Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
326/10.5TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: CONCESSIONÁRIO
AUTO-ESTRADA
PAGAMENTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 09/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 12.º, N.º 1 DA LEI Nº 25/06, DE 30.6
Sumário: a) – A “Via Verde Portugal – Gestão de Sistemas Electrónicos de Cobrança, SA”, enquanto entidade gestora de sistemas electrónicos de cobrança de portagens em auto-estradas, como tal contratualizada pelas respectivas concessionárias, não necessita, para o efeito, ser investida publicamente de tais poderes pela Administração;

b) – Com base em tais contratos é uma das entidades perante quem o infractor podia efectuar o pagamento voluntário das coimas, nos termos do art.º 12.º, n.º 1, da Lei n.º 25/06, de 30.6;

c) – Não há enriquecimento sem causa na situação de pagamento voluntário de coimas a essa entidade por quem circulou indevidamente na “via verde”, com fundamento posteriormente invocado, de que se tratou, afinal, de contra-ordenação continuada ou em concurso, determinante de coima de menor valor que o voluntariamente pago, matéria cuja apreciação o uso daquela faculdade inexoravelmente inviabilizou.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


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1. Relatório:

A..., Lda.”, com sede em ..., propos contra “Via Verde Portugal – Gestão de Sistemas Electrónicos de Cobrança, SA”, com sede na ...São Domingos de Rana, no TJ da Comarca de Castelo Branco, acção com forma de processo ordinário, pedindo, em via principal, a sua condenação no pagamento da quantia de € 67.298,55 e juros de mora de € 1.983,92, exigida pela Ré para além dos limites legais das infracções praticadas enquanto uma única contra-ordenação continuada ou, em alternativa, no pagamento da quantia de € 64.043,55 e juros vencidos de € 1.887,97, no pressuposto de concurso de contra-ordenações ou, ainda e a título de enriquecimento sem causa, condenada a restituir à A. a quantia de € 67.298,55 e juros vencidos de € 1.983,92 e, finalmente e também em via principal, a condenação da Ré a dar cumprimento ao disposto no art.º 17.º da Lei n.º 25/06, de 30.6, procedendo à entrega às entidades aí indicadas da quantia paga pela A. de € 73.175,85 e de que não pede a restituição.

Alegou, para tanto, em resumo, que no exercício da sua actividade comercial de transporte público ocasional de mercadorias, no decurso do ano de 2007 e princípio de 2008, 5 veículos seus, cujas matrículas indicou, circularam por vários dias consecutivos em variados troços de auto-estrada, sem efectuar o pagamento da respectiva taxa de portagem, através de via reservada a sistema electrónico de cobrança de portagens (“via verde”), porquanto procedeu ao encerramento da conta bancária onde tais dispositivos estavam domiciliados, o que levou ao seu cancelamento (resolução).

Acrescentou ter acordado com a Ré o pagamento voluntário das coimas e taxas de portagens, no valor apurado de € 228.676,34 em cheques pré-datados, de que pagou a quantia de € 140.474,40, importância que veio constatar ser superior à resultante da consideração das infracções enquanto contra-ordenações cometidas na forma continuada (€ 73.175,85) ou em concurso (€ 76.430,85), dispondo a mesma do excedente em termos de enriquecimento sem causa.

Citada, contestou a Ré, por excepção, arguindo a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria enquanto de ordem contra-ordenacional, a sua ilegitimidade passiva por falta de qualquer relação jurídica ou contratual com a A. na medida em que o pagamento voluntário acordado levou ao arquivamento dos processos, nos termos dos n.ºs 1 e 6 do art.º 12.º da citada Lei n.º 25/06 e fundamentalmente impugnou a matéria relevante articulada na petição, concluindo pela sua absolvição da instância ou do pedido, com a condenação da A. em multa e indemnização a título de litigância de má fé.

Foi proferido despacho saneador onde foram julgadas improcedentes as excepções nominadas arguidas e, seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, não houve lugar a reclamação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento procedeu-se à leitura da decisão sobre a matéria de facto, igualmente sem reclamação.

Após alegações escritas sobre a matéria de direito foi proferida sentença a julgar improcedente a acção e a absolver a Ré de todos os pedidos.

Inconformada, apelou a A., apresentando nas alegações de recurso prolixas conclusões que utilmente podem resumir-se nas seguintes:

a) – A sentença é nula por omissão de pronúncia relativamente à determinação do valor da coima máxima num quadro legal de contra-ordenação ou de concurso de contra-ordenações;

b) – A recorrida não pode legalmente ser considerada como uma das entidades incumbidas da cobrança de taxas para efeitos do art.º 12.º, n.º 1, da cit. Lei n.º 25/06, não podendo a sua escolha competir à empresa concessionária, devendo a competência para cobrança de uma taxa ou coima ser decorrência de pertinente dispositivo legal, o que, assim não entendendo, a sentença violou aquele preceito legal e os art.ºs 3.º, n.ºs 2 e 3 e 112.º, n.º 5, da CRP;

c) – Ao não atender aos montantes resultantes, fosse de uma única contra-ordenação continuada (art.º 32.º do Regime Geral das Contra-Ordenações – RGC – DL n.º 433/82, de 27.10 ex vi art.º 18.º da cit. Lei n.º 25/06 e 32.º do Cós. penal), fosse do concurso de contra-ordenações (art.º 19.º do RGC), o tribunal a quo violou os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e adequação;

d) – Não pode ser atribuído significado jurídico à entrega dos cheques por parte da A. à Ré por ser indisponível o direito de não pagar coimas ou quaisquer valores de natureza sancionatória de valor superior ao máximo legal e não pode ser confessado facto notoriamente inexistente, em que se traduz a obrigatoriedade de pagamento de um valor não devido pelo que, ao assim não considerar, a sentença recorrida violou o disposto nas alíns. c) e d) do art.º 354.º do CC;

e) – A Ré encontra-se ilegitimamente na posse da quantia de € 73.175,85 pertença da A. (ou € 64.043,55 caso se conclua pelo concurso de contra-ordenações), cujo pagamento não teve suporte contratual ou legal, não havendo causa justificativa para o enriquecimento daquela, devendo revogar-se a sentença e restituir-se o valor peticionado.

Em resposta, a Ré pugnou pela bondade e manutenção da decisão recorrida.

Cumpre apreciar, sendo questões a decidir as que acabam de elencar-se nas conclusões das alegações de recurso.


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            2. Fundamentação

            2.1. De facto
            Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida e que não foi objecto de impugnação:

a) - A. A autora dedica-se à actividade comercial de transporte público ocasional de mercadorias;

b) - Por sua vez, a Ré “Via Verde Portugal – Gestão de Sistemas Electrónicos de Cobrança, S.A.”, tem por objecto a prestação de serviços de gestão de sistemas electrónicos de cobrança por utilização de infra-estruturas rodoviárias e de outras utilizadas por veículos automóveis, tais como auto-estradas, pontes, viadutos, túneis, parques de estacionamento, garagens e similares;

c) - Foi no exercício daquela sua actividade comercial que no decurso do ano de 2007 e no princípio do ano de 2008, cinco veículos da Autora circularam por vários dias consecutivos em variados troços de Auto-estradas sem efectuar o respectivo pagamento de portagem;

d) - Mais concretamente, transpondo as barreiras de portagem através de uma via reservada a um sistema electrónico de cobrança (Via Verde) sem contrato de adesão ao respectivo sistema válido;

e) - Os veículos com as matrículas ...RE, ...JZ, ...JS, ...GH e ...RM tinham, de facto, colocados os respectivos equipamentos/identificadores da Via Verde, mas à data das infracções os respectivos contratos de adesão ao sistema já não estavam válidos por terem sido desactivados pela Ré;

f) - Não tendo no entanto providenciado em alterar a domiciliação das “vias verdes” para outra das suas contas bancárias;

g) - A autora contactou pessoalmente a Ré nos seus escritórios em S. Domingos de Rana;

h) - Invocando o art.º 12º nº 1 da Lei 25/2006, de 30 de Junho, a Via Verde Portugal exigiu à autora o pagamento voluntário das coimas e das taxas de portagem em dívida, que a Ré Via Verde liquidou na altura em 228.676,34 €;

i) - A R. confiava que no futuro lhe seria possível gerar rendimentos que permitissem o seu pagamento, o que tem para si sido extremamente difícil;

j) - Até à presente data, foram pagos pela autora à Via Verde um total de 140.474,40 € (cento quarenta mil, quatrocentos setenta e quatro euros com quarenta cêntimos), da seguinte forma:

Cheque n.º Valor

2293 12.873 €

2294 12.643 €

2295 12.839 €

2296 12.540 €

2297 12.661 €

2298 12.596 €

2299 12.849 €

2301 12.854 €

2304 12.873 €

2305 12.896 €

2306 12.850 €

total 140.474,40 €;

l) - Por cada infracção praticada pela A. - entenda-se, por cada uma das vezes que um veículo desta transpôs indevidamente uma barreira de portagem reservada a um sistema electrónico de cobrança - a Via Verde Portugal pretende ter sido aberto um processo de contra-ordenação contra a autora;

m) - A autora entregou à Ré a quantia de € 228.676,34 em cheques pré-datados, para pagamento de coimas e taxas de portagem em dívida;

o) - Não existe, no caso concreto, um acto administrativo passível de impugnação judicial;

p) - Até, pelo menos, 24 de Março de 2006, o pagamento de portagens referente aos equipamentos e veículos aludidos em e) era efectuado pelo banco «BPI, S.A.», mediante uma conta bancária titulada pela A;

r) - A A. deixou de trabalhar com o banco «BPI, S.A.»;

s) – A A., apesar de ter mantido a sua sede em Castanheira, freguesia de Sobreira Formosa e concelho de Proença-a-Nova, deslocou, em data concretamente não apurada, mas anterior a 16 de Outubro de 2006, o seu escritório para a Estrada de Montalvão, E.N. 18, lote 73, 2º Dto., ... Castelo Branco;

t) - Tendo depois mudado os seus escritórios para o Cruzamento dos Maxiais, 6000-022 Benquerenças;

u) - A A. não comunicou, pelo menos a B..., C.... e D... - motoristas dos veículos pesados de matrículas JS, ...JZ e ...RE/ ...GH, o cancelamento dos  dispositivos  sinalizadores da via verde, senão em 2008/2009;

v) - Os motoristas dos veículos pesados JS (B... e C...), ...JZ (B...) e ...RE/ ...GH ( D...), ao serviço da A., circulavam com os mencionados veículos em auto-estrada, com o respectivo equipamento/identificador da via verde (à excepção do ...GH), transpondo as barreiras de portagem reservadas à via verde, pelo menos em 2007 e parte de 2008;

x) - A Via Verde Portugal elaborou um expediente contra a autora, imputando-lhe a prática de infracções ao disposto na Lei 25/2006, de 30 de Junho, relativo à falta de pagamento de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias;

z) - Tendo-lhe enviado a primeira comunicação alusiva à situação em 17.02.2007, recebida a 23.02.2007, relativa ao veículo de matrícula JS, conforme notificação n.º 60564, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;

aa) - Seguida das comunicações  datadas de 15.03.2007, 16.04.2007, 21.05.2007, 06.07.2007, 06.07.2007, 06.07.2007, 19.09.2007, 21.09.2007, 21.09.2007, 12.11.2007, 12.11.2007, 15.01.2008, 21.01.2008, 21.01.2008, 21.01.2008, 03.03.2008, 03.03.2008, 07.04.2008, 07.04.2008, 07.04.2008, 21.04.2008, 21.04.2008, 25.06.2008, 25.06.2008, 25.06.2008 e 05.01.2009, recebidas:

- a de 06.07.2007, a  12.07.2007, relativa  ao  veículo de matrícula  ...JZ, conforme  notificação  n.º 99486, cujo teor  se  dá por inteiramente  reproduzido”;

- a de 19.09.2007, a  02.10.2007, relativa  ao  veículo de matrícula  ...JZ, conforme  notificação  n.º 135992, cujo teor  se  dá por inteiramente  reproduzido”;

- a de 21.09.2007, a  02.10.2007, relativa  ao  veículo de matrícula  ...RE, conforme  notificação  n.º 192965, cujo teor  se  dá por inteiramente  reproduzido”;

- a de 21.09.2007, a  02.10.2007, relativa  ao  veículo de matrícula  ...JZ, conforme  notificação  n.º 156314, cujo teor  se  dá por inteiramente  reproduzido”;

- a de 12.11.2007, a  23.11.2007, relativa  ao  veículo de matrícula  ...JZ, conforme  notificação  n.º 171663, cujo teor  se  dá por inteiramente  reproduzido”;

- a de 15.01.2008, a  29.01.2008, relativa  ao  veículo de matrícula  ...JZ, conforme  notificação  n.º 207332, cujo teor  se  dá por inteiramente  reproduzido”;

- a de 21.01.2008, a 29.01.2008, relativa ao veículo de matrícula  ...RM, conforme  notificação  n.º 262646, cujo teor  se  dá por inteiramente  reproduzido”;

- a de 21.01.2008, a 29.01.2008, relativa  ao veículo de matrícula JS, conforme  notificação  n.º 257272, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido”;

- a de 03-03-2008, a 14.03.2008, relativa ao veículo de matrícula JS, conforme  notificação  n.º 315288, cujo teor se dá por inteiramente  reproduzido”;

- a de 03.03.2008, a 14.03.2008, relativa ao veículo de matrícula ...RE, conforme  notificação n.º 312255, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido”;

- a de 07.04.2008, a 14.04.2008, relativa ao veículo de matrícula ...RM, conforme  notificação n.º 293982, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido”;

- a de 07.04.2008, a 15.04.2008, relativa ao veículo de matrícula ...JZ, conforme  notificação n.º 277601, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido”;

- a de 07.04.2008, a 15.04.2008, relativa  ao  veículo de matrícula  ...JZ, conforme  notificação  n.º 256206, cujo teor  se  dá por inteiramente  reproduzido”;

- a de 21.04.2008, a 28.04.2008, relativa  ao  veículo de matrícula  JS, conforme  notificação  n.º 350499, cujo teor  se  dá por inteiramente  reproduzido”;

- a de 21.04.2008, a 28.04.2008, relativa ao veículo de matrícula ...RE, conforme  notificação n.º 346889, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido”;

- a de 25.06.2008, a 02.07.2008, relativa ao veículo de matrícula ...JZ, conforme  notificação n.º 311731, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido”;

- a de 25.06.2008, a 02.07.2008, relativa ao veículo de matrícula JS, conforme  notificação n.º 426394, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido”;

- a de 25.06.2008, a 02.07.2008, relativa ao veículo de matrícula ...RE, conforme  notificação n.º 414016, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;

bb) - Por cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 9-10-2006, a R. Via Verde Portugal resolveu os contratos relativos a cada um dos identificadores referidos;

cc) - Nenhuma das indicadas comunicações, constituiu um auto de notícia;

dd) - Em 19.08.2009, teve lugar reunião na sede da «Via Verde», a pedido da A., onde  foi entregue a esta uma listagem completa das infracções praticadas pelos seus veículos, como tal conhecidas e tratadas pela R. até esse momento;

ee) - Na data de  19.08.2009, foram entregues pela R. à  A. segundas vias dos  recibos, de  fls.  135-150, de pagamento por esta efectuados àquela;

ff) - Nos  termos  da referida listagem entregue pela R. à A.  em 19.08.2009, a primeira  contabilizou as taxas de portagem e as coimas conforme o documento 2, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

gg) - Mesmo nas situações em que as passagens eram feitas pelo mesmo veículo, transpondo diversas  barreiras de portagem  no mesmo dia;

hh) - Antes de 16 de Maio de 2009, estando os processos de contra-ordenação referentes à A. em vigor, por o acordo de pagamento estar a ser  cumprido por esta, a R. verificou que tinham sido cometidas outras infracções, para além das incluídas no mencionado acordo, a que  correspondiam taxas  e coimas  num total de €131 151, 90;


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2. 2. De direito:
            Como é sabido, são as conclusões das alegações de recurso que, em princípio, delimitam o poder cognitivo do tribunal a quo (art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do CPC na versão aplicável decorrente da Reforma de 2007 – DL n.º 303/07, de 42.8).
            Assim, começando pela 1.ª acima equacionada.
a) – A nulidade de sentença por omissão de pronúncia:
Decorre efectivamente da alín. d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC ser nula a sentença, além do mais, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
            Tais questões, na alegação e conclusões do recurso, reportam-se à determinação do valor da coima máxima exigível à A. mediante a consideração de as infracções à “via verde” constituírem uma única contra-ordenação continuada ou um concurso de contra-ordenações, isto na medida em que os art.ºs 32.º e 30.º, n.º 2 e 79.º do Cód. Penal e 19.º do cit. DL n.º 433/82 são subsidiariamente aplicáveis ao regime sancionatório em matéria de infra-estruturas rodoviárias decorrente da Lei n.º 25/06 (art.º 18.º).
            Conhecendo, improcede a arguição desde logo porque foi matéria a que a sentença recorrida expressamente se ateve, no sentido da sua impertinência face ao pagamento voluntário por parte da A. recorrente das coimas liquidadas pela Ré, enquanto entidade incumbida da cobrança das coimas pelo mínimo reduzido a 50% e das taxas de portagens em dívida, nos termos do art.º 12.º, n.º 1 da cit. Lei n.º 25/06, com pagamento fraccionado e titulado pelos cheques pré-datados acima indicados.
            Com efeito, tal como decidido, o uso da faculdade do pagamento voluntário das coimas determinou inexoravelmente o arquivamento do processo, rectius expediente (n.º 6 do art.º 12 da Lei nº 25/06), inviabilizando a instauração do correspondente processo ou processos de contra-ordenação onde, então (e só então), a autoridade administrativa (Direcção-Geral de Viação e depois o Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, IP) poderia (deveria) apreciar se estava face à figura da contra-ordenação continuada ou o concurso de contra-ordenações.
            Assim, o que ocorreu tratou-se de pagamento voluntário das coimas pelo mínimo com a redução de 50% e das taxas de portagem em dívida, subscrevendo-se da sentença recorrida que a opção pelo pagamento voluntário da A. foi dela própria, sem objectar, jamais, com qualquer viciação da vontade determinante de tal pagamento.
            Não há, portanto, qualquer omissão de pronúncia, indeferindo-se a nulidade arguida.
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            b) – Quanto à incompetência, ilegitimidade ou inconstitucionalidade da Ré em proceder à cobrança de coimas e taxas de portagem, tal questão teve o tratamento adequado na sentença recorrida, com o qual, de resto, se concorda.
            É certo que a Ré “Via Verde” enquanto entidade gestora de sistemas electrónicos de cobrança de portagens não vem, qua tale, nominalmente indicada nem na cit. Lei n.º 25/06, nem em qualquer outro diploma legal, antes o exercício de tais funções radica em contratos de prestação de serviços firmados com as empresas concessionária que lhes contratam os seus serviços especializados.
            Mas, será que o exercício de tais funções acometidas à recorrida supõe o investimento de poderes públicos que hajam de ser conferidos por lei ordinária ou constitucional?

            - Afigura-se-nos que não.

            Antes de mais, não sendo concessionária, a competência da entidade “Via Verde” é limitada à cobrança electrónica de portagens e em caso de transposição de qualquer veículo de uma barreira de portagem através da via reservada aos respectivos aderentes, denominada e identificada como “via verde”, a sua competência limita-se à notificação do agente da infracção para, no prazo de 15 dias úteis proceder ao pagamento voluntário, que é liquidado pelo mínimo reduzido a 50% e da taxa de portagem em dívida (cit. art.º 12.º, n.º 1 da cit. Lei n.º 25/06).

            Anuindo o infractor ao pagamento voluntário, o expediente é arquivado (idem, n.º 6). Caso contrário, tal entidade remete os autos de notícia da infracção electronicamente detectada para a entidade competente (antes, Direcção-Geral de Viação, hoje e após a Lei n.º 67-A/2007, de 31.12, Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, IP) com vista à instauração, instauração – repete-se – do processo de contra-ordenação.

            Quer dizer, a intervenção da entidade cobradora automática de portagens (sem paragem de veículo) é preliminar à da entidade administrativa com funções de autoridade, com ela se não confundindo, sendo esta última a ordenar a instauração do correspondente processo de contra-ordenação, onde há lugar, também, à notificação para pagamento voluntário da coima pelo mínimo, mas agora sem a redução em 50% do valor, como vimos acontecer na fase pré-contraordenacional (n.ºs 2 e 3 do art.º 12.º).

            É de sublinhar que o percebimento da coima tem o destino imperativo do art.º 17.º, n.º 1, da cit. Lei n.º 25/06, onde se não inclui, como beneficiária, a Ré recorrida enquanto entidade cobradora no caso de pagamento voluntário.

            Quanto à necessidade de publicitação (“numa das 3 séries do DR”) da legitimação da Ré para a cobrança das coimas nos termos assinalados (pagamento voluntário prévio à instauração de processo de contra-ordenação) não tem a mesma sentido, salvo o devido respeito.

            Não se vislumbrando obstáculo a que os serviços da Ré assentem numa base contratual estabelecida com as empresas concessionárias da exploração das auto-estradas, nem o diploma regulador da publicidade dos diplomas legais[1], nem os diplomas reguladores das concessões, v. g., à “Brisa-Auto-Estradas de Portugal, SA”[2] ou ao consórcio “Auto-Estradas do Atlântico – Concessões Rodoviárias de Portugal, SA”[3], nem qualquer outro diploma, muito menos os preceitos constitucionais indicados (art.ºs 3.º, n.ºs 2 e 3 e 112.º n.º 5 da CRP), impõem que a prestação dos serviços em causa seja, de qualquer modo, publicitada.

            Improcede deste modo a conclusão recursiva.


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            c) – Quanto à violação dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e adequação, por o tribunal a quo não ter atentado nos montantes máximos das coimas em função da eventual existência de uma única contra-ordenação continuada ou de concurso de contra-ordenações, face ao já exposto na antecedente ali. a) é manifesta a sem-razão da recorrente.

            O pagamento voluntário das coimas e das taxas de portagem foi livremente assumido pela recorrente e com esse comportamento inviabilizou, renunciando, fosse iniciado o processo de contra-ordenação onde (e só onde) poderia ser apreciada a eventual continuação ou concurso de contra-ordenações.

            Porque não houve processo, cuja instauração competia à autoridade administrativa (DGV/InIR, IP), como vimos, não mais poderia reeditar-se a apreciação de tal matéria fosse junto do tribunal recorrido ou, agora, neste.

            Os princípios constitucionais em causa, genericamente destinando-se a tutelar situações de injustiça ou iniquidade, não podem ter guarida numa situação livremente assumida pela recorrente, de pagamento voluntário das coimas pelo mínimo com a redução a 50% do seu montante.

            Improcede também tal conclusão do recurso.


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            d) – Quanto à inadmissibilidade da confissão em que se traduziu a entrega dos cheques para pagamento, alegadamente ao abrigo das alín.s b) e c) do art.º 354.º do CC, cumpre dizer o seguinte:

            - Dispõe a alín. b) desse preceito que a confissão não faz prova contra o confitente se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis e, a alín. c), que não faz prova se o facto confessado for impossível ou notoriamente inexistente.

            É manifesto que nada disso aqui acontece.

            A faculdade de pagar ou não pagar uma coima constitui um direito disponível e o pagamento voluntário livremente assumido não pode constituir foros de impossibilidade ou inexistência notória…

            Improcede estoutra conclusão recursiva.


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            e) – Finalmente, quanto ao enriquecimento sem causa da Ré, em que nuclearmente assentava a causa de pedir da acção, igualmente é manifesta a sem-razão da recorrente.

            Como é sabido, são pressupostos desse instituto (art.º 473.º do CC):

            1. A existência de um enriquecimento;

            2. Que o mesmo careça de causa legítima justificativa;

            3. Que seja obtido à custa do empobrecimento de quem requer a restituição.[4]

            A propósito do 2.º requisito salienta A. Costa[5] que se reputa que o enriquecimento é sem causa quando o direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que de acordo com os princípios do sistema jurídico justifique a deslocação patrimonial.

            Tal como entendeu a sentença recorrida, no caso em apreço não estão preenchidos os requisitos enunciados.

            Quanto ao 1.º, a A. não demonstrou (sobre ela incidindo o respectivo ónus – art.º 342.º, n.º 1, do CC) que a recorrida houvesse enriquecido com o produto das coimas cobradas, sendo certo que, como já se assinalou, nos termos do art.º 17.º n.º 1 da cit. Lei n.º 25/06 o produto arrecadado era distribuído, 60% para o Estado, 20% para a “EP – Estradas de Portugal, EPE” e 20% para a concessionária.

            Quanto ao 2.º, a cobrança assentou legitimamente no pagamento voluntário (e sem vícios alegados da vontade) da recorrente, que inviabilizou, por arquivamento do processo prévio, a instauração do procedimento contra-ordenacional onde pudesse apreciar-se se havia lugar a contra-ordenação continuada ou a concurso de contra-ordenações ou e, até, no limite, à sua absolvição, embora a recorrente não avente nas presente acção esta última hipótese, mas que em teoria terá de colocar-se.

            Quanto ao 3.º, que supõe correlação com o 1.º, inexistindo este, gorado aquele.

            Termos em que improcede mais esta conclusão recursiva e, com ela, a apelação no seu todo.


*

            3. Em síntese conclusiva (n.º 7 do art.º 713.º do CPC):

            a) – A “Via Verde Portugal – Gestão de Sistemas Electrónicos de Cobrança, SA”, enquanto entidade gestora de sistemas electrónicos de cobrança de portagens em auto-estradas, como tal contratualizada pelas respectivas concessionárias, não necessita, para o efeito, ser investida publicamente de tais poderes pela Administração;

            b) – Com base em tais contratos é uma das entidades perante quem o infractor podia efectuar o pagamento voluntário das coimas, nos termos do art.º 12.º, n.º 1, da Lei n.º 25/06, de 30.6;

            c) – Não há enriquecimento sem causa na situação de pagamento voluntário de coimas a essa entidade por quem circulou indevidamente na “via verde”, com fundamento posteriormente invocado, de que se tratou, afinal, de contra-ordenação continuada ou em concurso, determinante de coima de menor valor que o voluntariamente pago, matéria cuja apreciação o uso daquela faculdade inexoravelmente inviabilizou.


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            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a douta sentença recorrida.

            Custas pela apelante.


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Francisco M. Caetano (Relator)
António Magalhães
Freitas Neto


[1] Lei n.º 74/98, de 11.11, alterada pelas Leis n.ºs 2/05, de 24.1, 26/06, de 30.6 e 42/07, de 24.8.
[2] DL n.º 294/97, de 24.10
[3] DL n.º 393-A/98, de 12.4, em cuja Base LI, n.º 1, dispõe que “as formas de pagamento das portagens incluirão o sistema (…) automático (através da via verde) (…)”.
[4] V. P. Lima e A. Varela, “CC, Anot.”, I, pág. 454.
[5] “Direito das Obrigações”, 3.ª ed., pág. 335.