Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2257/06.4 TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
FALTA
INTERESSE PROCESSUAL
Data do Acordão: 11/06/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 287º, AL. E) E 919º DO CPC.
Sumário: Se na pendência de uma acção executiva, para pagamento de quantia certa, o exequente comunica não ter interesse no prosseguimento da execução, porque “o executado procedeu à regularização das prestações em atraso do contrato de mútuo cujo crédito foi reclamado, tendo ainda se comprometido com a realização de entregas regulares para pagamento das prestações vincendas”, tal situação conduz à extinção da instância, não pelo pagamento voluntário, mas por inutilidade superveniente da lide.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

            1.1.- A exequente – A… & Cª, Lda – instaurou (08/09/2006) acção executiva, para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum, contra os executados:

            M…

            J…

            T…

R…

Com fundamento em três letras de câmbio, aceites pela 1ª executada e avalizadas pelos restantes executados, reclamou o pagamento da quantia de € 163.729,96.

Os executados foram citados e procedeu-se à penhora de bens imóveis (cf. auto de fls. 100 e 101).

A exequente, alegando ter sido ressarcida por parte da executada M… requereu (fls. 143) a declaração de inutilidade superveniente da lide e a remessa do processo à conta.

Por despacho de 10/03/2008 (fls. 144) ordenou-se a notificação do Solicitador de Execução para dar cumprimento ao art.919º, nº1 CPC.

O Solicitador de execução informou (fls. 155) ter dado cumprimento às notificações exigidas nos termos do art.919º do CPC.

Por despacho de 24/09/2008 (fls. 166) ordenou-se a notificação dos credores reclamantes, nos termos do art.919º, nº 2 CPC.

1.2. - O Banco …, S.A., credor reclamante requereu (fls. 170) o prosseguimento da execução quanto ao bem imóvel penhorado e sobre o qual incidem as hipotecas do reclamante, para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito.

Por despacho de 11/12/2008 (fls. 193) declarou-se, ao abrigo do art. 920º, nº 2 CPC, renovada a instância executiva, prosseguindo os autos a impulso do credor reclamante.

Em 31/12/2010 (fls. 217), o credor Banco …, SA comunicou por escrito à Solicitadora de Execução que: “ Relativamente ao processo supra identificado, venho pelo presente informar V.E.xa que o executado procedeu à regularização das prestações em atraso do contrato de mútuo cujo crédito foi reclamado, tendo ainda se comprometido com a realização de entregas regulares para pagamento de prestações vincendas. Assim, presentemente, não tem o Exequente interesse no prosseguimento da execução, pelo que solicita a V.E.xa que, até indicação em contrário, não confira impulso aos autos em apreço, permitindo, se possível, a sua remessa à conta nos termos do art. 29º, nº 3, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais”.

1.3. - Por despacho de 26/09/2011 (fls. 210) decidiu-se:

“ Mostra-se paga a quantia exequenda pelo que declaro extinta a execução - cf. art.919º C. Processo Civil.

Notifique, mais devendo sê-lo os reclamantes para os fins aludidos no art.920º, nº 2 do C. Processo Civil “.

O Banco exequente pediu (fls. 215) a reforma do despacho, que foi indeferida (fls. 219).

1.4. - Inconformado, o exequente Banco …, S.A recorreu de agravo (fls. 222) com as seguintes conclusões:

...

Não houve contra-alegações.


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. - O objecto do recurso:

            O Agravo incide sobre o despacho de 26/09/2011 (fls. 210) que declarou extinta a execução, com base no pagamento da quantia exequenda (art. 919º CPC).

            Para o Agravante não há fundamento legal para a extinção da execução porque não houve pagamento integral da quantia exequenda, nem desistência da execução, e a considerar-se extinta a execução, em virtude do acordo com o executado, então deverá sê-lo com base a inutilidade superveniente da lide.

            Assim, a questão essencial submetida a recurso consiste em saber se existe ou não fundamento para a extinção da execução e, em caso afirmativo, qual a sua natureza.

            Para a decisão do recurso, porque documentados, relevam os elementos processuais descritos.

            E porque a execução foi proposta em 8 de Setembro de 2006, aplica-se o regime da acção executiva definido pelo DL nº 38/2003 de 8/3.

            2.2. – O mérito do recurso:

            Dispõe o art. 919º, nº1 do CPC – “A execução extingue-se logo que se efectue o depósito da quantia liquidada, nos termos do art.919º ou depois de pagas as custas, tanto no caso do artigo anterior como quando se mostre satisfeita pelo pagamento coercivo a obrigação exequenda ou ainda quando ocorra outra causa de extinção da instância executiva”.

Para além da extinção da execução quando ocorra liquidação voluntária ou coerciva da dívida, tem-se entendido que outras causas levam à extinção, como as extintivas das obrigações as previstas na lei civil (dação em cumprimento, consignação em depósito, compensação, novação, remissão, confusão), na lei processual civil (revogação da sentença exequenda por via do recurso, procedência da oposição à execução, desistência da instância e do pedido, deserção ou transacção).

            Ao remeter para “outra causa de extinção da instância”, só pode significar as causas previstas no art. 287º do CPC, de entre as quais figura a “inutilidade superveniente da lide”, como agora se afirma expressamente na nova redacção da alínea c) do nº1 art. 919º CPC, introduzida pela Reforma de 2008 (DL nº 226/2008 de 20/11), cuja alínea c) é aplicável às acções pendentes (art.22º, nº1, 2ª parte).

            Segundo os elementos factuais disponíveis, o exequente Banco …, SA comunicou não ter interesse no prosseguimento da execução, porque “o executado procedeu à regularização das prestações em atraso do contrato de mútuo cujo crédito foi reclamado, tendo ainda se comprometido com a realização de entregas regulares para pagamento das prestações vincendas”.

            Tudo está em saber qual a repercussão desta situação de facto na instância executiva, que o tribunal interpretou como pagamento voluntário da dívida exequenda.

            Não parece que deva acolher-se esta interpretação (extinção da execução pelo pagamento), pois a declaração da exequente foi no sentido da realização de um acordo extrajudicial com o executado, reportando-se, não ao pagamento integral, mas apenas em relação às prestações vencidas, já que o executado regularizou as prestações em atraso do contrato de mútuo.

            Mas como o acordo abrangeu o compromisso do pagamento das prestações vincendas do mútuo, significa que as partes retomaram o pagamento do crédito mutuado, ou seja, mantiveram o contrato de mútuo com o pagamento regular das prestações, e daí compreender-se a comunicação da exequente ao declarar não ter interesse no prosseguimento da execução.

É certo haver solicitado ao Agente de Execução que “até indicação em contrário, não confira impulso aos autos”, mas tal não configura propriamente o pagamento em prestações da dívida exequenda, nem o pedido de suspensão da instância executiva, só relevante quando feito conjuntamente por exequente e executado (cf. art. 882º, nº1 CPC) e crê-se com limite temporal de seis meses (art.279º. nº 4 CPC).

            A situação dos autos deve antes ser qualificada como causa de extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide (arts. 919º, nº1 (in fine) e 287º, e) CPC), como já foi decidido em casos similares (cf, Ac STJ de 6/7/2004, proc. nº 04A2272), Ac RL de 14/12/2006, proc. nº 8979/2006, disponíveis em www dgsi.pt).
Como se sabe, a inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por qualquer causa processual ou extraprocessual, o efeito jurídico pretendido através da acção já foi plenamente alcançado, porque a pretensão do autor obteve satisfação fora do esquema da providência pretendida, tornando-se, por isso, a lide desnecessária.
No presente caso, a satisfação do interesse do credor foi alcançado com o acordo extrajudicial, deixando em virtude dele de a exequente ter interesse processual em agir, ou seja, da necessidade de tutela judiciária e de prosseguimento da execução, como, aliás, chegou a afirmar.
Procede o Agravo, revogando-se o despacho recorrido, com a consequente extinção da execução por inutilidade superveniente da lide (causa de extinção da instância executiva), imputável ao executado, que será responsável pelas custas (art.447º, parte final, do CPC).
       2.3. – Síntese conclusiva:
Se na pendência de uma acção executiva, para pagamento de quantia certa, o exequente comunica não ter interesse no prosseguimento da execução, porque “o executado procedeu à regularização das prestações em atraso do contrato de mútuo cujo crédito foi reclamado, tendo ainda se comprometido com a realização de entregas regulares para pagamento das prestações vincendas”, tal situação conduz à extinção da instância, não pelo pagamento voluntário, mas por inutilidade superveniente da lide.
III – DECISÃO
       Pelo exposto, decidem:
1)    Julgar provido o Agravo e, revogando-se o despacho recorrido, declarar extinta a instância executiva por inutilidade superveniente da lide.
2)    Condenar o executado nas custas.
      
Jorge Arcanjo (Relator)
Teles Pereira
Manuel Capelo