Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1907/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. ARTUR DIAS
Descritores: ACÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS PELO CABEÇA DE CASAL
LEGITIMIDADE PASSIVA DESTE
Data do Acordão: 11/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MÊDA
Texto Integral: S
Meio Processual: REC. APELAÇÃO E AGRAVO
Decisão: NEGAR PROVIMENTO AO REC. AGRAVO; CONFIRMAR O REC. DE APELAÇÃO
Área Temática: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Legislação Nacional: ART. S 2079°,2080° E 2093°, DO. C.C; 1014° DO C.P.C.
Sumário:
I- O cabeça de casal tem existência jurídica desde a data da morte do autor da herança, independentemente de haver ou não lugar a inventário.
II- A circunstância de não existir qualquer decisão formal de nomeação do c. casal não impede que a pessoa a quem a lei confere esse cargo detenha essa qualidade e, sobretudo, que exerça as funções correspondentes .
III- O c. casal de facto, desde que efectivamente administre os bens da herança, tem obrigação de prestar contas aos demais interessados, não obstando a tal a inexistência de qualquer nomeação para o cargo, o que deve ser feito pelo processo geral dos art. s 1014° e segs. do C.P.C. .
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO nº 1907/03
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Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
1. RELATÓRIO
CRISTIANO ..., casado, motorista, residente na Rua ... Mafamude, intentou acção especial de prestação de contas contra sua mãe, HERMÍNIA ..., viúva, empresária, residente na Praça ..., alegando que esta, desde a morte, ocorrida em 04/01/97, de Luís ..., seu marido e pai do A., tem, na qualidade de cabeça de casal, administrado o património da herança ilíquida e indivisa, sem que, contra o disposto no art° 2093°, n° 1 do Cód. Civil, alguma vez haja prestado contas de tal administração.
A R. contestou a obrigação de prestar contas alegando que nunca foi nomeada ou empossada no cargo de cabeça de casal e que não administra, nem administrou nunca, a herança (o que lhe retiraria legitimidade processual passiva).
O A. respondeu, aceitando que a R. nunca foi nomeada ou empossada por qualquer entidade para o cargo de cabeça de casal, mas contrapondo que sempre se comportou e actuou como tal, designadamente, tendo, naquela qualidade, participado o óbito do marido, subscrito e assinado a relação de bens, liquidado o imposto sucessório e gerido o património do casal.
A convite do Tribunal e com vista a evitar a ilegitimidade activa, foi pelo A. requerida a intervenção principal dos demais herdeiros do Luís ..., seus irmãos, José Luís ..., Silvério ..., António ... e Maria da ... .
Alegando que não foi notificada do despacho que convidou o A. a suscitar a intervenção principal, nem do requerimento com que foi satisfeito o convite, a R. arguiu a nulidade de todos os actos subsequentes, arguição essa que foi indeferida.
Inconformada, a R. interpôs recurso, que foi admitido como agravo, com subida diferida e efeito devolutivo.
Na alegação de recurso que apresentou, a agravante formulou as conclusões seguintes:
1) O despacho que convidou o autor a requerer a intervenção principal provocada dos restantes herdeiros, numa acção de prestação de contas em que é requerida a cabeça de casal não é um despacho de mero expediente;
2) Tal despacho, porque influi e modifica a relação jurídico processual, deveria ter sido notificado à outra parte, para sobre ele exercer o direito de contraditório;
3) A notificação por telecópia entre mandatários só se completa depois de ter sido dado cumprimento ao disposto no nº 3 do art. 150º do CPC, ou seja, após o envio ao mandatário da outra parte do suporte digital ou cópia de segurança;
4) Quem não quiser sujeitar-se a este ónus deverá efectuar a notificação por carta com registo ou por entrega pessoal.
5) O despacho recorrido viola o disposto nos artigos 3º e 156º, 229º-A, 260º-A e 150º do CPC.
O A. não respondeu.
Foi proferido despacho de sustentação.
Tendo os autos prosseguido, foi proferida a decisão de fls. 118 e 119, pela qual se entendeu indeferir a pretensão do A. e declarar a inexistência da obrigação da R. em prestar contas.
O A. recorreu, tendo o recurso sido admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito devolutivo (nesta Relação, porém, foi alterada a espécie – passando a ser apelação – e o efeito do recurso – passando a ser o suspensivo).
Na alegação apresentada o recorrente formulou as conclusões seguintes:
a) Actuando a Ré como cabeça de casal, nomeadamente quando apresentou a relação de bens no processo de imposto sucessório, não carece de nomeação judicial para efeitos de prestação de contas, tanto mais que sempre podia e devia prestá-las espontaneamente;
b) Sendo a herança administrada pela Ré mesmo que com a colaboração dos restantes co-herdeiros, com excepção do aqui agravante, incumbir-lhe-á ainda assim a prestação das contas;
c) A obrigação de prestação de contas pela cabeça de casal nos termos do artº 2093º C. Civil, não faz depender tal obrigação da sua nomeação judicial ou não como cabeça de casal;
d) O cargo de cabeça de casal defere-se pela ordem enumerada no artº 2080º nº 1 al. a) do C. Civil em primeiro lugar ao cônjuge sobrevivo;
e) A obrigatoriedade legal de conexão imposta pelo artº 1019º do C.P.C, é para os casos em que haja nomeação judicial efectivada, pelo que, a prestação de contas nesse caso, será feita por dependência de tal processo de nomeação;
f) Tal disposição, não invalida que haja prestação de contas pelo cabeça de casal quando não haja nomeação judicial, mas este actue como tal, nomeadamente quando assim se assume no processo de imposto sucessório;
g) O artº 1014º C.P.C. obriga à prestação de contas por quem tem o dever de fazê-lo independentemente de nomeação judicial;
h) Foram violados entre outros o disposto nos artºs 2080º, 2093º C. Civil, 1014º e 1019º C.P.C..
A recorrida respondeu defendendo a manutenção da decisão sob recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil (diploma a que pertencem todas as disposições legais adiante citadas sem outra menção), é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que a este Tribunal são colocadas as questões seguintes:
1) No agravo:
- se a omissão da notificação à R. do despacho de fls. 56 - que convidou o A. para, em 15 dias, suscitar a intervenção principal provocada dos restantes herdeiros, sob pena de ilegitimidade activa e consequente absolvição da ré da instância – integra nulidade processual e, no caso afirmativo, quais as consequências da mesma;
- se foi omitida a notificação à R. da apresentação do requerimento de fls. 58 e 59 – através do qual o A. deu satisfação ao convite e deduziu o incidente de intervenção principal provocada dos restantes herdeiros – e, no caso afirmativo, se a omissão integra nulidade processual e quais as consequências da mesma.
2) Na apelação:
- Se sobre a R. recai ou não a obrigação de prestar contas.
Atento o disposto no artº 710º, nº 1, começar-se-á pela apreciação da apelação.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Suprindo a omissão verificada na decisão recorrida no tocante à discriminação dos factos considerados provados, passa-se a tal discriminação.
Assim, com base nos documentos juntos aos autos, encontra-se já assente que:
A) Luís Duarte Martins faleceu, no estado de casado com a R. Hermínia Santos Gomes, no dia 4/1/1997;
B) O A. é filho daqueles Luís Duarte Martins e Hermínia Santos Gomes;
C) Pela Repartição de Finanças do concelho de Penedono correu termos, sob o nº 5237, um processo de Imposto sobre Sucessões e Doações, instaurado por óbito de Luís Duarte Martins, em cujo âmbito, no dia 21/1/1997, a R., na qualidade de herdeira e cabeça de casal, prestou declarações;
D) De tais declarações consta que o Luís Duarte Martins faleceu no estado de casado com a declarante segundo o regime de comunhão geral de bens, em primeiras e únicas núpcias de ambos, sem testamento ou qualquer outra disposição de sua última vontade, sucedendo-lhe na herança, além da viúva (declarante), os seguintes descendentes:
1- José Luís ...;
2- Silvério ...;
3- Cristiano ...;
4- António ...; e
5- Maria da Luz ... .
E) Do processo referido na al. C) consta uma relação dos bens deixados por óbito do Luís Duarte Martins, apresentada pela R., na qualidade de cabeça de casal, em 20/2/1997, relação essa integrada por 16 (dezasseis) verbas, sendo 9 (nove) relativas a bens móveis e 7 (sete) relativas a bens imóveis.
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3.2. De direito
3.2.1. Se sobre a R. recai ou não a obrigação de prestar contas
Dada a sua pouca extensão, transcreve-se a argumentação usada na decisão recorrida para declarar a inexistência da obrigação da R. de prestar contas. Aí se escreveu:
“A obrigação de o cabeça de casal prestar contas está prevista no artigo 2093º do C.C..
Todavia exige a norma contida no artigo 1019º do C.P.C, o seguinte: “As contas a prestar por representantes legais de incapazes, pelo cabeça de casal e por administrador ou depositário judicialmente nomeados são prestadas por dependência do processo em que a nomeação haja sido feita”.
Estabelece este artigo a regra da competência por conexão relativamente às contas relativamente a estas pessoas, em que o processo de prestação de contas é tramitado como dependência e por apenso à causa em que teve lugar a nomeação.
Ora, no caso em apreço, a ré, como o reconhece o autor, nunca foi nomeada como cabeça de casal.
Falha assim um dos pressupostos de admissibilidade legal da instauração desta acção”.
A figura do cabeça de casal encontra-se delineada nos artºs 2079º e seguintes do Cód. Civil, estabelecendo o artº 2080º, nº 1, a ordem pela qual aquele cargo se defere e resultando da alínea a) que no topo das pessoas a quem incumbe o exercício das funções de cabeça de casal se situa o cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal.
Porque o cargo de cabeça de casal é geralmente associado ao processo de inventário, onde há uma nomeação por despacho do juiz (artº 1339º), têm-se suscitado, por vezes, dúvidas sobre quando entra o cabeça de casal em exercício de funções e, nomeadamente, se para tal é necessária qualquer nomeação.
A doutrina tem entendido predominantemente que o cabeça de casal tem existência jurídica desde a morte do autor da herança, independentemente de haver ou não lugar a inventário Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3ª edição, vol. I, pág. 264 e vol. III, págs. 54/55; Oliveira Ascenção, Direito das Sucessões, edição da Ass. Ac. da Fac. Direito de Lisboa, 1979, pág. 568; Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 2ª edição, pág. 55; e Domingos Silva Carvalho de Sá, Do Inventário, Descrever, Avaliar e Partir, 3ª edição, pág. 47..
Tal decorre quer da circunstância de a necessidade de administração da herança se fazer sentir desde a morte do “de cujus”, quer de obrigações, designadamente de natureza tributária Cfr., v. g., artºs 60º e 67º do Código da Sisa e do Imposto Sobre Sucessões e Doações., impostas pela lei ao cabeça de casal, independentemente de qualquer nomeação ou da existência ou não de inventário.
Nesse caso, a pessoa a quem legalmente o cargo compete e efectivamente o exerce, independentemente de qualquer nomeação, poderá designar-se de cabeça de casal de facto.
A circunstância de não existir qualquer decisão formal de nomeação da R. como cabeça de casal não impede que ela detenha essa qualidade e, sobretudo, que exerça as funções correspondentes. Isto é, que seja cabeça de casal de facto.
Embora a lei preveja expressamente numerosas situações em que existe obrigação de prestar contas Cfr. Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. I, reimpressão, pág. 303; e Rodrigues Bastos e Sinde Monteiro, referidos no Ac. Rel. Coimbra de 14/7/92, in CJ, XVII, IV, 66.
Entre os casos previstos na lei figura o do cabeça de casal – artº 2093º do Cód. Civil., pode formular-se um princípio geral - que também decorre do artº 1014º, foi já enunciado pelo Prof. Alberto dos Reis Obra e local citados. e vem sendo aceite pela jurisprudência Ac. STJ de 28/1/75, in BMJ, 243, 265 e Ac. Rel. Lisboa de 24/5/90, in CJ, XV, III, 125/127. - de que quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses.
Assim, o cabeça de casal de facto, desde que efectivamente administre os bens da herança, tem obrigação de prestar contas aos respectivos interessados, não obstando a tal a inexistência de qualquer nomeação para o cargo Lopes Cardoso, Obra citada, vol. III, pág. 56..
De resto, para ter essa obrigação o que é essencial é que se administre os bens da herança, não importando se tal ocorre porque se é cabeça de casal – nomeado ou de facto – ou porque se é simples herdeiro A. Rel. Porto de 8/6/78, CJ, III, III, 871..
Pondo de parte, por falta de interesse para o caso que nos ocupa, os processos especialíssimos de prestação de contas por parte dos representantes legais de incapazes e do depositário judicial (artºs 1020º a 1023º), o processo especial de prestação de contas encontra-se regulado nos artºs 1014º a 1018º, havendo ainda que aí distinguir a prestação provocada e a prestação espontânea de contas.
O artº 1019º, expressamente citado na decisão sob recurso, estabelece uma regra de competência por conexão, determinando que “as contas a prestar por representantes legais de incapazes, pelo cabeça-de-casal e por administrador ou depositário judicialmente nomeados são prestadas por dependência do processo em que a nomeação haja sido feita”.
Esta disposição legal não tem, contudo, o alcance que lhe foi dado na decisão recorrida, qual seja o de que o cabeça de casal de facto, porque não há processo onde tenha sido nomeado, não tem obrigação de prestar contas.
Como, no domínio de versão anterior do Cód. Proc. Civil, mas ainda com total aplicação, ensinava Lopes Cardoso Obra citada, vol. III, págs. 56/57., “o cabeça de casal de facto prestará as suas contas pelo processo geral dos artºs 1014º e segs., e o cabeça de casal investido judicialmente em inventário pelo processo do artº 1019º, ambos do Cód. Proc. Civil, sendo competente para as primeiras o juízo do domicílio do réu (idem, artº 85º) e processando-se as segundas por dependência do processo de inventário (ibidem, artº 1019º)”.
Para que sobre o cabeça de casal de facto recaia a obrigação de prestar contas é indispensável que efectivamente ele administre herança.
No caso dos autos sucede que enquanto o A. alega que a R. tem efectivamente administrado a herança, descrevendo mesmo diversos actos demonstrativos dessa administração (cfr. artºs 3º a 12º, 14º e 15º da petição inicial e 6º a 9º da resposta), a R. nega esses factos, contrapondo que “não administra nem nunca administrou a herança” (artº 5º da contestação) e que a herança “sempre foi administrada em conjunto por todos os seus filhos, com excepção do A. que unilateral e voluntariamente se afastou, a certo passo, de tal administração” (artºs 6º, 7º e 8º da contestação).
Os factos acima considerados assentes (cfr. als. C), D) e E) do ponto 3.1.), embora mostrem que a R. se assumiu perante as autoridades fiscais como cabeça de casal, não fazem concluir que efectivamente ela tenha vindo a administrar a herança.
Inexistem, pois, por agora, elementos suficientes para uma decisão conscienciosa e fundamentada, impondo-se que, nos termos do artº 1014º-A, nº 3, na 1ª instância se proceda à produção das provas necessárias, designadamente à inquirição das testemunhas indicadas na contestação e na resposta, ou, entendendo-se que a questão não pode ser sumariamente decidida, se mande seguir os termos subsequentes do processo comum.
Procedem, portanto, em parte, as conclusões da alegação do apelante Cristiano Gomes Martins, o que conduz à revogação da decisão recorrida, a fim de se proceder como acabado de expor.
E, nos termos do artº 710º, nº 1, 2ª parte, há que apreciar o recurso de agravo interposto pela R. Hermínia Santos Gomes.
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3.2.2. Omissão da notificação à R. do despacho de fls. 56
Pelo do despacho de fls. 56 o tribunal “a quo” fez uso do poder vinculado “Dever oficial de agir” lhe chama o Prof. Antunes Varela, in RLJ, Aano 130º, pág. 195, nota 83., previsto nos artºs 265º, nº 2 e 508º, nº 1, providenciando – através do convite ao A. a que suscitasse o incidente da intervenção principal - pelo suprimento da ilegitimidade activa, resultante da preterição do litisconsórcio necessário com os demais descendentes do Luís Duarte Martins Sobre esta matéria, cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, 2ª edição, pág. 71..
Trata-se, se bem vemos, de um despacho que, pelas suas características, não necessita de ser notificado à parte contrária.
De acordo com o nº 2 do artº 228º, a notificação serve para, fora dos casos em que seja apropriada a citação, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.
Concretizando, estabelece o artº 229º:
1– A notificação relativa a processo pendente deve considerar-se consequência necessária do despacho que designa dia para qualquer acto em que devam comparecer determinadas pessoas ou a que as partes tenham o direito de assistir; devem também ser notificados, sem necessidade de ordem expressa, as sentenças e os despachos que a lei mande notificar e todos os que possam causar prejuízo às partes.
2– Cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação.
O despacho que convidou o A. a suscitar o incidente de intervenção principal não se enquadra na previsão da disposição legal transcrita. A desnecessidade da sua notificação à parte contrária decorre ainda da circunstância de não poder ser objecto de recurso (artº 508º, nº 6), apresentando-se-nos como aplicável, ainda que por analogia, o disposto no nº 4 do artº 508º, havendo lugar ao exercício do contraditório apenas no caso de a parte corresponder ao convite, suscitando o incidente e relativamente a este (cfr. tb. artº 326º, nº 2).
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3.2.3. Notificação do requerimento de intervenção principal provocada
No caso dos autos, o A. correspondeu ao convite, requerendo a intervenção principal dos seus irmãos, também herdeiros do falecido Luís Duarte Martins. E, atento o disposto nos artºs 229º-A e 260º-A, através de telecópia (cfr. fls. 60 e 61), notificou a R., na pessoa do seu mandatário, do requerimento do incidente.
Defende a agravante que, de acordo com o nº 3 do artº 150º, aplicável por força do artº 260º-A, a notificação por telecópia só se completa após o envio ao mandatário da outra parte do suporte digital ou cópia de segurança.
Atendendo à data do acto em causa (03/06/2002), vigorava a redacção do artº 150º introduzida pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/12, prevendo o nº 3 que podem as partes praticar actos processuais através de telecópia ou por meios telemáticos, nos termos previstos em diploma regulamentar A exigência da remessa ao tribunal do suporte digital ou da cópia de segurança está contemplada no nº 3 do artº 150º, na redacção dada pelo Dec. Lei nº 183/2000, de 10/08. Contudo, de acordo com o artº 7º, nº 1 daquele diploma e com artº 1º do Dec. Lei nº 320-B/2002, de 30/12, o regime previsto nos nºs 1 a 3 do artº 150º só entrou em vigor em 15/09/2003, podendo as partes dele prevalecer-se desde o dia 1 de Janeiro de 2001.
Esta última parte – possibilidade de as partes se prevalecerem do regime desde 1 de Janeiro de 2001 – respeita, se bem vemos, ao envio por correio electrónico, já que para o envio por telecópia, já anteriormente possível, a previsão daquela possibilidade parece redundante..
O diploma regulamentar mencionado é o Dec. Lei nº 28/92, de 27/02, de cujo artº 4º, designadamente dos respectivos nºs 3 e 4, resulta que, com excepção dos originais dos articulados e de quaisquer documentos autênticos ou autenticados enviados por telecópia, os quais devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos autos, incumbe às partes conservarem até ao trânsito em julgado da decisão os originais de quaisquer outras peças processuais ou documentos remetidos por telecópia, podendo o juiz, a todo o tempo, determinar a respectiva apresentação.
Isto é, tratando-se de peças processuais que não sejam articulados ou de documentos que não sejam autênticos ou autenticados, a parte que recorresse ao envio por telecópia não tinha a obrigação de remeter ou entregar os originais, apenas lhe sendo exigível que os conservasse até ao trânsito em julgado da decisão, a fim de, a todo o tempo, por determinação do juiz, poderem ser apresentados.
A remissão feita pelo nº 1 do artº 260º-A para o disposto nos artigos 150º e 152º parece-nos dever ser entendida como visando a redacção daquelas disposições em vigor na data da prática do acto, não fazendo qualquer sentido que, não exigindo a lei o envio do original para o tribunal, exigisse o envio do mesmo para o escritório do advogado da contraparte.
De resto, se a parte notificada nos termos dos artºs 229º-A e 260º-A tiver quaisquer dúvidas quanto à fidedignidade das peças processuais ou dos documentos recebidos, basta-lhe dirigir-se ao tribunal e fazer o confronto com as peças e documentos incorporados no processo.
É, pois, nosso entendimento que nas notificações entre os mandatários das partes, feitas por telecópia nos termos dos artºs 229º-A, 260º-A e 150º, este na redacção anterior à do Dec. Lei nº 183/2000, de 10/08, não é exigível o posterior envio dos originais das peças processuais e dos documentos respectivos.
Ou seja, a remissão feita pelo artº 260º-A para os artºs 150º e 152º tem de ser interpretada “cum grano salis”, isto é, como estando sujeita às adaptações impostas pela lógica das coisas. Por isso, nem todas as exigências previstas na lei relativamente ao envio para o tribunal de peças processuais ou de documentos são necessariamente transponíveis para as notificações entre mandatários.
Mesmo no regime decorrente das alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 183/2000 – cuja aplicação ao caso dos autos pode ser defendida com base na previsão da última parte do nº 1 do artº 7º, que permite às partes que dele se prevaleçam desde 01/02/2001 - afigura-se-nos carecer de fundamento que as notificações entre mandatários feitas através de telecópia ou por correio electrónico, devam ser seguidas do envio, no prazo de cinco dias, respectivamente, do suporte digital ou da cópia de segurança.
Com a recepção da telecópia ou do correio electrónico o mandatário toma conhecimento não apenas da apresentação da peça processual ou do documento, como do teor respectivo, ficando em condições de, se assim o entender, se pronunciar, no prazo devido. O envio do suporte digital, no caso da telecópia, ou da cópia de segurança, no caso do correio electrónico, justifica-se relativamente ao tribunal, mas não relativamente ao mandatário da contraparte.
Acresce que, no caso das notificações entre mandatários, não se colocando problemas de prazos, se fosse exigível a posterior remessa pelo correio do suporte digital ou da cópia de segurança, não haveria qualquer vantagem em recorrer à telecópia ou ao correio electrónico. Recorrer-se-ia, desde início, à notificação através do correio e evitar-se-iam desnecessárias duplicações de esforços.
No caso dos autos, o relatório de envio junto a fls. 61 constitui prova de que do aparelho de telecópia do mandatário do A. (fax 271742464) foi enviada, no dia 03/06/2002, pelas 7.54 horas, para o aparelho de telecópia do mandatário da R. (fax 239826828) uma telecópia, tendo o envio durado 1, 14 minutos. E esse facto não foi infirmado, apesar da afirmação da R., não complementada com qualquer prova, de que não recebeu a telecópia.
Mesmo que, porventura, se considerasse que foi omitida a notificação, tal constituiria uma irregularidade sem relevância para o exame e decisão da causa, não dando lugar a nulidade processual nem à anulação de quaisquer actos (artº 201º). Efectivamente, o requerimento de intervenção principal provocada foi apresentado na sequência de convite do juiz nesse sentido e para suprir a ilegitimidade activa decorrente da preterição de litisconsórcio necessário, pelo que, ainda que a R. se opusesse, a intervenção não deixaria de ser admitida.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação da agravante, o que conduz ao não provimento do agravo e à manutenção do despacho recorrido.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em:
a) Negar provimento ao agravo e, consequentemente, manter o despacho de fls. 72;
b) Julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão de fls. 118 e 119, devendo os autos prosseguir a fim de, com vista apurar se a R. tem vindo ou não a administrar a herança, nos termos do artº 1014º-A, nº 3, na 1ª instância se proceder à produção das provas necessárias, designadamente à inquirição das testemunhas indicadas na contestação e na resposta, ou, entendendo-se que a questão não pode ser sumariamente decidida, se mandar seguir os termos subsequentes do processo comum.
As custas são a cargo da agravante e apelada.