Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
81/01.OIDVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
ELEMENTOS DO TIPO
RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 12/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 30º Nº 2 CP E 105, NºS. 1, 2, 5 E 7 DO RGIT, 127º ,412º E 428º DO CPP
Sumário: 1.Como é sabido, o recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas antes constitui um mero remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre tal matéria, o que, como já referimos, claramente não ocorre no caso vertente.
2.Incumbe ao recorrente, sempre que impugne a matéria de facto, o ónus de individualizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e o conteúdo específico das provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sempre que as provas tenham sido gravadas a concretização destas terá de ser feita por referência aos suportes técnicos, havendo então lugar à indicação em concreto das passagens em que se suporta a impugnação.

3. Ouvindo agora a prova produzida em audiência, facilmente se constata inexistirem razões que justifiquem alterar a matéria de facto colocada em causa pelo recorrente.

4.0 recorrente ao invocar apenas os referidos depoimentos faz tábua rasa de toda a restante documentação junta aos autos, o que não pode de modo algum aceitar-se. Compreendemos que se queira defender, agora não deve é desprezar a demais prova produzida, designadamente a documentação.

5.O recorrente não pode olvidar que na referida corrente tem uma posição de «intermediário” na cobrança do imposto, devendo entregá-lo, por inteiro, ao Estado, a não ser que demonstre que sobre este tem um contra-crédito resultante das transacções efectuadas no período correspondente, em que tenha suportado, por sua vez, o pagamento de IVA, sendo que neste caso e dentro do condicionalismo referido, pode proceder à sua dedução.
6. Ao receber nos termos legais dinheiro do IVA, não o tendo entregue ao credor tributário no prazo devido, o arguido a partir de então passou a ser um mero depositário de tais importâncias

Decisão Texto Integral: 11
Rec. nº 81/01.OIDVIS.C1
Acordam, em conferência, na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

Em processo comum singular do 1º Juízo Criminal de Tribunal Judicial de Viseu, por sentença de 09.05.08, foi, para além do mais e no que para a apreciação do presente recurso importa, decidido:
Condenar os arguidos A…e C… Ldª, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº 30º nº 2 CP e 105, nºs. 1, 2, 5 e 7 do RGIT, nas seguintes penas:
- O arguido A.. na pena de 1 ano de prisão substituída por 150 dias de multa, á taxa diária de € 4,00;
- A arguida C…Ldª, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 4,00.
Inconformado, veio o arguido A.. interpor recurso da sentença.
Conclui na sua motivação:
“ 1 ª - Dos autos, designadamente da prova testemunhal, resultou apenas que os Arguidos procederam à liquidação do imposto referente ao IVA, como era sua obrigação legal;
2ª - Não se fez, pelo contrário, prova de que os Arguidos tivessem recebido da sua cliente e, no caso sobrinha, a quantia não a tendo entregue ao Estado, nem tampouco se fez prova de a tenham utilizado em seu proveito, ou sequer a sua intenção de se apropriar da quantia em falta nas Finanças;
3ª - Provou-se, quando muito, uma dívida dos Arguidos para com as Finanças, resultante da liquidação não acompanhada do pagamento respectivo, não que os Arguidos tenham cometido um crime. Divida há muito liquidada.
4ª - Sendo inquestionável que a prova tem que ser segura, não pode ser deduzida ou ainda implícita, pelo que o facto de se ter liquidado o imposto, que é uma obrigação legal, não implica, nem pode implicar, que os Arguidos tenham recebido o facturado à cliente;
5ª - Era necessário fazer a sua prova inequívoca e não o tendo feito deverão os Arguidos ser absolvidos por falta de preenchimento do tipo legal de crime que lhes é imputável.
6ª - A emissão de um recibo não prova só por si o recebimento de determinada quantia. Mesmo que permita presumir-se (com todas as reservas que merece qualquer presunção em processo crime) tal recebimento, ela é elidível.
7º - No caso foi feita toda a prova possível de que os arguidos não receberam o valor do IVA constante da factura nem. na sua emissão nem nos 90 dias posteriores.
Mostram-se assim violadas, entre outras, as normas previstas nos artigos 105 nº 2, 5 e 7 da Lei 15/2001. “.
O Ministério Público respondeu, concluindo que o recurso deve ser rejeitado por não ter sido dado cabal cumprimento ao disposto no artº 412º nº 4 CPP (indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação) ou, caso assim não seja entendido deve ser o mesmo julgado improcedente.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação é de parecer que o recurso deve ser rejeitado.
Foi dado cumprimento ao artº 417º nº 2 CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a matéria de facto dada como provada:
“ A arguida C.. Lda., é uma sociedade comercial por quotas, que se encontrava inscrita na CRComercial de Viseu sob a matrícula nº …, tendo o NIF …..
O objecto social da sociedade arguida consiste na comercialização de materiais de construção civil, construções e vendas por andares e compre e venda de terrenos, estando enquadrada na actividade de Comercio por Grosso de materiais de Construção - Exc. Madeiras e Equipamentos Sanitários, pela qual se encontrava colectada no 1º Serviço de Finanças de Viseu, em IRC e em IV A, a que corresponde o código de actividade 05…..
A arguida, era sujeito passivo de IVA, e, como tal, sujeito ao cumprimento das obrigações estipuladas no CIVA, designadamente a de liquidar o valor do IVA nas facturas e documentos equivalentes que emitia aos seus clientes e entregá-lo nos cofres do Estado, depois de feito o apuramento a que se referem os arte ° 19 a 25 e 71 do CIVA, e conforme o disposto no artº 26 do CIVA
A sociedade arguida, atento o volume de negócios, está enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral, devendo proceder à obrigação prevista no art 28, nº 1 al. c), enviando a declaração periódica por via postal ao serviço de Administração de IVA, por forma a que dê entrada até ao dia 15 do 2. ° mês seguinte àquele a que respeitam as operações.
O arguido A… era à data dos factos o gerente da sociedade arguida e o único responsável por toda a actividade da empresa.
Durante o período do terceiro trimestre de 1999, a sociedade arguida, através do arguido A…, seu gerente e legal representante, desenvolveu actividade sujeita a IVA, vendendo os seus produtos e prestando serviços, emitindo as competentes facturas e recebendo dos clientes os preços respectivos correspondentes liquidando a estes e recebendo destes o IVA incidente sobre tais operações.
No entanto, e apesar de terem apresentado a declaração periódica respeitante ao terceiro trimestre de 1999, como estavam obrigados a fazer os arguidos, não entregaram até à data limite para pagamento, ou seja até ao dia 15 do segundo mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitavam as obrigações, a quantia de IVA liquidada aos clientes.
Assim, os arguidos não procederam à entrega nos cofres do Estado, como estavam obrigados a fazer, da prestação tributária por conta do IVA efectivamente liquidado, recebido e devido, respeitante ao terceiro trimestre de 1999, no montante de 17.187,149$00, ou seja € 85.729,14.
Apesar de terem recebido a quantia referente ao IVA acima descriminada e de o arguido A.. bem saber que tal quantia não lhe pertencia e que estava obrigado por lei a entregá-la aos cofres do Estado, a quem era destinada, não o fizeram, dessa forma fazendo sua, através do dispêndio em proveito próprio da sociedade arguida, dessa quantia.
O não pagamento do montante referente ao imposto exigível prolongou-se por período de tempo superior a 90 dias.
Entretanto nas datas de 2.092002, 14.01.2004 e 16.01.2004, o arguido procedeu ao pagamento do valor do imposto em falta na sua totalidade.
O arguido também procedeu à regularização dos juros legais moratórios e das custas do processo, faltando apenas pagar a coima.
O arguido A… era, à data dos factos descritos, o único gerente da sociedade arguida e foi quem, em tal qualidade, tomou a decisão, em nome e no interesse da sociedade arguida, de não proceder à entrega do imposto exigível.
Agiu, na qualidade de legal representante da sociedade arguida, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que com a sua conduta a sociedade arguida se apropriava de quantias que eram destinadas aos cofres do Estado, apropriação que quis, e que, assim, se produzia um locupletamento da sociedade arguida, em prejuízo da fazenda Nacional.
Sabia igualmente que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.
Foi dado cumprimento ao disposto no artº 105, nº 4, al. b) do RGIT na redacção da Lei 53-A/2006.
R… é sobrinha do arguido.
À data tinha aprovado pela Direcção Geral de Turismo um empreendimento composto por Hotel R… - Hotel R…….- para o qual tinha de dispor de capitais próprios em parte.
O arguido é industrial da construção.
É casado e tem três filhos maiores, sendo que dois deles, com 23 e 27 anos moram consigo.
Aufere da sua actividade a quantia de € 700, sendo que se encontra inválido.
A mulher é doméstica.
Tem casa própria.
Tem a 4ª classe.
A empresa possui 16 apartamentos e 4 lojas ainda em fase de construção.
Tem 3 trabalhadores nas obras e 1 no escritório, aos quais paga urna quantia que ronda os € 500 por mês.
O arguido possui as condenações constantes no CRC de fls. 297 e ss, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, sendo que aquando da prática dos factos o arguido era primário.
Posteriormente à data dos factos o arguido tem várias condenações pelo crime de abuso de confiança fiscal e emissão de cheque sem provisão.”.
Factos não provados:
“ O IVA invocado de € 85.729,14 diz respeito a urna única factura.
O arguido facilitou o pagamento da factura à sua sobrinha, acabando por aceitar que o pagamento ocorresse aquando do recebimento dos subsídios atribuídos pela Direcção Geral de Turismo.
O mesmo se passando em relação ao IVA que a R… deveria pagar com os respectivos juros, logo que procedesse à sua recuperação junto do CIVA
Só por esse motivo o arguido ordenou a emissão do recibo.
Quando o cheque do reembolso do IV A chegou às mãos de R… o pagamento foi efectuado, no próprio dia ou no dia seguinte, por endosso do cheque. “
Motivação da decisão de facto:
“Para além de toda a prova documental junta aos autos, a convicção do tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas C.., técnica Economista da Direcção Geral de Finanças a qual confirmou a sua informação de fls. 84 e ss, tendo procedido à recolha de elementos na contabilidade da empresa.
Além do mais, e essencial para a consideração dos factos provados foi o depoimento da testemunha V…, o qual veio por em causa a tese alegada pelo arguido, na sua contestação, de que só emitiu a factura e o recibo para que a sua sobrinha R.. pudesse receber os fundos o Turismo e que ela lhe procedeu ao pagamento quando obteve o reembolso do IV A É que como se pode constatar dos elementos juntos em sede de audiência de julgamento, houve três reembolsos a R…, sendo que o primeiro diz respeito ao penado de 9903T, com cheque de 26.10.1999, e os demais foram por transferência bancária. Pelo que não poderia ter o arguido usado um cheque de reembolso de Iva para proceder a qualquer pagamento.
Acresce que resulta dos autos que o arguido procedeu em momentos diferentes ao pagamento do imposto, sendo que esses momentos também não coincidem com a data dos reembolsos à R…
As testemunhas de defesa ouvidas ainda que vindo confirmar a tese do arguido não nos mereceram qualquer credibilidade, na medida em que o seu depoimento não foi confirmado, como se impunha, por qualquer prova documental, e resulta claramente contrariado pelo depoimento sério e credível da testemunha V…., e dos documentos por este apresentados.
Teve-se em conta as declarações do arguido quanto à sua situação económica e familiar, e o CRC que se encontra junto aos autos.
Factos não provados:
Os factos não provados resultam de não se ter feito prova dos mesmos, na medida em que os depoimentos das testemunhas de defesa, sem qualquer suporte documental e claramente contrariados pela prova constante dos autos, confirmada pela testemunha V…., não permitem ao Tribunal dá-los como provados. “.

*
Ora conforme resulta da leitura das conclusões, a única questão suscitada consiste na impugnação da matéria de facto dada como provada, pois na perspectiva do recorrente não ficou provado que os arguidos tivessem efectivamente recebido e se tivessem apropriado do IVA liquidado e não entregue nos cofres do Estado.
Antes porém há que verificar se, incidindo o recurso sobre a matéria de facto, o recorrente cumpriu cabalmente as exigências do artº 412º nºs 3 e 4 CPP.
Pois bem estabelece-se no referido preceito que:
“ 3 — Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 — Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”.
E compreende-se que assim seja, pois os recursos configuram-se no Código de Processo Penal como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo.
Incumbe pois ao recorrente, sempre que impugne a matéria de facto, o ónus de individualizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e o conteúdo específico das provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sempre que as provas tenham sido gravadas a concretização destas terá de ser feita por referência aos suportes técnicos, havendo então lugar à indicação em concreto das passagens em que se suporta a impugnação.
Lendo-se a motivação e as conclusões do recurso, não podemos deixar de reconhecer razão ao Ministério Público quanto à omissão do recurso, designadamente quanto ao ponto 4.
Porém, atenta a simplicidade da questão, pensamos que tal não pode constituir óbice a que se entre na apreciação do recurso da matéria de facto.
Assim na perspectiva do recorrente não foi feita qualquer prova de que tivesse recebido da sua cliente a quantia em causa e não a tivesse entregue ao Estado como lhe competia, nem que a tivesse utilizado em proveito próprio.
Invoca os depoimentos das testemunhas R… J…, C… e V….
Pois bem a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, excepto quando a lei dispuser diferentemente (artº 127º CPP), sendo no julgamento que este princípio assume particular relevo.
Por outro lado a decisão do juiz há-de ser sempre “ uma convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, ed. 1974, pág. 204..
Mas há mais.
Há que ter presente que a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade.
Como escrevia Alberto dos Reis CPC Anotado, Vol. IV, pág. 566 e ss. “ a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema da prova legal.” E concluía, citando Chiovenda que “ ao juiz que haja de julgar segundo mo princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirara”.
E o que desde já se avançará dizendo é que face aos depoimentos invocados e ao teor dos documentos juntos aos autos, o recorrente não tem manifestamente qualquer razão na crítica que faz à decisão recorrida.
Diga-se ainda que o recorrente ao invocar apenas os referidos depoimentos faz tábua rasa de toda a restante documentação junta aos autos, o que não pode de modo algum aceitar-se.
Compreendemos que se queira defender, agora não deve é desprezar a demais prova produzida, designadamente a documentação.
Há ainda a ter em conta que a simples facturação do IVA impõe a sua declaração aos serviços tributários e a sua liquidação e respectivo pagamento.
O IVA é devido no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente (artº 7º a) do CIVA)
Estava pois o arguido e a sociedade obrigados a entregar ao fisco os valores de IVA recebidos.
O recorrente não pode olvidar que na referida corrente tem uma posição de «intermediário” na cobrança do imposto, devendo entregá-lo, por inteiro, ao Estado, a não ser que demonstre que sobre este tem um contra-crédito resultante das transacções efectuadas no período correspondente, em que tenha suportado, por sua vez, o pagamento de IVA, sendo que neste caso e dentro do condicionalismo referido, pode proceder à sua dedução.
Dito isto e ouvindo agora a prova produzida em audiência, facilmente se constata inexistirem razões que justifiquem alterar a matéria de facto colocada em causa pelo recorrente.
De resto, e como é sabido, o recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas antes constitui um mero remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre tal matéria, o que, como já referimos, claramente não ocorre no caso vertente.
Quanto à testemunha C…, técnica economista da Direcção Geral de que procedeu à inspecção à contabilidade da C… Ldª, esta, conforme se alcança da audição do seu depoimento, apresenta um discurso esclarecido e completo que aliado à restante prova documental, designadamente à informação constante de fls. 84 a 95, nos permite concluir ter a arguida recebido totalmente o IVA no montante aludido no anexo 1 referente às facturas 91 e 49.
Não há pois qualquer dúvida, face à prova documental existente que a arguida recebeu o IVA em causa !
E tal convicção não é de modo algum abalada com os depoimentos das testemunhas R…, a favor de quem foi emitido o recibo de fls. 87 e J…, este ex-funcionário da arguida, que se esforçam no sentido de tentar convencer o tribunal de que não obstante a arguida ter emitido o recibo de fls. 87, este não foi liquidado, e que tal só aconteceu com o posterior reembolso do IVA.
É que desde logo não corresponde à verdade que tenha sido com esse reembolso do IVA que ela procedeu ao pagamento, pois a testemunha V…, técnico da administração tributária, é muito clara e convincente, ao referir lapidarmente no seu depoimento e com o auxílio da prova documental junta que, dos três reembolsos que foram pagos à R…, apenas um foi pago através de cheque, e este foi emitido em Outubro de 1999 e pago em Novembro do mesmo anos, no montante de € 31.149,44, e os restantes foram pagos através de transferência bancária.
Em suma a versão trazida aos autos quer pelo arguido quer pelas testemunhas R e L.. não mereceram por parte do tribunal recorrido, que beneficiou da vantagem do contacto, credibilidade, pelo que, pelas razões já referidas, nada a censurar neste segmento, pois o seu depoimento também a nós não nos convenceu da sua veracidade.
Por outro lado ao receber nos termos legais dinheiro do IVA, não o tendo entregue ao credor tributário no prazo devido, o arguido a partir de então passou a ser um mero depositário de tais importâncias
E, como se refere no AcSTJ 97.01.15 CJSTJ 1/97, pág. 194. “ a integração na esfera patrimonial da recorrente dos valores do IVA verificou-se no momento em que se deu a inversão do título de posse, passando a recorrente a dispor dos quantitativos para satisfazer os seus compromissos. Verificou-se, por isso, a apropriação de que a lei fala.”.
É que, como se refere também no aludido acórdão, a consumação do crime verifica-se logo que o agente passa a agir “ animus domini” Intenção de ser dono.
Concluindo, diremos que dos depoimentos das testemunhas em causa, conjugados com a demais prova documental produzida, não se detecta qualquer erro de julgamento, designadamente quanto à matéria de facto impugnada, e isto sem esquecer que o tribunal a quo usufruiu, em comparação com esta Relação, das vantagens da imediação e da oralidade.
Por essa razão nenhuma censura merece a decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual, na ausência de qualquer um dos vícios a que alude o artº 410º nº 2 CPP, se confirma integralmente.
Improcede pois o recurso interposto.

DECISÃO

Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Taxa de justiça que se fixa em seis UCS a cargo do recorrente.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP)
Coimbra, 16 de Dezembro de 2009.