Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
554/07.0TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
ACORDO SOBRE O DESTINO
ALTERAÇÃO
Data do Acordão: 01/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 1413º, Nº 1, DO CPC; 1793ºC. CIV.; 272º, Nº 2, DO CÓDIGO REGISTO CIVIL
Sumário: I – O artº 1413º, nº 1, do CPC, visa regular as situações de atribuição da casa de morada de família na pendência da acção de divórcio litigioso ou na dependência desta acção.

II - O pedido de atribuição da casa de morada de família –artº 1413º, nº 1, do CPC – pode ser formulado na pendência da acção de divórcio ou como dependência deste processo, possibilitando o nº 7 do artº 1407º do CPC que o juiz possa fixar um regime provisório quanto à utilização da casa de morada de família que vigorará até que seja proferida decisão definitiva.

III – Decretado o divórcio, os seus efeitos produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da sentença – artº 1789º C.Civ. -, pelo que não existe quadro legal que estruture e acolha um qualquer pedido de alteração/modificação do acordo sobre o destino a dar à casa de morada de família.

IV – Intentada acção destinada a alterar/modificar o acordo relativo ao destino da casa de morada da família, homologado por sentença, deve o juiz indeferir liminarmente tal petição, ao abrigo do disposto nas als. a) e b) do nº 4 do artº 234º, e nº 1 do artº 234º-A, do CPC.

Decisão Texto Integral:

Acórdão

                Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Coimbra.

                1. Relatório

                A... intentou contra B... a presente acção de alteração do acordo sobre o destino da casa morada de família. Em síntese alegou que requerente e requerido são pais dos menores C... e D..., nascidos a 7 de Setembro de 1996 e 1 de Novembro de 1991. No âmbito do divórcio por mútuo consentimento devidamente homologado pela Conservatória do Registo Civil de Santa Comba Dão em 3 de Julho de 2006 e transitado em julgado, foi regulado o exercício do poder paternal e acordado o destino da casa morada de família que foi atribuída ao requerido. As declarações sérias da requerente para a celebração deste acordo tiveram como princípio fundamental a partilha dos bens do acervo patrimonial de imediato, após o trânsito em julgado do divórcio, com o objectivo de adquirir a casa morada de família, o que lhe foi prometido pelo requerido no máximo de 30 dias. Confiando na promessa do requerido que a partilha se faria no prazo de 30 dias, após o trânsito em julgado do divórcio, nunca passou pela cabeça da requerente que para aquela se realizar tinha de requerer a partilha judicial, como fez. O prazo de 30 dias aceite pela requerente para a realização da partilha dos bens comuns era a condição única de aceitação do acordo, pelo que se viu na necessidade de arrendar casa em Viseu pelo montante de € 400,00. A requerente por dificuldades financeiras denunciou o contrato de arrendamento e viu-se obrigada a ir viver para casa dos pais em Vagos – Aveiro, sendo que exerce a sua actividade em Tondela, tal como é nesta cidade que os filhos estudam. Mais alegou que requerente e requerido pela além do prédio inscrito na matriz sob o artigo 736, possuem um apartamento destinado à habitação, sito na Rua da Várzea, Santa Comba Dão inscrito na matriz sob o artigo 2441-B. A casa que foi morada de família está localizada no perímetro onde os menores estudam e a mãe exerce a sua actividade profissional, casa morada de família onde os menores começaram a dar os primeiros passos e a despontarem para a vida.

                Concluiu pelo recebimento da acção e por via dela ser alterado o acordo sobre o destino da casa morada de família, no sentido de ser atribuída à requerente e aos filhos menores.


*

                Com os fundamentos expressos no despacho de folhas 31 a 35, o Exmo. Juiz indeferiu liminarmente, por inadmissibilidade legal e por manifesta improcedência do pedido, o requerido pela requerente A....

*

                Notificada do despacho de indeferimento, a requerente manifestou a sua irresignação através da interposição do competente recurso que foi recebido como agravo, com subida imediata e nos próprios autos e com efeito suspensivo – despacho de folhas 42.

*

                Por despacho de folhas 42 determinou-se a citação do requerido para os termos da acção e do respectivo recurso.

*

                A recorrente atravessou nos autos as suas doutas alegações que conclui, na parte que importa ao conhecimento do recurso[1], do seguinte modo:

I. O recurso é interposto do despacho que indeferiu liminarmente o requerimento inicial por inadmissibilidade legal e manifesta improcedência.

II. O acordo sobre o destino da casa morada de família foi celebrado mediante a condição expressa da promessa do requerido, na qualidade de advogado, em efectuar a partilha dos bens imóveis pertencentes ao casal no prazo de 30 dias ou o mais tardar até 31 de Agosto de 2006.

III. Acordaram nas partilhas, ficando a requerente com a casa morada de família e o requerido com o apartamento situado na Rua da Várzea, Santa Comba Dão.

IV. O requerido só ficaria na casa morada de família até 31 de Agosto de 2006, até fazer obras no apartamento pertença de ambos.

V. Acordaram em sede de divórcio por mútuo consentimento que a casa morada de família ficaria atribuída ao requerido até à partilha.

VI. A inclusão da condição “na pendência do divórcio … até à partilha” resultou do citado contrato verbal, mediante a promessa e declaração do requerido que a partilha do acervo patrimonial decorria num prazo máximo de 30 dias ou o mais tardar até 31 de Agosto de 2006.

VII. A responsabilidade pela marcação das escrituras notariais de partilha de bens ficou a cargo do requerido, prazo que terminou sem que o requerido nada tivesse comunicado à requerente quanto à realização das partilhas.

VIII. O requerido induziu em erro a requerente com a intenção desta assinar o acordo de atribuição da casa morada de família, nos termos em que foi exarado. Há erro sob os motivos determinantes da vontade e erro na vontade declarada – artigos 247º e 252º do CC.

IX. O requerido bem sabia que a requerente a partir de 1 de Setembro de 2006 necessitava da casa morada de família para nela se instalar com os seus filhos.

X. Tivesse o requerido declarado que não efectuaria a partilha naquele prazo de 30 dias ou que não sabia em que prazo a podia realizar, a requerente não teria assinado o referido acordo.

XI. A casa morada de família está desabitada, já que o requerido está a habitar o apartamento sito na Rua da Várzea, Santa Comba Dão.

XII. Por dificuldades financeiras a requerente viu-se obrigada a denunciar o contrato de arrendamento do apartamento onde vivia com os filhos e foi viver para casa dos pais em Vagos – Aveiro, o que a obriga a fazer 80 quilómetros de manhã e à noite.

XIII. O requerido, devido à sua experiência profissional de advogado, bem sabia que não conseguia realizar a partilha nos 30 dias subsequentes à data do trânsito em julgado do divórcio.

XIV. Induziu a requerente em erro na declaração, enganando-a – artigos 247º e 252º do CC.

XV. A parte enganada e lesada tem direito à modificação do contrato segundo juízos de equidade, conforme dispõe o artigo 473º do CC.

XVI. A modificação do contrato deve ser no sentido de ser atribuída a casa morada de família à requerente.

XVII. Deve a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que a admita.


*

                O agravado não contra-alegou.

*

                O Exmo. Juiz lavrou despacho tabelar de sustentação.

*

            2. Delimitação do objecto do recurso

                As questões[2] a decidir no presente agravo e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

Ø Indeferimento liminar da acção que visa alterar/modificar o acordo homologado por sentença transitada em julgado.

Ø Alteração de sentença homologatória do acordo de atribuição da casa morada de família com o fundamento em ter sido emitida declaração enganosa por parte do recorrido – artigos 247º e 252º do CPC.


*

                3. Resenha dos factos que relevam para o conhecimento do recurso

                1. No âmbito do processo nº 20/2006 que correu seus termos pela Conservatória do Registo Civil de Santa Comba Dão foi proferida a seguinte decisão:

                (…) Encontram-se deste modo preenchidos os requisitos legais para ser decretado o divórcio por mútuo consentimento, conforme preceituado nos artigos 271º e seguintes e do Código do Registo Civil e alínea b) do nº 1, nº 2, nº 4 e nº 5 do artigo 12º e nº 3 e nº6 do artigo 14º do Decreto-lei nº 272/2001, de 13 de Outubro (…) Assim considerando que estão acautelados os interesses dos cônjuges (…) homologo o acordo sobre (…) o destino da casa morada de família, decreto o divórcio por mútuo consentimento entre B... e A.... Nesta altura pediram a palavra, tendo dito que ficam cientes do conteúdo da decisão que aceitam, renunciando ao prazo de reclamação como permite o nº 1 do artigo 681º do CPC, pretendendo assim o trânsito em julgado da decisão. (…).

                2. Em 6 de Setembro de 2007, A... pede a alteração do acordo sobre o destino da casa morada de família.

                3. Por decisão datada de 11 de Setembro de 2007, o Exmo. Juiz indeferiu liminarmente por inadmissibilidade legal e manifesta improcedência o pedido formulado no requerimento inicial.


*

                4. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir

                Considerando a resenha plasmada no ponto 3, podíamos limitarmo-nos a proferir decisão sumária nos termos do artigo 705º do CPC, na justa medida em que partilhamos os fundamentos expressos na decisão recorrida[3].

                Todavia, não deixaremos de tecer, de forma perfunctória e com arrimo na doutrina e jurisprudência por nós conhecida, alguns considerandos sobre a manifestação de vontade expressa pela requerente e requerido após sentença que decretou o divórcio e homologou os acordos a que alude o nº 3 do artigo 1775º do CC.

                Determina o artigo 681º do CPC:

1. É lícito às partes renunciar aos recursos; mas a renúncia antecipada só produz efeito se provier de ambas as partes.

2. Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.

3. A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita. A aceitação tácita é que a deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.

4. O disposto no número anterior não é aplicável ao Ministério Público.

5. O recorrente pode, por simples requerimento, desistir livremente do recurso interposto.

                Resulta com toda a clareza do ponto 1 da resenha que requerente e requerido aceitaram a decisão e renunciaram ao prazo de reclamação vertido no nº 1 do artigo 681º do CPC.

                Estamos em presença de uma declaração de aceitação que foi proferida por requerente e requerido depois de conhecerem a decisão, aceitação que não pode ter outra interpretação que não a de renúncia ao recurso – artigo 236º do CC. Mas não só aceitaram a decisão como também de forma expressa renunciaram ao recurso, através de duas declarações unilaterais proferidas por cada um dos intervenientes[4].

                Ensina o Sr. Prof. M. Teixeira de Sousa que «a renúncia à impugnação torna-a inadmissível. No caso de renúncia ao recurso, isso constitui fundamento para que o Tribunal a quo o rejeite – artigo 687º, nº 3 – e para que o Tribunal ad quem se recuse a conhecer do seu objecto – artigo 701º, nº 1; cf. também artigos 726º, 749º e 762º, nº 1. Esta inadmissibilidade é, assim, de conhecimento oficioso, o que também parece valer para a renúncia à reclamação»[5].

                O Supremo Tribuna de Justiça sustentou, em face de uma desistência de recurso formulada por simples requerimento, que o direito de desistir integra o conjunto dos direitos disponíveis, cuja manifestação de vontade expressa de forma válida só pode ser posta em causa desde que enferme de um dos vícios de vontade enunciados por lei, tal como o erro, dolo, coacção física ou moral – artigos 246º, 247º e 253º do CC. Só a existência de algum destes vícios era susceptível de inquinar a eficácia da declaração inicialmente emitida. Quem desiste do recurso, deve saber o que faz, com a percepção do alcance e das consequências jurídicas do seu acto[6].

                Da interacção dos aspectos doutrinais e jurisprudências focados, resulta que tendo havido renúncia ao recurso, os renunciantes estão impedidos de interpor recurso da decisão, possibilitando a lei, no entanto, que «se intente acção destinada à declaração de nulidade ou anulação (…) ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação» – nº 2 do artigo 301º do CPC.

                Daqui decorre a possibilidade de se atacar a «desistência» judicialmente homologada, através da interposição de recurso de revisão – alínea d) do artigo 771º do CPC – ou mediante a instauração da competente acção de declaração de nulidade ou anulabilidade de tal acto.

                A requerente não percorreu nenhum dos caminhos apontados pela lei processual, mas antes veio interpor acção que definiu como «de alteração ao acordo sobre o destino da casa morada de família» estruturando tal pedido no facto de ter confiado na promessa do requerido que a partilha dos bens se faria no prazo máximo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, única condição por si aceite para assinar o acordo sobre o destino da casa morada de família.

                Determina o nº 1 do artigo 1413º do CPC: aquele que pretenda a atribuição da casa morada de família, nos termos do artigo 1793º do Código Civil[7], ou a transferência do direito ao arrendamento nos termos do artigo 84º do Regime do Arrendamento Urbano, deduzirá o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.

                Esta norma integra-se no Capítulo XVIII – Dos processos de jurisdição voluntária – e o pedido de atribuição a que se reporta pode ser formulado na pendência da acção de divórcio ou como dependência deste processo, possibilitando o nº 7 do artigo 1407º do CPC que o Juiz possa fixar um regime provisório quanto à utilização da casa morada de família que vigorará até que seja proferida decisão definitiva.

                Analisando a certidão emitida pela Conservatória do Registo Civil de Santa Comba Dão, concluiremos que, no respeite pelo disposto nos artigos 1º; 5º, 1, b), 12º, nº 2; 14º do DL nº 272/2001, de 13 de Outubro e artigo 272º do Código do Registo Civil, a Exma. Conservadora proferiu decisão que decretou o divórcio e homologou os acordos, incluindo o acordo sobre a casa morada de família. Decretado o divórcio os seus efeitos produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da sentença – artigo 1789º do CC – conforme princípio geral expresso no artigo 677º do CPC, daí que não exista quadro legal que estruture e acolha um pedido de alteração/modificação do acordo sobre o destino a dar à casa morada de família, acordo esse que a atribuiu ao requerente marido até à partilha – certidão de folhas 19.

                Por expressivos não deixaremos de transcrever os ensinamentos vazados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: «confrontados com o complexo de interesses que determinam as referidas interdependência ou "união genética" entre o acordo de divórcio e os demais acordos e a destes entre si, crê-se que, na falta de previsão legal sobre a matéria – diversamente do que sucede com os demais acordos obrigatórios –, a sua modificabilidade, por iniciativa e imposição de uma das partes, poderia conduzir à frustração, pura e simples, do equilíbrio de interesses que foram postos em equação e ponderação pelos cônjuges e pelo próprio Juiz (ou Conservador), quer no consentimento dos acordos de divórcio e complementares quer na respectiva homologação.
Por isso, pressupondo a intervenção judicial constitutiva ora peticionada a falta de acordo, falta que obsta sempre ao divórcio por mútuo consentimento, se subscreve a afirmação de que "a norma do n.º 1 do art. 1793º parece claramente vocacionada para casos de divórcio litigioso" (Nuno de Salter Cid, "A Protecção da Casa de Morada da Família", 310 e ss.); cfr., ainda, M. Teixeira de Sousa, "O Regime Jurídico do Divórcio", 26 e ss. e 119 e ss.). A Requerente-recorrente apresenta-se a peticionar a atribuição da casa mediante arrendamento como se não tivesse havido qualquer acordo e como se, por via dele e dos seus efeitos, a casa não estivesse atribuída ao Recorrido, esgotado o prazo convencionado de atribuição à Recorrente. Porém, insiste-se, o acordo existiu e, do mesmo passo que o direito de utilização da casa cessou para a Recorrente, extinguindo-se, esse direito nasceu e radicou-se na titularidade do Recorrido, em execução do mesmo e em simultâneo, tudo se passando como se a partir da data do divórcio tivesse sido atribuído ao Requerido o direito de utilização da casa em questão. Ao que posteriormente veio alegar, a Recorrente terá incorrido em erro sobre pressupostos em que fez assentar o acordo que celebrou e que foi homologado, situação que, podendo, eventualmente, ter repercussão jurídica em sede de vícios de vontade (anulabilidade), não tem, seguramente, a virtualidade de apagar, tornando-o inexistente, o mesmo acordo, permitindo às Partes agir como se estivessem perante um nada jurídico. Em sintonia com o entendimento expendido, escreveu-se no acórdão desde Tribunal de 2/10/03 (CJ XI-III-76) que «o acordo sobre o destino da casa de morada da família homologado por sentença transitada, proferida em acção de divórcio por mútuo consentimento, tal como a decisão do próprio divórcio, está acobertado pela força do caso julgado, nos termos do art. 673º CPC, pelo que só poderá ser atacado por via do recurso de revisão da própria sentença homologatória, nos termos do art. 771º do mesmo Código, depois de obter sentença transitada em julgado a declarar nulo ou anulado o acordo, por falta ou vício de vontade das partes, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 301º do CPC» (no mesmo sentido o ac. de 19/3/02, proc. 555/02-2ª Secção, in Sumários, 2002, pg. 111)
[8].

                Em face desta realidade, não podia o Exmo. Juiz tomar outra decisão que não a de indeferir liminarmente, por manifesta improcedência, a pretensão de alteração/modificação do acordo sobre o destino da casa morada de família o que fez estribando-se em quadro processual adequado – artigo 234º, nº 4, alínea a) e nº 1 do artigo 234ºA ambos do CPC.


*

                Resumindo:

I. O artigo 1413º, nº 1 do Código de Processo Civil visa regular as situações de atribuição da casa morada de família na pendência da acção de divórcio litigioso ou na dependência desta acção.

II. Decretado o divórcio por mútuo consentimento e homologado o acordo relativo à casa morada de família, tal decisão esta coberta pela força do caso julgado – artigos 673º e 677º do CPC – e só pode ser atacada pela via do recurso de revisão – alínea d) do artigo 771º do CPC – ou através da competente acção destinada à declaração de nulidade ou anulação de tal acto.

III. Intentada acção destinada a alterar/modificar o acordo relativo ao destino da casa morada de família homologado por sentença, deve o Juiz indeferir liminarmente tal petição ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 234º e nº 1 do artigo 234ºA ex vi 673º e 677º do CPC.


*

                Decisão

                Nos termos e com os fundamentos expressos, acorda-se em negar provimento ao recurso e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.


*

                Custas pela agravante.

*

                Notifique.

*

                Coimbra[9], 29 de Janeiro de 2008


[1] As prolixas conclusões apresentadas pela recorrente não respeitam a previsão do nº 1 do artigo 690º do CPC que de forma clara e expressa menciona: o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão. Todavia, este Tribunal valorando a celeridade processual em detrimento de um despacho de aperfeiçoamento, fará a síntese das conclusões que considera mais relevantes ao conhecimento do recurso.
[2] É dominantemente entendido que o vocábulo «questões» não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes de reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por «questões» as concretas controvérsias centrais a dirimir – Ac. STJ, datado de 2.10.2003, proferido no âmbito do recurso de revista nº 2585/03 da 2ª Secção.

[3] Para se aquilatar do bem decidido pelo Tribunal de 1ª instância deixamos aqui transcrita parte da decisão: Como se sabe, o Art. 1413º, n.º 1 do Código de Processo Civil, invocado pela requerente, prescreve efectivamente que “Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do Código Civil, ou a transferência do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 84.º do Regime do Arrendamento Urbano, deduzirá o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito”.           Todavia, a verdade é que, in casu, já foi acordado entre requerente e requerido que a casa de morada de família seria atribuída ao requerido, uma vez que o seu divórcio por mútuo consentimento sempre exigiria o acordo dos mesmos em relação a essa questão, por força do disposto no Art. 1775º, n.º 2 do Código Civil, na sua actual redacção (“Os cônjuges não têm de revelar a causa do divórcio, mas devem acordar sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores e o destino da casa de morada da família”) e do Art. 14º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro (que remete, inter alia, para o Art. 272º, n.º 1, al. f) do Código de Registo Civil). Por seu lado, temos que não está em causa, ao contrário do que sucede no citado Art. 1413º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a atribuição do direito ao arrendamento, nos termos da legislação vinculística, ou o arrendamento da casa de morada de família a um dos ex-cônjuges, nos termos do Art. 1793º do Código Civil, pretendendo-se, antes, uma verdadeira alteração do anteriormente acordado pelos cônjuges aquando do seu divórcio por mútuo consentimento. Ora, temos que o acordo relativo à casa de morada de família (e uma vez que o mesmo é omisso a esse respeito) deve ser entendido como destinando-se a vigorar tanto durante o período da pendência do processo, como no período posterior (cfr. Art. 272º, n.º 2 do Código de Registo Civil e Art. 1419º, n.º 2 do Código de Processo Civil), não se vendo que o mesmo possa ser alterado posteriormente, sem mais e pela forma pretendida pela ora requerente (através de um processo de jurisdição voluntária). De facto, a legislação civil e processual civil nunca prevê qualquer possibilidade de alteração deste tipo de acordo, que se deverá manter, caso não seja atacada a sua validade, inalterado até à partilha dos bens do casal, como tem sido entendido pela jurisprudência (Acórdão da Relação do Porto de 2 de Maio de 1995, CJ III, p. 197, Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Fevereiro de 1993, CJ I, p. 149 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2003, CJ/ASTJ III, p. 74, e de 19 de Março de 2002, retirado de www.dgsi.pt), e pela doutrina (Tomé d’Almeida Ramião, Divórcio por Mútuo Acordo – Anotado e Comentado e Legislação Complementar, 6.ª Edição, Lisboa, 2006, p. 78 e ss., considerando que “o acordo apresentado pelos cônjuges quanto à casa de morada de família, após homologado por sentença ou decisão do conservador, não pode ser alterado posteriormente (…) Por isso, devem os cônjuges ponderar sobre esse acordo”), uma vez que “tratando-se dum caso julgado material com decisão do mérito, nos termos do acordo, as partes não o podem alterar sem violação da sentença homologatória (art. 1248 do C. Civil e 673 do CPC). Seria de todo inseguro para as partes ou terceiros, quer no caso da constituição do direito ao arrendamento, quer no caso do direito à habitação, que ele fosse alterado a todo o tempo, face ao art. 1411 do CPC, perante a modificação das circunstâncias da vida dos ex-cônjuges” (ult. aresto do Supremo Tribunal de Justiça cit.). Ou, de outra forma, “A Requerente-recorrente apresenta-se a peticionar a atribuição da casa mediante arrendamento como se não tivesse havido qualquer acordo e como se, por via dele e dos seus efeitos, a casa não estivesse atribuída ao Recorrido, esgotado o prazo convencionado de atribuição à Recorrente. Porém, insiste-se, o acordo existiu e, do mesmo passo que o direito de utilização da casa cessou para a Recorrente, extinguindo-se, esse direito nasceu e radicou-se na titularidade do Recorrido, em execução do mesmo e em simultâneo, tudo se passando como se a partir da data do divórcio tivesse sido atribuído ao Requerido o direito de utilização da casa em questão” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2005, também retirado de www.dgsi.pt, defendendo que esse acordo apenas pode ser “atacado por via do recurso de revisão da própria sentença homologatória, nos termos do art. 771º do mesmo Código, depois de obter sentença transitada em julgado a declarar nulo ou anulado o acordo, por falta ou vício de vontade das partes, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 301º do Código de Processo Civil”.                 Em suma, entende-se ser inadmissível legalmente e manifestamente improcedente o peticionado pela requerente, cumprindo, e uma vez que se trata de um processo em que compete ao juiz determinar a citação/convocação do requerido (Art. 1413º, n.º 2 do Código de Processo Civil), indeferir liminarmente o requerimento inicial apresentado, nos termos dos Arts. 234º, n.º 4, al. a) e 234º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil (“Nos casos referidos nas alíneas a) a e) do número 4 do artigo anterior, pode o juiz, em vez de ordenar a citação, indeferir liminarmente a petição, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 476.º”). Pelos fundamentos expostos, indefiro liminarmente, por inadmissibilidade legal e manifesta improcedência do pedido, o requerimento inicial apresentado pela requerente A....
[4] Srs. Prof. J. Lebre de Freitas e A. Ribeiro Mendes – Código de Processo Civil – 3º volume, pág. 24.
[5] Estudos sobre o novo Processo Civil, pág. 385.
[6] Ac. STJ, datado de 30.9.1999, BMJ nº 489, pág. 293.
[7] Pode o Tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa morada de família, quer essa seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal – 1793º, nº 1 do CC.
[8] Ac. STJ, datado de 15 de Fevereiro de 2005, em que foi relator o Exmo. Juiz Conselheiro Alves Velho, proferido no âmbito do processo nº 04A3621, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt.
[9] Acórdão elaborado e revisto pelo relator.