Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4072/18.3T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: ARRENDAMENTO
DESPEJO
PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
FALTA DE PAGAMENTO DAS RENDAS
MORA
RESOLUÇÃO
JUROS
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1041, 1042, 1083, 1084 CC, 15 NRAU
Sumário: 1 - Caso a renda não seja paga no primeiro dia útil, pode ainda ser paga nos 8 dias seguintes sem qualquer sanção/indemnização para o inquilino.

2 - A partir daqui – decorridos os 8 dias seguintes sem a renda ser paga – o senhorio pode em alternativa exigir (além, claro está, das rendas em atraso) a indemnização pela mora (20% na redacção do recente DL 13/2019 e, antes, 50%) ou resolver o contrato (cfr. art. 1041.º/2 do C. Civil).

3 - Exercido tal direito “alternativo” – optando o senhorio pela resolução – o que acontece a seguir decorre e convoca o que se dispõe no art. 1084.º/3/parte final do C. Civil, segundo o qual a resolução contratual declarada não opera imediatamente, uma vez que, com a declaração resolutiva, se inicia o prazo de 1 mês para o arrendatário pôr fim à mora e assim neutralizar/impedir que se operem os efeitos extintivos da declaração resolutiva efectuada pelo senhorio.

4 - Ou seja, para impedir tais fins extintivos (e o fim do contrato) tem o inquilino que “oferecer” o pagamento da indemnização dos (actuais) 20% (antes 50%), uma vez que, como resulta do art. 1042.º do C. Civil, só põe fim à mora se oferecer o pagamento das rendas ou alugueres em atraso, acrescido da indemnização fixada no art. 1041.º/1 do C. Civil.

5 - Exercido o referido direito alternativo – optando pela resolução – o senhorio não tem direito a qualquer indemnização pela mora do arrendatário, ou seja, não tem direito a quaisquer juros sobre as rendas em atraso, uma vez que os juros são/representam a indemnização pela mora nas obrigações pecuniárias e, optando o senhorio pela resolução contratual, esta (resolução) passa a ser a única “sanção” a que tem direito pela mora do inquilino.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

E (…), F (…), M (…) e A (…), identificados nos autos, instauraram procedimento especial de despejo contra AD (…) e AM (…)  com os sinais dos autos, pedindo o despejo do locado (com fundamento em resolução por falta de pagamento das rendas) e, cumulativamente, o pedido de pagamentos das rendas (€ 1.357,80) e juros (€ 43,07).

Notificados os requeridos – após recusa do procedimento e decisão judicial a revogar a recusa do procedimento – veio a requerida (apenas a requerida) deduzir oposição, confirmando que os requerentes efectuaram notificação judicial avulsa aos requeridos, “tendo como pretensão (…) a resolução do contrato fundado no atraso do pagamento de rendas, a desocupação do locado, o pagamento das rendas em atraso, no valor de € 1.357,80, acrescendo juros de mora e pagamento de rendas vincendas[1]; e alegando que, tendo tal notificação sido realizada a 10/10/2017, “(…) a ora requerida procedeu ao pagamento de imediato da quantia aí em dívida (…), tendo até à data de hoje pago na totalidade todas as rendas do locado, não se encontrando em mora[2], razão pela qual, segundo a requerida/oponente, a resolução dos requerentes, face ao pagamento das rendas em atraso, ficou sem efeito, defendendo não ser devida a indemnização no valor de 50% e que os requerentes pretendem, para além da resolução, o recebimento da indemnização.

Designado dia para audiência de discussão e julgamento, veio a oponente, antes da audiência, requerer a junção dum ofício da C. M. de (...) (subscrito pela Eng.ª (…)) a dizer “que a 03/09/2018 não existiam rendas em atraso”; e requerer que “se notifique a Exma. Sr.ª (… ) com domicílio profissional na C. M. de (...) , para comparecer na data designada para a Audiência de Discussão e Julgamento, por ter sido de todo impossível à R. apresenta-la para o dia designado”.

Aberta a audiência, a Exma. Juíza proferiu, em 13/11/2018, o seguinte despacho:

“ (…) tomados os devidos esclarecimentos aos mandatários de AA. e R., chegou-se à conclusão que o objecto do presente litígio não é a existência neste momento de rendas em atraso, mas o facto de, na data em que os requeridos foram notificados para proceder ao pagamento das rendas com a cominação da resolução, estes não terem procedido ao pagamento da indemnização do valor de 50% nos termos do art. 1041.º e 1042.º do C. Civil, na alteração que lhe foi dada pelas leis que procederam à alteração do novo regime do arrendamento urbano. Verificando-se que a questão aqui colocada é meramente jurídica, indefere-se o requerimento apresentado (a solicitar a notificação da “Exma. Sr.ª (…) para comparecer na data designada para a Audiência de Discussão e Julgamento, por ter sido de todo impossível à R. apresenta-la para o dia designado”) (…)”.

Após o que a Exma. Juíza designou nova sessão para o dia 19/11/2018, em que proferiu sentença em que julgou a presente acção totalmente procedente e, em consequência, converteu o requerimento de despejo em título para desocupação do locado.

Inconformada, interpôs a R./requerida recurso de apelação, quer do despacho proferido em 13/11/2018, quer da sentença final proferida em 19/11/2018, visando as suas revogações e substituições por “despacho que determine a produção de prova requerida” e “por sentença que julgue o procedimento especial de despejo totalmente improcedente”.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

Os AA. responderam, defendendo a manutenção do decidido e, subordinadamente, também apresentaram recurso, visando que a “sentença proferida seja substituída por outra que, sem prejuízo de manter a conversão do requerimento de despejo em título para desocupação do locado, condene também os Requeridos a pagar aos ora Alegantes a quantia de € 43,06 a título de juros vencidos até 2 de outubro de 2017, bem assim como nos vincendos a partir de tal data e até efectivo pagamento dos devidos com igual fundamento legal”.

Terminaram a sua alegação subordinada com as seguintes conclusões:

(…)

A instância mantém-se regular.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação de Facto:

1. Os requerentes são donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito no (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , na ficha (...) , da Freguesia de (...) e inscrito na matriz predial urbana da mencionada freguesia sob o artigo (...) º;

2. O prédio veio à titularidade dos requerentes por sucessão aberta por morte de E (…) e E (…)

3. E (…) celebrou a 1 de Agosto de 1987 com o requerido contrato de arrendamento, para habitação do mesmo e do respectivo agregado familiar, por um ano e mediante a renda anual de PTE60.000, a pagar mensalmente (no primeiro dia útil do mês anterior àquele que disser respeito) em duodécimos de PTE5.000, renovável por subsequentes períodos de um ano;

4. Na sequência das várias actualizações a renda mensal em 28 de Fevereiro de 2016 era de €67,89;

5. Desde Março de 2016 até Outubro de 2017, que os requeridos deixaram de pagar as rendas devidas, sem embargo de continuarem a ocupar o locado;

6. No dia 10-10-2017 os requeridos foram notificados por agente de execução de que os requerentes põem termo imediato ao contrato de arrendamento, por resolução do mesmo, reclamando a entrega imediata do locado livre e devoluto de pessoas e bens e bem assim o pagamento das rendas vencidas e vincendas, acrescidas de juros legais até integral pagamento;

7. Os requeridos, em 30/10/2017, procederam ao pagamento de € 1.357,80 correspondentes às rendas em atraso, respeitantes aos meses de Abril de 2016 e Novembro de 2017, à razão de € 67,89 por mês, pagamento efectuado directamente ao Município de (...) , entidade legalmente sub-rogada no direito de receber as rendas, por ter custeado as obras de conservação extraordinárias que o local foi objecto;

8. Os requeridos não pagaram até hoje a indemnização de 50% sobre cada renda em atraso;


*


III – Fundamentação de Direito

Começando pelo recurso da decisão/despacho proferido em 13/11/2018 que indeferiu o requerimento apresentado pela R/apelante a solicitar a notificação da “Exma. (…) para comparecer na data designada para a Audiência de Discussão e Julgamento, por ter sido de todo impossível à R. apresentá-la para o dia designado”.

Argumenta a R/apelante, nas 7 primeiras conclusões da sua alegação recursiva, que tal despacho não está fundamentado; que com a inquirição da testemunha pretendia provar que o locado não se encontra na livre disponibilidade dos apelados, por se encontrar na posse administrativa da Câmara Municipal de (...) , por ter sido objecto de obras coercivas pelo Município de (...) ; que os apelados não podiam vir accionar a apelante para o pagamento da indemnização de 50% por não ser a estes que ela liquida as rendas; e que os princípios do processo civil preconizam, acima de tudo, a busca da verdade material e da justa composição do litígio, e os poderes do juiz encontram-se claramente reforçados na direcção e gestão do processo, pelo que o tribunal deveria ter deferido a produção do depoimento da testemunha (…).

Não tem, com todo o respeito, qualquer razão.

Procedeu-se no relatório inicial à transcrição integral de tal despacho e como é evidente está fundamentado.

E o que, em síntese, se diz em tal fundamentação é que, no processo, não há factos relevantes (juridicamente relevantes) controvertidos e que a questão é apenas de direito, razão pela qual é desnecessário deferir o requerido e notificar a Exma. Sr.(…) para comparecer em Audiência de Discussão e Julgamento.

Quando uma parte indica alguém como testemunha, o procedimento comum manda que, “sem mais”, a mesma seja notificada e depois ouvida em audiência.

Sucede que não estamos perante um procedimento comum, mas sim perante o procedimento especial de despejo em que, segundo o art. 15.º-I/6 da Lei 6/2006, as testemunhas são a apresentar, razão pela qual se compreende que, pedindo a parte que se notifique uma testemunha (que ela devia apresentar), tal não seja deferido “tabelarmente” e “sem mais”, sujeitando-se antes o seu deferimento à sua utilidade (à necessidade do depoimento para uma justa composição do litígio).

E, é o ponto, em face das posições assumidas pelas partes nos articulados (no requerimento de despejo e na oposição), não havia nada, juridicamente relevante, a esclarecer em termos factuais[3], pelo que se justifica que se haja indeferido a notificação da testemunha para comparecer em audiência.

A R/apelante invoca a violação dos poderes de direcção e gestão do processo, porém, importa ter presente que tais poderes não servem para o tribunal ampliar o objecto do litígio, nem para o tribunal introduzir factos essenciais que não foram alegados quer por via de acção quer por via de excepção (como resulta do art. 5.º do CPC, os poderes de cognição do tribunal estão limitados pelo ónus de alegação das partes quanto aos factos essenciais).

O objecto dos autos era/é muito restrito: os AA. vieram dizer que haviam resolvido o contrato de arrendamento com fundamento em mora no pagamento das rendas; e a inquilina (e aqui R.) veio dizer tão só que pôs termo à mora nos termos do art. 1084.º/3/parte final e que por isso a resolução ficou sem efeito.

Não fazia/faz pois parte do objecto dos autos – não tinha sido alegado/invocado na oposição – que o locado não se encontre na livre disponibilidade dos AA., por se encontrar na posse administrativa da Câmara Municipal de (...) , por ter sido objecto de obras coercivas pelo Município de (...) e que, por isso, os apelados não podiam vir accionar a apelante para o pagamento da indemnização de 50% por não ser a estes que ela liquida as rendas; e não tendo isto sido alegado/invocado – e não sendo um complemento ou concretização do algo que tivesse sido alegado – não podia ser considerado pelo tribunal, pelo que apurá-lo era processualmente despiciendo.

Efectivamente, isto (tudo isto) só foi verdadeiramente alegado nesta sede recursiva e, é sabido, no direito português, os recursos ordinários são de reponderação; visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento, o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados; por outras palavras, os recursos visam reapreciar o decidido na 1.ª Instância com a matéria de facto nela alegada, são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas[4];

Ora, repete-se, nunca antes – designadamente na oposição, que era o lugar e o momento próprio para tal – a R/apelante havia invocado o que agora diz, que é assim uma questão nova e que não pode validamente ser introduzida/suscitada no presente recurso.

Mas, ainda que não existissem obstáculos formais/processuais à sua inclusão e apreciação, a verdade é que – o que aqui e agora se refere em termos de obiter dictum – tudo isto é/seria juridicamente irrelevante.

Resulta da globalidade do que a própria R/apelante agora alega que, ao contrário do que refere, o locado já não se encontra na posse administrativa da Câmara Municipal de (...) .

Não é totalmente claro que as obras coercivas levadas a cabo no locado pelo Município de (...) hajam sido feitas na vigência do art. 15.º do RAU ou dos arts. 12.º e ss. do actual DL 157/2006 (embora a data que consta da conclusão 11 aponte para o RAU); seja como for, em ambos os diplomas se estabelece identicamente que, concluídas as obras coercivas, a Câmara pode continuar a ocupar o prédio pelo período de 1 ano (art. 15.º/1 do RAU e 13.º do DL 157/2006), após o que tal ocupação (posse administrativa) cessa automaticamente, ou seja, tendo as obras sido concluídas há mais de 1 ano, o locado já não se encontra na posse administrativa da Câmara Municipal de (...) .

O que sucede – mais uma vez identicamente em ambos os diplomas legais – é que o pagamento do custo das obras executadas pela Câmara deve ser feito através das rendas do locado, mais exactamente, através de 70% das rendas do prédio (cfr. art. 15.º/5 do RAU) ou através da totalidade das rendas (cfr. art. 18.º/1 do DL 157/2006); para o que a Câmara notifica os arrendatários de que as rendas deverão ser depositadas à sua ordem (cfr. art. 23.º do RAU e 19.º do DL 157/2006).

É o que está a acontecer[5] e, por isso, a R/apelante pensará, erradamente, que (por estar a pagar as rendas ao Município) o locado ainda se encontra na posse administrativa da Câmara Municipal de (...) , quando a mesma cessou automaticamente 1 ano após a conclusão das obras.

Enfim, a decisão recorrida (despacho proferido em 13/11/2018) andou bem ao indeferir o pedido de notificação da testemunha identificada (Eng.ª (…)), uma vez que já nada havia a esclarecer factualmente; sendo que aquilo que agora se diz que o seu testemunho visava clarificar não fazia/faz parte do objecto dos autos, para além de não ser juridicamente relevante.


*

Passando ao recurso (principal) da decisão final:

O procedimento especial de despejo (previsto no NRAU 2012, nos arts. 15.º a 15.º-S) é hoje o meio processual adequado a efectivar a cessação do arrendamento – em caso de resolução do arrendamento por comunicação prevista no art. 1084.º/3 do C. Civil – quando o arrendatário, após tal comunicação resolutiva, não desocupe o locado na data prevista na lei ou a data acordada entre as partes (cfr. art. 15.º/1 e 2/e)).

O objecto primordial de tal procedimento é a efectivação da cessação do arrendamento – ou seja, o despejo – porém, acessória/secundariamente e cumulativamente, como resulta do art. 15.º/5 e 15.º-B/2/g) do NRAU, pode também ser pedido o pagamento das rendas em dívida “desde que tenha sido comunicado ao arrendatário o montante em dívida”.

É justamente este – pedidos cumulativos – o caso.

E, sendo assim, falando a letra do art. 15.º-F em oposição à “pretensão”, é indiscutível que os requeridos podiam deduzir oposição quer ao pedido de desocupação/despejo quer ao do pagamento das rendas (podendo, naturalmente, integrar o conteúdo da oposição todos e quaisquer fundamentos que num processo declarativo possam ser invocados).

Oposição em que no caso – tendo os AA/requerentes invocado a cessação/resolução do contrato de arrendamento por mora igual ou superior a 3 meses no pagamento da renda (cfr. actual redacção do art. 1083.º/3, decorrente da Lei 43/2017, de 14-06) – a R/requerida se limitou a proceder à junção do documento comprovativo do pagamento em singelo, no mês seguinte à comunicação resolutiva, do valor das rendas em atraso e a invocar que assim, com tal depósito, obstaram à produção dos efeitos resolutivos declarados.

Efectivamente:

Como resulta do já referido (e consta dos factos provados), os requerentes, no dia 10/10/2017, notificaram os requeridos da resolução do contrato de arrendamento (invocando que os requeridos não pagavam as rendas desde Março de 2016 até Outubro de 2017); após o que intentaram o presente procedimento especial de despejo.

Na sequência de tal notificação, os requeridos procederam ao pagamento, em 30/10/2017, de € 1.357,80 (correspondentes às rendas em atraso, respeitantes aos meses de Abril de 2016 e Novembro de 2017, à razão de €67,89 por mês), pagamento efectuado directamente ao Município de (...) , entidade legalmente sub-rogada no direito de receber as rendas, por ter custeado as obras de conservação extraordinárias de que o locado foi objecto.

Tendo-se decidido na sentença recorrida que, não tendo os requeridos pago a indemnização de 50% sobre cada renda em atraso, não neutralizaram o direito de resolução dos AA. (“neutralização” permitida pelo art. 1084.º/3/parte final do C. Civil), pelo que a resolução operou todos os seus efeitos e extinguiu a relação de arrendamento.

Sustentando a R./apelante o inverso, invocando que os AA/apelados não podem “pretender colocar um cidadão na rua e, ao mesmo tempo, peticionar o pagamento da indemnização dos 50%.”

Sendo estes os termos da questão/litígio, que dizer?

Que a R/apelante não tem, mais uma vez, qualquer razão.

Trata-se de questão há muito completamente pacífica na doutrina e na jurisprudência[6]; de tal maneira, que passamos a transcrever o que o Prof. Perira Coelho, com a sua habitual clareza, escreveu há mais de 30 anos[7]:

“O inquilino constitui-se em mora se não paga a renda no dia do vencimento, ou seja, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que a renda diz respeito. Pode porém fazer cessar a mora se pagar a renda nos 8 dias seguintes (art. 1041.º/2) (…)

Se o inquilino se constituir em mora e não a fizer cessar nos 8 dias seguintes, o senhorio fica com o direito de lhe exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento nos termos do art. 1093.º/1/a)[8]. É o que dispõe o n.º 1 do art. 1041.º. Note-se que a lei dá ao senhorio em alternativa o direito de pedir indemnização e o de resolver o contrato, contra a regra geral do art. 801.º/2. Se optar pela resolução do contrato e este for resolvido com base na falta de pagamento, o senhorio só pode exigir as rendas em dívida. Não tem direito nesse caso a qualquer indemnização pela mora do arrendatário.”

Ou seja:

Em face do que consta do contrato de arrendamento junto, a renda de cada mês vencia-se no primeiro dia útil do mês anterior àquele que dissesse respeito; e, segundo a lei (art. 1041.º/2 do C. Civil), caso não fosse paga em tal primeiro dia útil, podia ainda ser paga nos 8 dias seguintes[9] sem qualquer sanção/indemnização para o arrendatário/inquilino.

A partir daqui – decorridos os 8 dias seguintes sem a renda ser paga – o senhorio pode em alternativa exigir a indemnização de 50% pela mora (além, claro está, das rendas em atraso) ou resolver o contrato (art. 1041.º/2 do C. Civil)[10].

E foi exactamente este direito “alternativo” que, como consta da notificação judicial junta (e do ponto 6 dos factos), os AA./apelados exerceram, optando pela resolução contratual e não pedindo a indemnização dos 50% pela mora[11].

O que juridicamente acontece a seguir – efectuada a declaração resolutiva – decorre e convoca o que se dispõe no art. 1084.º/3/parte final do C. Civil, segundo o qual a resolução contratual declarada não opera imediatamente, uma vez que, com a declaração resolutiva, se inicia o prazo de 1 mês para o arrendatário pôr fim à mora e assim neutralizar/impedir que se operem os efeitos extintivos da declaração resolutiva efectuada pelo senhorio.

O que aqui e agora está em causa é pois tão só saber se os RR/requeridos, com o depósito que efectuaram, impediram que a resolução que lhes foi declarada operasse os seus efeitos.

Os AA., repete-se, ao contrário do que a R/apelante sustenta ao longo da sua alegação recursiva, não pretenderam (com a notificação judicial avulsa) o fim do contrato (resolução) e, cumulativamente, o pagamento da indemnização dos 50%: os AA. peticionaram tão só o fim do contrato (resolução), sendo os RR/requeridos, para impedir o fim do contrato, que querem “oferecer” o pagamento da indemnização dos 50% e assim colocar fim à mora (que dá causa à resolução).

É que – é o ponto – o arrendatário não põe fim à mora pagando tão só as rendas em singelo, mas sim, como claramente resulta do art. 1042.º do C. Civil, “oferecendo ao locador o pagamento das rendas ou alugueres em atraso, bem como a indemnização fixada no n.º 1 do artigo anterior” (a indemnização igual a 50% ao tempo; hoje, 20%).

Em síntese, tendo os RR/requeridos procedido tão só ao pagamento das rendas em singelo (cfr. ponto 7 dos factos), não colocaram termo à mora, não preencheram o facto impeditivo previsto no art. 1084.º/3/parte final do C. Civil e não lograram neutralizar os efeitos extintivos da declaração resolutiva que lhes havia sido efectuada pelos AA.[12], declaração resolutiva que, assim, fez cessar o contrato de arrendamento então vigente, o que conduz directamente à improcedência da oposição deduzida, à constituição de título para desocupação do locado e à improcedência da apelação (principal) da R./oponente[13], [14] e [15].


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Passando por fim ao recurso (subordinado) da decisão final:

Recurso que é – quanto às duas questões suscitadas – improcedente.

Muito sucintamente[16]:

Quanto à primeira questão:

Não são devidos quaisquer juros desde a data do vencimento de cada renda e o momento em que as rendas em atraso foram pagas pelos arrendatários (rendas de Março de 2016 a Outubro de 2017, integralmente pagas pelos arrendatários, com excepção dos juros, no dia 30/10/2017).

E esta resposta/solução já resulta do que acima se escreveu sobre os direitos do senhorio sobre o inquilino em mora no pagamento das rendas: tem direito, repete-se, a pedir a indemnização do art. 1040.º/1 do C. Civil ou a resolver o contrato, ou seja, se optar pela resolução do contrato e se este for resolvido com base na falta/mora no pagamento das rendas, como é o caso, o senhorio só pode exigir as rendas em dívida e não tem direito neste caso a qualquer indemnização pela mora do arrendatário.

E se não tem direito a qualquer indemnização pela mora, também não tem direito a juros, uma vez que estes são/representam, como é sabido, a indemnização pela mora nas obrigações pecuniárias (como se extrai dos art. 804.º/1 e 806.º/1 do C. Civil); e, como já se referiu por diversas vezes, optando o senhorio pela resolução contratual, esta passa a ser a única “sanção” a que tem direito pela mora do inquilino[17].

Quanto à segunda questão:

Em relação à sentença ter que se pronunciar “sobre a autorização de entrada no domicílio”, entendemos que o art. 15.º/7 da Lei 6/2006 – em que se diz que “o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas e, independentemente de ter sido requerida, sobre a autorização de entrada do domicílio” – deve ser conjugado com o art. 15.º-L/3 da Lei 2006, segundo o qual o juiz tem a faculdade de proceder à audição do arrendatário sempre que o considere necessário para conceder a autorização de entrada no domicílio, razão pela qual entendemos que art. 15.º/7 da Lei 6/2006 não estabelece o dever do juiz conceder imediatamente, na sentença, autorização para entrada no domicílio.

Como a Exma. Juíza refere (no despacho em que se pronunciou sobre as nulidades) a “autorização para entrada imediata no domicílio apenas é necessária nas circunstâncias em que exista recusa injustificada por parte dos arrendatários em entregar o locado, podendo ser proferida (…) posteriormente, com a instauração da fase executiva, a requerimento de agente de execução – cfr. artigo 757.º, n.º 4 do CPC”.


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Em conclusão, improcede tudo o que a R/apelante invocou e concluiu na alegação recursiva do recurso principal e tudo os que os AA/apelados invocaram e concluíram na alegação recursiva do recurso subordinado, o que determina o naufrágio de ambos os recursos e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.

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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedentes a apelação principal e a apelação subordinada e, consequentemente, confirma-se totalmente a sentença recorrida (proferida em 19/11/2018).

Custas, nesta instância, pela R/apelante no principal e pelos AA/apelados no subordinado.


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Coimbra, 30/04/2019

Barateiro Martins ( Relator )

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Art. 5.º da oposição.
[2] Arts. 6.º e 7.º da oposição.

[3] Aliás, uma vez que era assim (uma vez que a questão era apenas de direito), não se devia sequer ter designado dia para audiência, antes se conhecendo/decidindo logo de mérito (como o permite o art. 15.º-H/3 da Lei 6/2006).

[4] Sem prejuízo – é a excepção à regra – da possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, de matérias de conhecimento oficioso.
[5] E é por o depósito estar a ser na totalidade das rendas (ao contrário do que resulta do referido art. 15.º/5 do RAU) que exprimimos dúvidas sobre as obras terem sido levadas a cabo na vigência do RAU ou do actual DL 157/2006 (a data que consta da conclusão 11 aponte para o RAU e o depósito de 100% das rendas aponta para o DL 157/2006).

[6] Sendo que a única alteração da lei, desde a entrada em vigor do C. Civil, está no montante da indemnização: o dobro da renda na redacção incial, de 1966; 50% na redacção que o DL 293/77, de 20-07, deu ao art. 1041.º/1; e 20% na redacção actual, saída do bem recente DL 13/2019, de 12-02.

[7] In Lições de Arrendamento de 1988 – Prof. Pereira Coelho, pág. 182/3.
[8] Hoje, art. 1083.º/3 e 4.
[9] 8 dias esses contados nos termos do art. 279.º/d), b) e e) do C. Civil.

[10] Contra a regra geral do art. 801.º/2 do C. Civil, em que “o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a prestação, exigir a restituição dela por inteiro”
[11] Como aliás a oponente refere no art. 5.º da sua oposição (transcrito no relatório inicial).

[12] Como supra se escreveu, decorridos 8 dias sem a renda ser paga, o senhorio/arrendatário pode em alternativa exigir a indemnização de 50% ou resolver o contrato, isto é, tem direito a uma de duas coisas (ou resolução ou indemnização), direito este que no caso, seguindo-se a tese jurídica da R/apelante, lhe seria “tirado”, uma vez que, seguindo-se tal tese jurídica, ficaria sem resolução e sem indemnização.

[13] As dúvidas colocadas pela R/oponente na conclusão 10 não têm razão de ser: a relação locatícia foi iniciada (como consta do contrato de arrendamento junto), do lado activo, pelo pai dos AA/requerentes, a quem o locado/prédio e a relação locatícia foram transmitidos por sucessão hereditária (como resulta da certidão da CRP do prédio em causa); assim, mantendo-se o locado em comunhão hereditária (como também resulta da inscrição constante da CRP), os AA/requerentes actuam, como é evidente, em nome próprio e como titulares de tal património autónomo (chama-se a atenção que a herança aceite, como é o caso, não tem personalidade, quer jurídica quer judiciária, pelo que os herdeiros duma herança aceite nunca actuam em nome da herança, mas sim sempre em nome próprio – uma vez que só eles é que têm personalidade jurídica e judiciária – embora na veste de titulares de tal património autónomo).

[14] Assim como não tem razão de ser a questão, já respondida, colocada na conclusão 13: a posse administrativa do Município já acabou, sucedendo apenas que o pagamento do custo das obras executadas pela Câmara está a ser feito através do depósito das rendas à ordem do Município, pertencendo todos os demais poderes e faculdades decorrentes da propriedade sobre o prédio/locado aos aqui AA/requerentes, designadamente a legitimidade para resolver o arrendamento com fundamento na mora no pagamento das rendas (não é por as rendas estarem a ser depositadas à ordem do Município que deixam de estar sujeitas ao prazo de pagamento referido e às sanções estabelecidas pela lei para a mora).

[15] Desfecho este que não desrespeita o direito à habitação, constitucionalmente consagrado no art. 65.º da CRP, uma vez que, no que aqui releva, tal direito consiste “no direito de não ser arbitrariamente privado de habitação” (cfr. Gomes Canotilho, in Constituição Anotada), o que, como se expôs, não é o caso.

[16] Passando directamente ao fundo das questões, tanto mais que a Exma. Juíza se pronunciou (e procurou suprir) sobre as nulidades de sentença suscitadas, respeitantes a tais duas questões, no despacho em que admitiu o recurso subordinado.
[17] Sendo que o art. 806.º/1 acaba por não ser ao caso verdadeiramente aplicável, uma vez que há uma disposição especial (art. 1040.º/1 do C. Civil) a dizer como aquela concreta mora contratual (no cumprimento daquela concreta obrigação pecuniária) é reparada.