Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1211/06.0TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRAZO PARA REAPRECIAÇÃO DO PEDIDO
Data do Acordão: 06/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 61.º, N.ºS 2 E 3 DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I. – O novo Código Penal fixou nos n.ºs 2 e 3 do artigo 61.º um período mínimo de seis meses para o desencadeamento do processo de concessão da liberdade condicional e não um prazo dilatório que define um intervalo entre actos de apreciação sucessiva dos pressupostos da liberdade condicional.
II. – Se por efeito de aplicação de tais imposições, puder haver lugar a duas apreciações com intervalo inferior a 6 meses – seguramente raras e residuais – o intérprete não pode eximir-se ao cumprimento dos referidos limites. Se tal se verificar não pode deixar de acolher, por impositivo material, a verificação dos pressupostos, quer atingido o meio quer após o cumprimento de 2/3 da pena.
Decisão Texto Integral: 5

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
O Exmo. Magistrado do MºPº recorre da sentença (certificada de fls. 3 a 7) que, depois de recusar a concessão da liberdade condicional ao arguido A, ponderando que “sendo embora que os 2/3 da pena ocorrerão já em 16.05.2008 menos certo não é que, atento o critério definido no art. 61º, n.º2 do C. Penal, entre cada apreciação deve haver um período mínimo de 6 meses para possibilitar que o arguido se reoriente e permita um juízo diferente na próxima apreciação” decidiu “renovar a instância, para efeitos de liberdade condicional, para Julho de 2008”.
CONCLUSÕES:
1. São recorríveis todas as decisões penais que versem sobre direitos fundamentais, com o é o caso da decisão em crise.
2. No domínio do processo criminal, por força dos artigos 27º, 28º e 32º, n.º 1, da Constituição, acha-se constitucionalmente assegurado o duplo grau de jurisdição
3. No recurso da sentença que nega a liberdade condicional pode-se atacar a parte da decisão que fixa a data da nova apreciação da liberdade condicional.
4. A decisão que difere a apreciação da liberdade condicional para cinco meses mais tarde, em vez de na data em que ocorrem os 2/3 prejudica de forma séria o recluso.
5. Não há que cumprir qualquer período mínimo de seis meses de prisão entre cada apreciação da liberdade condicional.
6. Foram violadas as normas do artigo 61º, nº 3 do Código Penal e o artigo 484º do Código do Processo Penal.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a que a mesma fixe a data de reapreciação da libertação condicional do recluso para os 2/3 da sua pena.
Não foi apresentada resposta.
O Mº juiz do tribunal recorrido proferiu despacho de sustentação.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual se pronuncia pelo provimento do recurso.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos e tendo-se procedido a julgamento, cumpre apreciar e decidir.
Não está em causa a sentença na parte em que apreciou a verificação dos pressupostos da liberdade condicional ao arguido, decidindo negá-la. Mas apenas na parte em que entendeu não renovar a instância quando se mostrarem cumpridos 2/3 da pena.
Não se trata de despacho de mero expediente, surgindo antes como decisão produtora de efeitos materiais na esfera jurídica do arguido. Porquanto dela resulta, de forma directa e imediata, que o arguido não verá apreciada a concessão da liberdade condicional quando tiver cumprido 2/3 da pena.
Questionando-se assim se a referência a 6 meses efectuada no n.º3 do art. 61º do CP cria, como decidiu o Tribunal recorrido, um intervalo mínimo obrigatório de 6 meses entre as apreciações da liberdade condicional.
Postula o nº 2 do art. 61º referido preceito: O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade e no mínimo seis meses se (…).
Por sua vez o nº 3 do mesmo preceito estipula que O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, desde que (…).
Resulta das duas normas referidas que o legislador fixou um limite mínimo de cumprimento da pena (seis meses de prisão) para a concessão da liberdade condicional.
No pressuposto de que não faz sentido e não se justifica a aplicação do instituto antes daquele limite mínimo do cumprimento da pena.
Com efeito, constituindo a pena de prisão a ultima ratio do sistema, preside à sua aplicação um juízo de adequação particularmente rigoroso e exigente onde se destaca a demonstração de que é a única ajustada à satisfação das finalidades da pena. Pelo que, uma vez efectuado, pelo tribunal da condenação, tal juízo de adequação que preside à aplicação da pena efectiva de prisão, não se concebe o cumprimento de menos de seis meses possa satisfazer as finalidades da punição subjacentes à condenação.
Além de que só aquele mínimo de 6 meses permite avaliar o efeito da pena e o funcionamento institucional dos órgãos intervenientes no processo de concessão da liberdade condicional.
O legislador fixou igualmente um período máximo de duração da liberdade condicional (cinco anos) no pressuposto de que não faz sentido a aplicação de um período mais alargado.
O limite mínimo da liberdade condicional - que era de 3 meses na primeira versão do Código Penal - deixou de existir na revisão de 1995, mantendo-se o seu limite máximo e desaparecendo a possibilidade da prorrogação da sua duração.
Da letra dos dois preceitos reproduzidos do art. 61º do CO e da sua ratio resulta que a referência ao cumprimento do mínimo de 6 meses significa que está vedada a aplicação do instituto antes do cumprimento daquele período mínimo.
Trata-se de um período mínimo do cumprimento da pena indispensável para o desencadeamento do processo de concessão da liberdade condicional. E não um prazo dilatório que defina um intervalo mínimo entre actos de apreciação sucessiva dos pressupostos da liberdade condicional.
Cumprido o limite mínimo da aplicação da liberdade condicional a concessão desta depende dos requisitos de natureza formal/substancial do cumprimento de metade ou de 2/3 da pena pressupostos enunciados no n.º2 e 3 do art. 61º – para além dos restantes pressupostos materiais enunciados em cada um dos dois preceitos. Independentemente dos prazos que possam intercorrer entre uma e outra.
Com efeito nos termos do n.º2 é impositiva a apreciação ao meio da pena. E nos termos do n.º 3, é impositiva a verificação dos pressupostos quando cumpridos 2/3 da pena.
Se, por efeito de aplicação de tais imposições, puder haver lugar a duas apreciações com intervalo inferior a 6 meses – seguramente raras e residuais – o intérprete não pode eximir-se ao cumprimento dos referidos limites. Se tal se verificar não pode deixar de acolher, por impositivo material, a verificação dos pressupostos quer atingido o meio quer após o cumprimento de 2/3 da pena.
É este o entendimento que resulta da aplicação dos princípios atinentes à interpretação das leis enunciados no art. 9.º, n.º1 do C. Civil, numa perspectiva material e teleológica.
Se o legislador pretendesse impor um limite mínimo de 6 meses entre a apreciação do meio da pena e a apreciação aos 2/3 da pena tê-lo-ia dito de forma clara, tal como o fez em relação ao cumprimento de um mínimo de seis meses quer para a apreciação do meio quer para os 2/3 da pena.
Aliás de acordo com o entendimento sufragado na decisão recorrida apenas haveria apreciação da liberdade condicional aos 2/3 de penas superiores a 1 ano de prisão. Afastando a sua aplicação em penas inferiores, precisamente quando mais se justificará.
Nestes termos decide-se julgar procedente o recurso revogando a decisão recorrida e determinando a sua substituição por outra que proceda à verificação dos pressupostos da liberdade condicional quando atingidos 2/3 da pena. ---