Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3489/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: CUSTAS JUDICIAIS
APLICAÇÃO NO TEMPO DO CCJ APROVADO PELO DL Nº 324/03
DE 27/12.
Data do Acordão: 11/25/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 14º, Nº 1, DO CCJ ( DL Nº 324/03, DE 27/12)
Sumário: I – O procedimento próprio para a reclamação de créditos ( concurso de credores ) anexo a uma execução, tem o carácter de “ incidente “ do próprio processo executivo .
II – Por isso, tal processo incidental não pode ser considerado um verdadeiro processo, autónomo em relação à execução de que está dependente, pelo que é a data de instauração da execução que releva para efeitos de aplicação dos sucessivos regimes de custas judiciais .
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
Com base em acordo obtido em acção declarativa, o A A..., veio intentar acção executiva para pagamento de quantia certa contra B....
No decurso da dita execução foi determinado por despacho de fls. 86 e datado de 5/12/03 , o cumprimento do disposto no artº 864º do CPC
Em face disso diversos credores reclamaram no apenso próprio seus créditos, entre os quais o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
Porém e por despacho do Ex. mo Sr. Juiz do Tribunal recorrido, datado de 20/2/04, foi ordenado o desentranhamento do requerimento inicial da reclamação de créditos desta entidade, por não estando ela isenta de custas, não ter feito oportuna prova do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, ou junto documento que atestasse a concessão de apoio judiciário.
Discordando agravou esta reclamante , alegando e concluindo:
1- O IGFSS reclamou os seus créditos no processo de execução nº 210/2002, relativos a contribuições devidas pela executada,
2- Por despacho judicial foi recusado o recebimento da reclamação de créditos e ordenado o seu desentranhamento do processo, com o fundamento de não ter sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial;
3- O D.L. 324/03 de 27/12 não isenta do pagamento de custas judiciais, os institutos públicos integrantes da estrutura orgânica do sistema de Segurança Social;
4- Porém o artº 14º nº 1 do D.L. 324/03 estabelece que as alterações ao CCJ constantes desse diploma só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor;
5- Na verdade a execução entrou em juízo em 2002, muito antes de 1/1/04, data da entrada em vigor das alterações ao CCJ
6- Parece evidente que, não sendo o concurso de credores se não uma fase da execução para quantia certa, o momento que releva para saber se o reclamante é ou não devedor de custas e se em consequência teria ou não de proceder à auto liquidação e pagamento da taxa de justiça, no âmbito do presente processo de execução, é o da entrada deste em juízo e não o da apresentação do requerimento de reclamação de créditos, a qual não deu origem a qualquer novo processo;
7- A citação dos credores que podem intervir no concurso e a reclamação de créditos estão regulados no mesmo título que regula a execução para pagamento de quantia certa, sendo em consequência impossível defender o entendimento de que o processo se iniciou com a fase da citação de credores e reclamação de créditos.
Somente contra alegou o MºPº, defendendo o acerto do despacho recorrido.
O Ex. mo Sr Juiz procedeu à respectiva sustentação legal( artº 744º nº 1 do CPC)
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir
Dos Factos
É de considerar a seguinte factualidade:
1- Com base em acordo obtido em acção declarativa, o A A..., veio intentar acção executiva para pagamento de quantia certa contra B....
2- O requerimento inicial do processo executivo deu entrada em juízo em 5/6/02;
3- No decurso da dita execução foi determinado por despacho de fls. 86 e datado de 5/12/03 , o cumprimento do disposto no artº 864º do CPC;
4- Em face disso diversos credores reclamaram no apenso próprio seus créditos, entre os quais o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
5- Por despacho do Ex. mo Sr. Juiz do Tribunal recorrido, datado de 20/2/04, foi ordenado o desentranhamento do requerimento inicial da reclamação de créditos desta entidade, por não estando ela isenta de custas, não ter feito oportuna prova do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, ou junto documento que atestasse a concessão de
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que “ in casu” a única questão a dilucidar é a de se saber se efectivamente, a agravante gozaria de isenção tributária como pretende.
Vejamos então.
Vários pontos relativos a esta impugnação são inquestionáveis, a saber -:
- A ora agravante ao deduzir a sua p. inicial para reclamar créditos de que se considera titular, não juntou documento comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça inicial, nem invocou a concessão de apoio judiciário;
- Por força do disposto no artº 2º nº 1 g) do CCJ( anterior às alterações nele introduzidas pelo D.L. 324/03 de 27/12 esta isenta de tributação- isenção subjectiva- )
- Essa isenção foi-lhe retirada pelo citado D.L 324/03( cfr. seu artº 2)
- Nos termos do artº 14º deste mesmo diploma( disposição transitória) por via de regra, as alterações ao CCJ nele introduzidas, apenas têm aplicação aos processos ,instaurados após a sua entrada em vigor( itálico nosso).
De tudo isto resulta que o que importa aqui determinar, é se se deve considerar a reclamação de créditos em causa, um” processo novo”, ou se ao invés se tratará de mero incidente de um processo executivo, instaurado muito antes da vigência das aludidas alterações legais atinentes ao regime de tributação processual.
E para tanto, devemos procurar saber o que o legislador no citado artº 14 entendeu por “ processos”, sendo certo que para tanto, nos temos que socorrer dos critérios de interpretação dos textos legais, plasmados no artº 9º do CCv, não nos cingindo assim à letra da lei, não podendo todavia abstrair dela por completo, tendo ainda em conta outros factores como p. ex. a unidade do sistema jurídico.
Como se sabe e nos termos do artº 4º nº 1 existem em processo civil ( e consequentemente no adjectivo laboral- artº 1º nº 2 do CPT e cfr. ainda o artº 21 desta mesma codificação- )dois grandes tipos de acções : as declarativas e as executivas.
Como referia Manuel de Andrade, é por intermédio da acção que se assegura a realização efectiva do direito material ou substantivo, sendo que o direito processual é um direito instrumental, já que tem por finalidade regular, em suma, os meios a utilizar, para a solução concreta dos diversos conflitos de interesses entre os particulares, mediante a aplicação de dos critérios fixados em termos gerais e abstractos, pelo direito privado material- cfr. Noções Fundamentais do Processo Civil, 1976, pág. 11-.
Ora se analisarmos a sistematização do CPC, temos que existem três grandes grupos de processos- o declarativo- Título II do Livro III; o executivo- Título III do mesmo Livro; e os processos especiais- título IV ainda do Livro III-
E é exactamente na regulamentação do caminho do processo executivo para pagamento de quantia certa, que nos surge o denominado “ concurso de credores”- cfr. artº s 864º e 865º do CPC-
É certo que o procedimento para reclamação de créditos, assume numa primeira fase uma natureza declarativa, como se alcança pela simples análise dos artºs 865º a 868º desta última codificação.
Porém essa característica não lhe retira a qualidade de “ incidente” do próprio processo executivo( como aliás reconhece o Ex. mo Magistrado do MºPº, nas suas doutas contra alegações ), nem o seu aspecto subordinado a este, o que se conclui desde logo do facto de as reclamações de créditos serem processadas por apenso à execução- nº 8 do citado artº 865º-.
Aliás o concurso de credores só existe por força de uma norma privativa do processo executivo e resultante do desenvolvimento regular deste, para atingir a finalidade do pagamento através da venda de bens penhorados do executado, não apenas ao exequente, mas a outros credores que possuam determinadas qualidades e que inclusivamente tenham preferência na satisfação dos seus créditos.
Ora a nosso ver- e sempre com a ressalva do devido respeito por entendimento diverso- todos estas circunstâncias apontam para a ideia de que a reclamação de créditos, dados os seus aspectos incidental e subordinado já referidos, não pode ser considerado um verdadeiro processo.
Este é e tão somente o processo de execução, de que a aludida reclamação depende directamente.
E nem se argumente contra este raciocínio, com o facto de nos termos do artº 474º f) a secretaria ter o dever de recusar uma p. inicial, quando a parte não junte documento comprovativo do pagamento prévio da taxa de justiça, ou então da concessão de apoio judiciário.
Sem dúvida que o requerimento inicial de uma reclamação de créditos assume uma configuração de petição inicial.
Mas naturalmente que os deveres plasmados neste normativo, só se aplicam ao litigante que não esteja isento de tributação.
Se pelo contrário, goza de tal benefício, nem sequer a questão se coloca, como nos parece de toda a lógica.
Ora exactamente o que se pretende no caso concreto apurar é se a recorrente , está ou não isenta de tributação.
Contudo sempre se poderia invocar em contrário da tese que aqui defendemos, o facto da agravante apenas ter entrado na lide, após a vigência do D.L. 324/03.
E daí resultaria a aplicação do novo regime tributário.
Somos de opinião todavia, que esta contraposição, também não pode colher.
É que o momento decisivo para a consideração da existência da isenção tributária, não é o do início da participação processual da parte( espontaneamente ou por força de um qualquer chamamento aos autos) mas sim o da data da entrada em juízo do processo, onde essa intervenção ocorreu.
É o que resulta da hermenêutica do citado artº 14º nº1.
Efectivamente aí o legislador refere-se aos “ processos instaurados após a entrada em vigor das alterações ao CCJ”.
E em nosso modesto entender, por tudo o que sobre este aspecto vimos escrevendo nesta decisão e “ in casu”, o referido processo não pode deixar de ser( no mínimo )
o processo executivo, onde sucedeu a reclamação de créditos.
Em suma:
- ao abrigo do então artº 2º nº 1 g) do CCJ a agravante estava isenta de custas;
- este benefício veio a desaparecer após a entrada em vigor do D.L. 324/03 de 27/12, o que aconteceu em 1/1/04( seu artº 16º)
- Todavia o artº 14º nº 1 deste diploma veio estabelecer o princípio que as novas regras apenas se aplicavam aos processos instaurados a partir dessa data;
- A reclamação de créditos, dado o seu carácter incidental e de subordinação ao processo executivo de que necessariamente depende e é a razão de ser da sua existência, não pode ser considerada como “ um processo” para efeitos do dito artº 14º.
- Esse será pelo menos, o processo de execução
- Tendo este último dado entrada em juízo em 5/2/02 são pois de aplicar as regras relativas a custas, vigentes nessa data.
- Nessa altura e por força do citado artº 2º nº 1 g) a ora recorrente estava isenta de tributação.
- Logo ao vir à execução reclamar eventuais créditos ,não era de observar o disposto no artº 474º f) do CPC.
Termos em que, se concede provimento ao agravo, revogando-se o despacho sob censura, que deverá ser substituído por outro, que determine a junção da reclamação apresentada pela agravante às restantes reclamações de créditos, seguindo-se os ulteriores e adequados termos processuais, dando-se desde logo cumprimento ao disposto no artº 866º nº 1 do CPC, se a tal nenhuma outra circunstância a isso obstar.
Sem custas, por o único contra alegante estar delas isento( artº 2º nº 1 a) do CCJ aplicável e também dado o disposto na alínea o) da mesma norma, no que concerne ao outro credor reclamante.