
É, assim convicção do Tribunal que as partes apenas pretenderam obviar à já decidida entrega e agiram de má fé para a evitar pelo que rejeitamos liminarmente os presentes embargos.
Custas pelo embargante.
Notifique.”
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3.2. De direito
Dispõe o artº 354º do Cód. Proc. Civil:
“Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante.”
No Código de Processo Civil anterior à revisão operada pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/12 existia já a previsão de dois momentos distintos para a avaliação da viabilidade dos embargos de terceiro: um primeiro de recebimento ou indeferimento imediato (ou liminar) e um segundo de recebimento (ainda provisório, assegurando apenas o seguimento dos embargos) ou de rejeição. Com efeito, na segunda parte do artº 1040º estava estabelecido que “se não houver razão para indeferimento imediato, inquirir-se-ão as testemunhas, e os embargos serão recebidos ou rejeitados de harmonia com a prova produzida”.
A lei nada dizia sobre os fundamentos para o indeferimento imediato, mas, no tocante à rejeição, estipulava no artº 1041º, nº 1 que “a rejeição pode basear-se em qualquer motivo susceptível de comprometer o êxito dos embargos, e designadamente no de a posse do embargante se fundar em transmissão feita por aquele contra quem foi promovida a diligência judicial, se for manifesto, pela data em que o acto foi realizado ou por quaisquer outras circunstâncias, que a transmissão foi feita para o transmitente se subtrair à sua responsabilidade”.
O actual artº 354º do Cód. Proc. Civil também não indica os fundamentos para o indeferimento imediato – expressão equivalente ao indeferimento liminar – e não reproduz o fundamento para a rejeição exemplificativamente previsto na lei anterior. A razão é explicada no preâmbulo do Dec. Lei nº 329-A/95, onde se refere que se eliminou “o regime constante do actual artigo 1041.° do Código de Processo Civil, por se afigurar que a definição dos casos em que os embargos devem ser ou não rejeitados é matéria estritamente de direito civil – não competindo naturalmente à lei de processo enunciar regras sobre os critérios substanciais de decisão do pleito –, pondo-se termo à contradição entre o que consta de tal preceito e o regime substantivo da impugnação pauliana, designadamente nos termos dos artigos 612.° e seguintes do Código Civil”.
A lei limita-se, nesta matéria, a estabelecer que os embargos serão recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante. Claro que a circunstância de a posse ou direito do embargante se fundar em transmissão feita por aquele contra quem foi promovida a diligência judicial e ser manifesto que a transmissão foi feita para o transmitente se subtrair à sua responsabilidade, será um forte indício de que não há probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante.

Segundo Lebre de Freitas Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 622., “a dupla existência do despacho liminar e do despacho de recebimento ou rejeição, um e outro proferidos antes de ouvida a parte contrária, leva a concluir que o indeferimento liminar, anterior à produção de prova, deve ser reservado aos casos de caducidade do direito de embargar, por dedução fora do prazo do art. 353-2, de ilegitimidade do embargante, por não se verificarem os requisitos do art. 351-1 (embargos deduzidos: por uma das partes na causa; com base em posse ou direito compatível com a providência ordenada; insusceptível de por ela ser ofendido), ou de manifesta improcedência do pedido (cf. Art. 234-A-1), enquanto que o despacho de rejeição deverá ter lugar quando, embora a posse ou o direito invocado fosse em abstracto susceptível de fundar embargos de terceiro, da prova sumariamente produzida não resulta a séria probabilidade da verificação dos respectivos factos constitutivos ou resulta, pelo contrário, a séria probabilidade da ocorrência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito dos primeiros”.
No caso dos autos não se passou da primeira etapa da fase introdutória dos embargos de terceiro, tendo a respectiva petição sido objecto de indeferimento imediato.
E, não se tendo o indeferimento fundado em caducidade do direito de embargar nem na falta dos requisitos legais previstos no artº 351º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, embora o não diga expressamente, o fundamento invocado na decisão sob recurso só pode ser o de o pedido ser manifestamente improcedente.
Contudo, se bem vemos, para este efeito, a manifesta improcedência do pedido tem de ser aferida apenas em face da petição dos embargos, sem recurso a elementos exteriores, nomeadamente presentes no processo do qual os embargos sejam dependência (em que haja sido ordenado o acto ofensivo do direito do embargante – artº 353º, nº 1 do Cód. Proc. Civil), os quais só em momento posterior, de recebimento ou rejeição dos embargos, conjuntamente com o resultado das diligências probatórias realizadas, podem ser utilizados para se concluir se há ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante.
Ora, salvo o devido respeito por opinião adversa, tendo em conta apenas a petição de embargos, o pedido nela formulado não é manifestamente improcedente, o que conduz à conclusão da falta de fundamento para o decretado indeferimento imediato.
Procedem, portanto, as conclusões da alegação do agravante, o que conduz ao provimento do agravo e à revogação do despacho sob recurso.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida.
As custas são a cargo da agravada “JURISVENDA – Vendas Judiciais e Extrajudiciais, Lda” artºs 446º do CPC e 2º, nº 1, al. g) do Cód. Custas Judiciais.