Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3773/06.3TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: ASSISTENTE
CONSTITUIÇÃO
FALSIDADE DE DEPOIMENTO OU DECLARAÇÃO
Data do Acordão: 05/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 113º,359º CP,68º, 69º E 74º, 1 CPP
Sumário: 1. O conceito de assistente não se confunde com o conceito de lesado contido no artº 74º nº 1 CPP.
2. A noção de lesado é mais ampla e extensiva do que a de assistente.
3. Sempre que se aprecia um pedido de constituição de assistente há que ter uma particular atenção à norma incriminadora já que é através dela que se alcança o interesse que o legislador quis proteger ao tipificar determinada conduta como criminosa.
4. No crime de falsidade de depoimento ou declaração p. e p. no artº 359º CP é admissível a constituição de assistente
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

T..., Ldª, interpôs recurso do despacho proferido pelo Mmº Juiz do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, que lhe indeferiu o pedido de constituição de assistente.
No que à referida questão concerne, vêm formuladas as seguintes conclusões:
“ 1. O douto despacho de fls. deve ser revogado.
2. É inequívoco - daí a inserção sistemática do próprio dispositivo incriminador (Capítulo III, "Dos crimes contra a realização da justiça", do Título V, "Dos crimes contra o Estado") - que, no tipo legal de crime em apreço, se visa proteger o interesse do Estado.
3. Todavia, daí não se pode partir para considerar que, perante um crime de "Falsidade de depoimento", apenas o interesse do Estado é protegido.
4. O crime em apreço, p. e p. pelo artigo 359°, nº 1, do CP (na sua versão "matricial", i.e., sem prejuízo da agravação prevista no artigo 361° do mesmo Código) "coabita", no mesmo capítulo, com o crime de denúncia caluniosa (p. e p. pelo artigo 365° do CP.
5. Quanto ao crime de denúncia caluniosa, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência, no sentido de ser admissível a constituição como assistente por parte do "caluniado" nos processos ­crime visando a perseguição e punição do aludido crime (vide, Ac. nº 8/2006, de 12.10.2006, tirado no processo nº 2859/2005, da 5ª Secção do ST J).
6. Entre a denúncia caluniosa e a falsidade de depoimento há outras semelhanças (e lugares comuns) para além da simples arrumação no Código Penal.
7. Num e noutro caso - assim como, "mutatis mutandis", nos crimes de falsificação (cfr. artigo 256°, nº 1, do CP) - a conduta do agente tem um objecto (e um objectivo) mediato: ela visa (re) definir, de modo lesivo, a esfera jurídica de uma terceira pessoa.
8. Com efeito, ao prestar falso depoimento, o depoente presta-o "contra" alguém.
9. Do mesmo modo, ao denunciar factos consabidamente falsos, o denunciante fá-lo contra alguém.
10.Assim, em todos estes crimes, além do interesse do Estado - i.e., o interesse geral, presente em todos os crimes, e o interesse especial, autonomizado em cada um dos casos (v.g., no caso da denúncia caluniosa, o interesse de que a máquina punitiva do Estado não seja desencadeada inutilmente, e no caso das falsas declarações, o interesse da segurança e confiança do - e no - tráfico jurídico), avulta um outro interesse especial: o do particular, visado - directa ou reflexamente - com a conduta criminosa.
11. A Jurisprudência, "unanimemente" - mediante Acórdão de Uniformização de Jurisprudência - veio reconhecer ao "caluniado" o direito a constituir-se como assistente.
12. Os motivos são fáceis de entrever: a conduta criminosa é (potencialmente) lesiva de direitos essenciais, de matriz constitucional, como o direito à honra, ao bom-nome, e o direito a não ser incomodado como processos inúteis e injustos (uma espécie de "direito negativo" a "não ser incomodado pela Justiça"). - cfr. Ac. do STJ supra referido.
13. No caso concreto, da falsidade de depoimento, não podemos obliterar - e os presentes autos são elucidativos - que a conduta do agente se processa no quadro de um processo judicial concreto - o processo nº 755/05.6TTLRA, do 1° Juízo do Tribunal do Trabalho de Leiria - com partes, com actores concretamente identificados, com direitos e deveres.
14. No caso concreto, não podemos apagar o facto de que o aqui arguido e aí autor - i.e., demandante - formulou um pedido, traduzido no pagamento de uma quantia em dinheiro.
15. O depoimento de parte, pese embora destinado a obter a confissão do depoente (i.e., neste caso, do A.), é, em todo o caso, livremente apreciável pelo Tribunal.
16. Divisa-se um identidade substancial entre o âmbito de protecção da denúncia caluniosa - Estado e caluniado - e da falsidade de depoimento - Estado e parte contrária.
17. Num e noutro caso, além do interesse do Estado (geral e especial, como vimos), avulta o interesse de um (ou mais) particular: o interesse ao seu bom-nome, o interesse a que a máquina do Estado não seja movida contra si em condições iníquas.
18. No caso da falsidade de depoimento, avulta ainda um outro interesse material, não despiciendo: o direito de todo o cidadão a um "processo equitativo", a um processo justo, sem vícios e falsidades, cfr. artigo 20°, nº 4, da Constituição da República (CRP).
19. Ao prestar falso depoimento, o arguido viciou as regras do jogo processual.
20. Em condições que a lei qualifica como "crime"!
21 .Ao fazê-lo, a lei sublinha não apenas o dever do depoente não mentir perante o Tribunal,
22. Mas vinca, de igual forma, os deveres de lealdade, cooperação e respeito que devem vigorar entre as partes de uma acção, cfr. artigos 266°, 266°-A e 266°-B, todos do Código de Processo Civil (CPC).
23. Assim, ao "criminalizar" a "falsidade de depoimento", não é só o andamento da Administração da Justiça que se protege,
24. Mas também o interesse dos outros actores do processo, cujas posições jurídicas materiais e adjectivas conflituem com a do depoente.
25. Dessa forma, tal qual na denúncia caluniosa, há um interesse especial que é - ou deve! - ser protegido com a incriminação, e que não é concretamente titulado pelo Estado, mas sim por um (ou mais) particular.
26. Um interesse substancial, cuja dignidade ultrapassa a da "mera" lesão.
27.A solução propugnada pelo Tribunal "a quo" inviabiliza duplamente o direito da ofendida/participante ao Direito e à Justiça.
28. Com efeito, impede-a de, como ofendida, contribuir activamente para a perseguição e punição de uma conduta (a prestação de falso depoimento) que lhe denega direitos fundamentais: quer direitos de "personalidade" (bom-nome), quer direitos patrimoniais (a não ser esbulhada pelo arguido), quer direitos mais relevantes, como o direito a um processo equitativo, sem batota.
29.Assim, entende-se que, ao considerar-se que, numa situação como a dos autos, a participante não pode constituir-se como assistente num processo-crime, viola-se o direito constitucional da queixosa de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva. - cfr. artigo 20° ("maxime", o nº 4) da CRP.
30. Tal direito, como vimos, radica nos princípios que norteiam o processo civil, que vinca, solidamente, deveres de colaboração e cooperação entre as partes.
31.Assim, a parte que presta falsas declarações, compromete esses deveres, compromete esse equilíbrio natural.
32. Ao criminalizar essa actuação processual, a lei penal sublinha não apenas o dever do depoente não "enganar" o Estado, mas também o dever de lealdade para com o seu "oponente" processual.
33. Uma outra circunstância gera um desequilíbrio constitucional, em nosso entender.
34. Com efeito, parece-nos existir uma determinada "identidade substancial" entre a denúncia caluniosa ("tout court") e a falsidade de depoimento, no caso concreto.
35. Assim, o "falso depoimento" prestado nos autos do Tribunal de Trabalho configuram um atentado ao bom-nome e honradez da queixosa.
36. Logo, tal identidade deve permitir que a mesma se constitua como assistente.
37.Assim, o artigo 68°, nº 1, a) do CPP e o artigo 359°, nº 1, do CP, devem ser lidos de maneira a que, em cada caso concreto, perante a estrutura típica do crime e a descrição material dos factos, se admita, ou não, face aos interesses (e bens jurídicos) em causa, e à sua "distribuição" pelas partes, a constituição do "visado" como assistente.
38. Caso contrário, viola-se o princípio da igualdade, previsto no artigo 13°, nº 1 da CRP, impedindo-se o visado por "falsas declarações" de " accionar a máquina punitiva do Estado, quando o Ministério Pública "desista" da iniciativa penal.
39. Quando, do inverso, tal interesse é assegurado ao caluniado.
40. Porventura, em casos em que os danos materiais são significativamente menores!
41. O crime de falsidade de depoimento é um crime complexo.
42. Não é possível afirmar que só o interesse do Estado é protegido.
43. Logo, assim sendo, é sempre de sustentar uma posição casuística.
44. Deste modo, se deixam, "ad cautelam", invocadas as referidas inconstitucionalidades, por violação do disposto nos artigos 13°, nº 1, e 20°, nº 4, da CRP.
45. O crime de "falsidade de depoimento", previsto no artigo 359°, nº 1, do CP, está sujeito a agravação - cfr. artigo 361° do mesmo Código.
46. Entre as circunstâncias "agravantes" encontram-se as seguintes: o agente actuar com intenção lucrativa; do facto resultar demissão de lugar, perda de posição profissional ou destruição das relações familiares ou sociais de outra pessoa; do facto resultar que, em vez do agente, outra pessoa seja condenada pelo crime que aquele praticou.
47. Ora, a existência das seguintes circunstâncias agravantes permite-­nos concluir que, aqui como na denúncia caluniosa, há outros interesses em causa, para além do interesse do Estado.
48º. Dúvidas não há de que é admissível a constituição como assistente perante um crime de falsidade de depoimento.
49.No caso dos autos, é - ademais - evidente que o arguido agiu com intenção lucrativa.”.
O Ministério Público e o arguido responderam, concluindo ambos que o recurso não merece provimento.
O Exmº Juiz sustentou o despacho.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto foi do parecer de que o recurso merece provimento.
Foi cumprido o artº 417º nº 2 CPP.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir a questão suscitada.

FUNDAMENTAÇÃO


Como é sabido os assistentes, salvo as excepções previstas na lei, têm a posição de colaboradores do MP, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo ( Cfr. artº 69º nº 1 CPP).
Trata-se, como refere Maia Gonçalves Código de Processo Penal Anotado, 16ª ed., pág. 199. “ de um sujeito processual subordinado ao MP, cessando porém a subordinação nos casos excepcionais que a lei prevê, maxime nos casos dos crimes particulares, na dedução da acusação e na interposição de recursos de decisões que o afectem”.
Sucede porém que nem todos podem constituir-se assistentes no processo.
O artº 68º enumera as pessoas que têm legitimidade para tal.
Assim aí se consigna que, além das pessoas e entidades a quem as leis especiais conferirem esse direito e dos outros titulares referidos nas alíneas b) a e) do nº 1 do Artº 68º CPP, podem ainda constituir-se assistentes, os” ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de dezasseis anos” ( alínea a) do artº 68º).
Ora considerando que o caso do recorrente não se enquadra em qualquer uma das restantes situações, resta verificar se o mesmo preenche a citada alínea a).
Face ao conteúdo da referida norma, resulta que o legislador quis consagrar um conceito restrito de ofendido, ao permitir a constituição de assistente apenas ao titular “ dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”.
Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, I, pág. 335. diz a propósito que ” só se considera ofendido, para os efeitos do artº 68º, nº 1 al. a), o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime e que, por isso, nem todos os crimes têm ofendido particular, só o tendo aqueles em que o objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é titular uma pessoa”.
Há pois uma inteira coincidência entre o titular do direito de queixa e a pessoa que pode constituir-se assistente (artº 113º nº 1 CP).
Refira-se igualmente ainda que o conceito de assistente não se confunde com o conceito de lesado contido no artº 74º nº 1 CPP, nos termos do qual é lesado todo aquele “ que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente”.
Há pois aqui uma clara distinção, em que se verifica que a noção de lesado é mais ampla e extensiva do que a de assistente.
Daí que haja que ter uma particular atenção à norma incriminadora sempre que se aprecia um pedido de constituição de assistente já que é através dela que se alcança o interesse que o legislador quis proteger ao tipificar determinada conduta como criminosa.
Por isso, uma vez encontrado o interesse protegido haja que verificar quem é o seu titular.
Ora no caso em análise o crime de falsidade de depoimento ou declaração imputado ao arguido, p. e p. no artº 359º CP, encontra-se integrado no Título V – dos Crimes contra o Estado, Capítulo III – Dos crimes contra a realização da justiça.
Assim dúvidas não há de que o bem jurídico protegido neste tipo de crime é o interesse na boa realização da justiça.
Acontece porém que a jurisprudência do STJ vem nos últimos anos entendendo que, no que respeita à constituição como assistente, só caso a caso, e perante o tipo incriminador, é possível afirmar, em última análise, se a mesma é de admitir.
É disso desde logo exemplo o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2003 DR- IA, de 03.07.27., DR-IA, de 27/2/2003, segundo o qual ”No procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento, p. e p. pela alínea a) do n.º 1 do artigo 256.º, do Código Penal, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente tem legitimidade para se constituir assistente”.
Mais recentemente e num caso paralelo àquele que abordamos, escreveu-se (AcSTJ de 05.07.2 Pº 05P2535, www.dgsi.pt 3):
“ Recentemente, este Supremo Tribunal de Justiça [Ac. de 29.3.2000, Acs do STJ, VIII, t. 2, pág. 234,] começou a inflectir o caminho anteriormente percorrido e decidiu que «sendo o objecto mediato da tutela jurídico-penal sempre de natureza pública (sem o que não seria justificada a incriminação), o imediato poderá também ter essa natureza ou significar, isolada ou simultaneamente com aquele, o fim de tutela de um interesse ou direito da titularidade de um particular.»
Posição que vai no sentido que se adiantou, de que «especial» não significa «exclusivo», mas sim «particular» e que um só tipo legal pode proteger mais do que um bem jurídico, questão a resolver face, ao mesmo tempo, ao caso concreto e ao recorte do tipo legal interessado.
Daí que tenha então este Tribunal julgado: «e pensamos não dever entender-se que em relação a cada crime só possa ter-se por especialmente prosseguida a protecção de um interesse. Não está excluído poder resultar do objectivo e natureza da incriminação que esta visa proteger especialmente mais do que um interesse.».
Nesse aresto, este Tribunal a partir da análise da globalidade e da regulamentação específica do tipo do crime de denúncia caluniosa [designadamente à circunstância da legislação em causa se reportar expressamente ao «ofendido», óbvia referência à pessoa concretamente atingida] admitiu a constituição como assistente do ofendido, por entender que, além do interesse na boa administração da justiça como interesse imediato que a lei quer especialmente proteger com a incriminação, quando os factos objecto da falsa imputação são lesivos do bom nome e honra do visado, está também em causa a tutela de direitos fundamentais da pessoa, que não deverão deixar de considerar-se como também queridos especialmente proteger com a incriminação daquele artigo, independentemente da possibilidade ou não de diferente incriminação da ofensa do interesse particular, mesmo que porventura numa relação de concurso efectivo e não aparente com aquela [Posição a que aderiu o Ac. do STJ de 23-5-02, proc. n.º 976/02-5] [Com o aplauso de Costa Andrade, Comentário Conimbrincense, III, pág. 529, em relação ao Ac. de 9.1.97].
Ora, este raciocínio cabe igualmente no crime de falsidade de depoimento.
Na realidade, não pode concluir-se pela inadmissibilidade da constituição de assistente somente a partir da natureza do crime, pois que, apesar de se tratar de um crime de actividade pode também visar a protecção de interesses particulares.
Mas não é o único bem jurídico particularmente protegido com a correspondente incriminação, atendendo ao conjunto do tipo.
Já se notou, que a agravação e concreta punição depende já não da actividade desenvolvida, mas também da natureza e gravidade das consequências para o ofendido concreto.
O que impõe a conclusão que o tipo em causa visa proteger a administração da justiça, mas (também) os prejuízos que os atentados podem causar a interesses de particulares.
Esses interesses particulares, se bem que não exclusivamente, são pois protegidos de modo particular pela incriminação, constituindo um dos objectos imediatos da incriminação.
O que se evidencia igualmente através das condicionantes da já referida possibilidade de retratação, tributária igualmente da extensão dos prejuízos causados aos ofendidos.
Assim, se num caso concreto, o agente, com a falsidade de depoimento, causou ou procurou causar prejuízo aos interesses particulares de determinada pessoa, esta poderá constituir-se assistente [trata-se de «os titulares dos interesses que a lei penal tem especialmente por fim proteger quando previu e puniu a infracção e que esta ofendeu ou pôs em perigo, são as partes particularmente ofendidas, ou directamente ofendidas e que, por isso, se podem constituir acusadores» Beleza dos Santos, Partes particularmente ofendidas em processo criminal, na Revista de Legislação e Jurisprudência, 57, pág. 2.].
Na verdade, a análise do tipo legal de falsidade de depoimento do art. 360.º do Código Penal, permite concluir que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afastou, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, aquele cujo prejuízo o agente visava, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente.”.
Deste modo e face a esta orientação, que perfilhamos, pese embora a norma vise proteger a boa realização da justiça, tal não significa o afastamento dos bens jurídicos de natureza individual, os quais têm necessariamente que ser considerados tutelados. E para isso tanto basta que da prática do referido crime resulte para estes um prejuízo.
Acresce que nos termos do nº 7 do artº 32º da CRP o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei.
Ora aplicando tais princípios ao caso vertente, parece-nos que dúvidas não podem existir de que do depoimento prestado pelo arguido pode resultar para o recorrente o pagamento de uma quantia em dinheiro referente a trabalho alegadamente não pago ao arguido, pelo que vingando esse depoimento, o atingido é o recorrente pois será este a sofrer o aludido prejuízo.
Daí que não se vislumbre razão para não admitir o recorrente a intervir como assistente.

DECISÃO


Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que admita o requerente a intervir nos autos na qualidade de assistente.
Sem custas.
Coimbra, 6 de Maio de 2009.