Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
759-05
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
CADUCIDADE
ACÇÃO
Data do Acordão: 09/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MANGUALDE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGO 389.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGO 1283.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: Efectivada a restituição provisória da posse, constitui acção definitiva a acção subsequente posta contra o esbulhador na qual o mesmo possuidor pediu o reconhecimento da sua posse, sem necessidade de, para evitar a caducidade da providência, pedir também a restituição definitiva.
Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I- Relatório:

A Freguesia de A...intentou procedimento cautelar de restituição provisória de posse de um caminho contra B...e mulher e outros, o qual foi deferido por sentença de 31-10-2005 a fls. 56 ss.
Efectivada a restituição conforme auto a fl. 68, os RR. deduziram oposição, na sequência da qual foi proferida a decisão de fl. 178 ss que indeferiu a oposição e manteve a anterior decisão.
A fls. 200 ss (= 206 ss) os RR. requereram o levantamento da providência por caducidade do cautelar nos termos do art. 389º nº 1 al. a) do CPC.
A requerente opôs-se e a fl. 233 foi proferida decisão indeferindo o pedido de levantamento da providência.
Desta decisão recorrem os RR., produzindo as alegações e conclusões que constam de fls. 248 a 255 (= 258 ss), conclusões que se dão aqui por reproduzidas ( Note-se que a disquete junta pelos recorrentes (tal como a da decisão) respeita a um outro recurso que subiu em separado e não ao presente recurso.). Os recorrentes suscitam, em suma, a questão de saber se a acção intentada como sendo definitiva é ou não efectivamente definitiva, por entenderem que a Freguesia não pediu a restituição definitiva da posse ou pelo menos a restituição do caminho, questão que no seu entender deve sofrer solução negativa.
A recorrida não contra-alegou e foi proferida decisão a sustentar— tabelarmente ( A lei manda que o juiz profira despacho de reparação ou de sustentação, após a alegação e após o prazo para contra-alegação, por que pretende que o juiz repondere a sua decisão à luz dos fun­damentos e novos argumentos invocados pelas partes no recurso. Com despacho meramente tabelar, essa reponderação não transparece assegurada. O que não significa ter inexistido repon­deração.)—a decisão recorrida.
Correram os vistos legais.
Nada obsta ao conhecimento do recurso.

II- Fundamentos:

Não consta dos autos deste cautelar a documentação da petição da acção cuja definitividade está em causa.
A transcrição dessa petição não constitui elemento que oficiosamente deva instruir o recurso, visto o disposto nos nºs 3 e 4 do art. 742º do CPC.
Competia aos recorrentes ter junto o documento ou solicitado a respectiva certidão, nos termos do art. 743º nº 3 e 4 do CPC. Não o tendo feito, sujeitam-se a sofrer a desvantagem correspondente à sua inércia.
Sem a segurança da documentação do conteúdo da petição formulada pela Freguesia na acção intentada contra os RR., não se pode concluir que a decisão recorrida tenha falhado ao considerar que tal acção reveste a natureza de definitiva em relação a este cautelar.

Sem a junção de certidão que documentasse o conteúdo da petição formulada pela Freguesia na acção intentada contra os RR., não se pode concluir com toda a segurança que a decisão recorrida tenha falhado ao considerar que tal acção reveste a natureza de definitiva em relação a este cautelar.
Sem embargo do exposto, mesmo a considerar-se, como os recorrentes pretendem, que na acção o pedido da Freguesia consistiu «no reconhecimento de que o caminho em causa “é público, propriedade da Autora e se encontra na sua posse e administração” e na condenação dos mesmos RR. a não mais, para o futuro, colocarem quaisquer obstáculos no caminho ou, por qualquer forma, impedirem ou dificultarem a circulação pública, por qualquer pessoa, de pé e carro pelo mesmo, bem como impedirem ou dificultarem o exercício do referenciado direito de propriedade da A.» – ainda assim a solução mais correcta da questão não podia ser outra, diversa da encontrada pela 1ª instância na decisão recorrida.
É que o efeito jurídico-prático que a A. já tinha obtido, provisoriamente, através do cautelar decretamento da restituição do caminho (restituição de seguida efectivada, consistente na investidura real e efectiva pela secretaria, mediante auto), transforma-se-á em definitivo por efeito da sentença da acção no caso de esta proceder.
Não oferece dúvida razoável que—no caso de vir a ser reconhecido à A. que o caminho é de sua propriedade e se encontra na sua posse, ficando os RR. judicialmente condenados a não mais impedir ou dificultar o exercício desse direito—a restituição da situação ao statu quo ante a favor dos RR. (que mediante esbulho detiveram o caminho até à dita entrega provisória deste à A.) não mais é possível, o mesmo é dizer: a restituição operada a favor da A. torna-se irreversível, firme, definitiva.
Se com a sentença fica assente a propriedade e posse da Freguesia, seria contraditório, constituiria ofensa ao direito reconhecido definitivamente pelo tribunal, entender-se que a situação de posse do caminho deveria reverter à esfera dos RR., por suposta caducidade do cautelar ou do direito acautelado. Através dessa contradição ou ofensa fica demonstrado o carácter definitivo da acção.
Vale por dizer que, a proceder a acção, a posse da Freguesia sobre o caminho fica definitivamente reconhecida. A restituição, que fora decretada e efectuada provisoriamente, passa a valer definitivamente. Não será necessário novo acto material de restituição. Para a acção possessória se dever considerar definitiva, é necessário é que nela seja pedido o reconhecimento do mesmo direito que, reconhecido provisoriamente no cautelar, fundou a decisão de restituição.
Não é necessário, seria conceptualismo injustificado, exigir a utilização das palavras sacramentais “restituição” ou “entrega” (definitivas) para se aferir do carácter definitivo da acção definitiva em relação ao cautelar de restituição provisória de posse ( A restituição provisória de posse não é rigorosamente uma providência cautelar (lição do Prof. Alberto dos Reis, in CPC Anot, I, p. 670), embora tal afirmação se ligue à falta da característica do periculum in mora. O seu decretamento depende da prova da posse, do esbulho e da violência, funciona como sanção (compensação) pela violência do esbulhador e implica a investidura na posse real e efectiva, não na posse simbólica ou meramente jurídica (cf. ibidem, p. 670 e 672). Perante a investidura segue-se o disposto no art. 1283º do Código Civil.). A definitividade decorre da própria substância dos efeitos prático-jurídicos assentes no e visados pelo objecto da acção (assentes na causa de pedir e visados pelo pedido).


Poderia entender-se que, para ocorrer tal definitividade da acção, necessário seria que o autor pedisse o reconhecimento da sua posse como existente ao menos à data do esbulho.
Simplesmente, o artigo 1283º do CC, já citado na nota 3, preceitua que é havido como nunca perturbado ou esbulhado o que foi mantido na sua posse ou a ela foi restituído judicialmente. Assim, como alcance prático, temos que é «contado ao possuidor turbado ou esbulhado, para qualquer efeito jurídico, (…) todo o tempo decorrido entre a turbação ou o esbulho e a sentença que o manteve na posse ou lha restituiu». Quer dizer, no que aqui interessa: se na acção susequente ao cautelar vier a ser reconhecida a posse como foi pedido, então deve entender-se que o autor já possuía à data do esbulho.

Em resumo e conclusão:
Efectivada a restituição provisória da posse, constitui acção definitiva a acção subsequente posta contra o esbulhador na qual o mesmo possuidor pediu o reconhecimento da sua posse, sem necessidade de, para evitar a caducidade da providência, pedir também a restituição definitiva.


III- Decisão:

Pelo exposto, nega-se o provimento ao agravo, mantendo-se a decisão impugnada.
Custas em ambas as instâncias pelos RR. agravantes.

Coimbra, 2007-10-02